Modernamente há federalismo institucional (EUA, Suíça, Alemanha), geográfico (Brasil, Canadá, Austrália), multinacional (Rússia), lingüístico (Índia), tribal ou étnico (Nigéria).Há federalismo de origem (EUA, Austrália), de tradição (Alemanha), de imitação (México, Brasil
, Venezuela), de necessidade (Índia), etc. E algo de semelhante poderia dizer-se do Estado unitário descentralizado ou até do centralizado. Hoje a tendência parece ser para o empolamento do poder central, quer seja único quer seja federal. Ao mesmo tempo assiste-se a um realçar de certos aspectos da descentralização política e administrativa, advogados segundo os diversos quadrantes em nome de uma maior funcionalidade, ou dos particularismos locais, ou de um princípio de participação, ou do envolvimento ou do equilíbrio econômico-social). (…) O federalismo é uma espécie de separação de poderes de âmbito territorial. (vide Jorge Miranda, in "Teoria do Estado e da Constituição", pág.314, Forense, 2003).Declara-se no art. 1º ser a República formada pela "união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal" o que," indo ao encontro da realidade, aponta para um duplo grau de organização territorial: federalismo em nível de Estados e regionalismo em nível de município." (Jorge Miranda, p.150)
INTRODUÇÃO -
Desnecessário é enfatizar a importância do município na realidade brasileira, pois, durante os séculos da colonização, foi ele, sem dúvida, a única entidade política "viva" do Brasil. Tal situação não mudou no Império e seguramente durante boa parte da existência da República, quando, todavia, já se desenvolvia um "regionalismo", melhor dizendo, um "estadualismo". Bem mais recente é, no País, uma visão "nacional" da vida político-administrativa.
A autonomia do município encontrou consagração constitucional já na Lei Magna de 1891, que a previu no art. 68. Mais, a reforma de 1926 previu que a preservação da autonomia municipal seria um dos motivos de intervenção nos Estados (art.6, II, f).
A Constituição de 1934 deu passos adiante. Não só consagrou abstratamente a sua autonomia (art.7o., I, d) sob sanção de intervenção federal (art.12, V), mas especificou normas que definiam concretamente essa autonomia (art.13). Neste art.13, assim, fixou as bases irredutíveis da autonomia municipal, especialmente quanto à sua organização e competências. Em face disso, apontou a tese de que o Município, no Estado brasileiro, é um ente federativo, quer dizer, um ente político-administrativo integrante da Federação e não apenas uma descentralização administrativa do Estado-Membro. Destarte, haveria no Brasil um duplo grau de federalismo: o federalismo dos Estados e o federalismo dos Municípios em cada Estado.
Esta opinião é certamente confirmada pelo art. 1o. da Constituição, que incluiu os Municípios entre os seres que formam a República brasileira, por sua união indissolúvel. A linha estabelecida em 1934 persistiu nas Constituições posteriores e, com a acentuação que se assinalou, tal orientação continua presente no texto em vigor. [01]
Art. 29 - O Município [02][03][04][05]reger-se-á [06] por lei orgânica [07], votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios [08] estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: [09]
1.A Constituição vigente consagrou o município como entidade federativa indispensável ao sistema constitucional brasileiro, integrando-o na organização político-administrativo e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota da análise dos artigos. 1º, 18, 29, 30 e 34, VII, c, todos da lei fundamental. A autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização (sic) própria, autogoverno e auto-administração. [10]
Não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alta e expressiva quanto aquele que consta da definição constitucional do nosso modelo implantado no País com a Carta de 1988. [11]
A Federação, sem a presença dos municípios na sua composição, está consagrada na Constituição Federal dos Estados Unidos Mexicanos, de 5 de fevereiro de 1917 (art.43) ; na Constituição Federal da Argentina, de 1º de maio de 1853 [12] ; na Constituição Federal da Venezuela, de 23 de janeiro de 1961 (art.9º.);na Constituição Federal da Áustria, de 1º.de outubro de 1920; na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949 (art.20); no Ato Constitucional do Canadá, de 1867 (arts. 3º. e 5º.; na Constituição Federal da Índia, de 26 de janeiro de 1950 (1.1(2).(3)); na Constituição Federal da Suíça, de 29 de maio de 1874 (Art.2º.); na então Constituição da República Socialista Federativa da Iugoslávia, de 21 de fevereiro de 1974 (arts. 1º. e 2º.) (já revogada); na Constituição Federal da Austrália, de 1º. de janeiro de 1901 (art.106), e na (já inexistente) Constituição Federal da União Soviética, de 7 de outubro de 1977 (art. 70). A Constituição norte-americana de 17 de setembro de 1787, não contém uma só referência aos municípios ou ao governo local, tema estranho ao documento que se transformou no modelo mais antigo de organização federal do mundo moderno. [13]
