OS NOVOS MEIOS DE SOCIABILIZAÇÃO E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS: uma breve reflexão do impacto do crescimento do espaço virtual na interação social.
Alessandro Carneiro1
Resumo: o presente trabalho tem como objetivo principal, traçar um paralelo entre as relações sociais comuns da modernidade tardia, tendo como foco principal o processo de construção da identidade do sujeito pós moderno como resultado das interações em ambientes virtuais. A proposta deste estudo é analisar a mudança no paradigma das sociabilidades no espaço e no tempo. Para tanto, utilizaremos como objeto, os formatos de organizações e instituições existentes ao longo dos anos, estabelecendo uma trilha cronológica, destacando as principais transformações ocorridas no arranjo familiar, fruto da difusão de informações e da globalização dos meios de comunicação social, sobretudo, a internet. Pretende-se revelar neste estudo a importância da internet no processo de transformação das famílias, mas não só isso: a internet como mecanismo de indução e formação de uma representação de discursos bilaterais difusos reprodutoras de narrativas e ideologias criadoras de “novas realidades” e novos contextos fáticos.
Palavras-chave: internet, família, comportamento, ambientes virtuais, pós modernidade, sociedade.
Abstract: the present work has as main objective to draw a parallel between the common social relations of late modernity, having as its main focus the process of identity construction of the postmodern subject as a result of interactions in virtual environments. The purpose of this study is to analyze the change in the paradigm of sociabilities in space and time. For this, we will use as object, the formats of organizations and institutions existing over the years, establishing a chronological trail, highlighting the main changes that have occurred in the family arrangement, as a result of the dissemination of information and the globalization of the media, especially the Internet. This study intends to reveal the importance of the internet in the process of transforming families, but not only that: the internet as a mechanism for inducing and forming a representation of diffuse bilateral discourses that reproduce narratives and ideologies that create “new realities” and new factual contexts.
Keywords: internet, family, behavior, virtual environments, post modernity, society.
1 INTRODUÇÃO
Acredita-se que as transformações sociais decorrem eminentemente da vontade e da necessidade dos indivíduos. A sociedade é dinâmica, vívida e se transforma com o passar do tempo em razão de fatores externos às suas fronteiras. A sociedade sofre transformações ao longo da história, no sentido de que a história é construída da mesma maneira geral tanto no interior de uma sociedade, quanto entre sociedades (SAHLINS, 1987, p. 9).
Outrossim, percebe-se que as transformações sociais, são provocadas por movimentos sociais iniciados por fatores culturais, ideológicos, políticos, naturais, dentre outros. Desta forma, o que se percebe, ilustrativamente sobre a interação entre os sujeitos consiste na interação produtora da amizade, e a amizade produz o auxilio material Sahlins (1987, p. 12), de forma que o relacionamento normalmente (e normativamente) prescreve um modo apropriado de interação.
Em diversos períodos da história percebe-se que as transformações sociais decorrem do processo de interação entre os sujeitos, por outro lado, o que se vivencia hoje, com uma nova proposta de interação consubstanciada na distância entre os corpos, revela um “giro” no processo de sociabilização. Acredita-se, neste ponto, que é razoável considerar a internet, como sendo o principal agente condicionador destas interações. Isto é, a internet, corresponde a um elemento de principal responsabilidade na transformação social na modernidade tardia.
Acredita-se, que as identidades modernas estão sendo descentradas Hall (2021, p. 9), ou seja, o que se observa, quando se analisa o horizonte, ou quando se tenta realizar uma prospecção, um prognóstico das relações sociais gerais dentro de uma perspectiva cronológica próxima, constata-se a existência de uma “cortina de fumaça” que ofusca a visão do etnógrafo, dificultando quaisquer tipos de previsão, com relação a configuração da sociedade em a longo prazo.
