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Direito comparado.

Notas introdutórias à Constituição da Alemanha

Agenda 09/09/2007 às 00:00

A tradição constitucional alemã contempla várias concepções relativas à natureza e ao alcance de lei fundamental. O realismo revolucionário de Ferdinand Lassalle suscitava imagem de constituição folha de papel, invocando que de nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder (LASSALLE, s.d., p. 110). Max Weber, embora por outras razões e em outro contexto, a propósito do constitucionalismo russo de 1905, falava de um pseudoconstitucionalismo, isto é, de inadequação entre texto legal e realidade circunstancial (cf. WEBER, 2005, p. 113). Hans Kelsen insistia em uma Grundnurm, norma básica, pressuposto sobre o qual se fundamenta a validade objetiva de determinada regra, norma posta, que radicaria em norma suposta, de matiz ontológico kantiano (cf. KELSEN, 2004).

Konrad Hesse impugnou as premissas de Lassalle, defendendo a percepção de força verdadeiramente normativa do texto constitucional (Die Normative Kraft der Verfassung), embora, bem entendido, vinculando-se a constituição jurídica à realidade histórica, esta última condicionando o direito vivo e pragmático àquela primeira (cf. HESSE, 1991, p. 24). Reporta-se à ciência de Clio como instrumental interpretativo (cf. SAVIGNY, 2001, p. 8). Cogita-se também de um decisionismo, calcado na pergunta quem decide, indicativo da crise da democracia parlamentar clássica (cf. SCHMITT, 1985), opondo amigos e inimigos no âmago do conceito do político (cf. SCHMITT, 1996), fracionando a vida constitucional em planisférios de legalidade e de legitimidade (cf. SCHMITT, 2004), imputando-se a seu teórico ligações com o nazismo (cf. PISIER, 2004, p. 505). Para Carl Schmitt, soberano é quem decide sobre o estado de exceção (cf. SCHMITT, 1992, p. 14).

É também da teoria constitucional alemã a percepção de hermenêutica constitucional populista, outorgada a sociedade aberta de intérpretes da constituição, dada a miríade de participantes no processo de interpretação constitucional (cf. HÄBERLE, 2002, p. 19), entendimento também alcançada por setor avançado do constitucionalismo norte-americano, embora de modo mais radical (cf. TUSHNET, 1999, p. 6). O constitucionalismo alemão ocupou-se ainda de supostas inconstitucionalidades de normas constitucionais (cf. BACHOF, 1994), antinomia aparentemente absoluta, e de recorrente referência na pragmática dos tribunais superiores mais afeitos a questões constitucionais de cunho analítico. Tendência mais contemporânea remete-nos a apreensão realista do texto da norma, que em direito constitucional plasma dado de entrada mais importante do processo de concretização, ao lado do caso juridicamente decidendo (MÜLLER, 2005, p. 160).

O constitucionalismo alemão é historicamente imbricado em contexto etno-cultural que radica em Johann Gottfried Herder, que não disfarçava aversão pelo cosmopolitismo de fonte francesa que vicejava nas cortes alemãs no tempo de Frederico II; Herder é defensor ardoroso da exaltação tácita das virtudes particulares de um povo alemão considerado primitivo (cf. HERMET, 1996, p. 117). A época de Bismarck materializou o pan-germanismo, de modo superlativo, e de forma conservadora (cf. KENT, 1982, p. 9). O revanchismo francês decorrente da guerra franco-prussiana impulsionou o primeiro grande conflito mundial (cf. JOLL, 1990, p. 196). A constituição da República de Weimar, documento normativo que emergiu de uma Alemanha humilhada, contemplou direitos sociais e trabalhistas, indicando precocemente a polarização ideológica que marcaria o expurgo de Rosa Luxemburgo e o desenvolvimento do nazismo. Triunfou transitoriamente este último, que acentuou absurdamente tendências centralizadoras que já se verificavam no texto weimariano (cf. DAVID, 1991, p. 69). E a propósito da experiência da Constituição de Weimar, e da proliferação de direitos sociais, há estudo que aponta que a atual constituição alemã não incorporou nenhum ordenamento sistemático dos direitos sociais da "segunda geração" (dos trabalhadores, educação, saúde, assistência, etc.), fato que se deve às más experiências com a Carta anterior de Weimar (KRELL, 2002, p. 45).

