A ONU definiu 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma formação diferente do cérebro de origem genética, que provoca principalmente um menor desenvolvimento na interação social e na comunicação, bem assim comportamentos repetitivos e interesses restritos.
Segundo Brites (2019), estima-se que 2 milhões de pessoas no País tenham o TEA. Classifica-se dos níveis de 1 a 3, por isso o termo espectro na definição, proporcionais às necessidades de suporte para efetuar atividades do cotidiano e viver em sociedade. Em torno de 15 a 20% dos autistas são não verbais - não falam ou demoram mais tempo para iniciar -, 50% apresentam deficiência intelectual e 85% têm 2 a 5 comorbidades associadas como menor coordenação motora, ansiedade, problemas sensoriais e de sono.
Por outro lado, enaltece Grandin, alguns podem ter características de destaque em certos tipos de funções e devem ser incentivadas, a exemplo de hiperfoco em objetos e assuntos de interesse, memória visual e auditiva, maior cognição e criatividade.
Saliento que escrevo este texto sinótico por além de um tema muito relevante, ter sido diagnosticado tardiamente, após sessões com um Psiquiatria e Neuropsicólogo, no TEA nível 1, que consegue viver com autonomia em sociedade pela propensão à aprendizagem e raciocínio.
Importante frisar que houve uma evolução na jurisprudência e na legislação quanto ao reconhecimento dos direitos dos autistas e demais portadores de deficiência. A Carta Magna confere uma série de direitos, notadamente nos artigos 1°, III, 3º, I e IV, 5º, 6º, 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 201, § 1º, I, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244. Neste prisma, pode-se destacar das normas que regulamentam tais preceitos constitucionais:
Lei n° 7.853/1989: preconiza o apoio às pessoas com deficiência, a integração social e define crimes, a exemplo do art. 8°, I, que prevê pena de 2 a 5 anos e multa se houver a recusa ou cobrar adicionais na matrícula, em razão da deficiência, em unidade de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;
Lei 8.742/93: regulamenta o direito a um salário mínimo às pessoas com deficiência como um Benefício de Prestação Continuada (BPC), desde que se comprove não possuir meios de subsistência;
Lei 8.989/1995: preceitua a isenção de IPI e ICMS para os portadores de deficiência na aquisição de veículos;
Leis 10.048 e 10.098/2000: que, respectivamente, atribui prioridades de atendimento às pessoas com deficiência e define regras de acessibilidade;
-
Decreto nº 6.949/09: promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada com status de Emenda Constitucional). Dispõe sobre a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência;
Decreto 7.611/11: regulamenta a educação especial e o atendimento respectivo;
Lei 12.764/12 (Lei Berenice Piana): instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, que preconiza instituir políticas públicas direcionadas aos autistas, assim como os define como pessoas com deficiência para todos os efeitos legais;
Lei nº 13.005/14 (Plano Nacional de Educação): regulamente o Direito dos alunos que possuam necessidades especiais de compor, preferencialmente, as classes comuns na rede regular de ensino pública ou privada;
Lei 13.146/15 (Lei Brasileira de Inclusão): confere tratamento especializado às pessoas com deficiência, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e à nutrição adequada, bem assim define benefícios nos transportes coletivos terrestre, aquaviário e aéreo;
Lei 13.370/16: prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho dos servidores federais com filhos autistas sem precisar de compensação do trabalho ou diminuir a remuneração;
Lei 13.861/2019: determina ao IBGE pesquisar sobre o autismo no censo populacional;
-
Lei 13.977/20 (Lei Romeo Mion): institui a Carteira de Identificação dos autistas (Ciptea), visando a facilitar o exercício dos direitos;
Resoluções da Agência Nacional de Saúde (RN-ANS) nº 465/22 e 541/2022, determinam aos planos de saúde a cobertura dos procedimentos, sem limite de consultas e sessões, com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, indicados pelo médico assistente para tratar os portadores de transtornos globais do desenvolvimento.