Desta forma, considera-se uma nova configuração da organização social, fundamentada no desenvolvimento de redes Castells (1947, p. 42) a própria formação do indivíduo pós moderno exercida através de interconexões pessoais produzidas através de uma nova ambientação virtual comum entre todos os indivíduos. Isso se dá em decorrência dos céleres processos de transformação tecnológica e econômica comuns nas sociedades da modernidade tardia. O fato é que tais transformações poderão culminar numa nova identidade coletiva ou individual, atribuída ou construída para se tornar fonte básica de significado social (CASTELLS, 1942, p. 41).
Nestes espaços cibernéticos, o humano e desencarnado e reduzido a um mero conjunto de informações Levy, apud, Oliveira (2003, p.185), portanto, a representação do individuo como informações difusas, favorece a pluralidade de si Levy, apud, Oliveira (2003, p. 186) a rede assume a configuração de um novo ambiente que produz uma nova forma de vida extracorpórea porem real.
Em síntese, as interações sociais produzidas em ambientes virtuais, embora desprovidas de corpos físicos humanos, acontece de forma muito frequente na pós modernidade e inaugura um novo olhar crítico às interações sociais na pós modernidade.
Os ambientes virtuais, interpretado como ciberespaços, consiste em espaços de representações e interações. Assim como ocorre no espaço físico, os ambientes virtuais necessitam efetivamente da vontade humana em estabelecer interações. Além disso, os ambientes virtuais carecem de recursos tecnológicos para que sejam estabelecidas as conexões Levy (1997, p. 32), estabelecendo um novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transição, também correspondendo a um novo mercado da informação e do conhecimento.
Dadas as características não – corpóreas desta nova forma de sociabilização, isto é, a substituição das formas tradicionais de interação por aquelas inerentes à comunicação remota, significativas mudanças nas características dos grupos sociais foram estabelecidas, sobretudo aquelas relativas a manifestação do pensamento, uma vez que o ciberespaço possibilita o que Levy (1997, p. 46) define como sendo contatos assimétricos, que nada mais é que a possibilidade de não “seguir” um usuário que o “segue” em suas redes sociais, também na possibilidade de se difundir informações sem que necessariamente estas interações culminem em retórica.
O problema destes vastos campos virtuais, dentre outros, reside na possibilidade da difusão de todo tipo de informação, ou seja, difusão de informações adequadas e inadequadas, o que leva a formação de perfis culturais cada vez mais plurais, influenciados por ideias não convencionais, v.g., aquelas que traduzem em violência ou ideias discriminatórias. Isto acaba por provocar uma evidente mudança na dinâmica social na medida que estes novos espaços de sociabilidade se sobrepõem a padrões tradicionais de sociabilização. Um fator circunstancial que ilustra este argumento reside nos novos processos de sociabilização atuais largamente empregados durante o período da pandemia de SARS-Cov19. Neste período observou-se, dadas as imposições de medidas sanitárias e a imposição do isolamento, as tecnologias de interação virtual se sobrepujaram aos meios de interação social convencionais, provocando uma grande mudança na forma como as pessoas interagem entre si.
Neste sentido, o modelo de grupamentos sociais que já vinham sendo modificados pelos efeitos da globalização, sobretudo pela globalização cultural e identitária Hall (2021), dão lugar a uma forma contemporânea de socialização pautada na aceitação de ideologias adequadas e não adequadas, uma vez que os espaços virtuais, local próprio destinado ao transito de informações e interações, não possuem mecanismos eficazes de seleção das informações difundidas nestes espaços virtuais, provocando, portanto, a formação de uma identidade coletiva baseada nestas informações. A influência das culturas e das ideologias difundidas nestes espaços virtuais além de difundirem toda sorte de informações, fazem com que os grupos sociais assumam novas configurações morfológicas e de estruturação. Por isso, observa-se a criação de grupos extremistas, outra, malgrado o desenvolvimento das tecnologias de informação terem trazido para a superfície formas muito particulares de arranjos sociais, existe por parte de grupos sociais específicos um movimento tradicionalista que exerce uma espécie de resistência ao fenômeno das transformações sociais virtuais. Estes grupos estão presentes nas instituições religiosas, sobretudo as pentecostais, instituições do poder público, na família tradicional e na pauta política atual.