O Reich dos 1000 anos não passou de 12, e o pesadelo nazista deixou com sua débâcle uma ruptura na política internacional (cf. SHIRER, 1960), que ainda precisou de meio século para se rearticular. Há notícias de formalismo absoluto, ao longo dos anos dos campos de concentração (cf. MÜLLER, 1991), quando se consolidou princípio indicativo de hermenêutica decorrente da vontade do chefe, o Füherprinzip. Com o término da guerra viveu-se época de transição, marcada pela ocupação dos exércitos aliados, e pela reelaboração de conceitos constitucionais, que serão plasmados no texto original de 1949, do qual passo a tratar agora.

A Lei Fundamental para a República Federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland) é de 23 de maio de 1949 e tem sido recorrentemente emendada, especialmente em virtude do processo de reunificação, que se consolidou após a queda do Muro de Berlim. O preâmbulo (Präambel) faz referência de que o Povo Alemão (das Deutsche Volk) exercendo poder constituinte adota Lei Fundamental, e o faz consciente de sua responsabilidade perante Deus e os homens, bem como animado pela vontade de servir à promoção da paz no mundo, e ainda, em igualdade de condições com os demais países membros de uma Europa unida.

Há seção inicial indicativa de direitos fundamentais (Die Grundrechte). Orienta-se para a proteção da dignidade da pessoa humana e para a obrigatoriedade do respeito aos direitos fundamentais pelo Poder Público (Mennschenwürde, Grundrechsbindung der staatlichen Gewalt). Indica-se que a dignidade da pessoa humana é inviolável (Die Würde des Menschen ist unantasbar) e que toda a autoridade pública terá o dever de respeitá-la e de protegê-la. Há artigo que indica parâmetros para liberdade de ação, liberdade da pessoa e direito à vida (Handlungsfreiheit, Freiheit der Person) e que fixa que toda pessoa terá direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade, na medida em que não violar os direitos de outrem e não infringir a ordem constitucional ou a lei moral. Determina-se que toda pessoa terá direito à vida e à integridade física. Especifica-se que a liberdade da pessoa será inviolável.

Concebe-se que todos são iguais perante a lei (Alle Menschen sind vor dem Gesetz gleich) e que homens e mulheres terão os mesmos direitos. Outorga-se ao Estado o dever de promover a igualdade entre os sexos, agindo no sentido de eliminar as desvantagens existentes. Veda-se qualquer medida discriminatória, na medida em que ninguém poderá ser prejudicado ou privilegiado em razão de sexo, ascendência, raça, língua, pátria e procedência, crença, convicções religiosas ou políticas. E ainda, ninguém poderá ser prejudicado em razão de deficiência. Indica-se a inviolabilidade de crença (Die Freiheit des Glaubens), de consciência e de convicção religiosa ou filosófica. Garante-se o livre exercício da religião. Dispõe-se também que ninguém poderá ser obrigado, contra a sua consciência, ao serviço militar envolvendo o uso de armas.

O texto constitucional alemão consagra a liberdade de opinião, de informação e de imprensa, estendendo-se a proteção à liberdade de expressão artística e científica. Indicou-se que a liberdade de ensino não isentará ninguém da fidelidade à Constituição. Há dispositivo sobre casamento e família (Ehe und Familie), indicando-se proteção do Estado. Invoca-se que a manutenção e a educação dos filhos constituirão um direito natural e um dever inalienável dos pais. Determina-se que os filhos só poderão ser separados da família, contra a vontade dos seus responsáveis, em virtude de lei, quando estes falharem no cumprimento do seu dever ou quando aqueles estiverem ameaçados de abandono por outras circunstâncias.

Quando à educação (Schulwesen) o texto constitucional alemão dá conta de que todo o ensino escolar estará sujeito à fiscalização do Estado (Das gesamte Schulwesen steht unter der Aufsicht des Staates). No país de Martinho Lutero determinou-se que o ensino religioso faz parte do currículo regular das escolas públicas; adiantou-se que nenhum professor poderá estar obrigado a dar aulas de religião contra a sua vontade. O ensino particular pode ser oferecido, mediante autorização do Estado. Dá-se especial atenção ao ensino primário organizado pelo Estado. Determina-se que uma escola particular de ensino primário só deverá ser autorizada se a autoridade pública competente reconhecer-lhe especial interesse pedagógico; ou se os responsáveis pela educação da criança reivindicarem a criação de uma escola interconfessional, confessional ou filosófica e a comunidade não dispuser de escola pública primária dessa natureza. Refere-se à liberdade de reunião (Versammlungsfreiheit), especificando-se que todos os Alemães terão o direito de se reunir, pacificamente e desarmados, sem necessidade de notificação ou permissão prévias. Indica-se, no entanto, que a lei poderá restringir reuniões ao ar livre.