Um outro ponto a sublinhar diz respeito à posição do Judiciário, vez que reconhece o direito das pessoas com deficiência a um amplo acompanhamento por profissionais e instituições especializadas, o direito a uma educação inclusiva, bem como a obstar condutas ilícitas que agravam os sintomas ou acentuam as dificuldades de se comunicar e socializar. Menciona-se precedentes a título exemplificativo:
“ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. ... CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015.
1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana.
2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita. …
6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV.” (ADI 5357)
“Comprovação técnico-científica dos impactos graves e negativos que fogos de estampido e de artifício com efeito sonoro ruidoso causam às pessoas com transtorno do espectro autista, em razão de hipersensibilidade auditiva. Objetivo de tutelar o bem-estar e a saúde da população de autistas… Arguição de Preceito Fundamental julgada improcedente.” (ADPF 567)
“… 5. A ANS tornou obrigatória a cobertura, pela operadora de plano de saúde, de qualquer método ou técnica indicada pelo profissional de saúde responsável para o tratamento de Transtornos Globais do Desenvolvimento, entre os quais o transtorno do espectro autista, Síndrome de Asperger e a Síndrome de Rett (RN-ANS nº 539/2022).
6. Autarquia Reguladora aprovou o fim do limite de consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. (RN-ANS nº 541/2022). (AgInt no REsp 1875838)
Forçoso ressaltar, por outro enfoque, que apesar desses avanços no Direito positivo e jurisprudência, materialmente ainda se verifica que continuam a enfrentar vários obstáculos.
O levantamento da PNS de 2019 estimou o contingente das pessoas com deficiência severa em 17,2 milhões, 8,4% da população. Constatou empecilhos para o diagnóstico quer na infância ou faixas etárias posteriores, bem como terem um menor nível de instrução. Verificou ainda quanto ao mercado de trabalho: “... apresentaram, em 2019, taxas de participação (28,3%) e de formalização (34,3%) muito menores do que as das pessoas sem tal condição (66,3% e 50,9%, respectivamente)”.
De considerar também que a maioria da população, mais de 70% segundo a ANS, não tem plano de saúde e o Poder Público - no País constituído por Federação multifacetada, com a União, DF, 26 Estados e mais de 5 mil Municípios - não oferece, de forma universal e adequada, apoio ao diagnóstico, atendimento multidisciplinar individualizado nem um ensino inclusivo e de qualidade.
Desse modo, há uma significativa desproporção entre os direitos previstos no ordenamento jurídico e reconhecidos em jurisprudência perante a falta de políticas públicas amplas, perenes e concatenadas que asseguram o exercício efetivo de direitos elementares.
Nesta quadra, portanto, a prioridade do País, à luz do ordenamento jurídico e pacto federativo e tratando de matérias em primazia de interesse geral, deve recair no diagnóstico, prioritário na infância, na implementação de políticas de Estado, e não de governo, que estejam coordenadas com atribuições de caráter nacional, regional e local visando a implementar tratamento multidisciplinar individualizado, acessibilidade, bem como programas educativos, treinamento vocacional e sistemas que ofereçam de forma sustentável uma escolha para seus futuros, podendo, assim, viabilizar uma vida inclusiva e com maior isonomia de oportunidades.
Ainda se vislumbra necessário instituir, por uma Emenda Constitucional, como um dos direitos fundamentais e dever do Poder Público, CR, art. 5º, que as pessoas com deficiência tenham o atendimento multiprofissional individualizado, acesso a uma educação de qualidade e uma inclusão plena na sociedade, disposição que também simplificará o acesso ao Judiciário em caso de violação a direitos básicos.
*Alcindo Antonio Amorim B. Belo (graduado em Administração e em Direito, ambos UFPE, Pós-Graduação em Administração Pública e Controle Externo - FCAP/UPE e Auditor de Controle Externo do TCE-PE e Advogado licenciado da OAB-PE.