Resumo
Em um cenário de recessão da economia brasileira os entes federados tem-se valido do aumento da carga tributária como forma de equilibrar as contas públicas. Em consequência, evidencia-se em alguns estados brasileiros um aumento considerável da alíquota do ICMS incidente sobre a distribuição de energia elétrica, trazendo de volta ao mundo jurídico novos debates acerca da constitucionalidade desses aumentos quando confrontados com o princípio (regra) da seletividade em razão da essencialidade. O artigo abordará a constitucionalidade do aumento na alíquota do ICMS ocorrido na legislação do estado de Minas Gerais no final do ano de 2015 com enfoque da dogmática jurídica e breve incursão hermenêutica a fim de classificar a seletividade em função da essencialidade como norma jurídica do tipo regra. A constitucionalidade do aumento será confrontada com o princípio (regra) em questão e com o Recurso Extraordinário pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal acerca da mesma matéria. Concluir-se-á que o aumento ocorrido em Minas Gerais contraria o texto constitucional.
Palavra-chave: Direito Tributário. ICMS. Princípio. Regra. Seletividade. Essencialidade. Decreto 46.924/2015. Recurso Extraordinário 714.139/SC.
1 INTRODUÇÃO.
O presente artigo abordara o princípio (regra) da seletividade em função da essencialidade aplicável no imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) incidente sobre a energia elétrica. Para análise deste princípio (regra) jurídica, será estudado o decreto 46.924 de 2015 do Estado de Minas Gerais que majorou a alíquota de ICMS incidente sobre a distribuição de energia elétrica para a classe comercial e de serviços.
O artigo se mostra oportuno não só pela recente alteração na legislação no Estado de Minas Gerais, mas também pela importância deste princípio (regra) aplicável ao imposto que mais gera receitas para o estado de Minas Gerais.
Ao decorrer do artigo será definido o conceitos da regra da seletividade em função essencialidade de mercadorias presentes no texto constitucional para posteriormente confrontá-los com a alteração legislativa ocorrida no estado de Minas Gerais.
O problema em questão será analisado com base na doutrina e dogmática jurídica, com breve incursão hermenêutica sobre o debate de princípios e regras, colocando em foco precedente judicial que encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal, análogo ao ocorrido em Minas Gerais.
Com os supracitados apontamentos, pretende-se chegar a conclusão acerca da constitucionalidade ou não do aumento da alíquota do ICMS sobre a energia elétrica ocorrida em Minas Gerais.
2 ICMS ENERGIA ELÉTRICA.
A transmissão de energia elétrica é fato gerador do ICMS conforme previsão do texto constitucional e também na Lei Complementar de 87 de 1996.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
Art. 2° O imposto incide sobre:
§ 1º O imposto incide também:
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
A importância das receitas do ICMS incidente sobre a energia elétrica se comprova nas próprias informações disponibilizadas pela Fazenda de Minas Gerais. A energia elétrica oscila entre a segunda e terceira mercadoria que mais gera receitas de ICMS, perdendo apenas para os combustíveis no estado de Minas Gerais. (TAB. 1):
|
ORIGEM DA ARRECADAÇÃO |
Dezembro/2015 |
% |
---|---|---|---|
|
Minerais |
28.098.393,17 |
0,85 |
|
Cimento |
34.103.682,62 |
1,03 |
|
Siderurgia |
37.115.648,97 |
1,12 |
|
Veículos/Automotores |
48.596.258,07 |
1,47 |
|
Combustíveis/Lubrificantes |
675.758.953,08 |
20,44 |
|
Café |
4.365.701,55 |
0,13 |
|
Gado/Carne Bovina e Suína |
14.011.776,79 |
0,42 |
|
Aves |
6.270.740,85 |
0,19 |
|
Leite/Derivados |
8.953.333,08 |
0,27 |
|
Açúcar-de-cana |
2.958.600,04 |
0,09 |
|
Bebidas |
143.221.084,07 |
4,33 |
|
Medicamentos |
31.115.623,29 |
0,94 |
|
Cigarros |
32.447.160,18 |
0,98 |
|
Energia Elétrica |
446.535.686,00 |
13,50 |
|
Transportes |
50.114.604,83 |
1,52 |
|
Comunicações |
215.340.968,88 |
6,51 |
|
Agropecuária - Outros |
13.527.263,83 |
0,41 |
|
Comércio - Outros |
666.151.915,60 |
20,15 |
|
Indústria - Outros |
259.919.426,24 |
7,86 |
|
Diferença de Alíquota |
44.269.750,95 |
1,34 |
|
ICMS-Importação |
111.571.984,93 |
3,37 |
|
ICMS-Substituição Tributária - Antecipada |
143.562.648,90 |
4,34 |
Tabela 1: Arrecadação ICMS Estado de Minas Gerais. Mês de Dez. 2015. Fonte: RMA-DIEF/SEF-MG