Há previsão de liberdade de associação. Limita-se o alcance da regra constitucional porquanto serão proibidas as associações cujos fins ou atividades forem contrários às leis penais ou que se orientem contra a ordem constitucional ou contra o princípio do entendimento entre os povos. A constituição da Alemanha determina o sigilo de correspondência, do correio e das telecomunicações. Prevê-se a liberdade de trânsito, consagrada em fórmula que prevê que todos os alemães gozarão de liberdade de circulação e de estabelecimento em todo o território federal. Há restrições, decorrentes de combate aos riscos de epidemia, catástrofes naturais ou sinistros particularmente graves, ou ainda, para proteger menores ameaçados de abandono; bem como para prevenir delitos.

Proíbe-se o trabalho forçado (Verbot der Zwangsarbeit), prescrevendo-se que ninguém poderá ser obrigado a um trabalho determinado, salvo no âmbito do dever de prestação de serviço comunitário, tradicional, geral e igual para todos. Há reserva de sentido hermenêutico dado que se indica também que o trabalho forçado só será admissível durante o cumprimento de penas privativas de liberdade pronunciadas judicialmente. Em seguida, dispõe-se sobre serviço militar, determinando-se que homens com idade a partir dos 18 anos poderão ser convocados para servir nas Forças Armadas, na Polícia Federal de Fronteiras ou em órgãos de defesa civil. Há extensa previsão para o estado de defesa, quando na impossibilidade de se acudirem os problemas por meio de voluntários, poderão ser chamadas mulheres, com idade entre 18 e 55 anos completos, vedando-se, no entanto, que elas utilizem armas.

Garante-se a inviolabilidade do domicílio (Die Wohnung ist unverletzlich). Complementa-se a regra determinando-se que as buscas em domicílios só poderão ser decretadas pelo juiz e, em caso de perigo iminente, por outras autoridades previstas em lei e somente pela forma que ela estabelecer. Cristaliza-se a proteção à propriedade e ao direito de sucessão. Escreveu-se que a propriedade pressupõe obrigações e que seu uso deverá servir também ao bem comum. Medida indicativa de socialização (Sozialiesierung) acena com o fato de que o solo, os recursos minerais e os meios de produção poderão, para fins de socialização, ser colocados em regime de propriedade coletiva ou outras formas de gestão coletiva, por lei que estabeleça a natureza e a extensão da indenização.

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Não se permite a perda de nacionalidade (Staatsangehörigkeit). Também se prescreve que nenhum alemão poderá ser extraditado para país estrangeiro. Indica-se que perseguidos políticos terão direito a asilo. Consagra-se o direito de petição (Petitionsrecht), dado que todos terão o direito de apresentar, individual ou coletivamente, petições ou reclamações escritas às autoridades competentes e ao Parlamento. A constituição da Alemanha prevê a privação de direitos fundamentais, medida aplicada a quem abusar da liberdade de expressão, de imprensa, de ensino, de reunião, de associação, do sigilo de correspondência, do correio e das telecomunicações, além do direito de propriedade ou de asilo, para conspirar contra o Estado de direito livre e democrático. A regra é complementada por comando que imputa ao Tribunal Constitucional Federal a competência para declarar a perda e extensão de alguns direitos fundamentais.

Em âmbito mais político, relativo à Federação e aos Estados (Der Bund und die Länder) escreveu-se que a República Federal da Alemanha é um Estado federal democrático e social (Die Bundesrepublik Deutschland ist ein demokratischer und sozialer Bundesstaat). Vincula-se à tradição democrática ocidental declarando-se que todo o poder emana do povo (Alle Staatsgewalt geht vom Volk aus). Esse poder é exercido por meio de eleições e outras votações e por intermédio de órgãos específicos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Há disposição que indica que o Poder Legislativo deverá se sujeitar à ordem constitucional, aos Poderes Executivo e Judiciário, à lei e ao direito. Complementa-se a seção com disposição que determina que todos os Alemães terão o direito de se insurgir contra quem tentar subverter essa ordem, quando não lhes restar outro recurso.

