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O caso Bombardier versus Embraer:

análise crítica do emprego da retaliação no seio do sistema de solução de controvérsias da OMC

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Agenda 24/08/2007 às 00:00

1 O CASO BOMBARDIER VERSUS EMBRAER

            A concessão de subsídios [12] pelo governo brasileiro com vistas a estimular a exportação de jatos nacionais gerou elevados níveis de desgaste diplomático. Diante disso, o Dispute Settlement Body [13] ganhou notoriedade e repercussão no Brasil em virtude do acirramento das tensões envolvendo a empresa canadense Bombardier e a empresa brasileira Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.) na disputa comercial existente no segmento da indústria da aviação comercial.

            O caso original, que motivou o julgamento pelo DSB, será estudado sob a ótica dos princípios e tratados que compõem a Organização Mundial do Comércio com vistas a viabilizar um estudo crítico do instituto da retaliação como sanção no seio do sistema de solução de controvérsias, enfocando o processo de implementação e a análise da eficácia da mesma.

            1.1.HISTÓRICO DOS FATOS

            Haja vista a dificuldade e/ou impossibilidade de as empresas nacionais conseguirem obter taxas de juros equivalentes às praticadas internacionalmente, por força do "Risco Brasil", o governo brasileiro lançou um programa com a finalidade de estimular as exportações.

            O anseio de contestar o Programa de Financiamento às Exportações (PROEX) motivou a decisão do governo canadense de recorrer à OMC [14] em virtude da disputa comercial no setor de jatos, uma vez que, no entender do Canadá, o PROEX violaria frontalmente o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias [15].

            1.1.1.Estopim da controvérsia: o subsídio proibido.

            O PROEX – criado no Brasil pela Lei nº 8.187/91, e, posteriormente alterado pelas Medidas Provisórias nos 1.629/98 e 1.892/99 – consiste num sistema de compensação das taxas de juros aplicáveis às exportações de aeronaves por meio do fornecimento de linhas de crédito aos exportadores brasileiros, através dos mesmos encargos financeiros utilizados no mercado internacional.

            Existem duas formas alternativas de utilizar o PROEX: a primeira, com financiamento direto do governo, com recursos do âmbito do próprio programa; ou, então, mediante a adoção de uma equalização de taxas, por meio da qual o Tesouro Nacional, através da emissão de bonds [16] no mercado internacional, assegura ao agente financiador a diferença entre a taxa que é aplicada e a taxa internacionalmente praticada, de modo a permitir que as empresas nacionais exportadoras façam uso da taxa internacional e, portanto, de melhores condições de financiamento.

            Ditas medidas visam a estimular as exportações em geral. Esse incentivo encaixava-se nas necessidades do mercado brasileiro de fabricação de jatos em razão das características do próprio segmento, como, por exemplo, os financiamentos longos e onerosos. Essa forma de financiamento governamental, por intermédio da equalização financeira, viabilizou à Embraer pactuar contratos de financiamento menos onerosos, e, conseqüentemente, oferecer seus produtos a preços e condições mais competitivas, o que veio a desencadear a reação da Bombardier e a iniciar toda a contenda envolvendo o governo brasileiro e o canadense.

            A empresa Bombardier pressionou o governo canadense a ingressar junto à OMC a fim de obter do DSB a confirmação de que a equalização financeira do PROEX constituía um subsídio ilegal, o qual se adequaria à definição de subsídio proibido contida no artigo 3, "1", "a", do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM Agreement – Agreement on Subsidies and Countervailing Measures):

            Artigo 3

            Proibição

            1. Com exceção do disposto no Acordo sobre Agricultura, serão proibidos os seguintes subsídios, conforme definidos no Artigo 1:

            a)subsídios vinculados, de fato ou de direito, ao desempenho exportador, quer individualmente, quer como parte de um conjunto de condições, inclusive aqueles indicados a título de exemplo no Anexo I;

            De fato, o objetivo do SCM Agreement, originado do antigo GATT, tem sido inviabilizar "incentivos oficiais", promovendo a livre concorrência internacional e a liberalização das trocas comerciais como escopos fundamentais da OMC. [17] No entanto, paralelamente aos subsídios proibidos, o Acordo aborda, em seu Anexo I, uma exceção quanto à equalização de taxas financeiras.

            Sustentou o Brasil que, de acordo com o item "k" do Anexo I do Acordo, abaixo transcrito, a equalização financeira somente poderia ser considerada como subsídio à exportação quando a mesma fosse utilizada para "garantir vantagem de monta nas condições de créditos à exportação":

            k) a concessão pelo governo (ou por instituições especiais controladas pelas autoridades do governo e/ou agindo sob seu comando) de créditos à exportação a taxas inferiores àquelas pelas quais o governo obtém os recursos utilizados para estabelecer tais créditos (ou que teriam de pagar se tomassem emprestado nos mercados financeiros internacionais recursos com a mesma maturação, nas mesmas condições creditícias e na mesma moeda do crédito à exportação), ou o pagamento pelo governo da totalidade ou de parte dos custos em que incorrem exportadores ou instituições financeiras quando obtêm créditos, na medida em que sejam utilizados para garantir vantagem de monta nas condições dos créditos à exportação.

            Enfim, o Brasil não questionou o fato de o PROEX conceder um incentivo. No entanto, ressaltou que esse benefício não concedia à Embraer uma vantagem determinante nas exportações de jatos. Destacou, inclusive, que essa condicionante, "garantir vantagem de monta", encaixava-se na exceção prevista na nota de rodapé nº 5 do próprio artigo 3, "1" do SCM Agreement, que previa que as "medidas que estejam indicadas no Anexo I como não caracterizadoras de subsídios à exportação não serão proibidas por este Artigo ou nenhum outro deste Acordo."

            Caberia então analisar sob quais aspectos seria configurada uma "vantagem de monta". Uma vez que o termo não apresenta definição ao longo do Tratado, o mesmo deve ser compreendido segundo o significado comum, qual seja, real relevância e conseqüência determinante para conferir prevalência sobre vantagem equivalente. Assim, consoante as alegações brasileiras, dois aspectos deveriam ser considerados com o fim de averiguar se o PROEX concedia uma vantagem especial: i) o chamado "Risco Brasil", que onerava os financiamentos obtidos por empresas brasileiras; e ii) os benefícios concedidos pelo Canadá à Bombardier.

            Comprovada a coexistência dos fatores, o Brasil acreditava que o PROEX não seria justificado como uma "vantagem de monta", mas sim como medida necessária a equilibrar a disputa comercial, excluindo fatores estranhos ao produto comercial em si de influir na contenda.

