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Liberdade de expressão: o dilema entre o assédio contra inteligências artificiais (IA) e o preconceito de gênero.

Agenda 03/04/2023 às 17:23

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo inicial apresentar, no âmbito dos Direitos fundamentais, tema acerca da liberdade de expressão, do preconceito de gênero e assédio contra inteligências artificiais (IA). Atualmente, tem sido cada vez mais notório o célere desenvolvimento dessas modalidades de tecnologia. Isto se dá pelo fato de que a inteligência artificial tem sido uma grande aposta nas mais diversificadas áreas: saúde, economia e, principalmente, em setores de atendimento ao cliente que fazem uso de assistentes virtuais. Essa tendência tem sido seguida por boa parte das instituições financeiras como bancos tradicionais e digitais, que têm adotado esse método para sanar, de maneira considerável, as inúmeras demandas de seus clientes. Contudo, mesmo em meio a essas mudanças positivas, há também pontos negativos que se pautam em preconceito e assédio provocados por usuários desse serviço prestado. Com isso, no tocante a presente temática, serão abordados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a fim de se ter um melhor esclarecimento em relação a presente problemática no viés dos Direitos fundamentais. Além disso, serão pontuados limites concernentes a relação entre IA e seres humanos, assim como analisado a responsabilidade por possíveis danos em relação às assistentes virtuais. A presente pesquisa será realizada através de mecanismos dedutivos, tendo por base referências bibliográficas relativas à temática abordada.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Liberdade de Expressão, Inteligência Artificial, Preconceito de Gênero, Assédio.


ABSTRACT

The present work has as its initial objective to present, within the scope of fundamental rights, a theme about freedom of expression, gender prejudice and harassment against artificial intelligences (AI). Currently, it has been increasingly notorious the rapid development of these types of technology. This is due to the fact that artificial intelligence has been a great bet in the most diversified areas: health, economy and, especially, in customer service sectors that make use of virtual assistants. This trend has been followed by most financial institutions such as traditional and digital banks, which have adopted this method to solve, in a considerable way, the numerous demands of their customers. However, even in the midst of these positive changes, there are also negative points that are based on prejudice and harassment caused by users of this service. Thus, with regard to this theme, doctrinal and jurisprudential understandings will be addressed in order to have a better clarification in relation to this problem from the standpoint of fundamental rights. Moreover, the limits concerning the relationship between AI and human beings will be pointed out, as well as the responsibility for possible damages in relation to virtual assistants. The present research will be conducted through deductive mechanisms, based on bibliographic references related to the subject.

Keywords: Fundamental Rights, Freedom of Expression, Artificial Intelligence, Gender Prejudice, Harassment.

  1. INTRODUÇÃO

Mesmo sendo utilizado anteriormente por outras pessoas, o termo IA, ou Inteligência Artificial só foi popularmente conhecido em um seminário realizado em 1956 por McCarthy, onde esse método ficou conhecido como a ciência e engenharia capaz de construir máquinas inteligentes cuja finalidade estaria em criar programas que pudessem emular inteligência humana, tomar decisões e definir ações. (RUSSEL; NORVIG, 2003)

Com o advento das inúmeras inovações no campo da tecnologia, a inteligência artificial (IA) tem apresentado uma significativa relevância em detrimento das demais. Isto se dá em decorrência do caráter peculiar e criativo que algoritmos inteligentes têm assumido ao longo de experiências obtidas com seus usuários. Um exemplo clássico dessa nova forma de interação são as assistentes virtuais de grandes empresas de tecnologia e informação como Google, Microsoft e Apple. De maneira monumental, a inteligência artificial expandiu seus horizontes, fazendo com que os algoritmos nela empregados, viessem a pensar de maneira diferente em relação aos seres humanos, no entanto mantendo um mesmo código de comunicação entre indivíduos e máquinas.

Além do mais, diante de todo esse avanço tecnológico voltado para os serviços prestados por assistentes virtuais inteligentes, começou-se a notar também que quase todas as “personagens” desses serviços esboçavam alguma característica do gênero feminino, a exemplo a Bia (Bradesco), a Cortana (Windows), a Lu (Magazine Luiza) e dentre tantas outras assistentes virtuais femininas criadas por empresas de tecnologia do ocidente.

