A chegada da Governança como pilar de gestão das Contratações Públicas já havia sido anunciada pelo TCU, no Acórdão TCU nº 2.622/2015, quando foi fixado “a necessidade de se aperfeiçoar continuamente os sistemas de governança e gestão das aquisições no setor público decorre de sua forte relação com a geração de resultados para a sociedade”.
Por governança entende-se um sistema com o propósito conquistar e preservar a credibilidade da instituição face à sociedade, por meio de um conjunto eficiente de mecanismos, a fim de assegurar que as ações executadas estejam sempre alinhadas ao interesse público1.
Na lição de Leonardo Zannoni, a “governança é a condução responsável dos assuntos do Estado em todas as esferas que coloca os assuntos de governo de forma multilateral e insiste em questões como governabilidade, accountability e legitimação”2.
Embora esteja muitíssimo em voga em diversos setores nos dias atuais, a governança já vinha sendo incentivada e propagandeada há muito tempo, especialmente após o Decreto nº 9.203/2017, que instituiu a política de governança pública na Administração direta, autárquica e fundacional, tornando obrigatória a implantação de programa de compliance em todos os órgãos do Poder Executivo da União, como meio de fomentar a eficiência, promover a cultura da integridade e prevenir a corrupção3.
Nessa marcha inexorável, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, logrou em propor alguns instrumentos para exercício e incentivo à boa, ou quiçá, à ótima governança, de forma a impactar a Administração Pública em todas as esferas.
Deveras, em que pese trazer a palavra “governança’ apenas duas vezes, a Lei nº 14.133/2021 a apresenta como eixo central estruturante das contratações, estabelecendo o dever de a alta administração responsabilizar-se pela institucionalização da gestão de riscos e controles internos, de promover a gestão por competências, bem como designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à sua execução da lei4. Vejamos de forma expressa os dispositivos, quais sejam o art. 11, parágrafo único e o art. 169, inciso I:
Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:
I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;
II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;
III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;
IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.
Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
[...]
Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:
I - primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;
II - segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;
III - terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.
Pela inteligência dos dispositivos citados acima, resta claro que a alta administração do órgão é responsável pela governança das contratações, devendo implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, promovendo um ambiente íntegro e confiável, assegurando o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.
Isto é, a governança é responsabilidade da alta administração do órgão, podendo o gestor ser responsabilizado por não ter capacitado a equipe e essa ausência de capacitação ter gerado dano à Administração na condução dos processos licitatórios.
Além do que, a Lei evidencia que as contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação e, além de estar subordinadas ao controle social, se sujeitarão ao controle realizado por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade.
Processa-se que, para a consecução da boa governança, o legislador se preocupou também em elencar diversos mecanismos nas diversas fases do trâmite licitatório e contratual.
Isto porque, no novo diploma legislativo, na fase de planejamento/interna/preparatória, com a elaboração dos estudos técnicos preliminares, do mapa de riscos, do termo de referência, etc.; na fase externa/seleção do fornecedor, com a utilização correta dos critérios estabelecidos para uma aquisição mais vantajosa; e na fase de execução e gestão contratual, onde os gestores e fiscais de contratos atuam de modo a garantir a boa execução do contrato, são postos à disposição do Gestor Público mecanismos para implementação e manutenção da governança das contratações públicas.
Aperfeiçoando a aplicação da norma, três meses após a publicação da Lei nº 14.133/2021, a Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia logrou em melhor orientar os gestores acerca da governança através da Portaria SEGES/ME nº 8.678/2021.
Por óbvio, tais mecanismos são complementares, ou até instrumentos de materialização dos princípios elencados no art. 5º do novel diploma, dentre os quais destacam-se o princípio do planejamento com a necessidade da elaboração de plano de contratações anual; e da segregação de funções, que, além de inibir condutas tendenciosas e conflito de interesses, conduz à especialização com sensíveis ganhos de eficiência e de produtividade no desempenho de rotinas relacionadas à execução das despesas públicas.
Diante de todo exposto, verifica-se que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, expressou de forma clara uma preocupação com a implantação da governança nas contratações públicas, no intuito de que o Gestor Público, além de prevenir-se de eventual responsabilização, possa contribuir para uma Administração Pública mais íntegra, inspirando mais confiança na sociedade e sendo capaz de assegurar a boa execução das contratações públicas.
Notas
ALENCAR, Leandro Zannoni Apolinário de. O novo direito administrativo e governança pública: Responsabilidade, metas e diálogo aplicados à Administração Pública do Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
MOTA, Mirlane de Queiroz O compliance como instrumento de políticas públicas de integridade e de combate à corrupção na administração direta. Salvador, 2020.
CARDOSO, Lindineide Oliveira; ALVES, Paulo Ribeiro - A nova Lei de Licitações e a inexorável chegada da governança das contrataçoes / Lindineide Oliveira Cardoso, Paulo Ribeiro Alves – Salvador, BA; Brasíllia, DF: Editora Mente Aberta; Rede Governança Brasil, 17 de setembro de 2021.