            Dessa forma, o Brasil recorreu à elaboração de um parecer, por meio do qual sustentava que:

            a)a Bombardier era beneficiada por diversos programas patrocinados pelo governo canadense, além de ser pioneira na fabricação de jatos regionais, sendo inviável a competição em igualdade de condições para o Brasil e a Embraer sem o PROEX;

            b)mesmo com o advento do programa brasileiro, a Bombardier detinha 57% dos pedidos de encomenda de jatos de todo o mundo, não conferindo o PROEX presença monopolista à Embraer junto ao mercado internacional;

            c)ainda que o PROEX consistisse em subsídio proibido, segundo o artigo 3, "1", "a" do Acordo, o mesmo estaria em conformidade com as disposições dispensadas aos países em desenvolvimento no artigo 27 do próprio SCM Agreement:

            Artigo 27

            Tratamento Especial e Diferenciado aos Países em Desenvolvimento Membros

            1.Os Membros reconhecem que subsídios podem desempenhar papel importante em programas de desenvolvimento econômico de países em desenvolvimento Membros.

            2.A proibição do parágrafo 1 (a) do Artigo 3 não se aplicará:

            a)aos países em desenvolvimento Membros arrolados no Anexo VII;

            b)a outros países em desenvolvimento Membros pelo período de 8 anos a partir da data de entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, desde que obedecidas as disposições do parágrafo 4.

            [...]

            4. Os países em desenvolvimento Membros a que se refere o parágrafo 2 (b) eliminarão seus subsídios à exportação no período de 8 anos, preferivelmente de maneira progressiva. Os países em desenvolvimento Membros não elevarão, porém, o nível de subsídios à exportação e, sempre que a concessão de subsídios à exportação seja incompatível com suas necessidades de desenvolvimento, eliminá-los-ão em prazo inferior àquele previsto neste parágrafo. Caso estime necessário conceder tais subsídios além do prazo de 8 anos, um país em desenvolvimento Membro, até no máximo um ano antes do final desse prazo, iniciará consultas com o Comitê, que determinará se a prorrogação desse período se justifica, após exame de todas as necessidades econômicas, financeiras e de desenvolvimento pertinentes do país em desenvolvimento Membro em causa. Se o Comitê determinar que a prorrogação se justifica, o país em desenvolvimento Membro manterá consultas anuais com o Comitê para determinar a necessidade de manutenção dos subsídios. Se o Comitê não chega a tal conclusão, o país em desenvolvimento Membro eliminará os subsídios à exportação remanescentes no prazo de dois anos a contar do fim do último período autorizado.

            O Canadá, em réplica, rebateu todas a alegações do governo brasileiro, sustentando basicamente que: i) o PROEX consistia, de fato, em subsídio proibido, não havendo qualquer exceção à lista de ditos subsídios; ii) mesmo sendo consideradas exceções, a equalização financeira promovida pelo programa conferia uma "vantagem de monta" às exportações brasileiras; e iii) o Brasil não poderia se valer do tratamento especial concedido aos países em desenvolvimento, uma vez que não teria satisfeito as condições previstas – não só não teria demonstrado a necessidade da concessão de subsídios para assegurar o desenvolvimento econômico, como também não teria seguido a orientação da não majoração dos subsídios, o que teria sido proporcionado pelo PROEX.

            1.1.2.A Conclusão do Panel

            O relatório do Panel foi apresentado aos países-membros em 14 de abril de 1999. [18] Diante dos quesitos alegados por ambas as partes, o Panel procurou efetivar o julgamento por meio da análise, em separado, das principais linhas de argumentação que resumiam e abrangiam o tema.

            A primeira questão seria delimitar se a equalização financeira proporcionada pelo PROEX representaria um subsídio e, ainda, se estaria diretamente relacionado ao desempenho exportador. O Brasil, conforme dito anteriormente, não negou o fato de o PROEX encaixar-se na definição de subsídio, nem tampouco alegou não estar o programa relacionado ao desempenho exportador. Sendo assim, o relatório concluiu que o PROEX consistia em subsídio, uma vez que resultava, de fato, de prática governamental que promovia a transferência de fundos para as exportações brasileiras de jatos da aviação regional.

            Findo esse questionamento, caberia determinar se o programa encontrava respaldo junto às permissivas previstas no item "k", Anexo I do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias. Pautava-se o Brasil no fato de que o PROEX não concedia vantagem de monta, mas consistia em mera formalidade na tentativa de igualar as possibilidades competitivas das empresas nacionais junto ao mercado internacional. O Panel não acolheu os argumentos brasileiros. Restou delimitado, pois, que o PROEX consistia em subsídio proibido, proporcionando vantagem de monta nas condições dos créditos à exportação.

            Segundo a decisão, não havia determinante no SCM Agreement que indicasse que a averiguação da vantagem de monta deveria se embasar na comparação entre o subsídio em questão e outros, ligados a produtos semelhantes de países competidores. A vantagem de monta seria determinada de forma objetiva e materialmente comprovada em relação ao próprio produto beneficiado pelo subsídio. Bastaria que a existência do subsídio fosse suficiente para conferir uma vantagem mais favorável àquele produto, o qual não possuiria tal favorecimento na ausência do mesmo. Ainda, o entendimento propagado pelo Brasil insurgia-se contra o objetivo principal do Acordo, qual seja, a redução ou limitação de subsídios, o que comprometia a razão de sua própria existência.

            Restava ainda examinar a última alegação da defesa brasileira, qual seja, o fato de que, por ser o Brasil um país em desenvolvimento, o PROEX, mesmo sendo considerado subsídio proibido, seria válido, uma vez que o artigo 27 do SCM Agreement – anteriormente transcrito – dispensa tratamento especial aos países em desenvolvimento.

            Não havendo divergência acerca do status do Brasil de país em desenvolvimento, a contrariedade versava a respeito do alcance da expressão "obedecidas as condições do parágrafo 4" presente no artigo 27, "2", "b" do Acordo. De fato, o governo canadense procurou demonstrar que não se poderia invocar a referida proteção no caso concreto uma vez que o Brasil não havia atendido a nenhuma daquelas condições, quais sejam:

            a)não aumentar o volume de subsídios já existentes;

            b)eliminar, de preferência, gradativamente, os subsídios existentes até o período máximo de oito anos a contar da celebração do Acordo;

            c)eliminar subsídios porventura existentes antes do referido prazo de oito anos, caso os mesmos não sejam mais compatíveis com a sua necessidade de desenvolvimento.