Disposição de proteção ao meio ambiente, indica que consciente de sua responsabilidade também frente às gerações futuras, o Estado protegerá os recursos naturais vitais e os animais, no âmbito da ordem constitucional, por intermédio do Poder Legislativo e, no terreno da lei e do Direito, por meio dos Poderes Executivo e Judiciário. Quanto aos partidos políticos (Parteien) formalizou-se que essas agremiações concorrerão para a formação da vontade política do povo. Vinculando-se a atuação dos partidos aos princípios democráticos, conferiu-se ampla liberdade para a criação desses grupos. Determina-se que os partidos deverão prestar contas publicamente da procedência e do emprego de seus recursos financeiros, bem como de seu patrimônio. O fantasma do passado parece recorrente. Nesse sentido, determina-se que serão inconstitucionais os partidos que, por seus objetivos ou pelas atitudes de seus adeptos, atentarem contra o Estado de direito livre e democrático ou tentarem subvertê-lo, ou puserem em perigo a existência da República Federal da Alemanha.

Há regra sobre a bandeira nacional (Bundesflagge) que ostenta as cores preto, vermelho e amarelo-ouro (Die Bundesflagge ist schwarz-rot-gold). Inseriu-se o processo de formação da União Européia no texto constitucional alemão, mediante excerto que nos remete a declaração de princípios. Escreveu-se que com vista a realizar uma Europa unida, a República Federal da Alemanha participará do desenvolvimento da União Européia, que está sujeita aos princípios do Estado de direito democrático, sociais e federativos, ao princípio da subsidiariedade e ao dever de assegurar o respeito aos direitos básicos (...). Com minudência se desenha relação entre Alemanha e União Européia. São três os pontos principais. O Parlamento Federal e os Estados atuarão em questões que afetam a União Européia. Quanto ao procedimento, definiu-se que antes de decidir sobre atos legislativos da União Européia, o Governo Federal chamará o Parlamento Federal a se pronunciar sobre a matéria. E na continuidade, determina-se que durante as negociações, o Governo Federal levará em conta a posição do Parlamento Federal.

A participação alemã na União Européia exige concepção de engenharia constitucional que cautelosamente trate a questão da soberania, que inegavelmente está afetada. Assim, dispõe-se que a Federação poderá transferir, por meio de lei, direitos de soberania a organizações internacionais. O vínculo com a idéia de paz é recorrente, determinando-se, com este objetivo, que com vista a salvaguardar a paz, a Federação poderá integrar-se a um sistema de segurança coletiva mútua; com isso, ela estará aceitando limitações aos seus direitos de soberania, com vistas a criar e garantir uma ordem pacífica duradoura na Europa e entre as nações do mundo. No mesmo núcleo topográfico, a constituição da Alemanha prescreve que para dirimir controvérsias internacionais, a Federação aderirá a acordos de mediação internacional de caráter geral, universal e obrigatório.

Há norma constitucional prevendo a relação entre direito internacional e direito interno, federal (Völkrecht und Bundesrecht). Determina-se que as regras gerais do Direito Internacional serão parte integrante do Direito Federal. E ainda, que prevalecerão sobre as leis e produzirão diretamente direitos e obrigações para os habitantes do território federal. As forças armadas somente podem ser utilizadas para defesa. Eloqüente artigo prevê proibição de preparativos de guerra de agressão, bem como o controle de armas de guerra (Verbot der Vorbeeitung eines Angriffskrieges). De tal modo, serão inconstitucionais os atos suscetíveis de perturbar a convivência pacífica entre os povos ou que tenham essa intenção, em especial aqueles que visarem preparar guerra de agressão. E ainda, determina-se que armas de guerra só poderão ser fabricadas, transportadas e comercializadas com autorização do Governo Federal.

Concebe-se federalismo vertical, porquanto a ordem constitucional nos Estados deverá se sujeitar aos princípios do Estado de direito republicano, democrático e social. O direito constitucional alemão prevê supremacia da lei federal em face de lei estadual (Bundesrecht bricht Landesrecht). A Federação detém prioritariamente personalidade de direito público externo, na medida em que exerce capacidade para conduzir relações com Estados estrangeiros. Há regra que determina, porém, que a Federação deve ouvir os estados antes de firmar tratados que os afete particularmente. Aos estados confere-se, dentro dos limites de suas competências legislativas, e com aprovação do Governo Federal, o poder de firmar tratados com Estados estrangeiros.