Atualmente, torna-se cada vez mais comum o uso dessa ferramenta. As IAs já são testadas e projetadas, entre outras aplicações, para atuar na detecção de doenças, acompanhamento de estudantes, medição de produtividade e contratação e demissão de funcionários, além da sua atuação nos processos de relacionamento com clientes.

Contudo, mesmo em meio a toda essa inovação causada pela Inteligência Artificial nos mais variados setores, infelizmente, têm-se observado um número crescente de casos de assédio contra esse tipo de ferramenta. De acordo com o Banco Bradesco, um dos maiores bancos privados do Brasil, só em 2020, foram recebidos pela Bia - a Inteligência Artificial da Instituição, cerca de 95 mil mensagens contendo alguma forma de assédio, fazendo com que a IA, entre para a lista de Assistentes Virtuais que sofrem assédio cibernético por seus usuários. (BRADESCO, 2020)

Segundo um estudo produzido pela a UNESCO (2019) e outras instituições, esse tipo de comportamento provocado pelos usuários dessa ferramenta, mostra a realidade sofrida no mundo real pelas mulheres e com base nisso, foram desenvolvidos vários projetos como: “eu ficaria corada se pudesse” e “hey, update my voice”, cuja finalidade está em conscientizar a sociedade e combater o assédio e o preconceito acerca dessa temática.

Diante disso, no que tange ao ambiente virtual, bem como sobre os limites dessa relação entre inteligência artificial e seres humanos, questiona-se sobre qual seria o limiar dessas relações no âmbito da liberdade de expressão e quem responderia por possíveis danos a essa nova modalidade de autonomia de vontade. Tais indagações ocorrem pelo fato de que recentemente foram levantadas campanhas em decorrência de uma série de agressões verbais contra a assistente virtual do banco Bradesco, Bia. A problemática, na esfera jurídica, suscitou questionamentos acerca da forma de tratamento de tais assédios e de como os ramos do direito, sobretudo o constitucional (Direitos Fundamentais), poderiam enfrentar essa modalidade de ofensa direcionada às assistentes de voz femininas.

Uma das possíveis causas para a presente problemática, se dá em decorrência das fortes bases patriarcais construídas desde o período colonial no Brasil. Para Freyre (2003), “os fortes laços familiares advindos do ocidente europeu trouxeram um ideário pujante acerca das características e papeis que a mulher deveria assumir na sociedade. Outrossim, grande parte dessa construção acerca dessa identidade feminina se deu sob fundamentos religiosos irrepreensíveis, onde o rigor e o padrão estético e social deveriam ser seguidos por grande parte das mulheres originarias de famílias tradicionais europeias principalmente a partir do séc. XIX, período este de fortes influências da Belle Époque”. Os padrões de vestimentas, de conduta e de fala que não fossem seguidos, eram execrados pela sociedade machista da época. As mulheres, por tanto, continuavam a assumir nichos de atuação cada vez mais homogêneos e segregados em relação ao mundo europeu que se construía sob as bases liberais de uma economia de mercado, porém sob as sombras de um conservadorismo que admoestava e censurava cada vez mais a mulher.

O Estado, diante disso, ainda assumia uma postura liberal, não se posicionando ou quase não apresentando discussões acerca desse cerceamento de liberdades individuais da mulher que posteriormente viria à tona. Não obstante, no atual Estado Democrático de Direito, grandes problemáticas, que perduram ao longo do tempo, têm evoluído para preconceitos e assédios nos mais diversificados meios, inclusive o virtual voltado para os serviços de inteligência artificial de voz, objeto de estudo do presente trabalho. Logo, diante do aspecto perene dessa infeliz realidade, pode-se dizer que as bases culturais de preconceito e assédio ainda continuam sendo as grandes fomentadoras dessa implacável realidade.