3 PRINCÍPIO OU REGRA?
Em primeiro lugar, importante esclarecer que não é a intenção do presente artigo aprofundar na discussão sobre princípios, regras e normas. Porém, para real compreensão da aplicação desta norma jurídica, imprescindível uma melhor delimitação para que possamos ter uma melhor compreensão do alcance e aplicação deste princípio (regra).
Para tanto, entenderemos princípios como, segundo Humberto Ávila:
(...) deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas. (ÁVILA, 2007, p. 38).
E ainda, na linha de Ronald Dworkin, que os princípios possuem dimensão de peso, diferentemente das regras, que são aplicáveis ao modo do tudo ou nada (all-or-nothing fashion).
E as regras, também conforme Humberto Ávila:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e construção conceitual dos fatos”.
Que em resumo, conclui:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção(Ávila, 2007. P.78)
Porém, não obstante grande parte da doutrina, artigos, e jurisprudência tratem a a seletividade como princípio, a mesma se revela como verdadeira regra jurídica.
É o que conclui Regiana Binhara Esturilio:
“A seletividade é uma norma porque está prevista na Constituição Federal e portanto deve ser observada e aplicada, mas como regra e não na condição de princípio constitucional tributário. E essa afirmação não diminui a importância nem a força das regras. Ao contrário, no caso concreto sua rigidez é imperiosa”(ESTURILO, 2008. p.103).
E também Alexandre Bainy:
Diante do exposto, fica evidente que a norma insculpida no artigo 155, §2o, III, da Constituição Federal se adequa ao conceito de regra e não ao de princípio.(BAINY, 2012. p.35)
Assim, partiremos da análise da regra da seletividade em uma análise dogmática, através de uma interpretação sistemática e teleológica desta norma positivada no texto constitucional, entendendo-a como regra jurídica, por mais que eventualmente tenha-se adotado ou adote-se a expressão “princípio” mais utilizada pela doutrina e jurisprudência.
4 A REGRA DA SELETIVIDADE EM RAZÃO DA ESSENCIALIDADE.
A seletividade do ICMS tem previsão no art. 155 da Constituição da República no art. 155, com a seguinte redação:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;(destaque nosso)
Em uma primeira analise do texto constitucional, o primeiro questionamento que surge se refere ao teor semântico da expressão “poderá”. Para alguns juristas, a norma seria apenas uma faculdade do legislador estadual ao estabelecer os critérios de quantificação da carga tributária (alíquotas, base de cálculos, incentivos fiscais etc.).
Para essa parte da doutrina, a seletividade do ICMS seria mera faculdade dos entes federados justamente pela utilização expressão “poderá”, enquanto ao IPI, a seletividade seria obrigatória pelo uso da expressão “será”:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
IV - produtos industrializados;
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
Contudo, essa posição é rechaçada por vários doutrinadores, que entendem que a seletividade não seria uma faculdade do legislador, mas verdadeira norma de observância obrigatória: “Portanto, a seletividade, no IPI e no ICMS, é obrigatória” (CARRAZA,1999, P. 71).