A constituição da Alemanha prevê igualdade de direitos entre todos os alemães, e a situação já evidenciou problemas entre ocidentais e orientais. Escreveu-se que os alemães terão os mesmos direitos e obrigações cívicos em qualquer Estado (Jeder Deutsche hat in jedem Lande die gleichen staatsbürgerlichen Rechten und Pflichten). Esta isonomia formal projeta-se no acesso às funções públicas e no gozo de direitos civis e políticos. Cogita-se de recrutamento de servidores públicos federais na proporção dos estados de origem e assim, os funcionários dos órgãos superiores da esfera federal deverão ser recrutados em todos os Estados em proporção justa. E ainda, servidores estaduais, em princípio, devem ser recrutados nos estados a que servirão.

O poder legislativo é bicameral, fracionando-se em Parlamento Federal (Der Bundestag) e em Conselho Federal (Der Bundesrat). O Parlamento Federal é composto por membros eleitos por sufrágio universal e pelo voto direto, livre, secreto e com valor igual para todos. O mandato do parlamentar é de quatro anos. Há previsão de Comissões de Inquérito, de Comissão para Assuntos da União Européia, de Comissões de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, de Comissão de Petições, que é incumbida de examinar petições ou reclamações encaminhadas ao Parlamento Federal. Há inviolabilidade e imunidade previstas para os parlamentares e, de tal modo, o Deputado não poderá, em nenhum momento, ser submetido a processo judicial ou ação disciplinar ou ser chamado a responder, fora do Parlamento Federal, por voto ou discurso que tenha manifestado no Parlamento Federal ou em uma de suas comissões. No entanto, ressalvou-se, essa disposição não se aplicará a injúrias difamatórias.

O Conselho Federal é constituído por membros dos governos estaduais, é este último quem os nomeia e os destitui. Prevê-se também Comissão Conjunta composta de dois terços de deputados do Parlamento Federal e de um terço dos membros do Conselho Federal. O texto constitucional alemão descreve as competências do Parlamento, do Conselho e da Comissão Conjunta.

O Presidente Federal (Der Bundespräsident) é eleito por Assembléia Federal, composta por membros do Parlamento Federal e dos Parlamentos dos Estados. Tem competência para nomear e exonerar juízes federais, funcionários federais, civis, oficiais e suboficiais. O Presidente pode conceder anistia, em casos particulares, em nome da Federação. O Governo Federal (Die Bundesregierung) é constituído pelo Chanceler Federal e pelos Ministros Federais. Dispôs-se que o Chanceler Federal será eleito pelo Parlamento Federal, sem debate, por indicação do Presidente Federal. Os ministros serão nomeados e exonerados pelo Presidente Federal, por indicação do Chanceler Federal.

As responsabilidades do Chanceler estão indicadas no texto constitucional alemão, que dispõe que esta autoridade estabelecerá as diretrizes políticas e assumirá a responsabilidade por sua implementação. Estabelece-se que obediente a essas diretrizes, cada Ministro Federal conduzirá os assuntos de sua Pasta com autonomia e sob a sua própria responsabilidade. Tem-se que o Governo Federal comparecerá para dirimir eventuais divergências entre Ministros Federais. E na seqüência determina-se que o Chanceler Federal conduzirá os assuntos do Governo Federal segundo Regimento Interno editado pelo Governo Federal e aprovado pelo Presidente Federal.

O direito político alemão prevê voto de desconfiança construtivo (Konstruktives Miβtrauensvotum). Dispôs-se que o Parlamento Federal só poderá declarar sua desconfiança ao Chanceler Federal se eleger um sucessor com a maioria dos votos de seus membros e solicitar ao Presidente Federal a exoneração do Chanceler Federal. E na continuidade, prevê-se que o Presidente Federal deverá atender ao pedido e nomear o eleito. Por tratar-se de circunstância excepcional, aflitiva para a vida normativa, determina-se que entre a apresentação da moção e a eleição deverá haver um intervalo de quarenta e oito horas.

No que toca à repartição de competências, determina-se que os estados poderão legislar sobre matérias que a Lei Fundamental não tenha atribuído à Federação, desenhando-se modelo residual. Matérias de competência exclusiva da Federação dependem de expressa autorização desta para que os estados possam legislar; de tal modo, prevê-se, ao que consta, delegação de poder normativo. À Federação compete a legislação sobre assuntos externos, defesa, defesa civil, cidadania, liberdade de circulação, passaportes, imigração, emigração, extradição, sistemas cambial e monetário, pesos e medidas, fixação de tempo, unidade da área aduaneira e comercial, tratados de comércio e navegação, livre circulação de mercadorias, transações comerciais e financeiras com outros países, proteção aduaneira, fronteiras, transporte aéreo, entre outros assuntos. Há minudente explicitação de competências legislativas, exclusivas e concorrentes.

