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O que é isto? Vontade do legislador (voluntas legislatoris) e vontade da lei (voluntas legis): sobre o modo como se interpretam as leis

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Agenda 17/04/2023 às 16:01
  1. TARELLO, Giovanni. La interpretación da la ley. Traddución y nota introductoria de Diego Dei Vecchi. Lima: Palestra, 2015.

  2. Na escola da exegese houve a redução de todo o Direito ao texto da lei. A interpretação deveria ser apenas por objeto esse texto legal, devendo ser gramatical, sem considerar tradições históricas, culturais, sociais, políticas ou ideológicas, cabendo ao juiz apenas aplicar a lei, um “juiz boca da lei”, que trabalha com uma pura dedução lógica. No entanto, esse formalismo de uma lógica dedutiva e o igual formalismo do conteúdo sintático do texto legal eram insuficientes para todos os casos, surgindo dúvidas sobre qual a dedução lógica correta do texto da lei. Nesses casos, se admitia o recurso à vontade do legislador, que suplementa a insuficiência dos elementos gramaticais do texto legal. Nesse sentido, partia-se para outro sistema de referência, localizado fora do texto legal e do qual, posteriormente, se deduzia o sentido da lei. Essa vontade do legislador deveria ser comprovada sobretudo através da pesquisa dos trabalhos preparatórios à edição da lei, na mesma combinação de um objetivismo hermenêutico com uma dedução lógica do sentido da vontade.

  3. Nenhum critério torna uma possibilidade interpretativa preferível à outra dentro da moldura da norma. O autor considera sem importância o que acontece nas legislaturas, tendo em vista que, por sua premissa metodológica, o Direito se inicia com a inserção da norma no ordenamento. (KELSEN, Hans. Teoria Geral do direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. 4ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2005; Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006)

  4. Qual é o peso da intenção dos legisladores na interpretação jurídica das leis? Sendo os parlamentos órgãos formados por centenas de legisladores, é possível falar em uma só intenção legislativa? Como é possível acessá-la? Os materiais preparatórios devem ser consultados sempre? Se não, em quais situações se deve fazê-lo? Qual é a solução se não for possível encontrar a intenção legislativa? E se não há tempo para buscá-la? E se a intenção é ruim ou não corresponde ao que está escrito? O que o juiz pode fazer se acredita que os legisladores estão equivocados em sua intenção? Em quais situações a interpretação pode afastar-se da intenção dos legisladores?

  5. “Não se deve esquecer que no regime parlamentar o legislador não é um ser único, mas uma corporação que frequentemente compreende centenas de membros, muitas vezes distribuídos em duas assembleias e que, além disso, a maioria deles vota seguindo uma disciplina partidária e de modo desinteressado pelo assunto. Os membros mais competentes frequentemente têm pontos de vista diferentes sobre a matéria, que normalmente tentam conciliar por meio de um compromisso obtido mediante fórmulas algo vagas, que permitem assim interpretações divergentes” (PERELMAN, Chaïm. La lógica jurídica y la nueva retórica. Santiago, CL: Olejnik. 2019, p. 46.)

  6. GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. Traducción de Silvina Álvarez Medina. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014.

  7. PERELMAN, Chaïm. La lógica jurídica y la nueva retórica. Santiago, CL: Olejnik. 2019, p. 46.

  8. VERMEULE, Adrian. “Interpretative choice”. New York University Law Review, [New York], v. 75, n. 1, p. 74-149, Apr. 2000. Disponível em: https://www.nyulawreview.org/issues/ volume-75-number-1/interpretive-choice/. Acesso em: 10 ab. 2023.

  9. MACCALLUM JUNIOR, Gerald C. “Legislative intente”. Yale Law Journal, [s. l.], v. 75, n. 5, p. 754-787, 1966. Disponível em: https://digitalcommons.law.yale.edu/ylj/vol75/iss5/2/. Acesso em: 10 ab. 2023.

  10. SUNSTEIN, Cass R. “Must formalism be defended empirically?” University of Chicago Law Review, [Chicago], v. 66, n. 3, p. 636-670, 1999. Disponível em: https://chicagounbound. uchicago.edu/uclrev/vol66/iss3/7/. Acesso em: 10 ab. 2023.

  11. SHEPSLE, Kenneth A. Congress is a “they”, not an “it”: legislative intent as oxymoron. International Review of Law and Economics, [s. l.], v. 12, n. 2, p. 239-256, June 1992. DOI: https://doi.org/10.1016/0144-8188(92)90043-Q

  12. MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de direito: uma teoria da argumentação jurídica. Tradução de Conrado Hubner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier: Campus, 2008, p. 179/180.

