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Democracia digital e aspectos jurídicos da internet

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Agenda 05/04/2023 às 10:24

2. SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

2.1. Introdução ao capítulo

A sociedade é composta por diversos grupos sociais, e a partir dessa coletividade humana, desenvolve-se uma série de complexas relações. A sociedade brasileira é formada pela reunião de pessoas pelo vínculo da nacionalidade e, a partir dela, surgem novos grupos que se formam unidos por diversos outros vínculos, como os de natureza religiosa, acadêmica, profissional, econômica, política, comercial, jurídica, dentre outras. A sociedade deve ser compreendida como o elemento nuclear do Estado moderno, antagônico ao paradigma do Estado medieval, onde o Rei era a figura central e a sociedade um meio para os fins determinados pelo Soberano.49

Segundo Cavalieri50, o homem teria no início vivido na solidão, como foi ilustrado por Daniel De Föe na conhecida história de Robson Crusoé, no entanto, devido a sua natureza intrinsecamente sociável, os homens começaram a se agrupar, originando a sociedade através de um pacto, o célebre “Contrato Social”, título de um dos mais famosos livros de Rousseau e, a partir desse momento, as relações entre os homens seriam disciplinadas por regras introduzidas pelo próprio homem.51

Azambuja52 afirma que a extensão e a compreensão do termo sociedade variam, podendo abranger os grupos sociais de uma cidade, de um país ou de todos os países, neste último caso, trata-se da sociedade humana, a humanidade. Classifica sociedade de modo analítico, indicando que uma sociedade é a união moral de seres racionais e livres, organizados de maneira estável e eficaz para realizar um fim comum e conhecido por todos.53

Cupertino54 disserta que a sociedade se materializa por diversas formas, exteriorizando padrões culturais, morais, científicos, políticos ou econômicos, distinguindo-se conforme o tempo e o lugar, contudo, constitui característica invariável, oriunda da própria natureza humana, a busca frenética pelo conhecimento. Desde os primórdios da humanidade contempla a eterna procura por elementos agregadores de bens e de valores à vida e, nesse contexto, originou-se um progresso científico nunca visto, acelerando as mudanças de forma inimaginável. A sociedade da informação é produto da genialidade humana e que através da revolução tecnológica amplia os espaços para a pluralidade de ideias e para o exercício da democracia.

Nesse contexto, Takahashi55 indica que o programa de uma sociedade da informação para o Brasil, idealizado por diversos pensadores de nosso tempo, tem como escopo, integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias da informação de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e ao mesmo tempo, contribuir com a economia do país, no sentido de produzir as condições necessárias para torná-lo competitivo na esfera global. Essa ideia perpassa pela implementação das novas tecnologias em empresas nacionais e transnacionais, as “global players”, assim como na implementação da infraestrutura necessária para oportunizar à sociedade em massa acesso aos serviços e as suas aplicações, como o e-governo, na promoção da informatização da Administração Pública e do uso de padrões conhecidos nos seus sistemas aplicativos. Dessa forma, as novas tecnologias criam oportunidades não só para as operações de negócios, mas para diversos outros avanços, como a integração social, o entretenimento, a educação e a cidadania, proporcionando a ideia da fertilização do embrião da democracia digital no interior da nova sociedade da informação.56

No ambiente digital, a sociedade global interage, construindo uma nova sociedade baseada na produção frenética de conteúdo, gerando e disponibilizando intenso conhecimento, criando a chamada “sociedade da informação”, contudo, como apresentado, a tecnologia traz inúmeros aspectos positivos e outros inúmeros negativos. O homem telemático e de condutas virtualizadas percebe a tela e acredita no que está vendo como algo presente e, assim como na vida estritamente material, elabora ações lícitas ou ilícitas motivados por sua índole e por sua ambição. No entanto, pode-se afirmar que no ambiente digital a extensão geográfica e espacial onde se realizam as condutas de seus agentes são potencializadas na virtualização das coisas e das pessoas, expandindo-se, substancialmente, frente ao paradigma físico convencional.57

Lévy58 preconizava que a revolução seria permanente, pois, indubitavelmente, a vida tecnológica que era a realidade do amanhã, já está presente nos corpos e nas mentes e, pelas tecnologias da informação, as mentes propagam ideias que trafegam em tempo real, transpondo fronteiras nacionais soberanas sem intermediários quanto ao conteúdo, desde lícitas, de acordo com os parâmetros constitucionais e infraconstitucionais estatais.

Dessa forma, os pensamentos, os serviços, os bens, os sentimentos e as interações tomam corpo universal no sistema complexo virtual fazendo surgir desafios para os Estados, para as empresas e para os indivíduos através de condutas nocivas de difícil persecução que se espalham como “bactérias”, atacando a pureza da cultura virtual ou da “cibercultura” de Lévy, além de debilitar o seu potencial de democratizar o conhecimento, sem fronteiras econômicas, raciais, etárias, religiosas ou geográficas. Para estas “bactérias” um “remédio”, a norma e com “dosagem” única, a lei.