O processo legislativo alemão é pormenorizado no texto constitucional, desde a fixação para a iniciação da apresentação de projetos de lei às especificidades das várias espécies normativas. Prescreve-se, por exemplo, o modelo de emendas à constituição, da seguinte forma: A Lei Fundamental só poderá ser emendada por uma lei que altere ou complemente expressamente seu texto. E ainda, em matéria de tratados internacionais que tenham por objeto regular a paz, prepará-la ou abolir um regime de ocupação, ou que objetivem promover a defesa da República Federal da Alemanha, será suficiente, para esclarecer que as disposições da Lei Fundamental não se opõem à conclusão e à entrada em vigor de tais tratados (...). Quanto ao quorum, necessita-se da aprovação de dois terços dos membros do Parlamento Federal e de dois terços dos votos do Conselho Federal. Há cláusulas pétreas, no sentido de que não se permite emenda constitucional que afete a divisão da Federação em estados, sua participação, em princípio, no processo legislativo, bem como quaisquer ameaças a direitos básicos, tais como firmados nos primeiros 20 artigos da constituição da Alemanha.

Há previsão do uso de Decretos, por parte do Governo Federal, de Ministros Federais ou de governos estaduais, que para tal deverão ser autorizados por lei. Determina-se que a aludida lei definirá o conteúdo, o objetivo e a extensão da autoridade conferida. E ainda, o Decreto deverá conter o dispositivo legal que o fundamenta. Indica-se que se a lei previr a possibilidade de se subdelegar essa autoridade, essa subdelegação deverá ser feita por decreto. Estado de tensão e urgência legislativa compõem excertos constitucionais excepcionais, de aplicabilidade restrita. As leis alemãs são referendadas e sancionadas pelo Presidente Federal e publicadas no Diário Oficial do país. Os decretos serão promulgados pelo agente que os editou. Determina-se que toda lei ou decreto deverá especificar a data do início da sua vigência. Calibra-se a determinação dispondo-se que na ausência dessa especificação [relativa ao início da data da vigência], a lei ou decreto entrará em vigor no décimo quarto dia depois de sua publicação no Diário Oficial Federal.

É com muita minudência que a constituição da Alemanha segue dispondo sobre a execução das leis federais e administração federal, especialmente no que toca a repartição de competência entre a Federação e os estados, a execução autônoma de leis, às áreas de competência da administração federal, à organização e emprego das forças armadas, à administração da defesa nacional, do uso de energia nuclear, do transporte aéreo, do transporte ferroviário federal, dos correios e telecomunicações, das hidrovias e das estradas federais e do estado de emergência. É complexa a questão do Banco Central, e da relação que se trava com o Banco Central Europeu. Determinou-se que a Federação instituirá um banco emissor de moedas e notas com funções de Banco Central. Em seguida dispõe-se que suas atribuições e responsabilidades poderão ser transferidas, no âmbito da União Européia, ao Banco Central Europeu, que é independente e tem, como objetivo primordial, manter a estabilidade dos preços.

O poder judiciário, nos termos da constituição da Alemanha, é atribuído aos juízes. Seu exercício compete a Tribunal Constitucional Federal (Das Bundesvergassungsgerichts) a quem compete decidir, prioritariamente, sobre a interpretação da constituição quando ocorrer conflito acerca da extensão dos direitos e obrigações de um órgão federal superior ou de outras partes investidas de direitos próprios por força da constituição ou do regimento interno de um órgão federal superior. A esse sodalício compete decidir em tema de divergências de opinião ou dúvidas sobre a compatibilidade formal e substantiva de lei federal ou estadual em relação ao texto constitucional federal, entre outras antinomias reais ou aparentes que o sistema normativo propicie.