Essa seletividade obrigatória do ICMS não ignora a literalidade do texto constitucional que de fato deve ser preservada, porém baseia-se no fato de que todos os entes federados brasileiros já adotam em sua legislação alíquotas de ICMS diferenciadas, evidenciando que os mesmos, ao adotarem esse critério, devem preservá-lo em posteriores alterações legislativas:
No mesmo sentido o professor João Paulo Fanucchi de Almeida Melo caminha:
Entretanto, quando o legislador estadual trabalha no campo abstrato normativo com alíquotas diferenciadas, como o que se verifica em todos os Estados da Federação, entende-se que a seletividade, que é faculdade, foi efetivamente utilizada. Em sendo assim, se há mais de uma alíquota prevista na lei instituidora do ICMS, ou seja, se se diferenciou mercadorias a partir de alíquotas diversas, a seletividade obrigatoriamente é o critério determinado pela Constituição para tanto e deve ser levada a sério. (ALMEIDA MELO, 2015)
Para a maior parte da doutrina, os Estados, ao adotarem alíquotas diferenciadas para mercadorias diversas, já acabam por adotar a seletividade em função da essencialidade com critério que determinará a carga tributária dos produtos e mercadoria que por seu território trafegam.
Em Minas Gerais, não há dúvidas que a adoção desse critério já foi feita, bastando adentrarmos no RICMS/MG e depararmos com alíquotas de 25% para armas e munições, 15% para óleo diesel, 12% para produtos da cesta básica como arroz, feijão, farinha e 7% para produtos destinados à merenda escolar.
Nesse sentido reafirma Hugo de Brito Machado:
Dúvida realmente não pode haver. Se o ICMS tiver alíquotas diferentes, a diferença há de ser estabelecida em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços. (MACHADO, 2008. P.51)
Dessa forma, podemos afirmar que o ICMS deverá, obrigatoriamente respeitar a regra da seletividade.
Assim, passemos a análise da essencialidade da mercadoria como critério de tributação.
Em primeiro lugar, a legislação não define conceitos sobre o que é essencial ou não. Fato o é que o conceito daquilo que é essencial é causa de diversas discussões no campo tributário, como por exemplo, a discussão de insumos para crédito de PIS e COFINS.
Porém, traz-se alguns conceitos de doutrinadores conceituados acerca da essencialidade. Ruy Barbosa Nogueira afirma que:
A essência é aquilo que constitui a natureza das coisas, é a substância. No caso a coisa ou o produto deve ser excluído, ou incluído e normatizado em razão da sua natureza essencial e da sua finalidade. (NOGUEIRA, (1990, p.10)
Para Hugo de Brito Machado, essencialidade é:
“... a qualidade daquilo que é essencial. E essencial, no sentido em que se está aqui utilizando essa palavra, é o absolutamente necessário, o indispensável. Assim, muito fácil é concluirmos que o critério indicativo da essencialidade das mercadorias, para fins de seletividade do ICMS, só pode ser o da necessidade ou indispensabilidade dessas mercadorias para as pessoas no contexto da vida atual em nosso País. Mercadoria essencial é aquela sem a qual se faz inviável a subsistência das pessoas, na comunidade e nas condições de vida atualmente conhecidas entre nós.” (MACHADO..
Dessa forma, pode-se concluir que a essencialidade de um bem para o direito tributário deve ser lida sob ótica do princípio da dignidade da pessoa humana, positivada no art. 1º, III da Constituição da República de 1988. Essencial serão as mercadorias e bens indispensáveis para uma vida digna, respeitando o mínimo essencial para ser viver, e bem.
5 DA ESSENCIALIDE DA ENERGIA ELÉTIRCA.
Ultrapassado o conceito do princípio da seletividade em razão da essencialidade, não são necessários grandes debates para constatar a essencialidade da energia elétrica, trazendo à baila as irretocáveis palavras de Hugo de Brito Machado:
“Sem energia elétrica não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas se sobrevive, e mal. Enfim, no momento histórico atual não se pode em sã consciência questionar a essencialidade da energia elétrica, razão pela qual entendemos ofensivo à inteligência do leitor, neste pondo nos alongarmos” (MACHADO SEGUNDO, 2000).