            O Panel concluiu que o PROEX, uma vez confrontado com o BEFIEX – antigo programa de estímulo às exportações, mediante a concessão de créditos aos exportadores – representava, de fato, um incremento no volume de subsídios concedidos. Ademais, mesmo não havendo expirado o prazo de oito anos, considerou o relatório que restou violada a segunda condição, já que havia cartas de compromisso emitidas pela Embraer prevendo emissão de bônus para depois da data limite. Diante desse contexto, de nada adiantou o afastamento da acusação de que o Brasil não mais necessitava de subsídios.

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            Baseado nos argumentos expostos, o Panel reconheceu o pleito canadense, decidindo que o PROEX, aplicado ao segmento de venda de jatos regionais, representou um subsídio proibido, tendo violado o disposto no artigo 3 do SCM Agreement, determinando, ainda, que o Brasil interrompesse a concessão desse subsídio proibido no prazo máximo de 90 dias, a contar da prolação da decisão.

            O Brasil recorreu, sem sucesso. [19] O Appellate Body do DSB manteve as conclusões básicas do Panel no sentido de classificar as medidas adotadas com base no PROEX como verdadeiros subsídios proibidos frente ao SCM Agreement.

            Ante a decisão, o Brasil submeteu ao DSB, em 19/11/1999, conforme determina o seu procedimento, as medidas a fim de satisfazer o adequamento do PROEX ao Acordo. As medidas implementadas consistiam na edição da Resolução nº 2.667/99, do Conselho Monetário Nacional, e da Carta-Circular nº 2.881/99, do Banco Central do Brasil que, basicamente, apenas modificavam o critério para a "equalização financeira", limitando as taxas praticadas no PROEX às taxas internacionalmente praticadas.

            O Canadá, entretanto, insatisfeito com as medidas, requereu a realização de novo Panel em 23/11/1999 com o fito específico de avaliar se tais medidas compensatórias estariam ou não em conformidade com o Acordo e, sobretudo, com a decisão proferida anteriormente. Conforme assertivas do governo canadense, o Brasil estaria violando a decisão em virtude de (i) não ter cessado o pagamento dos subsídios tidos como proibidos, em razão de permanecer emitindo bonds para os contratos firmados antes da contenda, e (ii) a nova sistemática do PROEX II ter preservado a característica inicial, uma vez que ainda assegurava uma vantagem de monta às exportações da Embraer.

            O governo brasileiro, em defesa, alegou que (i) uma vez obrigado perante terceiros, em respeito à ordem jurídica e aos direitos adquiridos, a emissão de títulos pela Embraer em atendimento a compromissos já firmados não representaria a concessão de novos subsídios, mas sim a concretização de subsídios já outorgados, e (ii) as novas medidas não asseguravam uma vantagem de monta às exportações brasileiras, uma vez fixado limite internacional compatível com a equalização das taxas de juros.

            De início, em decisão acerca da nova contenda, o Panel ratificou a antiga decisão que determinava que o Brasil retirasse imediatamente os subsídios concedidos por meio do PROEX I, o que englobava a emissão dos bonds mencionados, uma vez que corporificava a noção de pagamentos de subsídios. Ressaltou, quanto à alegação de direitos adquiridos, que o momento inicial da concessão do subsídio proibido era, de fato, o instante em que se realizava a emissão dos títulos e não a celebração das cartas de compromisso. Assim, não se estava determinando o resgate de títulos já emitidos, mas apenas a interrupção de novas emissões. Via de conseqüência, a emissão posterior dos títulos configurava violação ao artigo 3, "2" do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias: "O Membro deste Acordo não concederá ou manterá os subsídios mencionados no parágrafo 1."

            Esse entendimento insurgia-se contra o princípio constitucional brasileiro previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988 e, por tal razão, colocava o Brasil em situação delicada quanto à aplicabilidade do mesmo no Direito Interno Brasileiro, uma vez que ignorava os valores fundamentais relacionados ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. No entanto, essa postura revelava-se coerente com os princípios que norteiam o funcionamento do DSB, bem como com aqueles que devem permear a análise dos tratados que compõem a OMC.

            Finda a análise inicial, o Panel passou ao exame das modificações implementadas ao PROEX I. O debate teve por base a nova referência utilizada pelo Brasil para delimitar a equalização financeira das taxas de juros. O Canadá se insurgiu contra os Treasury Bonds do governo americano, afirmando que os mesmos não refletiam os valores praticados no mercado internacional e, portanto, estariam permitindo ao Brasil ofertar uma vantagem relevante em relação ao mercado internacional. O Brasil, por sua vez, não conseguiu comprovar que o parâmetro adotado deveria servir de referência. Nesse sentido, o Panel pugnou o entendimento de que as mudanças implementadas ao PROEX I não foram suficientes e que, portanto, o Brasil não havia atendido à decisão anteriormente prolatada.

            O posicionamento veio a ser ratificado pelo Appellate Body, o qual indeferiu o recurso apresentado pelo Brasil, mantendo a decisão recorrida pelos seus fundamentos. Diante da decisão, o governo canadense pleiteou a permissão para retaliar comercialmente o Brasil.

            Antes, entretanto, de iniciar a análise acerca da retaliação, cumpre destacar que, ante a negativa do Panel frente à proposta trazida pelo PROEX II e à iminente ameaça de retaliação, o Brasil apresentou ao DSB novas modificações, por meio da Resolução nº 2.799/00, instituindo o PROEX III. A principal mudança implementada residia na substituição da referência utilizada como limite para a equalização financeira das taxas de juros pelo PROEX. NO PROEX III, o governo brasileiro adotou como parâmetro a taxa CIRR – Commercial Interest Reference Rate, divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que colocava o Brasil na mesma situação aceita para os países da OCDE e permitida no parágrafo 2º, item "k" do Anexo I do SCM Agreement.

            Em relatório, em 26/07/2001, o Panel determinou que, embora a nova legislação não considerar o PROEX III um programa de incentivo à exportação totalmente isento de suspeitas quanto à concessão de "benefícios proibidos", conferia ao governo brasileiro discricionariedade suficiente para não conferir subsídios proibidos. Dessa forma, o Panel decidiu que o Canadá não obteve sucesso em demonstrar que o PROEX III conferia, efetiva e obrigatoriamente, um benefício proibido para a Embraer. Ainda, mesmo que fosse considerado subsídio proibido, o mesmo estaria referendado pela exceção dispensada pelo parágrafo 2º, item "k" do Anexo I do Acordo. Em 23/08/2001, o DSB adotou o relatório do Panel.

            Todavia, urge ressaltar que o êxito brasileiro somente sobreveio após a terceira edição do PROEX e que, durante todo o percurso, a discussão em torno do referido programa deu margem a diversos incidentes diplomáticos, os quais resultaram em significativos prejuízos comerciais envolvendo Brasil e Canadá. De fato, quando do julgamento do PROEX II, o DSB considerou que o Brasil não havia se enquadrado nas normas do SCM Agreement, nem tampouco havia atendido aos termos da decisão prolatada por força do julgamento do PROEX I.