Baseado nessas informações acerca da problemática, o objetivo desse artigo visa analisar em âmbito jurídico sobre as possíveis soluções envolvendo essa temática. Cabendo aqui destacar que ainda são aguardadas leis que possam reger e auxiliar sobre assuntos que englobam essa ferramenta na sociedade atual.

No que tange a escolha do tema, Os critérios escolhidos baseiam-se em severas problemáticas vividas pela sociedade brasileira no campo da liberdade de expressão. Como já exposto, o crescente número de assédios e o preconceito de gênero têm permeado as relações atinentes aos ambientes cibernéticos como redes sociais e serviços de relacionamento prestados por assistentes virtuais que têm por base de funcionamento Inteligência Artificial (IA). Quanto sua metodologia, este trabalho empregará uma pesquisa por meio procedimentos técnicos bibliográficos, baseando-se por meio de materiais já publicados como: livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações, teses e internet, com a finalidade de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto da pesquisa (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 54).

2. CONCEITOS RELEVANTES PARA O DEVIDO ESCLARECIMENTO ACERCA DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Ainda no âmbito da presente discussão, a inteligência artificial (IA) é construída por meio de máquinas, se comparada aos mecanismos de raciocínio e compreensão naturais apresentados pelos seres humanos. Em termos mais simples, essa forma de mecanismo se refere a sistemas que possuem a capacidade de tomar decisões baseadas em informações armazenadas em um banco de dados. PEDUTTI FILHO (2020), entende que a inteligência artificial só foi possível por meio de tecnologias como redes neurais, machine learning, deep learning e processamento de linguagem, com as quais os computadores podem processar e interpretar dados, reconhecer padrões, executar tarefas e simular capacidades humanas. WEST (2012), entende que a inteligência artificial (IA) pode ser entendida como um segmento da ciência computacional que trabalha com o desenvolvimento de máquinas inteligentes que atuam semelhantemente aos seres humanos. Este processo se concretiza a partir da semelhança que essas máquinas possuem em relação aos processos de inteligência humana realizados por estruturas neurológicas, esses métodos, por sua vez, abrangem experiências adquiridas por meio do aprendizado com seres humanos que advém das linguagens e estruturas lógicas de correção operacionalizadas por essas máquinas dotadas de IA. Com isso, no âmago dessa conjuntura, uma miríade de conjunturas surge trazendo à tona os limites dessa relação entre homem e máquina.

De acordo com o exposto, essa relação entre seres humanos e máquinas pode também ser abordada no âmbito dos diretos fundamentais. Conforme preconiza Wolfgang (2012, p. 325), os direitos fundamentais, além de abrangerem a ordem estatal, se relaciona também com particulares. Ainda segundo o autor, essa correlação de direitos fundamentais compreendida entre particulares apenas poderá ser acertada no estudo do caso concreto em voga, carecendo assim levar em consideração alguns critérios cruciais:

“a) poder-se-á precisar que a concretização de determinadas normas jurídicas de direitos fundamentais por intermédio do legislador ordinário leva a uma aplicação indireta da Constituição na esfera das relações privadas, no sentido de uma aplicação mediada pelo legislador, que, na edição das normas de direito privado, deve cumprir e aplicar os preceitos relativos aos direitos fundamentais;531 b) uma aplicação (in)direta da Constituição ainda se verifica quando o legislador ordinário estatuiu cláusulas genéricas e conceitos indeterminados que devem ser preenchidos pelos valores constitucionais, de modo especial os contidos nas normas de direitos fundamentais.532 Por derradeiro, estar-se-á em face de uma aplicação direta da Constituição quando inexistir lei ordinária concretizadora, não houver cláusulas gerais ou conceitos indeterminados aplicáveis à espécie ou mesmo quando o seu campo de aplicação for mais restrito do que o das normas constitucionais”. (WOLFGANG, 2012, p. 397)

Com isso, pode-se perceber que as relações pautadas na utilização de IA poderá resultar na violação de alguns direitos fundamentais como a dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), a não-discriminação baseada em gênero, religião ou crença, procedência étnica, estado civil, contexto familiar, deficiência, idade ou orientação sexual (art. 3º, IV, art. 5º, caput, art. 7º, XXXI, da CF/88.