2.2. A Internet e o paradigma da Sociedade da Informação

Em 1969, a ARPA (Agência de Projetos de Pesquisa Avançada), do Departamento de Defesa dos EUA, construiu uma rede experimental de computadores chamada ARPAnet. A ARPAnet uniu pesquisadores militares e universitários, permitindo que os recursos de seus computadores fossem compartilhados, o propósito inicial era que a internet fosse exclusividade de grandes empresas e de órgãos governamentais e que interligaria tão somente universidades e centros de pesquisa. No entanto, em 1987 ocorreu a sua liberação para uso comercial, contudo, no Brasil deu-se somente em 1995, logo após a consolidação das primeiras empresas provedoras de acesso à nova rede.59

Nesse cenário, Barroso60 ensina que houve três grandes revoluções que moldaram a história da humanidade, a Revolução Cognitiva, a Revolução Agrícola e a Revolução Científica que apresenta três revoluções industriais. Indica que a última revolução desse relato histórico ocorreu na segunda metade do século XX e se estende até os dias atuais. Exterioriza-se pelo avanço da indústria eletrônica, dos grandes computadores, os mainframe computers, e pela substituição da tecnologia analógica pela tecnologia digital, processo que introduziu o nome ao paradigma da revolução atual, como a revolução digital ou a “era digital”. A Revolução digital, consolidada através das novas tecnologias, permitiu a massificação do computador, do celular inteligente, refletindo na conectividade global e na inclusão de bilhões de pessoas, consolidando a chamada “sociedade da informação”, advento oportunizado pela genialidade humana e pelo seu poder criativo, perpassando pelo vapor, pela eletricidade e pela rede mundial de computadores.

Manuel Castells disserta que ”(...) a internet é um instrumento que desenvolve, mas que não muda comportamentos; ao contrário, os comportamentos aproximam-se a partir do que são.” 61 No sentido contrário, Chatfield62 ensina que há uma estreita relação entre o ser humano e a tecnologia, afirma que em todas as épocas, o ser humano moldou novas ferramentas tecnológicas e estas, por sua vez, moldaram o seu comportamento. Adita que a nossa comunicação se transformou com a invenção da escrita e, dessa forma, pequenas histórias viraram grandes narrativas com detalhes impossíveis de serem exteriorizados de outra maneira. A escrita permitiu que registrássemos o mundo com as peculiaridades personalíssimas do tamanho de nossa percepção, inovou o ato da lembrança por todos os detalhes sendo impossível, exclusivamente, através da memória humana. Nessa esteira, outras invenções tornaram a vida em sociedade possível de realizações, cercando-nos de inovações, fruto da criatividade humana, necessárias para a sobrevivência, a prosperidade e o desenvolvimento humano.

A internet foi responsável por uma revolução no processo informativo, contribuindo com a democratização do conhecimento. A rede mundial de computadores não tem proprietário ou gerência, representando um patrimônio cultural da sociedade. Trata-se de instrumento para a liberdade de expressão, de interação cultural, de entretenimento, de negócios, de aprendizagem, de inovações, de integração entre povos, de transferência de conhecimento, de pluralidade de ideias, de debates políticos, de controle dos atos de governo, de pesquisa e desenvolvimento, de promoção de transparência, de justiça, de controle ambiental, de governo eletrônico, de desenvolvimento humano, de potencialização dos instrumentos democráticos, de oportunidades para a inclusão das classes minoritárias e hipossuficientes, dentre diversas funções agregadoras à qualidade de vida.

Barroso63 retrata a sociedade da informação contemporânea, indicando o desenvolvimento de um novo vocabulário que inclui um conjunto de termos recém incorporados em alguns dicionários, essenciais ao cotidiano, cita o “Google, Windows, Mac, Whatsapp, Telegram, Uber, Dropbox, Skype, Facetime, Facebook, Twiter, Instagram, Waze, Spotify, Amazon, Google maps, Google translator, iTunes, Netflix, YouTube. Para os solteiros, tem o Tinder, também”. Lembra que a revolução digital está integrada em toda a economia tradicional, tendo em vista a realidade onde “indivíduos e empresas estão em busca de adaptação, inovação e novos modelos de negócios”. Finaliza, indicando como vertente dessa revolução tecnológica, “uma nova ética, que consiga combinar criatividade, ousadia, liberdade e, ao mesmo tempo, privacidade, veracidade, proteção contra hackers e contra a criminalidade online”.

Takahashi64 preconizava a imensurável expansão dos negócios eletrônicos que se utilizam das plataformas digitais, como e-business e o e-commerce, envolvendo governo, empresas e consumidores. A internet tornou possível o desenvolvimento das transações entre empresas (business-to-business - B2B), das transações entre empresas e consumidores (business-to-consumer - consumer-to-business - B2C/C2B), das transações entre empresas e governo (business-to-government - government-to-business - B2G/G2B), das transações entre consumidores finais (consumer-to-consumer - C2C), e das transações entre governos (government-to-government - G2G). Este processo materializou-se pela universalização das tecnologias, pela evolução nos processos de proteção à privacidade e à liberdade de expressão de pessoas e de instituições, pela adoção de padrões para os negócios, pela regulação e taxação de transações eletrônicas e pelo desenvolvimento de tecnologias com alicerces na inovação, na acessibilidade, na segurança, na confiabilidade, na velocidade e na integração.