            1.2.O RECURSO ÀS CONTRAMEDIDAS

            Em 10/05/2000, o Canadá requereu autorização ao Dispute Settlement Body para proceder às contramedidas, com fundamento no artigo 4, "10" do SCM Agreement e no artigo 22, "2" do Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre Solução de Controvérsias, no montante de C$ 700 (setecentos milhões de dólares canadenses) por ano.

            Na reunião do DSB de 22/05/2000, o Brasil requereu arbitragem [20], com base no artigo 22, "6" do ESC e no artigo 4, "11" do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias, com vistas a avaliar o montante estipulado pelo Canadá. O relatório da arbitragem, de 28/08/2000, determinou que a retaliação, no caso concreto, deveria ser estipulada em, no máximo, C$ 344,2 (trezentos e quarenta e quatro milhões e duzentos mil dólares canadenses) por ano.

            Em 12/12/2000, o Canadá recebeu autorização do DSB, consoante o artigo 22, "7" do ESC e o artigo 4, "10" do SCM Agreement, a adotar medidas de restrição comercial (suspensão de benefícios, sobretarifas, etc.) ao Brasil, até aquele limite fixado. Todavia, o Canadá não fez uso da autorização para retaliar o Brasil. A análise acerca da não implementação da retaliação será feita posteriormente, quando do estudo da eficácia do instituto.

            1.2.1..Autorização da retaliação – da conceituação às desvantagens.

            Determinada a incompatibilidade de certa medida com as normas da OMC, o membro demandado deverá cumprir as decisões do OSC ou, alternativa e temporariamente, oferecer compensações ao demandante, neste último caso observada a cláusula de nação mais favorecida. A inobservância pelo demandado das medidas acima pode ensejar o direito à imposição de contramedidas pela parte demandante.

            A retaliação é, atualmente, o último recurso disponível no ESC à parte demandante vencedora em uma controvérsia no âmbito da OMC e, conforme se depreende do texto do art. 22 do ESC, significa a suspensão de concessões ou outras obrigações assumidas pelo demandante perante o demandado sob os acordos administrados pela organização.

            1.2.1.1.Conceituação

            Preliminarmente, cabem, entretanto, algumas considerações acerca da terminologia utilizada pelo ESC, pela jurisprudência do Órgão de Recurso e pela doutrina. Inicialmente, cumpre destacar que, acerca da terminologia utilizada para designar a citada sanção, o ESC não faz menção alguma ao termo "retaliação", utilizando-se sempre da expressão "suspensão de concessões ou outras obrigações" [21]. Paralelamente, a jurisprudência do ESC faz uso contínuo do termo "contramedidas" [22], no que é seguido pelo Órgão de Recurso e pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias.

            A doutrina, por sua vez, encontra-se dividida quanto à terminologia preferida: "contramedidas", "retaliação", "sanção" ou "sanção comercial". Steve Charnovitz, professor da Georgetown University assegura que quando uma medida comercial é utilizada contra um país para induzir o cumprimento de suas obrigações internacionais, tal medida é denominada "sanção", prevalecendo este termo para o referido doutrinador. Autores há que não se prendem a uma ou outra denominação. No Brasil, Celso Lafer utiliza o termo "sanções", ao passo que Ana Cristina Paulo Pereira se refere invariavelmente à "retaliação" e "contramedidas". Regina Maria de Souza Pereira, Durval e Noronha Goyos Jr. e Tatiana Lacerda Prazeres utilizam a expressão "suspensão de concessões".

            No presente estudo, far-se-á uso indistintamente dos vários termos ora apresentados. No que tange à conceituação, raros são os autores que dispõem de um conceito acerca do que sejam as contramedidas no âmbito da OMC. Dentre aqueles que o determinam, muitos acabam por embutir elementos estranhos, como objetivo, propósito, finalidade, etc., os quais podem variam significativamente.

            A primeira definição de contramedidas, como medidas que seriam de outra forma contrárias às obrigações internacionais de um Estado prejudicado perante o Estado responsável, é encontrada no Direito Internacional nos relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU).

            O que hoje se designa "contramedidas" era, tradicionalmente, conhecido por "represálias não beligerantes", subespécie de "represálias", que englobava toda ação ilícita, inclusive o uso da força, praticada em resposta unilateral a uma violação por outrem. Recentemente, todavia, o termo "represálias" foi limitado às ações praticadas em tempos de guerra, enquanto "contramedidas" corresponderiam às demais formas de ação. O termo "contramedidas" deve ser também diferenciado de "retorsão", que denota uma ação que, embora não amistosa, não chega a ser um ato ilícito.

            No Dictionary of Trade Policy Terms (Dicionário de Termos de Política Comercial) da OMC, conceitua-se "contramedidas" como a suspensão de concessões ou obrigações tomadas a partir da autorização do Órgão de Solução de Controvérsias [23], ao passo que "retaliação" é a ação tomada por um país no intuito de restringir importações, pelo mesmo, de mercadorias de um outro país, o qual elevou tarifas ou impôs outras medidas adversamente, afetando as exportações do primeiro.

            Nesse sentido, será adotado o conceito formulado por Mario Sergio Araujo Braz. Consoante referido autor, a retaliação pode ser conceituada "como uma violação da normativa da OMC, autorizada pelo OSC como reação a uma violação prévia do mesmo ordenamento jurídico pelo país alvo" [24], visto que a sua fundamentação está não apenas nas regras inter partes do caso específico, mas também nos acordos e tratados internacionais aprovados no âmbito da OMC.

            1.2.1.2.Características

            O direito de impor a retaliação é balizado por diversos requisitos ou condições de imposição, bem como pelo direito da parte demandada contestar o montante das contramedidas requeridas. No que tange às características da retaliação, cumpre destacar que consistem em três: unilateralidade, temporariedade e exceção em relação à cláusula de nação mais favorecida.