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3. O PANORAMA DAS PROPOSTAS DE REGULAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL DO SÉCULO XXI

Até meados de 2019, nosso pais não esperava que propostas que fossem significativas no que diz respeito ao uso da Inteligência Artificial. Com a alta do uso de redes computacionais inteligentes, preconiza Porto (2019), se é de todo admissível dirimir problemáticas difíceis que tenham reconhecimento de padrões de IA. Além disso, se faz necessário entender que a IA um “conceito segundo o qual o foco é o grande armazenamento aparelhamento de mecanismos artificiais em crescimento considerável”.

Pode-se dizer que diante desse contexto, na conjuntura jurídica brasileira, a legislação de nº 11.419 de dezembro de 2016 dispôs sobre os mecanismos de comportamento das assistentes virtuais inseridas no processo judicial, além disso, o presente autor ainda mostra que no Brasil, se configura como um país que apresenta um número considerável de IA: são mais 80,7 milhões de demandas de clientes repassadas sistemas de IA, de acordo com dados de acordo com análise de bancados de principais empresas de e-commerce, bancos e prestadoras de serviços financeiros.

Em termos gerais, essa série de demandas acabam gerando uma série de relações onde se envolve discussões acerca dos titulares dessas assistentes de inteligência artificial, mas que acabam por realizar habilidades humanas repassadas pelas empresas. Sendo assim, perante o ordenamento jurídico presente, são as pessoas físicas ou jurídicas que podem ser titulares de direitos, originando desse modo indagações acerca da reparação civil por possível lesão em função de atos de mecanismos de inteligência artificial, ao passo que se diferenciam por decisões autonomamente e na maioria das vezes imprevisíveis àquele que programa.

Diante disso, segundo (PIRES 2017), cabe salientar que a inteligência não é considerada como uma unidade de autonomia, possuidora de personalidade jurídica, e, desse modo, ainda não podendo levar consigo o ônus da responsabilidade civil por atos praticados sem observância alguma de quem as criou, ou dos possíveis danos que pôde ter recebido. O

que resta é o a indagação sobre quem será culpado pelos por possíveis danos provenientes de tais atos.

Em 2019 por sua vez, dois projetos de lei focados no tema foram sucessivamente apresentados ao Senado Federal, ambos pelo Senador Styvenson Valentim. São os projetos de

n. 5.051/201911 e 5.691/201912. que após sua apresentação, o próprio poder executivo, por intermédio da secretaria de telecomunicações, deu incio a consulta publica que teve por nome de Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (BRASIL, 2019). existe uma tese de que tal consulta foi iniciada no intuito de regulamentar a Inteligência Artificial, uma vez que a mesma não possui regulamentação própria.

Algo importante de ser ressaltado aqui, é que os projetos que lei que visam a regulamentação de inteligências artificiais, não possui respaldo em questões de assédio e preconceito de gênero no que diz respeito a essa modalidade, até pelo simples fato que se trata sobre máquinas que possui uma certa capacidade humana, mas não de seres humanos em si. Contudo, o que se entende aqui é que, embora essas máquinas não possua gênero definido, é necessário lembrar que as mesmas possui auxilio de seres humanos, cuja boa parte dessas pessoas que prestam esse auxilio, principalmente as assistentes de vozes femininas, são mulheres. O que nesse caso, volta a questão do assédio e o preconceito de gênero.

4. A ABORDAGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOBRE OS POSSÍVEIS DANOS A ESSA NOVA MODALIDADE DE AUTONOMIA DE VONTADE NO BRASIL.