Note-se, entretanto, que a autonomia municipal no direito constitucional brasileiro não é absoluta, mas simplesmente relativa, pois pela primeira entende-se a autonomia soberana, sem qualquer restrição que possa limitar a ação de quem a tem, própria dos Estados independentes; entre nós a autonomia absoluta pertence à Federação, que é soberana, pois que nela repousa todo o poder político da Federação. Assim, a autonomia dos Estados-membros e dos Municípios se mostra relativa, porque se entende uma autonomia meramente administrativa, subordinada ao poder soberano da Federação, detentora de personalidade internacional, um dos caracteres fundamentais da soberania. [14][15]
No direito constitucional anterior existia como regra uma lei orgânica municipal votada pelas Assembléias Legislativas dos Estados-membros, com exceção do Rio Grande do Sul, que adotou desde a Primeira República o regime de Carta própria. [16]
A orientação do direito rio-grandense foi tida como a mais lógica e coerente, desde que se considere que a natureza do Município no direito brasileiro, de vez que no Brasil, a contar da primeira [17] Carta [18] republicana, os Municípios são entidades políticas, como o Estado e a União; os Municípios não recebem os poderes, que lhes são próprios, nem da União nem do Estado; como os da União e os dos Estados, os poderes municipais são marcados pela mesma lei fundamental. Daí Pontes de Miranda haver escrito: "O município é entidade intra-estatal [19] rígida, como a União e o Estado-membro. [20] E acrescenta: "fujamos à busca no direito norte-americano e argentino, porque a concepção brasileira de autonomia municipal é diferente", pois "nem a Constituição dos Estados Unidos, nem da República Argentina asseguraram, como o fez a Constituição brasileira de 1891, a autonomia municipal." [21]
De absoluta procedência essa assertiva, eis que o sistema home rule, do direito norte-americano, pelo qual os Estados permitem às próprias cidades preparar as suas Cartas, sujeitando-se, entretanto, às normas da legislação constitucional e ordinária dos próprios Estados-membros. Mas, impropriamente, já se afirmou que a home rule é o federalismo no plano municipal. A afirmação é inexata, pois no federalismo os Estados-membros têm suas competências exclusivas e seus direitos inerentes, que a União não pode suprimir. No home rule a autonomia pode ser revogada ou suprimida pelo Estado-membro, já que não está salvaguardada pela Constituição Federal desse País. A diferença, pois, entre o federalismo e esse sistema constitucional é assim muito grande. [22]
Feitas essas observações, não se pode ignorar, em razão do destaque de seu autor nas letras jurídicas, e para reflexão do leitor, o entendimento de Hely Lopes Meirelles sobre a matéria, que é incisivo: "Entre os dois sistemas – lei orgânica estadual e lei orgânica municipal – continuamos a entender mais vantajoso àquele sobre este, porque o das Cartas Próprias municipais confere um exagerado poder do auto-organização, para o exercício da qual a maioria dos Municípios brasileiros não está preparada. E, além disso, a multifária legislação municipal que se estabelece com o regime fracionário das Cartas Próprias se nos afigura inútil, e até mesmo prejudicial, pois a diversidade de legislação municipal dificulta o conhecimento da lei local; e o fato é tão freqüente entre nós que o próprio legislador federal já o sentia, a ponto de dispensar os juízes do conhecimento obrigatório da legislação local, autorizando-os a exigir, da parte que o invoca, a prova do seu teor e vigência (CPC, art.337). No mesmo sentido, v. Georges Ripert, ao comentar a multiplicidade de leis das mais de 30 mil Comunas francesas, com a legislação própria. (O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno, pp.19 e ss.)." [23]
Realmente, se possível fosse a leitura de parte das leis orgânicas municipais até então editadas [24], poder-se-ia constatar nesses diplomas afronta até a normas garantidoras de direitos fundamentais, tais como a que se inscreve no inciso LXVII, do artigo 5º [25], e outras. [26]
Anote-se, face o ponto de vista do insigne professor, que a idéia de autonomia política, tal como colocada, traz em si os pressupostos de autogoverno, auto-administração e auto-organização. A doutrina não divergia quanto aos dois primeiros pressupostos. Tergiversava, porém, quanto à possibilidade de auto-organização, afirmando a maioria que a organização municipal era decorrente da lei estadual. [27] Relativamente ao nível político na Federação e autonomia do Distrito Federal, sua presença está no art. 32 da CF. [28]
Mas, como essa posição interessava quando vigente o direito anterior, e não mais agora, pois essa intensa discussão doutrinária levou o constituinte de 1988 a deixar evidente a competência para o Município auto-organizar-se, fixando-a no art. 29, deixa-se ao estudioso que se interessar na apreciação dessa questão em uma melhor oportunidade, a leitura proveitosa de autores de nomeada, como Dalmo de Abreu Dallari [29] e Ataliba Nogueira [30], que escreveram sobre isso.