Como dito, no hediondo momento, com o advento da pandemia causada pelo COVID-19, houve intensa aceleração do processo de transferência dos mercados tradicionais para os mercados digitais, introduzindo novas características propulsoras da transição, como a redução de custos operacionais, a eliminação das distâncias geográficas, o funcionamento ininterrupto e global e a não obrigatoriedade do contato físico humano, embora mantenha-se, expressivamente, personalizado.

As tecnologias da informação propiciam uma revolução na sociedade moderna, com o paradigma da valorização dos bens imateriais ou intangíveis afetando diretamente o sistema econômico, político, jurídico, social, ambiental e cultural do mundo globalizado. A informação e o conhecimento circulam em alta velocidade e a custos baixíssimos pelas “auto-estradas” da informação, fazendo surgir um novo modelo social com reflexos evidentes de amplitude global. Atualmente, as companhias mais valiosas do mundo são os “players” do ambiente virtual, como a Amazon, Google, Apple, Microsoft, Samsung, Facebook, Huawei, Tencent, Intel, Cisco, dentre outros agentes que exploram economicamente diversos serviços do sistema complexo virtual, inclusive, impulsionando intensos debates, promovidos pela sociedade civil e pelos governos, quanto à função social que desempenham, além da discussão sobre a constituição de monopólios, resultando na convocação de seus CEOs para prestação de esclarecimentos junto às comissões parlamentares ou às entidades de controle governamentais nos Estados Unidos e na União Europeia, ou até mesmo, impondo-se a obrigação da venda de empresas dos conglomerados empresariais. Neste sentido, a empresa Tik-Tok está sob ameaça de banimento do mercado americano por determinação do Poder Executivo baseado na alegação de riscos para a segurança nacional, com o suposto compartilhamento externo de dados dos usuários americanos.65 Outrossim, o Facebook está sendo processado por diversos estados americanos por constituição de monopólio. A Comissão Federal do Comércio pede que Instagram e WhatsApp voltem a ser empresas separadas.66

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Nesse contexto, Ivar Hartmann67 compartilha a preocupação na escolha de melhores formas de se regular a internet para a garantia dos direitos dos cidadãos nos espaços virtuais, essencialmente, no que se refere à privacidade, a liberdade de expressão e aos direitos consumeiristas. Dessa forma, no que se refere à prevenção, a gigantesca quantidade de dados produzidos no ambiente digital torna impossível a sua assimilação pelos humanos, nesse sentido, máquinas e algoritmos substituem indivíduos no controle das condutas nocivas. Governos de diversos países pressionam as empresas de tecnologia para coibirem condutas quanto ao anonimato e ao controle das ações ilícitas ou antissociais que se aproveitam de seus dispositivos.

Verifica-se, em próxima análise, que modernas leis foram criadas com o objetivo de garantir a segurança no ambiente virtual, como o Marco Civil da Internet (MCI), lei nº 12.965 de 201468 e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), lei nº 13.853 de 2019.69 No entanto, a problemática emerge na análise dos aspectos jurídicos referentes à espécie de controle de condutas realizado no ambiente digital, tendo em vista o fato de que, em grande medida, são operados por programas de inteligência artificial, os chamados “robôs juízes”, capazes de executar as tarefas que seres humanos não conseguiriam, na fiscalização das imensuráveis interações e conteúdos disseminados no ambiente cibernético diariamente.

Sob esse prisma, a segurança na rede, a censura das linguagens, a fiscalização dos conteúdos e a construção dos limites para a “democracia digital” seriam realizadas, tanto preventivamente como repressivamente, por dispositivos tecnológicos de inteligência artificial, ironicamente, por “robôs”. Serão estes robôs os “juízes” que deverão “julgar” as condutas humanas e, até mesmo não humanas, no sistema complexo virtual? O segundo aspecto seria a necessária ponderação dos direitos constitucionais que colidem quando da avaliação e da tipificação das condutas virtualizadas. O governo, através dos seus três poderes, desenvolve ações para a manutenção da segurança no ambiente cibernético, o Poder Legislativo produzindo as leis, o Poder Executivo desenvolvendo os atos normativos e o controle administrativo e o Poder Judiciário julgando as lides e interpretando as normas através dos princípios de interpretação constitucional e dos métodos de hermenêutica, objetivando a extração da melhor norma aplicável à temática apresentada. Atualmente, por exemplo, discute-se no Supremo Tribunal Federal o tema 987 de repercussão geral, tendo como objeto a análise da constitucionalidade do art. 19. do Marco Civil da Internet que impõe a condição específica da prévia notificação judicial para a responsabilização dos provedores de aplicações.70