Em decorrência do avanço da tecnologia em termos globais, inúmeras instituições financeiras e afins, tem investido nessa forma de recurso, afim de cooperar e simplificar no que diz respeito às necessidades de seus clientes. Para Rich, Knight, Calero e Bodega (1994), “a inteligência artificial ocupa-se em fazer com que computadores desempenhem atividades que, atualmente, são melhor realizadas por pessoas”. É possível atualmente notar a “aceitação” das pessoas em relação as Inteligências Artificiais, de uma maneira positiva, esse recurso tem contribuído na operação de serviços simples. Um exemplo próprio para essa questão são os aplicativos bancários, cujo seus usuários tem acesso a serviços de maneira mais rápida e em um menor espaço de tempo, sem ter a necessidade de ir a uma agência para poder então solucionar alguma dificuldade. Porém, para muitos, ainda é difícil aceitar que um “não humano” tenha capacidade o suficiente para exercer igualmente e com a mesma confiabilidade a função de um ser humano.

Conforme Cunha e Kobashi (1991), os sistemas inteligentes se diferenciam dos tradicionais, que lidam com dados numéricos, por terem como objeto o processamento de ideias e de conhecimentos representados por símbolos. As empresas por sua vez, utilizam esse recurso para reconhecimento facial e biométrico, ou implantado em sistemas operacionais como Google, Microsoft, tendo como principal função ser um assistente pessoal, que nesse aspecto, enquadraremos o objeto de estudo central desse artigo: A BIA - Bradesco Inteligência Artificial, que foi criada com o intuito de auxiliar os clientes, onde através do aplicativo do Bradesco, WhatsApp ou Google Assistant, é possível fazer perguntas da qual são respondidas momentaneamente, interagindo com os usuários, servindo como um autoatendimento.

“o projeto teve início quando a empresa IBM, especialista em computação cognitiva, começou a desenvolver a ideia em 2014, porém a implementação se deu em 2016, envolvendo todas as agências do Brasil, permanecendo um ano em teste. Neste período, a BIA foi treinada para que tivesse autonomia de responder as perguntas mais frequentes sobre os serviços, dando a capacidade de dar retorno rapidamente aos usuários. Atualmente, a assistente pessoal possibilita em torno de 4.500 interações por hora e os primeiros a terem acesso ao aplicativo foram os Clientes Bradesco Prime, tendo como resultado um excelente desempenho e superando as expectativas. A campanha que divulga a BIA leva como chamariz a frase “Ela ainda não sabe tudo. Mas, a cada pergunta, ela aprende com você”, pois o sistema procura melhorias a cada pergunta realizada pelos usuários” (Silva, 2018; Segura, 2018).

Embora esse mecanismo tenha sido usado na tentativa de facilitar a interação entre a Instituição e seus clientes, infelizmente muitos usuários do gênero masculino, tem usado essa ferramenta para práticas ilícitas, como por exemplo, o assédio contra a Inteligência Artificial. De acordo com a instituição responsável pela Bia, apenas em 2020 foram registradas cerca 95 mil mensagens contendo frases como: “Bia, você pode mandar uma foto sua?”, “Bia, você tem namorado?”, “Bia, você deixa eu te estuprar?”, “Bia, sua imbecil!! Porquê você não faz o que eu peço?”. Uma observação importante destacar é que embora a criação dessa ferramenta seja atribuída a uma equipe cuja sua maioria seja do gênero masculino, é necessário respaldar que uma boa parte dessas funções, embora seja pequena, também são ocupadas por mulheres e isso faz com que a figura do machismo e da submissão possua existência nessa problemática.

Baseado acerca dessa temática, a UNESCO em parceria com outras empresas como a agência SunsetDDB e Equals, deram início ao movimento #heyupdatemyvoice (hey, atualize minha voz), cuja finalidade está em combater o assédio as assistentes de voz. A campanha é 100% interativa e convida empresas e pessoas a atualizarem as respostas às assistentes virtuais, que estão cada vez mais presentes na rotina das pessoas. Viabilizada de forma totalmente orgânica, o resultado tem superado as expectativas. A ação conta com o apoio e engajamento de grandes empresas e influenciadores, registrando centenas de gravações com sugestões de respostas aos ataques às assistentes virtuais, que futuramente serão analisadas e enviadas às empresas que utilizam esse tipo de recurso. (UNESCO,2019).