Por fim, pode-se considerar, portanto, que a vastidão de informações difundidas pela internet, tiveram muita importância em todos os aspectos da vida livre estabelecendo uma nova ordem social a partir da sua democratização, criando um novo ambiente tangencial a este que comumente se conhece.
2 BREVES REFLEXÕES SOBRE COMUNICAÇÃO, MENSAGENS E TRÁFEGO DE INFORMAÇÃO
Admitimos aqui, uma proposição um tanto quanto polêmica, ao se atribuir transformações sociais às novas tecnologias. Considera-se que a tecnologia não determina a sociedade Castells (1942, p.42), entretanto, admite-se a redução na marcha da evolução tecnológica em detrimento das ações das instituições, sobretudo o Estado (CASTELLS, 1942).
Por isso, neste ponto, tentaremos entender os mais variados aspectos dessa relação, isto é, pretende-se aqui identificar e registrar como o Estado e as instituições tradicionais como por exemplo, as famílias, as instituições religiosas e as instituições de ensino retardam a evolução tecnológica, especialmente aquelas relacionadas à formação de grupos, considerando as variáveis sociais e paradigmas de utilização da tecnologia da informação dentro da ideia de espaços virtuais.
Para começar, deve-se considerar a internet na atualidade como sendo o meio de interconexão mais eficiente dentre todos, uma estrutura quase que indispensável para a vida na contemporaneidade. Castells (1942, p. 108) afirma que como a informação é uma parte integral de toda a atividade humana, todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente (embora, com certeza, determinados) pelo novo meio tecnológico. Castells (1942), também define este aspecto como sendo a penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias,
O elemento fundamental neste processo de troca de ideias é a informação, isso por que segundo Levy, apud, Oliveira (2003) os seres vivos são concebidos como uma soma organizada de mensagens, podendo ser , dessa maneira, misturados. Portanto, pode-se considerar a informação como sendo o elemento principal da perspectiva da comunicação, sendo necessária a observação de duas correntes divergentes acerca do espaço que a informação ocupa: a primeira estabelecendo a informação como parte integral da atividade humana; e a segunda corrente considera a informação como matéria prima dos seres vivos, uma vez que o código genético abriga todas as informações sobre aquele sujeito.
De qualquer forma, pode-se afirmar que a informação é o elemento principal da análise das relações em ambiente virtual, isso porque o tráfego de informações é vital para a manutenção da vida no ambiente off line Levy (1999), sendo que a escrita se caracterizou como modo mais eficiente de se trafegar informações, ou seja, dissipar aquilo que, de fato, integra a própria substância do ser vivo, ou é parte essencial para a sua existência.
O tráfego de informações, que compreende à comunicação estabelecida em um ciberespaço Levy (1999), desta forma as informações, ao serem dinamicamente difundidas, não se exaurem, pelo contrário, ela possui uma característica aglutinadora capaz de agregar grupos sociais em grupos maiores, de forma que o estabelecimento de comunicação através dos ciberespaços promove uma interação exponencialmente crescente, na medida em que a informação se propaga.
De certo, pode-se afirmar que esta malha virtual, por onde trafega as inúmeras informações, fez com que a velocidade da dinâmica de difusão das informações aumentasse. Hoje, pode-se receber uma informação em tempo real ao acontecimento do fato, em qualquer parte do globo terrestre, dada a grande velocidade da internet. Por outro lado, esse aumento na velocidade de transmissão das informações teve como consequência a diminuição do tempo para que uma informação atingisse um indeterminado numero de receptores e estas circunstancias contribuíram para esta profunda transformação na sociedade, sobretudo no campo dos comportamentos grupais.