Nova contemporânea controvérsia referente ao exercício dos direitos fundamentais no cotidiano digital é protagonizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro com o requerimento remetido ao Google, no inquérito que investiga o homicídio da vereadora Marielle Franco, para que forneça informações sobre todos os usuários que tenham realizado pesquisas sobre a vereadora no período de sete dias anteriores ao seu homicídio, sob pena de multa diária de cem mil reais, com objetivo de se identificar os possíveis autores intelectuais do crime hediondo. Identifica-se a colisão do direito à intimidade e à vida privada presentes no art.5º, X da Constituição Federal71 frente à atribuição constitucional do Ministério Público de manutenção da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, conforme o art.129 do referido instituto jurídico inaugural.72

Magrini73 indica que a internet se consolidou como a maior ferramenta de interações sociais globais, essencialmente, através das redes sociais, blogs e demais plataformas digitais, eficientes instrumentos democráticos funcionando como “arenas” ou espaços públicos de discussões, deliberações e de mobilização coletiva protagonizada pela sociedade da informação. A harmonia entre o poder político estatal e os interesses da sociedade necessita da presença do Estado de Justiça. Dessa forma, entende-se necessária a reflexão sobre a qualidade do controle realizado pelo Estado e pelas empresas em nosso “livre-arbítrio virtualizado”. Os agentes de inteligência artificial representam um novo desafio, pois além de serem utilizados para impulsionar conteúdos, dispõem de poder de decidir se os livres-arbítrios “dos humanos” estejam supervalorizados no ambiente digital. Estas decisões poderão ser tomadas não por humanos ou pelo Judiciário, mas por máquinas, tendo como base números, palavras, imagens, características pessoais, perfis de comunicações ou hábitos exteriorizados e compartilhados em padrões pré-estabelecidos pelos robôs virtuais. Frente a este paradigma, emerge a pergunta: qual seria a qualidade da democracia que almejamos para a nossa sociedade da informação?

2.3. O ambiente digital como um espaço de expansão da democracia

Há pouco mais de duas décadas, as modificações tecnológicas permitiram mudanças generalizadas no cotidiano da sociedade, estabelecendo uma sociedade cibernética global ancorada, em grande parte, em uma ampla democracia digital. Sob esse prisma, a democratização da informação requer a atuação dos governos na prevenção e na repressão das condutas ilícitas e, para esta missão, a Constituição da República apresenta-se como norte jurídico e importante baluarte dos direitos e das garantias fundamentais, como o direito à liberdade de expressão e o direito à privacidade, ambos presentes no art. 5º da norma suprema.

Nesse contexto, Britto expõe que:

“Mais do que ser a Lei Fundamental do Estado e de todo o povo brasileiro, a Constituição é a Lei Fundamental de toda a nação brasileira. Sabido que a nação, por ser a linha invisível que faz a costura da unidade entre o passado, o presente e o futuro, é instituição que tanto engloba o povo de hoje como o povo de ontem e o povo de amanhã.(...) Assim, visualizada como produto dessa realidade atemporal que é a nação, a Magna Lei Federal exprime uma vontade coletiva que já é transgeracional desde o seu nascedouro. Vontade que unifica história e geografia do Brasil por todo o tempo.”74

Magrini75disserta que a democracia indireta ou representativa surge frente à impossibilidade do exercício da democracia direta realizada em Atenas do séc. V a.C, No entanto, as constantes crises nas sociedades democráticas vivenciadas ao longo da história, motivadas por demandas de difícil consecução pelo Estado, indicam a necessidade da evolução deste modelo. A oportunidade surge com as novas tecnologias, com a potencialização do alcance social, propiciando a interação ativa dos cidadãos. As formas de democracia direta, como o plebiscito e o referendo podem compor as lacunas e os déficits democráticos, tendo em vista a previsão constitucional destes importantes instrumentos de cidadania e do histórico de sua não materialização no cotidiano social. Trata-se da possibilidade da implementação de uma democracia representativa materializada de forma expandida, com a esquecida democracia deliberativa e colaborativa através das “arenas públicas” proporcionadas pelas novas tecnologias da informação.

Sob esse prisma, como citado, a democracia digital fortalece-se com o equilíbrio das relações cibernéticas, propiciando diversos instrumentos de participação social no âmbito público e privado, possibilitando a execução de ações que emergem da democracia direta e indireta, como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e o voto eletrônico através dos avançados dispositivos de segurança que estão à disposição no ambiente digital. Nesse contexto, o sistema bancário nacional apresenta-se como importante modelo de segurança a ser seguido, reconhecido globalmente por ser um dos mais avançados, eficientes e seguros. No que se referem as iniciativas governamentais, como exemplos, a Estônia realiza eleições online desde 2005, pelo sistema i-Voting e os Estados Unidos, através do sistema blockchain, foi utilizado por militares em missão no exterior nas eleições primárias do Estado de West Virgínia em 2018.76 Barreto77 relata que “A ideia de vanguarda foi desenvolvida na Islândia, que contou com a participação popular para a elaboração do texto constitucional por meio de canais e redes sociais na internet no ano de 2012, o qual foi aprovado pela população, mas, posteriormente, foi rejeitado pelo Parlamento.” Indica que esta forma de democracia colaborativa, onde o povo participa através do uso das novas tecnologias da informação, também são perceptíveis “em países como Irlanda, Bélgica, Holanda, Canadá e Brasil, onde os protestos e as insatisfações políticas se intensificam no mundo virtual.” Quanto ao Brasil, conforme apresentado no capítulo anterior, Barroso78aponta para estudos com o objetivo de possibilitar o exercício do voto eletrônico, ainda em 2022. Neste sentido, atualmente, realizam-se negociações entre empresas de tecnologia e o Tribunal Superior Eleitoral.