            A unilateralidade constitui elemento fundamental, uma vez que inova o contexto da solução de controvérsias em matéria de Direito Internacional Público, onde se privilegiam as soluções mutuamente aceitáveis. Consoante tal característica, diversamente da compensação, a qual requerer anuência bilateral, a retaliação é auto-implementável. A unilateralidade expressa a soma da virtual automaticidade da aplicação das contramedidas, almejada pela regra do consenso negativo [25], à desnecessidade de aprovação ou anuência do demandado. Em tempo, uma vez constatado o descumprimento da decisão do OSC e não oferecida compensação satisfatória pelo membro vencido, cabe ao próprio demandante impor as contramedidas, desde que obtida autorização para tanto junto ao OSC, o qual somente pode negá-la por consenso. [26]

            Outra característica é o caráter temporário das contramedidas. O artigo 22, "8" do ESC determina que a suspensão de concessões ou outras obrigações será temporária, sendo aplicável: (i) até a remoção da medida julgada inconsistente com determinado acordo coberto pelo ESC; (ii) até que o membro demandado tenha oferecido uma solução para a anulação ou redução de benefícios sofrida pelo demandante; ou (iii) até que uma solução mutuamente satisfatória tenha sido alcançada.

            A terceira característica configura-se em exceção à cláusula de nação mais favorecida [27]. Dita cláusula prevê que o oferecimento, por exemplo de compensação, pelo demandado ao demandante, deve ser estendido imediata e eqüitativamente aos demais 147 membros da OMC. A suspensão de concessões ou outras obrigações, como forma de retaliação, diversamente do oferecimento de compensações, encontra-se imune a tal princípio [28]. Tal fato se verifica por motivos óbvios: ao passo que o oferecimento de compensação é uma medida que visa a incrementar o acesso, pelos produtos originados da parte demandante, ao mercado da parte demandada, as contramedidas, por sua vez, têm por objetivo dificultar (não raro, vedar) o ingresso dos produtos provenientes do membro demandado no mercado demandante.

            1.2.1.3.Condições para Imposição

            Apesar da unilateralidade inerente à retaliação, esta não é discricionária. Sua imposição é regulada por diversas normas, as quais visam a primar por um dos principais objetivos da revisão do mecanismo de solução de controvérsias quando da elaboração do ESC, qual seja, impedir a arbitrariedade na utilização do recurso pelo membro demandante. Nesse sentido, devem ser observadas condições necessárias para a validade das contramedidas, quais sejam, a necessidade de solicitação formal de autorização para retaliar, a limitação temporal (irretroatividade) e as limitações qualitativas e quantitativas.

            A formalidade de solicitação de aprovação pelo OSC é reflexo da natureza legalista do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, o qual privilegia a norma jurídica em detrimento da diplomacia do mais forte. Segundo tal requisito, uma vez expirado o prazo para que as partes acordem medidas compensatórias mutuamente favoráveis, o demandante deverá solicitar, formal e expressamente, autorização para suspender concessões ou outros benefícios por ele concedidos ao demandado sob os acordos da OMC. Deverão ser informados, na solicitação, os valores (ou critérios para apuração periódica de tais valores) representados pelas contramedidas propostas e a lista de concessões e/ou benefícios a serem suspensos (bens ou serviços afetados), os quais servirão de base para eventual questionamento pelo demandado.

            No tocante à limitação temporal, ainda há controvérsia quanto à retroatividade das contramedidas. O princípio geral de que as sanções na normativa da OMC não podem ser retroativas é consistente com o próprio objeto e propósito do sistema multilateral de comércio, bem como com o mecanismo de solução de controvérsias da organização, qual seja, preservar as oportunidades comerciais futuras ao invés de remediar prejuízos passados. Segundo esse entendimento, a vasta maioria da doutrina, segundo Braz (2006), entende que a imposição de contramedidas no âmbito dos acordos da OMC encontra-se limitada no tempo pelos prejuízos em que efetivamente incorreu a parte demandante posteriormente ao término do prazo razoável para implementação da decisão do OSC.

            A solicitação de autorização para impor a retaliação sujeita-se, também, a limitações de natureza qualitativa. Consistem as mesmas em restrições aos tipos de medidas que podem ser impostas, ou seja, quais concessões ou outras obrigações poderão ser suspensas. A principal limitação encontra-se inserida no artigo 22, "3" do ESC, o qual determina que o demandante deverá observar princípios e procedimentos que constituem normas de limitação setorial. Inicialmente, deverá ser observado o princípio geral, segundo o qual, as contramedidas impostas deverão adstringir-se à suspensão de concessões ou outras obrigações referentes ao mesmo setor (a determinação da limitação setorial encontra-se no artigo 22, "3", "f" do ESC) em que se enquadrem as medidas julgadas inconsistentes com a normativa da OMC, primando por menores desvios de padrões comerciais e menores efeitos negativos da retaliação.

            Muitas vezes, porém, é economicamente ineficaz ou impraticável para o demandante impor contramedidas no mesmo setor em que ocorreu a violação. Nesses casos, o demandado poderá solicitar a suspensão de concessões ou obrigações em outro setor incluído no mesmo acordo comercial, restando delimitada a expressão "mesmo acordo comercial" no artigo 22, "3", "g" do ESC.

            Ainda assim, o membro demandante pode encontrar dificuldades para implementar a retaliação, mormente quando tal membro for comercialmente dependente do demandado, hipótese em que qualquer restrição às importações provenientes deste país causará prejuízos maiores ao próprio demandante que aqueles incorridos pelo demandado. Em tais casos de ineficácia ou impraticabilidade da suspensão de concessões ou outras obrigações sob o mesmo acordo comercial, poderão ser autorizadas contramedidas referentes a um acordo totalmente desvinculado daquele sob o qual as medidas tomadas pelo membro demandado foram consideradas inconsistentes.

            Cumpre ressaltar que a determinação do "mesmo setor" ou do "mesmo acordo" não se dará em função do setor ou acordo em que se verificou a anulação ou a redução de benefícios, mas em função do setor ou acordo em que se verificou a violação pelo demandado. Cabe, ainda, apontar uma peculiaridade da limitação setorial à imposição de contramedidas. Não obstante o adensamento da "juridicidade" [29] do mecanismo de solução de controvérsias da OMC, a avaliação da ineficácia e impraticabilidade das medidas a serem incluídas no esquema retaliatório não incumbe, em princípio, a um órgão da OMC ou a qualquer outro terceiro ou órgão institucional ou adjudicatório externo à controvérsia, mas ao próprio membro demandante.

            Resta ainda uma última forma de limitação aplicável à imposição de contramedidas no âmbito da OMC: o quantum que pode ser autorizado pelo OSC. Uma vez solicitada a autorização pelo demandante para impor contramedidas ao demandado, este poderá requerer a instauração de procedimento arbitral. A decisão dos árbitros, neste caso, deverá ter por base, como regra geral, o princípio da equivalência ou, em casos envolvendo subsídios proibidos, o princípio das contramedidas apropriadas. Trata-se, pois, da submissão do sistema de solução de controvérsias da OMC ao princípio do devido processo legal.