2. Aspectos de controle da legalidade e da constitucionalidade.
.As leis ou os atos normativos municipais, [31] diferentemente das leis e atos normativos federais e estaduais, não estão sujeitos ao controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, realizado pelo STF por meio da ação direta de inconstitucionalidade, conforme o art. 102, I, a, da CF. Podem, entretanto, ser sindicáveis por meio de representação de inconstitucionalidade, de âmbito estadual, processada e julgada [32] no Tribunal de Justiça do Estado-membro, caso contrariem a Constituição estadual respectiva, nos termos do art. 125, § 2º, da CF. É permissível, porém, a representação em abstrato, ao Tribunal de Justiça, de norma constitucional federal, repetida na Constituição Federal. [33][34]
Entretanto, com a edição da lei 9.882/99, [35] ampliou-se o exercício do controle concentrado de constitucionalidade, pois a partir de sua vigência é possível a fiscalização, pelo STF, de leis ou atos normativos municipais contrários ao parâmetro estabelecido pela Constituição Federal, qual seja, preceito constitucional fundamental. [36] Esse dispositivo previsto no art. 1º, § 1º, possibilita argüir o descumprimento em sede abstrata, ao STF, a ente municipal, o que até o momento, como se disse, não havia previsão. Entretanto, não há qualquer autorização constitucional para uma ampliação da competência do Supremo Tribunal Federal, entendendo-se que houve ampliação irregular de competência. [37] Assim, para as leis ou atos normativos municipais que contrariem preceito constitucional não fundamental, resta somente o controle difuso realizado por qualquer órgão judiciário no enfrentamento de argüição incidental no julgamento de caso concreto. Entretanto, vozes na doutrina, manifestando-se contra a limitação de legitimados para a propositura dessa ação objetiva, sublinham que o instituto foi utilizado exatamente em sentido contrário ao prometido pelo preceito constitucional. [38] A inconformidade doutrinária, ao ver excluída a legitimidade para propor a ação por qualquer pessoa lesada, é legítima, e as razões que sustentam o veto do Presidente da República, para não dizer o mais, são juridicamente inaceitáveis, pela afronta ao princípio do acesso à Justiça e podem ser lidas, na íntegra, ao pé desta página.
[39]
Quanto ao problema que mais de uma vez já foi suscitado perante os tribunais é o do alcance da sanção em relação a projeto viciado por usurpação de iniciativa reservada, isto é, se a sanção supre a falta de iniciativa do Poder Executivo. [40] Com a nova orientação do STF, já consolidada e reiterada em vários casos, por exemplo, na Representação n. 1.051-1-GO, [41] tal entendimento já foi, por quase vinte anos, abandonado. [42]-. [43]3. Jurisprudência.