3 OS NOVOS MEIOS DE SOCIABILLIZAÇÃO E A TRASFORMAÇÃO DA SOCIEDADE POR INTERMEDIO DOS ESPAÇOS VIRTUAIS
Entramos agora num momento da discussão, onde tentaremos identificar os pontos comuns, onde as novas tecnologias da informação, considerando a existência de espaços virtuais, foram responsáveis pelas mudanças numa série de costumes que, outrora, não se concebia a ideia de que pudessem existir. Cita-se como exemplos; a transformação da forma como o individuo lida com o dinheiro e a forma como o dinheiro e movimentado; as audiências judiciais que no passado somente poderiam ser realizadas presencialmente e hoje são preferencialmente executadas através de videoconferências; mudanças na mobilidade urbana e forma de se deslocar, de pedir uma refeição, de estabelecer relacionamentos afetivos, de diversão e entretenimento, até as maneiras de executar procedimentos cirúrgicos foram transformadas após a inserção de novas tecnologias cientificistas na sociedade pós moderna. A problematização deste ensaio reside em detectar e destacar as consequências destas céleres transformações sociais e seus desdobramentos.
É perceptível. A mudança está na forma como lidamos com as coisas e com as pessoas – não é mais necessário acender um fogão para preparar um alimento, tampouco ter uma cozinha em casa. É possível receber em sua casa qualquer tipo de alimento através da utilização de um smartphone com acesso à internet. Isso porque existe um espaço virtual onde o sujeito transaciona a contratação do serviço de entrega de alimentos e em poucos minutos, aquele individuo estará saboreando seu prato, sem que haver a necessidade de ele sair da sua casa e ir até ao restaurante solicitar sua refeição.
O estabelecimento de um lugar virtual nos dias atuais, fizeram mudar a forma como os indivíduos se relacionam e se sociabilizam, não se sabe até onde as virtualidades chegarão, todavia, esta grande pluralidade de cores e valores contemporâneos ratifica que nada será como antes Guedes; Nascimento (1972). O processo de transformação da sociedade é dinâmico e perene e esta nova ordem tecnológica mundial estabeleceu novos costumes, valores e identidades para os indivíduos.
Estas análises ao serem realizadas sob um olhar cronológico, não parecem inimagináveis. A impressão que se tem é que ocorreu um processo evolutivo, e que o que se vê hoje em matéria ações virtuais praticadas em um ambiente virtual, independentemente da plataforma, portanto, não dialoga com um processo evolutivo contínuo e constante cujo resultado é o que se percebe hoje. A percepção que se tem é de que a evolução nas formas de socialização, sobretudo aquelas pautadas pela intermediação da internet, foram introduzidas no cotidiano das pessoas de forma abrupta. A evolução tecnológica que produziu uma grande rede global trouxe a reboque uma infinidade de elementos culturais e ideológicos, acentuando mais ainda a descentração do individuo conforme destacado no inicio deste ensaio, por outro lado, a criação de uma rede global, produziu uma verdadeira fusão no processo de sociabilização, sendo que todos os envolvidos naquele processo de sociabilização em rede atua no processo. A teoria ator-rede Rifiotis (2016, p. 90, [sic]) estabelece que nada/ninguém age isoladamente, o agente é sempre aquilo/quem participa de uma serie de combinações envolvendo objetos, processos e atores humanos, por isso o agente é sempre uma rede e a própria rede pode ser um agente, podendo considerar, portanto, a internet e os ambientes virtuais como sendo um espaço virtual contendo incontáveis redes.
Segundo Rifiotis (2016, p.91) a internet é mero contexto no qual ocorrem ações humanas, ou seja, a internet é a fermenta que propicia a formação dos ambientes virtuais, como se fosse um projetor, necessário para “rodar” o filme, ou o toca-discos para tocar a música, enfim, a internet é a ferramenta capaz de reproduzir ambientes os quais o humano transita.
Por outro lado, não são todos os humanos que transitam nestes ambientes virtuais, pelo contrário, o perfil dos sujeitos que utilizam os ambientes virtuais é segundo Levy (1999, p. 213).
Os usuários de ciberespaço são em sua maioria jovens, com diploma universitário, vivendo em cidades, estudantes, professores, pesquisadores, trabalhando geralmente em áreas cientificas, de alta tecnologia, negócios ou arte contemporânea. Ora, esse tipo de população é justamente uma das mais móveis e mais sociáveis. O usuário típico da internet (que, por sinal, é cada vez mais frequentemente uma usuária) corre de uma conferência internacional para outra e frequenta assiduamente uma ou mais comunidades profissionais.