            Quanto ao princípio da equivalência, a regra geral, contida no artigo 22, "4" do ESC, limita o quantum das contramedidas ao dispor que "o nível da suspensão de concessões ou outras obrigações autorizada pelo OSC será equivalente ao nível da anulação ou redução de benefícios" [30], sendo a equivalência determinada pelos árbitros, conforme artigo 22, "6" do Entendimento. Contudo, em nenhum momento o ESC estabelece expressamente qual o critério a ser utilizado para que se chegue a tal equivalência. Neste ponto, a solução, mais freqüentemente adotada pelos árbitros e aceita pelos membros da OMC, tem sido a utilização das counterfactual situations [31] ou, simplesmente, counterfactuals. Tal método toma por base um estado hipotético que teria ocorrido caso o demandado tivesse cumprido suas obrigações, comparando-o com a realidade econômica que se observa a partir da não implementação da decisão do OSC pelo demandado.

            Ademais das regras gerais do ESC, alguns acordo multilaterais trazem em si regras processuais adicionais ou, quando conflitantes, detentoras de primazia em relação àquelas previstas no ESC, de acordo com o disposto no artigo 1, "2" deste. Dessa forma, torna-se essencial a análise particular de dispositivos do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias que estabelecem os critérios para a limitação quantitativa das contramedidas propostas no âmbito de disputas envolvendo subsídios acionáveis e proibidos.

            No tocante aos subsídios acionáveis, valem os limites delineados no artigo 7, "9" e "10" do Acordo. Tais dispositivos parecem não dar margem a dúvidas quanto à adoção do princípio da equivalência entre as contramedidas e os efeitos adversos dos ditos subsídios sobre o demandante, uma vez que a jurisprudência internacional tem sido interpretada pela maioria da doutrina, segundo Braz (2006), de forma a apontar a identidade de significado entre os termos equivalent [32] do artigo 22, "6" do ESC e commensurate [33] do artigo 7, "9" e "10" do Acordo.

            No entanto, com relação aos subsídios proibidos, controvertida é a redação do artigo 4, "10" e "11" do SCM Agreement quanto ao termo appropriate [34], uma vez que as notas de rodapé nº 9 e 10 referentes ao citado termo dispõem, ambas, que essa expressão não tem o significado de permitir contramedidas que sejam desproporcionais à luz do fato de que os subsídios com os quais se lida, sob tais dispositivos, são proibidos. Diante desse significado, coube à doutrina e à jurisprudência, segundo Braz (2006), estabelecer a relação existente entre as expressões equivalent e appropriate.

            A primeira decisão sobre a matéria de subsídios proibidos ocorreu no caso dissecado no presente estudo, o caso Bombardier versus Embraer. Diante da visão propugnada pela Rodada Uruguai e pelo ESC de que o objetivo principal das contramedidas é induzir o cumprimento das decisões do OSC, a conclusão a que a jurisprudência chegou foi a de que, em casos envolvendo subsídios proibidos, não se pode interpretar o artigo 4, "11" do Acordo de forma a limitar, como regra geral, o valor das contramedidas ao valor da anulação ou redução de benefícios efetivamente sofrida pela parte demandante, bem como não deve haver, necessariamente, qualquer relação (de igualdade, proporção ou qualquer outra) entre esses dois níveis, podendo o valor das contramedidas se relacionar a outro valor, como o valor dos subsídios proibidos pagos pelo demandado à sua indústria –alternativa esta verificada no caso Bombardier versus Embraer [35].

            Nesse diapasão, o princípio da equivalência deixa de ser aplicado, dando lugar à regra especial das "contramedidas apropriadas" prevista no artigo 4, "10" e "11" do SCM Agreement. Em cada caso, pois, as contramedidas propostas deverão ajustar-se adequadamente à respectiva situação fática, de acordo com a melhor análise dos árbitros do caso, e, quando o valor da anulação ou redução dos benefícios sofrida pelo demandante for substancialmente menor do que o valor apropriado para induzir o cumprimento das determinações do OSC, ou seja, a retirada dos subsídios ilegais, o valor de tal anulação ou redução de benefícios não será considerado como apropriado para as contramedidas, sendo o valor dos subsídios pagos pelo demandado um dos valores apropriados para substituí-lo. [36]

            1.2.1.3.Vantagens e Desvantagens

            Delineadas as linhas gerais do recurso à retaliação na normativa da OMC e visando à análise da sua eficácia, cabe ainda um exame específico acerca das vantagens e desvantagens na utilização da mesma [37].

            As vantagens da disponibilidade da retaliação pelo descumprimento de uma decisão do OSC podem ser divididas em duas categorias: sob o ponto de vista da parte demandante e sob a ótica da parte demandada. Para o membro da OMC que figura no pólo ativo da disputa e sagra-se vitorioso, a disponibilidade e a efetiva imposição de contramedidas traz as seguintes vantagens: a agilidade na imposição da sanção; os benefícios políticos internos, uma vez que o governo do demandante demonstra zelo pelo interesse dos seus nacionais; e o efeito moral da notoriedade da violação, o que faz com que a ação passe a ser vista com reprovação pela sociedade internacional.

            Quanto ao demandado, apesar da cautela em discorrer sobre vantagens para o réu condenado, são vantagens juridicamente consideradas: o controle institucional do OSC, bloqueando ações verdadeiramente unilaterais; o apoio político interno para cumprir a decisão, já que o cumprimento revela-se favorável e proveitoso no contexto da política externa; e a salvaguarda política, ou seja, a utilização da retaliação é vista como forma de manter, licitamente, a violação de norma da OMC e o descumprimento da decisão do OSC condenando tal violação.

            No que tange às desvantagens, a doutrina não identifica qualquer que seja para o demandado, identificando, por outro lado, diversas para o demandante e para o sistema multilateral de comércio.

            Ao demandante cumpre suportar: prejuízos econômicos; efeito discriminatório, devido à redução da concorrência e ao conseqüente aumento dos preços dos produtos e dos custos de produção; e discriminação internacional, uma vez que os países desenvolvidos têm mais possibilidades práticas de impor contramedidas contra países menores e cujas economias sejam dependentes de importações.

            Por sua vez, o sistema multilateral de comércio tem de sustentar as seguintes desvantagens: contrariedade ao princípio do livre comércio; violação dos direitos fundamentais de partes privadas, uma vez que a retaliação atinge os interesses particulares envolvidos no comércio internacional; e incentivo ao protecionismo.