Não obstante, a própria Lei. 7.783 de 1989 que dispõe sobre o direito de greve, positiva, de forma expressa, no ordenamento jurídico brasileiro, a essencialidade da energia elétrica:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; (BRASIL, 1989)
Deve-se deixar claro que a essencialidade da mercadoria é caracterizada pela própria natureza e importância do produto, sendo irrelevante a capacidade contributiva do contribuinte ou qualquer outro critério de ordem subjetiva:
“Num determinado momento e local, aquilo que é essencial simplesmente o é, devendo ser indiferente para a legislação e a administração a condição pessoal daquele que suportará o ônus financeiro do encargo tributário, pois a essencialidade é igual para todos, é objetiva, independente das capacidades contributivas de cada um individualmente, merecendo receber a classificação como “essencial” a partir do ponto de vista da generalidade” (ESTURILO, 2008. P. 143)
Passados os conceitos da seletividade em razão da essencialidade, vejamos a aplicação desta regra no campo do ICMS incidente sobre a energia elétrica e a respectiva constitucionalidade do Decreto 46.924 de 29 de Dezembro de 2016 do Estado de Minas Gerais.
6 DO DECRETO 46.924 DE 29 DE DEZEMBRO DE 2015.
O Decreto 46.924 de 29 de Dezembro de 2015 alterou o Regulamento do ICMS de Minas Gerais, majorando a alíquota de ICMS incidente sobre a energia elétrica de 18% (dezoito por cento) para 25% (vinte e cinco por cento), que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 42. As alíquotas do imposto são:
I - nas operações e prestações internas:
a) 25% (vinte e cinco por cento), nas operações com as seguintes mercadorias:
a.12) energia elétrica para consumo da classe Comercial, Serviços e outras Atividades, assim definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), exceto para os imóveis das entidades religiosas, das entidades beneficentes educacionais, de assistência social ou de saúde, inclusive filantrópicas, e dos hospitais públicos e privados.(MINAS GERAIS, 2015)
Com essa alteração, a alíquota do ICMS incidente sobre a energia elétrica foi fixada em 25% para a classe Comercial, Serviços e outras atividades, equiparando a mesma alíquota existente sobre cigarros, bebidas alcoólicas e fogos de artifício, reacendendo novos debates acerca da constitucionalidade do aumento.
7 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 714.139 PENDENTE DE JULGAMENTO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PARECER Nº1106/2015 DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA.
Atualmente encontra-se pendente no Supremo Tribunal Federal o julgamento do Recurso Extraordinário 714.193 de relatoria do Ministro Marco Aurélio, um caso semelhante ao ocorrido em Minas Gerais. O processo em questão refere-se a uma ação ajuizada pelas Lojas Americanas contra o Estado de Santa Catarina questionando a constitucionalidade do regulamento do ICMS, Lei. 10.297, que também fixou a alíquota de 25% sobre o fornecimento de energia elétrica.
Nas razões do mandado de segurança impetrado pelas Lojas Americanas, a fundamentação foi tecida no sentido de que a alíquota não se coadunaria com os princípios da seletividade em razão da essencialidade da mercadora.
O tribunal de justiça de Santa Catarina e também o juízo de primeiro grau entenderam pela constitucionalidade da alíquota, porém, o STF reconheceu a repercussão geral da matéria ventilada no Recurso Extraordinário, nos termos da decisão publicada em 26 de Setembro de 2014.