Há várias outras instâncias indicativas do controle de constitucionalidade por parte desse tribunal. O direito constitucional alemão prevê a reclamação constitucional, que pode ser interposta por qualquer pessoa que alegue ter sido lesada, por autoridade pública, em relação a direitos fundamentais previstos no texto de que se cuida. De acordo com a constituição alemã, o Tribunal Constitucional Federal compor-se-á de juízes federais e outros membros. Determinou-se que os membros do Tribunal Constitucional Federal serão eleitos pela metade dos integrantes do Parlamento Federal e do Conselho Federal respectivamente. Há também outros tribunais federais superiores. Entre eles, o Tribunal Federal de Justiça, o Tribunal Federal Administrativo, o Tribunal Federal de Finanças, o Tribunal Federal do Trabalho, o Tribunal Federal Social, que são cortes supremas das jurisdições ordinária, administrativa, financeira, trabalhista e social respectivamente.

É prevista a independência dos juízes. Explicita-se, assim, que os juízes serão independentes e se submeterão apenas à lei. Há excerto indicando que juízes admitidos por tempo integral e no quadro permanente só poderão ser demitidos, contra sua vontade, antes de terminado o seu mandato, ou ser definitiva ou temporariamente destituídos de suas funções, ou ser transferidos para outro posto ou ser aposentados, unicamente por decisão judicial, pelos motivos e nas formas previstas em lei. Prevê-se que a legislação poderá instituir a aposentadoria compulsória para juízes vitalícios a partir de determinada idade. E também há dispositivo determinando que alterando-se a organização dos tribunais ou de suas comarcas, poderão os juízes ser transferidos para outro tribunal ou ser afastados do cargo, mas percebendo salário integral.

O artigo 100 da constituição alemã dá os contornos do modelo tedesco do controle de constitucionalidade (Konkrete Normenkontrolle), que literalmente nos remete a algo como controle concreto de normas, sintagma que esclarece objetivamente a natureza do instituto. São basicamente três orientações, que substancializam o sistema alemão de judicial review. Primeiramente, nos termos do texto constitucional alemão, quando um tribunal declarar a inconstitucionalidade de uma lei de cuja validade dependa a sua decisão, o processo será suspenso, e, quando se tratar de violação à Constituição de um Estado, será chamado a ser pronunciar o Tribunal estadual competente para dirimir conflitos constitucionais, e, quando se tratar de violação a esta Lei Fundamental, será chamado a decidir o Tribunal Constitucional Federal. A regra também vale quando lei estadual conflitar com a constituição federal ou quando lei estadual for incompatível com lei federal.

O controle também se aplica a normas de direito internacional público que sejam partes integrantes de lei federal e que produzam diretamente direitos e obrigações; neste caso, deve-se seguir a posição do Tribunal Constitucional Federal. Por fim, há determinação para que tribunais constitucionais estaduais devam adotar posicionamento do Tribunal Constitucional Federal. O tema é emblemático em livro clássico brasileiro, de autoria de Ministro do Supremo Tribunal Federal, para quem, o modelo de jurisdição concentrada concebido por Kelsen, e consagrado pela Constituição austríaca de 1920-1929, veio a ser adotado, inicialmente, na Itália e na Alemanha (MENDES, 1990, P. 137). É o mesmo autor que, impressionado com o modelo que estudou, escreveu que

Indubitavelmente, empresta-se na Alemanha uma singular relevância à jurisdição constitucional. A par de uma vastíssima gama de atribuições conferidas ao Bunderverfassungsgericht (Lei Fundamental, arts. 93, 100 e 126), reconhece-se aos Länder o direito de instituir a sua própria Justiça Constitucional. Tais peculiaridades, somadas a uma fecunda atividade do Bundesverfassungsgericht e dos Tribunais Constitucionais estaduais, converteram a jurisdição constitucional em pedra de toque do sistema político tedesco (MENDES, 1990, p. 138).

Referindo-se ao Tribunal Constitucional Alemão, o aludido autor explicitou, em outra obra, que

A Corte Constitucional não se encontra inserida como uma nova instância no complexo das jurisdições ordinárias. Ao revés, desempenha uma função especial – a jurisdição constitucional. Ele não atua como uma instância de revisão ou como um Tribunal ou um Supertribunal de revisão, destinado a examinar a legitimidade dos julgados dos Tribunais inferiores. Sua competência não resulta de uma cláusula geral, sendo definida precisamente na Lei Fundamental. Inexiste também via processual própria até o Bundesverfassungsgericht (MENDES, 2004, p. 14).