            1.2.2.Análise da eficácia face ao objetivo das contramedidas

            Findas as considerações acerca da autorização e implementação da retaliação, cabe determinar o principal propósito da mesma na OMC, por tratar-se de questão preliminar à análise da eficácia. De fato, segundo o significado ordinário do termo, algo é eficaz quando produz o efeito desejado, ou seja, somente se pode afirmar se a retaliação é ou não eficaz se possível a verificação da consecução ou não do seu objetivo. Em Direito Internacional Econômico, sobretudo no seio do sistema de solução de controvérsias da OMC, as contramedidas são, em princípio, capazes de desempenhar, concomitantemente, em maior ou menor grau, diversas funções.

            Inicialmente, verifica-se o efeito de indução do cumprimento, segundo o qual, a imposição de medidas retaliatórias é capaz de propiciar um estímulo para que a parte julgada em violação cumpra a decisão do Órgão de Solução de Controvérsias. Em seguida, muito embora nenhum dos termos soe apropriado, uma vez que, na prática, a indústria beneficiada é distinta daquela que efetivamente sofreu os prejuízos, bem como a retaliação encontra-se limitada no tempo, não sendo possível ao demandante a indenização retroativa, apresenta-se a função reparadora ou indenizatória, que permite um certo grau de reparação pela anulação ou redução de benefícios sofrida pelo demandante em decorrência da conduta do membro em violação.

            Ademais, configura-se a função de "violação eficiente", já que possibilita aos membros da OMC descumprir suas obrigações quando circunstâncias graves o suficiente se apresentem. Por fim, a retaliação pode, ainda, cumprir a função de garantir a reciprocidade exigida pelos acordos da OMC através do restabelecimento do equilíbrio entre as concessões feitas por uma parte da disputa à outra.

            Nesse sentido, o estudo do real propósito das contramedidas no âmbito da OMC adquire importância para dois fins específicos: (i) a determinação dos parâmetros que devem limitar quantitativamente o recurso à retaliação; (ii) a definição dos rumos da evolução das sanções disponíveis na OMC, uma vez avaliada a eficácia na consecução do seu objetivo.

            Quanto à jurisprudência da OMC, o entendimento das arbitragens instauradas com base no artigo 22, "6" do ESC, sem maiores considerações, era o de que o principal objetivo da retaliação seria induzir o cumprimento da decisão do grupo especial ou do Órgão de Recurso pelo demandado. O principal argumento para a decisão, nos casos EC-Bananas (US), EC-Hormones (US), EC-Hormones (Canada) e EC-Bananas (Ecuador), decorria da temporariedade das contramedidas.

            No entanto, a partir do caso Bombardier versus Embraer (Brazil-Aircraft), houve uma maior elaboração dos argumentos, sobretudo porque aquele caso era o primeiro a tratar da imposição de contramedidas em resposta a subsídios proibidos pelo SCM Agreement. Dessa forma, os árbitros decidiram que, em tais casos, o princípio da equivalência não se aplicaria, sendo substituído pelo princípio das contramedidas apropriadas, que, por sua vez, autorizaria a retaliação em níveis superiores aos benefícios do demandante anulados ou diminuídos pelas medidas ilegais. A conclusão dos árbitros foi a de que as "contramedidas apropriadas" seriam aquelas necessárias para induzir o demandado ao cumprimento da decisão do OSC.

            Paralelamente, no caso US-Anti-Dumping Act, decidido em fevereiro de 2004, pela primeira vez houve o reconhecimento da função de restabelecimento do equilíbrio entre as concessões mútuas aplicadas pelas partes.

            Em agosto de 2004, os árbitros no caso US-Byrd Amendment indicaram uma possível transição do tradicional paradigma da indução ao cumprimento para uma posição mais flexível, capaz de acomodar as demais funções das contramedidas como objetivos igualmente perseguidos. O relatório deixou claro que a previsão expressa no princípio da equivalência no ESC consistia em indício da coexistência – talvez até da prevalência – do objetivo de restabelecer o equilíbrio entre as partes da disputa com o de induzir o cumprimento das decisões.

            Diante do exposto, as duas funções que dividem a doutrina acerca de seu principal objetivo são: a indução do cumprimento das decisões pelo demandado e o restabelecimento do equilíbrio entre as concessões recíprocas efetuadas pelas partes. A questão da divergência do objetivo principal das contramedidas reside, precipuamente, no fato de que o propósito de induzir o cumprimento, apesar do princípio da equivalência previsto expressamente no ESC, provavelmente levará, segundo David Palmeter [38], "a clamores por sanções mais severas quando as contramedidas não resultarem em cumprimento", violando, pois, o paradigma da reciprocidade.

            Tal receio não procede. Primeiramente porque, ao induzir o cumprimento das decisões, a retaliação certamente manteria o equilíbrio original das concessões recíprocas feitas pelas partes da disputa. Em segundo lugar, porque nenhum dos autores que defende a teoria da indução do cumprimento pretende afastar as limitações quantitativas impostas à retaliação, em especial o princípio da equivalência.

            De fato, a tese da indução do cumprimento não só impede a perda da credibilidade do sistema de solução de controvérsias, como também inviabiliza práticas protecionistas, sobretudo porque um dos principais objetivos da OMC é a liberalização comercial através da redução de barreiras e da eliminação de qualquer tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais.

            Cabe, ainda, uma crítica à tese do restabelecimento do equilíbrio. Em termos econômicos, tal restauração do equilíbrio se dá apenas em termos aproximados, pois enquanto a suspensão de concessões e outras obrigações é medida bilateral (ou, no máximo, plurilateral), as negociações para liberalização comercial e as próprias relações comerciais internacionais são necessariamente multilaterais, o que faz com que oportunidades de terceiros países sejam afetadas, em seu prejuízo ou benefício, cada vez que contramedidas são autorizadas e efetivamente implementadas como resultado final de uma controvérsia.

            Desta forma, a utilização de contramedidas no âmbito da OMC, também segundo interpretação mais fiel do texto do ESC, só faz sentido se tiver por objetivo – e efetivamente atingi-lo, mesmo que tal objetivo torne a retaliação fadada ao insucesso, devido ao princípio da equivalência – induzir o cumprimento das decisões pelo demandado, uma vez que a solução encontrada tornar-se-ia coerente tanto com a exigência de que as contramedidas fossem temporárias, como com a necessidade de se minimizar a permanência dos seus efeitos negativos sobre o demandante e, sobretudo, sobre o sistema multilateral de comércio como um todo.

            Traçados os objetivos e tecidas as considerações acerca da relevância dos mesmos, cabe análise acerca da eficácia da retaliação. Note-se que o que se pretende é apenas a verificação dos fins almejados pela referida sanção. Afastam-se, pois, os possíveis questionamentos acerca da efetividade da mesma – o que seria a conjunção entre a eficácia (consecução dos objetivos) e a eficiência (desempenho otimizado na consecução dos objetivos) – visto que demonstrado foi que a retaliação imprime, concomitantemente, vantagens e desvantagens às partes envolvidas e ao próprio sistema de solução de controvérsias.