2.4. O ambiente digital como um espaço de ameaças para a democracia

Britto ensina sobre democracia e humanismo, tratando sobre o reconhecimento da Constituição como:

“o inicial e o derradeiro espaço lógico de toda a axiologia jurídico-democrática transfere para ela, contudo, a mais imediata responsabilidade pela prefalada subeficácia do Direito quando à concreção do novo humanismo. Que é o humanismo diluído na multicitada democracia de três vértices. Ela, Constituição, a responder primeiro pela fragilidade operacional de todo o sistema normativo que quanto mais particularizada os seus comandos mais a desrespeita.”79

Nesse cenário, o uso de programas robôs no ambiente virtual traz novos desafios, essencialmente, no que se referem ao anonimato, realidade que facilita o cometimento de condutas nocivas, antissociais ou ilícitas na rede. A coleta e a pesquisa de informações privadas, a criação de bancos de dados para identificação de padrões de usuários, a comercialização de informações sensíveis, a busca de mecanismos para a quebra de sistemas de segurança na prática de ilícitos, a propagação de fake news de conteúdo criminoso, o cyberbullying, o stalker abusivo, o hate speach ilícito, o revenge porn, a utilização do anonimato na web ou na “deep web”, dentre outras diversas condutas delituosas ou condutas que constituam ilícitos cíveis representam grande ameaça para a “constelação” democrática digital.

Aponta-se que a quebra do monopólio da informação e a possibilidade da interação direta entre cidadãos, entre cidadãos e empresas e entre cidadãos com as mais diversas esferas governamentais representam importante paradigma democrático. Identificam-se os aspectos e a oportunidade da comunicação direta e imediata em que os agentes participam como emissores ou receptores de conteúdo, com a ausência de intermediários ou de interferências obrigatórias, potencializando espaços de inclusão social e de pluralidade de ideias, instrumentos de vocação para fins democráticos, sob a necessária segurança jurídica e o respeito às regras e aos princípios constitucionais, assim como às normas infraconstitucionais, como a Lei de Acesso à Informação80 e o Marco Civil da Internet.81

Barroso82 exterioriza a preocupação com o paradigma democrático contemporâneo, indicando que em algumas regiões verifica-se um processo de legalismo autocrático, apontando para um conjunto de eventos e de circunstâncias como “a globalização e seu impacto sobre o emprego e o nível salarial, as ondas de imigração, o terrorismo, as mudanças climáticas, o racismo, a debilidade e baixa representatividade dos partidos políticos, o fundamentalismo religioso, o movimento feminista, as conquistas dos grupos LGBT, em meio a muitos outros”. Verifica-se que algumas dessas condutas são amplamente difundidas por usuários através das plataformas digitais, constituindo-se atos legítimos, atos antissociais ou atos ilícitos, estes últimos debilitando a democracia digital. Sob esse prisma, apresenta os efeitos adversos do sistema complexo virtual, tratando dos novos fenômenos, “O direito precisa lidar com desafios que testam os seus limites e suas possibilidades” e passa a realizar uma reflexão:

“A internet e as redes sociais, por exemplo, deram lugar a desvios como discursos de ódio e campanhas de desinformação. Como proteger a comunicação no mundo das fake news e do deep fake, no qual vídeos falsos reproduzem imagem e voz de pessoas reais em situações inusitadas e inverídicas”.83

Souza84 indica os desafios quanto aos possíveis excessos na proteção à honra, com a restrição significativa à liberdade de expressão, no advento do exercício do direito ao esquecimento arguido como proteção frente às ofensas contra a honra e a privacidade, assim como na manipulação de informações por humanos, anônimos ou robôs, nesse sentido, a regulação do sistema exige intensos debates referentes aos limites, os direitos, os deveres e as responsabilidades dos agentes por suas condutas.

Nessa esteira, foi criada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, formada por 16 deputados e 16 senadores, com a relatoria da deputada Lídice da Mata do PSB-BA. Tem como objeto investigar a utilização de perfis falsos, ou seja, fake news para influenciar o resultado nas eleições presidenciais de 2018, além da prática de cyberbullying e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio, ou seja, ataques cibernéticos que atentem contra a democracia e o debate público.85 O objeto da CPMI comunica-se com a investigação promovida pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito n. 4781/DF de relatoria do Ministro Alexandre de Morais, o chamado “inquérito das fake news” ou “inquérito do fim do mundo”, termo presente no voto do Ministro Marco Aurélio. O inquérito apresenta as notícias fraudulentas, assim como diversas condutas ilícitas, objeto motivador de medidas cautelares e instrumentos coercitivos. O tema é controvertido, no que se refere aos procedimentos utilizados, à extraterritorialidade das medidas e a espécie de controle realizado.86