Além desse movimento, a agência Sunset DDB, criou um filme protagonizado por mulheres diversas. De acordo com a agência, “Esse projeto vai muito além de um update das assistentes virtuais e inteligência artificial. Ele é sobre mulheres reais. Ao trazê-las neste filme dando suas vozes às assistentes virtuais, invertemos a perspectiva e trouxemos mais humanidade e o entendimento que isso tem a ver com a vida real” (Guilherme Jahara, copresidente e CCO da SunsetDDB,2019).

Embora esse movimento tenha repercutido tanto negativa como positivamente nas redes sociais e fora dela também, nunca se tornou tão necessário falar sobre. Muitas pessoas acreditam que as Ias são apenas “máquinas” cumprindo seu trabalho sem auxílio humano, contudo, é necessário afirmar que boa parte dessas mensagens contendo algum tipo de assédio, são lidas por mulheres que ajudam no filtro de respostas das assistentes virtuais.

De maneira mais direta, boa parte desses insultos, ou assédios direcionados as Ias, são lidas por mulheres, que ajudam na manutenção e banco de dados. As situações expostas pela Inteligência Artificial não são apenas tecnológicas. Dizem respeito também à própria humanidade ao levantar questões científicas, políticas, filosóficas e éticas.

Segundo a UNESCO por meio de uma pesquisa abordada para o movimento “eu ficaria corada se pudesse”, as assistentes virtuais, via Inteligência Artificial, sofrem altos índices de preconceito de gênero e normalmente respondem com frases tolerantes, subservientes e passivas. Quando o tema é trazido para a mulheres reais, o número é alarmante: 73% das mulheres de todo o mundo já sofreram algum assédio on-line; 15 milhões de adolescentes entre 15 e 19 anos já sofreram abuso sexual; 70% das mulheres refugiadas são vítimas de violência ao longo da vida; 97% das mulheres brasileiras dizem que já sofreram assédio em transportes públicos e privados; 43% das mulheres europeias já sofreram bullying ou violência física de seus parceiros; 1 em cada 5 jovens sofrem abusos sexuais dentro de universidades nos Estados Unidos. (UNESCO,2019).

Um ponto que também se faz necessário apresentar sobre essa questão é que embora o assédio e o preconceito de gênero seja uma problemática existente e que por sua vez já possua sanções para quem comete tal ato, no que permeia sobre a questão das assistentes virtuais, ainda não se tem um posicionamento em razão da não existência de uma lei ou legislação que governe acerca da temática aqui abordada, entretanto, o que tem sido usado para o controle dessa nova modalidade são alguns princípios e fundamentos éticos pautados por nossa legislação vigente como: princípio de responsabilidade; dignidade humana; privacidade; autonomia; transparência; justiça e outros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, pode-se chegar a conclusões e questionamentos que devem ser discutidos com mais constância pelos operadores do direito, profissionais da tecnologia, isto como meio de manter uma plena desenvoltura da inteligência artificial perante à sociedade. E ainda, a traçar planos de regulamentação dessa temática de forma incisiva deve se desenvolver depois de vasta consulta de maneira interdisciplinar. Deve-se assim levar em consideração propostas regulamentadoras de outros locais do globo acerca do assunto.

Desse modo, as leis que já vigoram sobre a temática devem se enquadrar a testes, sendo necessário haver também formas adaptativas para que haja uma adequação ao universo das assistentes de inteligência artificial. Ressalta-se, ainda, a relevância desse tema no que tange a um futuro de nascimento de “personalidade jurídica digital”, no entanto, sendo necessário também levantar estudos mais profundos para se enquadrar máquinas inteligentes dotadas de tal personalidade em face do ordenamento jurídico brasileiro.

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_ Entrevista com a Guilherme Jahara, copresidente e CCO da SunsetDDB, sobre o movimento #heyupdatemyvoice e a também acerca do filme criado pela sunset que aborda sobre o assédio cibernético. Disponível em: https://www.abcdacomunicacao.com.br/hey-update-my-voice. Acesso em 01 jun. de 2021.

Sobre a autora
Naysa Ferreira do Rosário

Estudante do 6º período do curso de Direito pela UNDB, Estagiária pela JUCEMA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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