Chamado a se manifestar no processo, o Ministério Público Federal através do parecer nº 1106/2015 concluiu pela inconstitucionalidade da alíquota:
Recurso Extraordinário 714.139 – SC / Relator: Ministro Marco Aurélio / Recorrente: Lojas Americanas S/A / Recorrido: Estado de Santa Catarina / Amici curiae: Estado do Acre e outros / Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 745. ICMS. ARTS. 150, II, E 155, § 2º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SELETIVIDADE E ESSENCIALIDADE. ENERGIA ELÉTRICA E TELECOMUNICAÇÕES. ALÍQUOTA ESPECÍFICA SUPERIOR À ALÍQUOTA GERAL. INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO. MODULAÇÃO DE EFEITOS RECOMENDÁVEL. 1. É inconstitucional o art. 19, inciso II, alíneas “a” e “c”, da Lei estadual 10.297/1996 de Santa Catarina no que prevê alíquotas do ICMS superiores à geral a incidirem sobre energia elétrica e serviços de telecomunicações, por incompatibilidade com o princípio da seletividade/essencialidade. 2. Eliminada a regra especial que estipula alíquota majorada para energia elétrica e telecomunicações, tem-se que o ICMS de ambas cairá automaticamente na regra geral do Estado-membro e o contribuinte terá direito de pleitear a restituição dos valores pagos nos últimos cinco anos, nos termos do art. 168 do Código Tributário Nacional, não havendo falar em ofensa à separação de poderes por ativismo Judicial. (…) 3. Parecer pelo provimento parcial do recurso extraordinário. 4. Por colocar em risco a segurança jurídica e veicular matéria de excepcional interesse social, recomenda-se a modulação dos efeitos pro futuro, com estipulação de prazo razoável para adaptação da legislação do ICMS pelo Legislativo catarinense. (MPF. 1106/2015).
No parecer, o parquet federal afirmou:
O reconhecimento da obrigatoriedade da aplicação da seletividade por critério de comparação é desdobramento do princípio da igualdade tributária (CF, art. 150, II), na perspectiva dos impostos reais e indiretos. O seu paralelo, no contexto dos impostos pessoais, é a progressividade, que, na dicção do art. 145, §1º da Carta Constitucional, será adotada sempre que possível nos impostos, de modo a compatibilizá-los com a capacidade econômica do contribuinte. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2015).
E ainda:
“As alíquotas devem ser inversamente proporcionais à essencialidade, para impedir que sua definição seja permeada de subjetivismo”. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2015).
E por fim, concluindo a inconstitucionalidade ao violar a seletividade em razão da essencialidade já prevista na legislação estadual:
“O legislador estadual, abraçando a seletividade, discriminou, no entanto, a alíquota especial superior, no patamar de 25% (vinte e cinco por cento), para operações com energia elétrica, produtos supérfluos, gasolina automotiva, álcool carburante prestação de serviços de comunicação” (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2015).
Importante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 634.457, apesar de não adentrar no mérito acerca da regra da seletividade, manteve decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que julgou inconstitucional a legislação que majorou a alíquota do ICMS para 25%.
Assim decidiu o TJRJ:
MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE E DA ESSENCIALIDADE, RECONHECIDA POR DECISÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL, VINCULANTE EM RELAÇÃO AOS DEMAIS ÓRGÃOS JUDICANTES DA CORTE (ART. 103 DO RITJERJ). JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DO TRIBUNAL.
1.(...)
3. Nos termos do art. 103 do Regimento Interno da Corte, vinculam os órgãos fracionários deste Tribunal as decisões de mérito proferidas por maioria qualificada de seu Órgão Especial, ou repetidas em três ou mais sessões de julgamento, no âmbito de arguições de inconstitucionalidade.
Tal é o caso das decisões produzidas pelo Órgão Especial nas Arguições nº 27/2005 e nº 21/2008, que assentaram a inconstitucionalidade das normas legal e regulamentar que, no âmbito deste Estado do Rio de Janeiro, estabelecem alíquota máxima para o ICMS incidente sobre serviços de telecomunicações e energia elétrica, assim afrontando os princípios constitucionais da seletividade e da essencialidade (art. 155, § 2º, inciso III, da CF/88).