            Diante da conclusão de que o principal objetivo da suspensão de concessões ou outras obrigações, prevista no ESC, seria induzir o demandado a cumprir a decisão do OSC, cumpre ressaltar, inicialmente, que a doutrina é praticamente unânime ao considerar alto o índice de cumprimento voluntário das normas das decisões finais no âmbito da OMC. Mesmo na era do GATT, o índice de cumprimento já era bastante respeitável, superior inclusive ao da Corte Internacional de Justiça.

            Quanto à implementação da retaliação, desde o início do funcionamento do GATT (entre 1948 e 1994), o seu Conselho Geral somente aprovou a imposição de contramedidas em uma ocasião. Todavia, a retaliação nunca chegou a ser aplicada. Atualmente, com a Organização Mundial do Comércio, o sistema de solução de controvérsias é o mecanismo mais eficaz dentre aqueles disponíveis nas relações econômicas internacionais. Torna-se apropriada, pois, uma breve retrospectiva de algumas das disputas em que houve autorização para retaliar.

            No caso EC-Bananas, o primeiro a lidar com a questão da suspensão de concessões ou outras obrigações, os Estados Unidos e o Equador solicitaram, e obtiveram, autorização para retaliar a Comunidade Européia. Todavia, o Equador nunca impôs as contramedidas autorizadas e os EUA, muito embora manterem suas próprias contramedidas em vigor por mais de dois anos, não puderam obter o cumprimento, pela Comunidade Européia, da decisão do Órgão de Recurso que condenara o regime europeu de importação, venda e distribuição de bananas.

            Por sua vez, no caso EC-Hormones, tanto os Estados Unidos como o Canadá obtiveram autorização para retaliar, e o fizeram. No entanto, mesmo com a imposição das contramedidas, a Comunidade Européia mantém até hoje o embargo às importações de carne tratada com hormônios, medida esta considerada inconsistente com a normativa da OMC.

            Por fim, nos casos Brazil-Aircraft e Canada-Aircraft, apesar de a imposição de contramedidas ter sido autorizada, respectivamente, ao Canadá e ao Brasil e ao Japão, tais membros ainda não se utilizaram, até a presente data, de tal prerrogativa. [39]

            Cumpre ressaltar, ainda, que muitas vezes os demandantes, vencedores de uma disputa, simplesmente se abstêm de buscar autorização para retaliar. Tal fato ocorreu, por exemplo, com a Guatemala, Honduras e México, no caso EC-Bananas, assim como com a Austrália, a Indonésia e a Tailândia no caso US-Byrd Amendment.

            Dessa forma, autores argumentam que o baixo número de solicitações de autorização para a implementação de contramedidas e o conseqüente baixo número de arbitragens com base no artigo 22, "6" do ESC são, em parte, reflexo do efeito indutivo da retaliação, ou seja, muitas controvérsias são extintas pelo acordo entre as partes devido ao medo de que o demandante venha a impor contramedidas ao final do procedimento [40]. Segundo tal entendimento, conclui-se que a previsão da imposição de contramedidas é extremamente eficaz, já que um baixo percentual de casos chega à fase de solicitação de autorização para retaliar.

            Todavia, tal enfoque recebe contra-argumentações. A doutrina reconhece a existência de inúmeros fatores para o cumprimento voluntário das normas contidas nos acordos da OMC, assim como para soluções mutuamente acordadas: (a) o cumprimento aumenta a eficiência dos acordos, pois reduz os custos de transação; (b) as obrigações a seres adimplidas são inseridas no acordo pelo fato de serem do interesse de todas as partes ratificantes; (c) a ampla difusão da noção social de cumprimento das obrigações internacionais; (d) o alto custo que o descumprimento representa para a reputação do membro em violação; (e) a pressão de grupos internos, como exportadores, consumidores e distribuidores de produtos importados, sobre o governo do membro demandado.

            No mesmo sentido, a fragilidade do recurso à suspensão de concessões e outras obrigações é demonstrada (i) pela opção de não retaliar, mesmo quando há autorização para tanto e (ii) pela não pretensão da consecução da retaliação pelos demandantes, mesmo vencida a disputa, após o não cumprimento das determinações dos órgãos adjudicatórios da OMC pelo demandado.

            Tal situação se verifica pela incapacidade da vasta maioria dos membros da OMC de impor contramedidas, seja em virtude de reconhecerem que a medida não surtirá efeitos, ou pelo fato de que os prejuízos causados pela retaliação ao próprio demandante – e com os quais os países menores, sejam desenvolvidos ou em desenvolvimento, não conseguem arcar – serem muito altos, em razão da dependência do país alvo.

            Cabe ressaltar, ainda, que, considerada a limitação da capacidade de retaliar, a retaliação parece condenada ao insucesso, mesmo que se considere como objetivo o mero restabelecimento do equilíbrio. Isto porque, se na maior parte das vezes, não há sequer a imposição das contramedidas autorizadas, o que ocorre é a manutenção da medida ilegal sem qualquer contraprestação pelo demandado.

            Por outro lado, ainda quando houve a efetiva imposição das contramedidas, estas foram incapazes de atingir seu objetivo, qual seja, a indução do cumprimento da decisão do Órgão de Recurso. A explicação encontra-se na limitação ao quantum da retaliação pelo princípio da equivalência: sempre que o demandado obtiver mais vantagens com a conduta ilícita do que os prejuízos causados aos demandantes, ele terá um incentivo a manter a violação e, em contrapartida, suportar a retaliação. De fato, enquanto os ganhos com a medida ilegal são concentrados no próprio demandado apenas, os prejuízos causados pela mesma medida são difusos, sentidos por diversos membros da OMC, sendo que, para a maioria deles, a retaliação não é, de fato, uma opção.

            The WTO DSB simply does not know the economic consequences of its retaliatory practice in all details. However, the WTO dispute settlement system does not work on its own interest, but on behalf of the complainant and defendant parties. This calls for a reform of the present system [...]. [41]

            Diante de todo o exposto, a doutrina majoritária, segundo Braz (2006), atesta a ineficácia das contramedidas, no que é reforçada pelas opiniões da maioria dos membros da OMC, representados por suas delegações junto à entidade.

Sobre a autora
Flávia Regina Costa Ramos Albuquerque

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), técnica judiciária da Justiça Eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Flávia Regina Costa Ramos. O caso Bombardier versus Embraer:: análise crítica do emprego da retaliação no seio do sistema de solução de controvérsias da OMC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1514, 24 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10318. Acesso em: 23 nov. 2024.

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