O perfil dos usuários dos ciberespaços se confunde com o perfil de pessoas que nasceram após a democratização da internet no final dos anos 90 e inicio dos anos 2000. Esse grupo de pessoas, ao contrário daqueles que não tiveram seu crescimento atrelado ao desenvolvimento destas tecnologias são notadamente mais conectadas, e possuem uma rotina diária essencialmente dependente da internet. Observa que isso é uma tendência crônica, isto é, as gerações mais novas tendem a serem mais dependentes da internet, uma vez que atualmente a tecnologia da informação evoluiu ao ponto de serem criadas novas funcionalidades que substitui inclusive algumas tarefas humanas importantes. Hoje, não raro ouvimos falar de inteligência artificial, que substitui não a vontade do homem, mas a sua própria ação.
Isso se dá por que segundo Levy (1999, p.201), o ciberespaço teria vocação para acolher uma espécie de banco de dados universal onde poderia ser encontrado e consumido, mediante pagamento, todas as mensagens, todas as informações e todos os programas, todas as imagens, transformando dispositivos “linkados” e conectados na internet, em cyborgs, capazes de controlar tudo enquanto for dispositivo ou plataforma conectado na rede. Hoje já se encontra disponível no mercado dispositivos de inteligência artificial, o mais comum é o Amazon Echo Dot. Produzido pela empresa de tecnologia e comércio digital Amazon, o dispositivo interage com o usuário obedecendo os seus comandos, executando tarefas simples, tendo a possibilidade da criação de rotinas onde, sob um comando pré configurado, o equipamento é capaz por exemplo de acionar a iluminação da residência, ler as principais notícias diárias, ou mesmo tocar uma música .
Além destes dispositivos autônomos, existem igualmente, aqueles acoplados em veículos, estes dispositivos assume a condução do veiculo no lugar do condutor e é empregado em larga escala nas grandes lavouras em colheitadeiras, tratores e carretas; funcionam igualmente através de processamento de dados on line através de georreferenciamento.
Em uma análise mais ampla, o emprego da inteligência artificial vem se firmando como uma tendência irreversível capaz de auxiliar o homem e muitas tarefas, desde as mais simples, como por exemplo, o apagar de uma lâmpada, até a realização de tarefas complexas como conduzir um veiculo ou realizar uma cirurgia de forma remota. O que nos leva a uma reflexão: até que ponto, os dispositivos serão subordinados à vontade do homem? Existe a possibilidade, mesmo que remota, de um equipamento dotado de inteligência artificial, ser completamente autônomo e desvinculado da determinação humana? Será que no futuro o ciberespaço será o ambiente habitado pelas maquinas e dispositivos dotados de inteligência e autodeterminação, concorrendo com a espécie humana e formando a sociedade das maquinas?
Não nos parece razoável uma resposta positiva para estas conjecturas, entretanto, admitimos o desenvolvimento célere das tecnologias cibernéticas, bem como a sua aplicabilidade multifunção. Defendemos que os espaços virtuais representam simbolicamente um “campo de troca de informações” humanas. Isto é, a produção de conhecimento e sua difusão, são atividades privativas do homem, entretanto, a capilarização das informações difundidas, não só pela internet, mas igualmente em qualquer processo de troca de experiências é o fator elementar que leva a fluidez social, à adoção de novos valores, novas ideias e novos contextos sociais.
O desafio, ao nosso ver, é fazer esta nova realidade cibernética proporcionar a todos melhores condições de vida para as populações mais pobres, uma vez que os ambientes virtuais, digo, os ciberespaços, são cada vez mais restritos àqueles que possuem maior poder econômico, pro se tratar, a tecnologia da informação, um bem significativamente caro. Todavia, nota-se que mesmo sem acesso as tecnologias que dão acesso aos espaços cibernéticos, os processos de sociabilização observados nestes grupos sociais, são modificados face à influência dos meios de comunicação digital, sobretudo das redes sociais Vermelho; Velho; Bonkovoski; Pirola (2014, p.192) defendem que Com um smartphone à mão, todo tipo de comunicação é quase instantâneo, mensagens podem ser encaminhadas a qualquer momento, por/para qualquer pessoa. E, sob este aspecto, podem ser ferramentas de processos de comunicação com vistas à educação e à promoção da saúde em rede.