Sob esse prisma, as eleições municipais realizadas em novembro de 2020, novo período previsto motivado pelas circunstancias extraordinárias causadas pela pandemia do COVID-19, foi regulamentada pela resolução nº 23.610 de 2019 do Tribunal Superior Eleitoral estabelecendo que a propaganda eleitoral na internet possa ser realizada por blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos políticos ou coligações, desde que não se contrate serviços de disparos em massa de conteúdo realizados por robôs ou por pessoa natural, ou seja, vedada a contratação de impulsionamento em conformidade com as regras da Lei Geral de Proteção de Dados. A resolução determina que os candidatos tenham a obrigação de confirmar a veracidade das informações que serão utilizadas em sua propaganda eleitoral, inclusive aquelas veiculadas por terceiros. Reafirma-se a vedação ao uso de ferramentas de impulsionamento que possam alterar conteúdo da propaganda eleitoral ou falsear sua identidade. Indica-se que se houver desrespeito às normas da resolução, os candidatos, os partidos políticos e as coligações poderão ser punidos. Neste caso, podem ser aplicadas sanções penais e multa, podendo chegar a trinta mil reais. Também foi assegurado o direito de resposta aos que forem atingidos pelas falsas notícias.87

Nesse contexto, pesquisa realizada pelo DataSenado constatou que quase metade dos brasileiros, 46%, usa redes sociais para definir o voto. Na referida pesquisa de opinião, realizada pelo Senado e pela Câmara de Deputados, verificou-se que oito em cada dez pessoas já identificaram alguma fake news nas suas redes sociais e, como dito, a pesquisa constatou que grande parte dos entrevistados admitiu já ter usado informações vistas nas redes para definir o voto em períodos eleitorais, foram citados o Facebook na ordem de 31%, WhatsApp em 29%, YouTube em 26%, Instagram em 19% e Twitter em 10% como fonte para decisões eleitorais. Quanto às mídias mais relevantes como influenciadoras, 83% dos entrevistados citam o conteúdo das redes sociais como muito influentes, divididas da seguinte forma: YouTube na ordem de 49%, Facebook em 44%, sites de notícias em 38% e Instagram em 30%. Dentre as mídias tradicionais, o rádio em 22%, o jornal impresso em 8% e a mais influente, a televisão na ordem de 50%. No que se refere à possibilidade de punição, 96% dos entrevistados mostrou-se favorável a punição de quem compartilha fake news e 70% válida à extensão da punição para as redes sociais que permitam a sua publicação.88

Tratando-se de ameaça à democracia, especificamente no advento do período eleitoral, Crespo89 apresenta um novo exemplo de crime digital próprio, a conduta do acesso não autorizado ao sistema eleitoral, conforme o art. 72, I, II e III da lei n. 9.504. de 199790, conhecida como a Lei das Eleições, que prevê pena de reclusão de 5 a 10 anos para quem obtiver acesso ao sistema de tratamento automático de dados usado pelo serviço eleitoral a fim de alterar a apuração ou a contagem de votos. Importante previsão para a manutenção da lisura eleitoral e o sistema democrático.

Nessa ordem, o Tribunal Superior Eleitoral, além de definir regras específicas para a garantia do processo democrático no enfrentamento preventivo das práticas nocivas que contaminam o espaço democrático cibernético, firmou parcerias com “gigantes da internet” como Facebook, Google, WhatsApp e Twitter. As empresas afirmaram que aperfeiçoaram os mecanismos de identificação do uso abusivo de bots, ou seja, de robôs e de outras ferramentas automatizadas para disseminar desinformação.91 Além disso, o TSE fez parcerias com sete agências de checagem para identificar fake news, são elas: a AFP, Lupa, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Estadão Verifica, Fato ou Fake e UOL Confere que trabalharão em contato permanente para monitorar notícias falsas ligadas às eleições. O objetivo da iniciativa é valorizar as notícias verdadeiras, contemplando o trabalho da imprensa profissional, além de identificar comportamentos inautênticos na internet desenvolvidos por campanhas coordenadas de desinformação, muitas vezes, provenientes de milícias digitais.92 No entanto, entende-se que o controle deve ser estendido às mídias tradicionais de igual forma, interpretando-se as experiências de eleições pretéritas, desde os tempos do telégrafo.

Aponta-se para o novo paradigma democrático baseado na quebra do monopólio da informação com a interação direta dos cidadãos, emissores e receptores, em grande medida, com a ausência de intermediários e de interferências em seus conteúdos. Exprime-se a exigência de parâmetros jurídicos eficientes, implicando no respeito aos direitos constitucionais e as modernas normas infraconstitucionais aplicáveis ao tema, por certo que o controle civilizatório realizado no ambiente digital deve incidir preventivamente e repressivamente frente às condutas nocivas propagadoras de insegurança no sistema. O que se espera, é a consolidação de um controle proporcional e adequado à ameaça ou a lesão promovida, assim como que os procedimentos utilizados sejam os previstos na “bússola” de nossa sociedade, célebre dizer do contemporâneo poeta de nossa Constituição, Ministro Carlos Ayres Britto.