No Estado de S.Paulo, nos vários aspectos, são as decisões pacíficas e ficam transcritas em nota abaixo. [44]
4. Organização política e administrativa
Distinga-se, por sua relevância, organização política da administrativa. A política é a que diz respeito a constituição dos poderes municipais, às funções do prefeito e do vice-prefeito e vereadores, bem como à organização da Câmara dos Vereadores, ao número de suas sessões, ao desenvolvimento delas, etc. A administrativa toca aos serviços públicos locais, à organização estrutural da administração municipal, aos servidores do Município, aos serviços, sua organização interna, enfim. Assim, quando a Constituição alude, no art.29, à lei orgânica municipal, refere-se à organização política: auto-organização tem esse significado. [45]
Alerta-se que essa distinção é significativa para o estudo do conteúdo da lei orgânica, que deve ficar nos termos do comando constitucional, inadmitida a interpretação extensiva, sob pena do que extrapolar ser havido por inconstitucional. Grave-se, portanto, a advertência de Hely Lopes Meirelles de que "o Poder Legislativo Municipal não pode, a pretexto de elaborar a lei orgânica – processo legislativo excepcional destinado a dar estrutura e organização ao Município -, dispor sobre matéria de lei ordinária, com o intuito de arredar a participação do Executivo, subtraindo-lhe o direito de vetar, sancionar e promulgar atos normativos dessa espécie." [46]
5. Princípios – Poderes Constituintes: Originário e Decorrente.
Decorre de princípio constitucional a obediência dos Estados-membros - e por extensão, dos Municípios -, às regras, entre outras, do processo legislativo, fixadas na Constituição Federal. É, portanto, de observância obrigatória às regras essenciais a preservação da Federação, que é assegurada, em última análise, pela unidade nacional e sua uniformidade jurídica. Entretanto, recentemente, o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, firmou entendimento no sentido de que regra da Constituição de S.Paulo (no caso o art.11, repetidor do art. 57, § 4º, da C.F.) "não se constitui num princípio constitucional estabelecido, não sendo essencial à Federação, e, por via de conseqüência, não é de observância obrigatória". Seu fundamento é de que a eleição dos membros das Mesas Diretoras das Casas legislativas e a duração de seu mandato é norma própria do regimento interno das Câmaras. [47]
Tal decisão, de extrema relevância, por aparentemente distinguir exceção à regra constitucional, demonstra que os limites à autonomia dos Estados-membros da Federação (e por extensão os Municípios) quanto à sua capacidade de se auto-organizarem dizem respeito a princípios e não a toda e qualquer norma constitucional federal, sendo que muitas delas – tendo em vista a extensão e o caráter analítico da Constituição Federal – nem mesmo têm a natureza de normas constitucionais. Não há, assim, obrigatoriedade constitucional no sentido de que o constituinte estadual copie cada regra constante da Lei fundamental, reduzindo praticamente a nada sua autonomia e inerente capacidade de auto-organização e retirando sentido para a existência das Constituições. [48]
Esse entendimento, pela sua importância, resultou que o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sua jurisprudência, até então em sentido contrário, para admitir, também, que a norma estadual repetidora do cânon federal não é de obediência obrigatória pelo Município. [49]
Aliás, sabemos que nesse campo da terminologia verifica-se a existência de alguns mais amplos, e outros mais estritos. Exemplifica-se: é mais amplo e, portanto, permite margem maior de atuação do constituinte estadual o princípio alusivo ao processo legislativo. O que o constituinte nacional determinou foi a existência, na Constituição estadual, de um processo legislativo: mas este não há de ser necessariamente o da União, até porque impossível a adoção do mesmo processo, uma vez que o Legislativo da União é bicameral e o dos Estados e dos Municípios é unicameral.
6. Os preceitos e a inadequação de incisos.
Na redação da Constituição, o constituinte incluiu como inciso do art. 29 matérias que não podem constituir conteúdo da lei orgânica do município, porque não se trata de assunto de sua competência, tais como as referentes à definição de eleições, duração de mandato, pleito direto e simultâneo em todo o País (?), época das eleições e princípio da maioria absoluta (2 turnos), número de Vereadores, com referência a mínimos e máximos na generalidade dos Municípios (o que não pode ser objeto da Lei Orgânica), e até o privilégio de foro do Tribunal de Justiça, para julgamento do Prefeito. Toda a matéria, portanto, dos incisos I, II, IV e VIII, do art.29, é de competência do constituinte nacional. Já ficou dito que os incisos, originariamente, constituíam artigos, mas a preocupação em fazer a Constituição "parecer com menor número de artigos, embora com a mesma quantidade de matéria, levou a Relatoria a transformá-los em incisos, inadequadamente, com sérios prejuízos para o bom entendimento do texto. A Lei Orgânica pode até repetir essa matéria, inutilmente." [50]