4 A CONSOLIDAÇÃO DO ESPAÇO VIRTUAL GLOBAL E O NASCIMENTO DO METAVERSO
A existência de um “ambiente virtual” baseado nas interações em rede, onde a sociabilidades ocorrem por intermédio do tráfego de dados e informações reproduzidas a partir de conexões da internet, provocou uma transformação significativa na interações sociais em “ambiente real”, ou seja, nas interações sociais off line. Além disso, esta nova forma de sociabilização, caracterizada principalmente pela distância física entre os sujeitos do processo, culminou no surgimento de uma cultura subjacente e poderosa, principalmente pelo fato dessa cultura ser formada pela mistura de elementos culturais de todos os usuários deste espaço virtual.
Do ponto de vista estrutural, considera-se os ciberespaços como verdadeiros “lugares”, cidades Leitão; Gomes (2017, p. 43) podendo os usuários possuir várias cidadanias, inscritas em seus corpos tanto por serem subordinadas às regras de empresas globais, quanto pelo fato de cada uma delas estabelecer um tipo de constituição diferente a qual os usuários se submetem. A estrutura dos ciberespaços possui um elevado grau de similitude com ecossistemas reais, uma vez que são ambientes de sociabilização e interação.
A infraestrutura dos ecossistemas virtuais possui uma complexa paisagem arquitetônica virtual, a comparação com a perspectiva dos centros urbanos, confunde com a inadequação provocada pela distinção conceitual e pragmática entre os dois meio ambientes. Por isso, apesar de arriscada a comparação, admite-se a possibilidade de uma terceira dimensão, formada pelos bites, que se interage harmonicamente com a dimensão das ideias e a dimensão sensível. Entre os dois mundos, o ideal e o sensível, existe uma relação estreita, pois, se temos de conhecer aquele, então, deve haver, neste, alguma base objetiva que nos capacite conhecer aquele (NODARI, 2004, p. 372).
Desta forma, admite-se que a união entre concepções inteligíveis e sensíveis resultam em um terceiro elemento – virtual- elemento este aperfeiçoado pelas ideias e suas representações simbólicas no plano concreto, reproduzindo a realidade em ambiente cibernético, através do tráfego de informações e a capilarização desta informações por todos os usuários interativos, compreendendo este fenômeno em uma terceira dimensão.
É importante ressaltar, portanto, que a proposição precedente é resultado da reflexão dualística de Platão2, no que tange a existência de um “mundo das ideias”, consubstanciado no objeto do pensamento, algo intangível existente somente no plano abstrato de representação simbólica do indivíduo; e o mundo sensível, aquele que, embora derivado do mundo das ideias, corresponde a materialização das representações e interpretações daquilo que é produzido no mundo das ideias. Dessa forma, realizando um processo hermenêutico e de adequação, pretende-se estabelece um nexo entre os dois elementos, na criação do terceiro elemento, considerado como espaço virtual, ou ciberespaço, ou ambiente virtual. Algo que dada a união dos dois primeiros elementos da existência de tudo, representa uma substância superior e infinitamente mais poderosa, entretanto, latente, dependendo dos outros dois primeiros elementos para que se possa ser colocada em ação.
Preferimos, por uma questão de cuidado, nos ater aos aspectos culturais, dentro do prisma das socialidades, uma vez que a difusão de informação estabelece alterações significativas na cultura e na identidade dos grupos sociais em todo o mundo. Por uma questão de prudência epistemológica, preferimos não submergir tão profundo no potencial transformador do universo dos espaços virtuais, embora considerarmos que este potencial exorbita a esfera do espaço/tempo e que das fronteiras do universo.