2.4.1. O projeto de Lei das Fake News como uma ameaça à democracia

O projeto de lei n. 2630, a “Lei das Fake News”, de autoria do senador Alessandro Vieira e de relatoria do senador Ângelo Coronel, oficialmente, institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet que visa alterar a lei n. 10.703. de 2011, que trata do cadastramento de usuários de telefone pré-pagos e outras providências, assim como a lei n. 12.965. de 2014, o Marco Civil da Internet, com o objetivo de consolidar um novo parâmetro jurídico para realizar o controle de condutas antissociais ou ilícitos presentes no ambiente digital, diagnosticando situações e trazendo limites, responsabilidades e sanções para os agentes do ambiente digital. O projeto de lei foi aprovado no Senado Federal em turno único, em 30 de junho de 2020, e remetido à Câmara dos Deputados, em 07 de julho de 2020, onde tramita. Estabelece como ementa:

“normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.” 93

O projeto da chamada “Lei das Fake News”, a PL n. 2630/20202 sofre muitas críticas dos juristas, estudiosos e legisladores referindo-se ao instrumento como o “projeto da desinformação”, indicando abusos na criminalização de práticas comuns, definições vagas e amplas, além de requisitos de identificação que ameaçam a privacidade e a liberdade de expressão. Gera novas formas de discriminação e de intenso controle, colocando o usuário, previamente, sob suspeita de desenvolver atividades consideradas ilícitas. Aponta-se para o que deveria ser medida preventiva de exceção, a obrigação da identificação por meio de documentos de identidade e do número individualizado de telefone celular, pode vir a excluir milhões de pessoas do acesso à informação e aos serviços online básicos. Seria uma “blitz” obrigatória para todos aqueles que quisessem participar da sociedade do conhecimento ou uma censura antecipada e prévia suspeita de que o usuário seja um “cibercriminoso”. Entende-se que o projeto de lei das fake news materializa-se como um obstáculo para a democracia, a inclusão das minorias e dos hipossuficentes, o exercício de cidadania, a consolidação da função social do ambiente digital, a potencialização dos serviços, o desenvolvimento econômico e a produção de inovações próprias de uma sociedade integrada pelo conhecimento.

O projeto de lei n. 2630. de 2020 amplia as obrigações preexistentes de retenção de dados para permitir o monitoramento da informação compartilhada em aplicativos de mensagens privadas, o que contraria os padrões internacionais de direitos humanos a respeito da privacidade quando colocam as comunicações e a vida de defensores de direitos humanos, jornalistas e ativistas em risco constante. Nova preocupação surge com a possibilidade de bloqueio das atividades de empresas de internet no país caso não cumpram a obrigação de manter bases de dados com informação de usuários brasileiros dentro do território nacional, o reforço de obrigações de registro de localização e o aumento de penas criminais para a calúnia, injúria e difamação, conforme destacado por ampla coalizão de organizações brasileiras.94

Entende-se, essencialmente, que o artigo 8º da PL provoca preocupações frente à inclusão de acesso à informação, afetando a liberdade de expressão, no sentido de prever a suspensão de contas de redes sociais dos usuários que tiverem rescindidos seus contratos com a empresa de telefonia. 95 Nesse sentido, poderia afetar, justamente, a classe hipossuficiente que mais necessita da informação para o seu desenvolvimento, contrariando a vocação da internet de ser e de se manter como um espaço propagador de inclusão social, de expansão de exercício de cidadania e de propagação de democracia digital. Sob esse contexto, diversas mudanças ocorreram durante os debates na Câmara, essencialmente, no que se refere à redação do artigo 10 do PL, um dos mais polêmicos, pois trata do caráter restritivo frente às mensagens de aplicativos de comunicação instantânea, como o WhatsApp. Obriga os aplicativos de mensagens a guardar por três meses todas as mensagens que tenham sido encaminhadas em massa. Trata que o armazenamento dessas mensagens deve conter a data e a hora dos encaminhamentos, além do número total de usuários que as receberam. Nesse sentido, servidores devem armazenar grandes quantidades de metadados sobre as informações trocadas por todos os usuários, ou até mesmo quebrar a criptografia para acessar o conteúdo. Essa inovação afasta a engenharia focada em privacidade que vem sendo trabalhada pelas empresas de tecnologia. Sobre esse assunto, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH):

”em sentido amplo como todo espaço pessoal e anônimo, livre de intimação ou retaliação é necessário que o indivíduo possa livremente formar uma opinião e expressar suas ideias, bem como buscar e receber informações, sem ser forçado a se identificar ou revelar suas crenças e convicções.” 96

Nesse cenário, a preocupação com a invasão da privacidade, quanto à obrigação das plataformas de identificar todas as contas de usuários que forem denunciadas por ter desrespeitado à lei, seria intensamente falha, abrindo oportunidades para que usuários possam sofrer perseguições por meras denúncias contrárias à diversidade de opiniões na plataforma, algo muito comum nas redes sociais. Um novo problema seria a possibilidade de vazamento de dados sensíveis dos usuários de forma massiva através da necessidade da identificação real destes por meio de documentação, que deverão ficar guardadas em banco de dados da plataforma. O rastreamento de mensagens por aplicativos que trata o artigo 10 continua sendo a maior preocupação, entendendo-se que o artigo é um atentado à privacidade, pois toda a cadeia de interação do usuário estaria disponível, independentemente de ser uma denúncia ou um fake news.