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  13. NASCIMENTO, Roberta Simões. “O argumento da intenção do legislador: anotações teóricas sobre uso e significado”. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 58, n. 232, p. 167-193, out./dez. 2021. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/58/232/ ril_v58_n232_p167

  14. EKINS, Richard. The nature of legislative intent. Oxford, UK: Oxford University Press, 2012.

  15. Ob cit., p. 249.

  16. Paradigma é um modelo de tratamento e, em sentido sociológico, é uma constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. É um conceito intrinsecamente circular: paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham, ao passo que os uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma. (KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2011)

  17. Confira-se o seguinte trecho: “Aquele que leva a sério o fato histórico deve suspeitar de que a ciência não tende ao ideal sugerido pela imagem que temos de seu caráter cumulativo. Talvez ela seja uma outra espécie de empreendimento.” (ob. cit., p. 130)

  18. CATÃO, Adrualdo. Estudos sobre pragmatismo jurídico. Andradina: Meraki, 2020, Item 2.3. Ebook não paginado.

  19. Seria uma espécie de macroteoria, marco ou perspectiva que se aceita de forma geral e que já é integrada pela definição dos problemas a serem resolvidos.

  20. A crítica refere-se ao relativismo implicado nessa perspectiva. Ao substituir a noção de que a evolução da ciência aproxima o homem da realidade, pela visão de que se estaria modificando o próprio mundo, dá-se munição à crítica de que a posição de Kuhn configura uma maleabilidade do mundo descrito, possibilitando que posturas intolerantes possam ser justificadas simplesmente porque seriam “verdades” integrante de determinado paradigma, desde que se entende esse paradigma por incomensurável. Portanto, inviabilizaria a crítica, que somente poderia ser feita por critérios de dentro do próprio paradigma. O mundo, assim, estaria à mercê do homem e os valores seriam uma questão de vontade, tornando verdadeira qualquer tese que seja justificável.

    Ora, é impossível ver o mundo senão dentro de um jogo de linguagem, todavia, isso não significa que o “homem faz o mundo”, que “a cultura faz o mundo”, ou mesmo que qualquer forma de mundo seja tão boa quanto outra. As bases da linguagem não surgem do nada, mas são objeto de uma história, de uma tradição.

  21. Uma revolução é uma espécie de mudança envolvendo um certo tipo de reconstrução dos compromissos do grupo. Em períodos de revolução paradigmática, quando a tradição científica muda, a percepção do cientista deve ser reeducada, devendo aprender a ver de uma nova forma.

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  22. Não obstante, as ciências humanas parecem apresentar particularidades, em especial pela multiplicidade de maneiras de indagar a realidade e de ver as coisas. Nesse sentido, aponta-se que, nas ciências humanas, a noção de Kuhn mereceria adaptações, principalmente porque não haveria a ruptura paradigmática, mas paradigmas concorrentes, que poderiam até mesmo comunicar-se. (BARROS, José D´Assunção. Sobre a noção de paradigma e seu uso nas ciências sociais. In: Cad. De Pesq. Interdisc. Em Ci-s Huum-s, Florianópolis, ,v. 11, nº 98, p. 426-444, jan/jun, 2010)

  23. CARVALHO NETO, Menelick de. Da responsabilidade da administração pela situação falimentar da empresa privada economicamente viável por inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação por obras realizadas – ilícito do Estado – igualdade de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da empresa – Estado democrático de direito. 1996. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, p. 127, jul/dez, 1986 p. 127.

  24. REIS JÚNIOR, Ari Timóteo dos. Hermenêutica e aplicação do Direito: Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2794, 24 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com/artigos/18553. Acesso em: 22 fev. 2023.

  25. SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 12ª ed. Porto: Afrontamento, 2001, p. 186.

  26. Se na metasífica clássica os sentidos estavam nas coisas e na metafísica moderna estava na mente do sujeito cognoscente, no séc. XX passaram a estar na linguagem. Passou-se da filosofia da consciência para filosofia da linguagem. Na perspectiva gadameriana, a linguagem é colocada na posição central, pois ela é condição de possibilidade do mundo e da existência do homem. Afinal, tudo o que pode ser compreendido é unicamente linguagem. A linguagem, por sua vez, não é algo que esteja à nossa disposição, mas condição de possibilidade. Somente compreendemos o mundo e nos compreendemos a partir da linguagem: as coisas só existem significadas e nossa compreensão é feita a partir de textos que significam as coisas.

  27. O chamado “giro hermenêutico” é assim chamado porque inova na forma de pensar a hermenêutica. Deixa de ser vista com um perfil instrumental, e passa a ser compreendida em um aspecto ontológico, como uma prática cotidiana do sujeito que busca conhecer algo sobre o mundo, não se reduzindo a um instrumental direcionado apenas a afastar a obscuridade de um texto. (PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Teoria do direito contemporânea: análise das teorias jurídicas de Robert Alexy, Ronald Dworkin, Jürgen Habermas, Klaus Günther e Robert Brandom. 2ª ed., Belo Horizonte: Conhecimento Editora, 2020)

  28. PEDRON, Flávio Quinaud; OMMATI, José Emílio Medauar. Teoria do direito contemporânea: análise das teorias jurídicas de Robert Alexy, Ronald Dworkin, Jürgen Habermas, Klaus Günther e Robert Brandom. 2ª ed., Belo Horizonte: Conhecimento Editora, 2020, p. 17.

  29. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 207.

  30. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

  31. STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica. 2ª ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020.

  32. HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Procurador da Fazenda Nacional. Mestre em Direito. Professor de Direito Tributário. @ari_timoteo_junior

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