O metaverso3, também denominados MDV3D – mundos digitais virtuais 3D, pelo contrário, constitui uma nova tecnologia fundada no trafego de dados, cujo potencial ainda propedêutico reserva revelações ainda desconhecidas. As empresas de tecnologia como o facebook, que a algum tempo vem investindo somas milionárias em recursos financeiros, apostam nesta nova concepção digital que, por suas características funcionais e operacionais, aproximam significativamente da ideia de ecossistema virtual (PACETE, 2021).
O metaverso, , desenvolvido pelo facebook, reúne elementos 3D na criação de um ecossistema virtual capaz de reproduzir a realidade em uma perspectiva desejada e escolhida pelo usuários Pacete (2021). Para tanto, a empresa utiliza-se do desenvolvimento de elementos do mundo virtual já conhecidos pelos usuários da plataforma, como por exemplo, os avatares, a geolocalização e a customização em escala, capazes de reproduzir ambientes virtuais empregando internet de banda larga e periféricos de computador, como por exemplo, óculos de realidade virtual.
Outro elemento fundamental para o funcionamento da nova tecnologia, é o que Pacete, apud, Hernandes (2021) denomina de Blockchain e NFTs; que são mecanismos de ativação de experiencias híbridas com reabertura do mundo, cuja finalidade é viabilizar a imersão do usuário no espaço virtual.
Esta nova tendência tecnológica, sobrepuja as fronteiras da realidade estabelecendo um novo marco para a nova concepção de “vida” dentro de uma perspectiva interacionista. Por este motivo, Shelmer; Trein e Oliveira (2008, p. 441) defendem que:
a vida é um processo de cognição e as interações que acontecem entre os sujeitos são sempre interações cognitivas, construídas no viver. É nesse viver que por meio de nossas ações e reações, criamos o nosso mundo e somos criados por ele, assim, sujeito e mundo emergem juntos. A existência da vida pressupõe a presença de rede, que envolvem interações e inter-relações, portanto, viver é conviver.
Portanto, o metaverso representa uma forma de reprodução virtual da vida, dentro de um ambiente cibernético cujos limites de alcance ainda são desconhecidos. A julgar pela metamorfose social e cultural provocada pela inserção dos meios de interação digital na sociedade, pode-se prever uma nova ordem social pautada em novíssimos processos de sociabilização com reflexo em todas as áreas da vida social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode negar a existência de um novo modelo de interação social capaz de descentrar o individuo fazendo com que este assuma uma nova concepção de si mesmo. Igualmente, é inegável que o afastamento dos valores difundidos nos períodos passados da história moderna da sociedade, sendo que paradigmas sociais foram quebrados e uma nova ordem social está sendo imposta na pós modernidade.
A concepção de espaços virtuais, por outro lado, assume o protagonismo e aparece como elemento principal na transformação da sociedade, isto porque, como sabemos, os ambientes em rede têm o poder de conectar as pessoas e estabelecer novas ideologias a partir de interesses individuais e coletivos.
Os valores morais, as regras sociais conservadoras estão sendo substituídas e transformadas dando espaço à novas concepções sociais. Uma nova e poderosa ferramenta de produção de discursos e ideologias está cada vez mais sendo adotada e difundida em escala global, desta forma, une-se o que é necessário e conveniente dentro da ideia de um pragmatismo social, a axiomas mais ou menos adequados para o indivíduo.
O que se espera para o futuro é uma abrangência universal das ferramentas de conexão virtual, que reproduzirão cada vez mais uma infinidade de informações difundidas a um número multitudinário e indeterminado de indivíduos em todo o planeta. Estas informações, a despeito das necessidades e interesses dos usuários, poderão ser tomadas e reproduzidas novamente, estabelecendo culturas globais. Com isso, a ideia do regionalismo cultural pode ficar ameaçada e a identidade cultural de determinado grupo pode se perder em virtude de uma nova identidade cultural determinada pela reprodução de ideologias e discursos artificialmente difundidos através das tecnologias digitais modernas.