4. Concessão da ordem.. (TJRJ. 2013)
E também:
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. ICMS. LEGITIMIDADE ATIVA. CONTRIBUINTE DE FATO. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO. TELEFONIA FIXA. ESSENCIALIDADE. ALÍQUOTA GENÉRICA. 1. Afasta-se a preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite que a ação de repetição de indébito tributário relativo ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) seja ajuizada pelo contribuinte de fato. 2. Assim como no caso do serviço de fornecimento de energia elétrica, a jurisprudência é pacífica acerca do caráter essencial do serviço de comunicação. 3. A cobrança de ICMS através da aplicação da alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) configura-se verdadeira afronta ao princípio da seletividade tributária, consagrado constitucionalmente no art. 155, §2º, III da Constituição da República. 4. O Órgão Especial desta Corte, ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade nº 2005.017.00027, pacificou o entendimento de que a cobrança de ICMS sobre serviços de comunicações e energia elétrica com base em alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) é inconstitucional, por ferir a seletividade, devendo ser aplicada a alíquota genérica de 18% (dezoito por cento) (...)
(Apelação 0120549- 22.2009.8.19.0001, 8-4-2013, 14ª CC)
Tomando por base o posicionamento exarado pelo próprio parquet, e também pelos tribunais estaduais que já julgaram a matéria em casos análogos, espera-se que no mesmo sentido caminhe a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 714.139.
8 DA INCONSTITUCIONALIDADE DO AUMENTO DE MINAS GERAIS.
Com as considerações feitas, evidencia-se que a majoração da alíquota ocorrida no estado de Minas Gerais nitidamente violou a regra da seletividade em função da essencialidade.
O aumento viola o texto constitucional e o próprio o Regulamento do ICMS do estado de minas gerais que já estipula alíquotas diferenciadas de acordo com a essencialidade da mercadoria.
Sequer poderia argumentar o estado de Minas Gerias que o aumento teria sido destinado somente às classes comerciais e alguns serviços, já que, conforme demonstrado, a regra da seletividade em razão da essencialidade deve levar em consideração critério objetivo acerca da natureza e importância do produto, que no caso, a energia elétrica, é inquestionável.
9 CONCLUSÕES.
Após as considerações tecidas, pode-se chegar nas seguintes conclusões de forma objetiva e sintética:
-
A seletividade em função da essencialidade se revela como uma norma do tipo regra jurídica.
-
Adotado o critério de diferenciação de alíquotas na legislação estadual a observância da regra de seletividade em função da essencialidade será obrigatória, sob pena de violar o texto constitucional.
-
Energia elétrica é essencial.
-
O aumento da alíquota de ICMS sobre a energia elétrica no Estado de Minas Gerais no final do ano de 2015 se revela inconstitucional ao majorar a alíquota da energia elétrica para 25%, equiparando bem essencial no mesmo índice aplicável para fumos, armas e munições etc.
REFERÊNCIA
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ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed.ampl. São Paulo: Malheiros, 2007. 190 p.
BAINY, Alexandre Feliciano. A seletividade em função da essencialidade no imposto sobre a circulação de mercadores e serviços (ICMS). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, 2012. 105 p.
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MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS no fornecimento de energia elétrica: questões da seletividade e da demanda contratada. In: Revista dialética de direito tributário, n. 155, ago. 2008, p. 51-52.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da Energia Elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº, 62, 200, p.74.
ESTURILO, Regiana Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin. 2008. 192p.
BAINE, Alexandre Feliciano, A seletividade em função da essencialidade no imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS), Porto Alegre, 2012, Dissertação de Mestrado UFRGS, Orientador Humberto Bergmann Ávila.
MINAS GERAIS. Regulamento do ICMS do estado de Minas Gerais. Disponível em http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/ricms/partegeral2002.pdf, acesso em 05/04/2016.
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RIO DE JANEIRO. TJ. Mandado de Segurançaº 0120549- 22.2009.8.19.0001. Rel. Des. Marcos Alcino de Azevedo. Publicado em 12/06/2013