O texto constitucional alemão aboliu a pena de morte, em linguagem direta, dando conta de que fica abolida a pena de morte (Die Todesstrafe ist abgeschafft). Prevê-se a obrigatoriedade de audiência judicial, escrevendo-se que todos terão direito a serem ouvidos perante os tribunais. Proíbem-se leis penais retroativas, bem como a duplicidade de penas, a double jeopardy do direito de tradição anglo-saxônica, determinando-se que ninguém poderá ser punido mais de uma vez pelo mesmo crime sob leis penais comuns. São previstas garantias para os detentos. Adotou-se regra constitucional indicativa de que a liberdade da pessoa só poderá ser restringida por força de lei formal e unicamente na forma nela prevista. Há previsão dando conta de que os detentos não poderão receber maus-tratos físicos ou psíquicos. O excerto se encerra com disposição indicativa de que a decisão judicial que decretar ou mantiver pena de privação de liberdade deverá ser levada imediatamente ao conhecimento de parente ou pessoa de confiança do detento.

O texto constitucional alemão consubstancia pormenorizadamente o modelo de repartição de despesas entre a Federação e os estados, o que fornece o pano de fundo para a matéria tributária. É que a referida partilha engendra o modelo de competências. À Federação imputa-se competência exclusiva para legislar sobre direitos alfandegários e monopólios fiscais. Legisla, ainda, concorrentemente, sobre outros impostos cujas receitas ou parte delas lhe caibam. Taxas alfandegárias, impostos sobre consumo, sobre transporte rodoviários de mercadorias, sobre transações de capitais, seguros, títulos cambiais, taxas únicas sobre bens de propriedade, taxas compensatórias para equalizar encargos, taxas adicionais aos impostos sobre a renda das pessoas físicas e jurídicas, bem como taxas criadas no âmbito das Comunidades Européias são de competência federal.

Aos estados competem as receitas decorrentes de impostos sobre o patrimônio, sucessão, veículos automotores, sobre transações, sobre a cerveja, além de taxas sobre casas de jogos. Determinou-se que a receita dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e jurídicas, além dos impostos sobre mercadorias e serviços caberá à Federação e aos estados conjuntamente, desenhando-se competências e destinações tributárias comuns. Ainda, a Federação e os Estados dividirão, meio a meio, a receita dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e sobre a renda de pessoas jurídicas. Na seqüência determinou-se que lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal fixará as quotas respectivas da Federação e dos Estados no imposto sobre mercadorias e serviços. Há previsão de tributos municipais, a exemplo do imposto territorial e de um imposto industrial.

Disposições transitórias e finais complementam o texto constitucional da Alemanha. Formata-se o conceito de Alemão, outorgado a quem detiver a nacionalidade alemã ou quem tenha sido acolhido no território do Império Alemão, com as fronteiras vigentes em 31 de dezembro de 1937, como refugiado ou exilado de ascendência alemã ou como cônjuge ou descendente deste. Determinou-se também que antigos cidadãos alemães que, entre 30 de janeiro de 1933 e 8 de maio de 1945, tenham sido privados de sua cidadania por motivos políticos, étnicos ou religiosos, bem como seus descendentes, terão direito a recuperar a cidadania alemã, se a requererem. E também, eles não serão considerados vítimas de perda de nacionalidade, se tiverem fixado residência na Alemanha depois de 8 de maio de 1945 e não tiverem manifestado intenção contrária.

Previsão constitucional original prevê a manutenção das medidas legais desnazificadoras, que haviam sido baixadas a título de libertação do povo alemão do nacional-socialismo e do militarismo. Há disposições relativas a encargos de guerra, a subvenção federal ao seguro social, a validade de leis e tratados anteriores, a sucessão do patrimônio do Império, de antigos estados e instituições, a direitos das sociedades religiosas, a privatização dos correios, entre outros temas. Tem-se um Apêndice à Lei Fundamental que prevê liberdade religiosa pessoal, determinando-se que o exercício da liberdade religiosa não restringirá nem condicionará os direitos e deveres civis e políticos da pessoa. Dispõe-se também que não existirá uma Igreja de Estado. Determinou-se que as comunidades religiosas adquirirão personalidade jurídica atendendo às normas gerais do Direito Civil.

São essas, em linhas gerais, as imagens mais contundentes do texto constitucional alemão, documento paradigmático, que informa de modo substancial a tradição constitucional ocidental.


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Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Direito comparado.: Notas introdutórias à Constituição da Alemanha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1530, 9 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10360. Acesso em: 24 nov. 2024.

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