Por outro lado, algo mais estarrecedor pode acontecer; as tecnologias pautadas na ideia de ecossistema virtual, como por exemplo o metaverso, se confirmada a tendência de utilização massiva deste recurso virtual, poderá ocorrer a perda total da identidade do indivíduo, sua visão crítica, seu discernimento das coisas, de forma a tornar o mundo um ambiente propício à dominação e docilização Foucault (1974), uma vez que a tecnologia baseada em ciberespaços, constitui em um ambiente virtual que favorece a alienação do usuário, deixando este suscetível às mais variadas formas de manipulação. Sem contar, ainda dentro das criticas negativas quanto a disseminação descontrolada desta nova realidade tecnológica, da centralização do poder por parte dos detentores destas tecnologias, uma vez que os desdobramentos econômicos financeiros advindos da exploração destes recursos, ainda são pouco estudadas e descobertas de controle por parte dos mecanismos de controle social e pelo Estado.
Acredita-se que os ecossistemas virtuais, poderão ser, no futuro, equiparados a entorpecentes, uma vez que, ao transitar por esta dimensão, o usuário concretiza a fuga da realidade, se esquivando das mais variadas circunstâncias da vida of line, o que do ponto de vista prático, pode ocasionar dentre outros problemas, a perda da capacidade produtiva e consequentemente o empobrecimento de países.
Em suma, os ambientes virtuais, corresponde a um paradoxo. Uma grande parcela da sociedade acredita que esta tecnologia virá como uma verdadeira salvação para a humanidade, por estabelecer conexões e favorecer a interação entre os seres humanos em diferentes contextos. Todavia, outra parcela significativa da sociedade, sobretudo aquele braço mais conservador, pautado por valores morais antigos e tradições, acredita que, não obstante inevitável, os espaços virtuais carecem de mecanismos de controle para evitar que os detentores destas tecnologias capturem a identidade das pessoas e estabeleçam a ditadura cibernética.
Por hora, prefiro acreditar que a tecnologia criadora de ambientes virtuais paralelos possui, como toda grande descoberta tecnológica, leia-se – energia nuclear- por exemplo, dois lados; um lado bom, no sentido de promover o avanço e o desenvolvimento da sociedade, facilitando a vida do indivíduo em inúmeras áreas da vida cotidiana, e um outro lado, pernicioso e opaco, pautado principalmente na exploração econômica dos indivíduos e a sua alienação.
A certeza, a experiência que se pode concluir sobre este assunto é a de que nada será como antes, e que a tecnologia faz com que a nossa percepção de que o tempo não retroage seja muito mais clara. Desta forma, fica mais fácil compreender o por que não se consegue viver mais sem o auxilio de um smartphone conectado à internet. Não se pode mais viver desconectado, a descentração do indivíduo, provocada principalmente pelo surgimento destas tecnologias atingiu um grau tão elevado que se percebe a tendência de uma unificação cultural, onde a representação de deus será somente uma história, armazenada em um banco de dados em algum dispositivo informático em algum lugar do universo.
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Alessandro Carneiro, bacharel em Direito – 2018, especialista em Direito Constitucional -2019; mestrando em Ciências Sociais – 2021; servidor público estadual, professor de legislação penal e direito constitucional. Contato: alessandro.carneiro@estudante.ufjf.br.︎
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Platão defendia a existência de dois “mundos” onde tudo que existia no mundo concreto, era fruto da representação realizada no mundo das ideias. Embora a admissão de que os espaços cibernéticos sejam produto da inteligência humana, algo pertencente ao processo de materialização iniciado no pensamento humano e trazido para o mundo sensível por força dos métodos de produção e desenvolvimento tecnológico, a ideia de um “espaço não material” onde os sujeitos transitam – mesmo que de forma virtual- nos traz em mente a ideia de um “terceiro mundo”: o mundo virtual.︎
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A palavra metaverso surge no âmbito da ficção científica O termo foi criado pelo escritor Neal Stephenson em 1992 no romance pós-moderno, intitulado Snow Crash, no qual foi utilizado para designar um mundo virtual ficcional. Segundo o autor, metaverso tem caráter real, bem como utilidade real pública e privada, pois se trata de uma ampliação do espaço real do mundo físico dentro de um espaço virtual na internet.( SHELMER, et.al, 2008).︎