Acrescenta-se que não haveria distinção nesta cadeia de compartilhamentos que “viralizou”, ou seja, os difamadores ou as vítimas da difamação. Quanto à vigilância, segundo o artigo 7º da Lei Geral de Proteção de Dados, deve ser realizada somente em casos de extrema necessidade e para o funcionamento do serviço, ou seja, estabelece o princípio da coleta mínima de dados necessários para uma finalidade determinada. A previsão do artigo 10 da PL aponta para um caminho contrário, autorizando às plataformas o poder de polícia para detectar fraudes nos cadastros. Reflete o comportamento de Estados não democráticos que policiam o sistema complexo virtual, sendo objeto de constantes denúncias.

Verifica-se, mormente, que o projeto de lei tende a privilegiar a censura, renegada por nossa sociedade, flertando com a demagogia frente a vigorosa democracia brasileira e mitigando direitos basilares do Estado Democrático de Direito e consolidados na Carta da República como a liberdade de expressão, alicerceada no princípio constitucional estruturante da dignidade humana, como um “norte” para o desenvolvimentismo e humanismo. Certamente, não somos objeto da “virtualização”, somos os engenheiros da uma sociedade virtualizada em virtudes, em qualidades e em esperança da construção de um espaço público propício para a propagação de bem estar social nacional e transnacional, semeando-se a ideia de uma linguagem universal, oportunizada pelas novas tecnologias da comunicação e de integração de povos com a transposição de barreiras geográficas, uma verdadeira “Universal Network Language” baseada nos princípios fundamentais previstos em nossa Constituição e espelhados em diversas outras culturas democráticas. Tema para uma nova jornada acadêmica.

2.5. Considerações finais do capítulo

Tratou-se das características da sociedade da informação, da análise de alguns aspectos jurídicos e de importantes fundamentos do Estado Constitucional como resultado da evolução promovida pelo constitucionalismo ao longo do tempo culminando no neoconstitucionalismo, assim como da teoria substancialista como possível instrumento de consolidação de democracia digital material, oportunizando a expansão das potencialidades do ambiente virtual.

Indicou-se a necessidade da aplicação proporcional das medidas estatais para o enfrentamento dos desafios cibernéticos na perspectiva da garantia dos direitos fundamentais, assim como proporcionar o livre desenvolvimento das inovações, consolidando a internet como uma importante ferramenta para os negócios, as interações sociais, prosperidade, inclusão social e cidadania.

Provocou-se uma reflexão sobre a qualidade da democracia presente nas relações cibernéticas protagonizada pela sociedade da informação, muitas vezes, condicionadas ao controle promovido por robôs, sistemas de inteligência artificial, portanto, uma ameaça real para o debate público, representando riscos ao possibilitar a manipulação do processo de formação de ideias e de debates na esfera pública e na esfera privada. Realidade que motiva a necessária e proporcional atuação do Estado no controle das relações sociais para a defesa da dignidade humana, princípio basilar presente na Carta da República, norte normativo originário do Estado Democrático de Direito.

Entende-se, com a análise das condutas nocivas no cotidiano cibernético e os respectivos parâmetros jurídicos aplicáveis, perpassando pelo Código Penal e pelas leis especiais, através do estudo de importantes institutos jurídicos como o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, normas estas que refletem direitos fundamentais, necessários para a expansão e para o desenvolvimento das oportunidades protagonizadas pela sociedade da informação na “constelação” das relações digitais, são instrumentos suficientes para a estabilização da segurança cibernética e para a harmonização do sistema complexo virtual.

Concluiu-se com a afirmação de que o Projeto de Lei n. 2630. de 2020 apresenta características, aparentemente, não democráticas, podendo vir a comprometer o desenvolvimento das potencialidades da rede, essencialmente, na propagação de negócios, de serviços, de cidadania e da pluralidade de ideias, fruto da genialidade humana e de suas criações. Aponta-se para uma nova “era”, a “era da democracia digital”, introduzindo debates sobre os limites dos direitos, dos deveres e das responsabilidades de seus agentes por suas condutas virtualizadas, justificadores da importante análise. Fundamentos baseados na ética e na democrática do ambiente virtual devem amparar o desenvolvimento da sociedade da informação, por seus avanços, conquistas e descobertas que transpõem barreiras geográficas e espaciais, contudo, podem potencializar a exposição de relevantes ameaças, o que justifica as questões levantadas referentes à espécie de controle a ser realizado, a qualidade da produção legislativa e a segurança no sistema cibernético, alicerces para o desenvolvimento humanístico e para as perspectivas de inovações e de oportunidades.

Sobre o autor
Cláudio Cupertino

Advogado, Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas – UFSC, Especialista em Direito e Administração Pública – UGF, Especialista em Direito e Prática Processual nos Tribunais – CEUB/ICPD.

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