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A liberdade de gestão patrimonial exercida pelo planejamento sucessório e a disposição dos bens digitais

Agenda 21/04/2023 às 10:08

A LIBERDADE DE GESTÃO PATRIMONIAL EXERCIDA PELO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A DISPOSIÇÃO DOS BENS DIGITAIS

Vinícius Rosindo Saraiva1

INTRODUÇÃO

A disposição dos bens digitais é tema bastante discutido, sendo muito necessário seu estudo, pois, o avanço tecnológico cada vez maior gera muito material e, muitas vezes, esse material é considerado bem e, portanto, reflete nas questões ligadas ao direito das sucessões.

Assim sendo, o objeto do presente estudo apresenta o seguinte problema de pesquisa: a liberdade de gestão patrimonial exercida pelo planejamento sucessório pode englobar os bens digitais? De forma objetiva, por meio de pesquisa bibliográfica, com consulta doutrinária, tratou-se de, em sendo possível, de que modo isso é ou seria feito, e se realmente seria viável ter acesso a todos os bens digitais do de cujus, trazendo alguns pontos do Projeto de Lei 1689,de 2021, que trata do assunto quanto a ser suficiente para regular a disposição dos bens digitais, especialmente os que tenham valor econômico.

A LIBERDADE DE GESTÃO PATRIMONIAL EXERCIDA PELO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E A DISPOSIÇÃO DOS BENS DIGITAIS

Para tratar de gestão patrimonial no direito sucessório, é relevante lembrar que o respeito à existência de herdeiros necessários e o direito destes à legitima deve sempre ser observado. Porém, a parte do acervo hereditário (cinquenta por cento) disponível ao titular dos bens e direitos, pode ser objeto de planejamento, visando evitar conflitos e também preparar os sucessores para continuidade patrimonial da família (CARVALHO, 2020, [s.p.]).

Com o avanço tecnológico, dentre os bens inseridos no acervo hereditário, existem os digitais, que cada vez mais têm sido objeto de estudos no que se refere a sucessão. Paolini e Aquino observam que:

nos últimos anos, as contas, materiais e conteúdos mantidos em âmbito virtual (também chamados, em conjunto, de “bens digitais”), passaram a compor o patrimônio do indivíduo, sendo constituída, portanto, para fins sucessórios, a chamada “herança digital” (PAOLINI; AQUINO, 2021, [s.p.]).

Os autores orientam que tanto para os bens digitais de valor sentimental e pessoal (fotos, mensagens de e-mail e whatsapp, recados inbox nas mídias sociais, por exemplo), como para os bens de valor econômico (contas em bancos virtuais, investimentos em moedas digitais, milhas aéreas, pontos em programas de fidelidade, acervo de livros, fotos de autoria do próprio titular, perfis em redes sociais, conteúdo de marketing digital empresarial, por exemplo), se não houver autorização para acesso dada pelo titular aos sucessores, estes dificilmente conseguirão acessar, trazendo empecilho ao uso de tais bens (PAOLINI; AQUINO, 2021, [s.p.]). Essas questões,

trouxeram grandes repercussões e desafios para o Direito, exigindo que o planejamento sucessório e patrimonial abranja não apenas os bens tradicionais, mas também aqueles digitais, independentemente de sua natureza (econômica ou sentimental), vez que se trata, nos tempos atuais, de uma parcela importante do patrimônio de um indivíduo (PAOLINI; AQUINO, 2021, [s.p.]).

Em entrevista ao Colégio Notarial do Brasil (CNB/RJ), Lívia Teixeira Leal expressa que o ordenamento jurídico não trata de forma específica dessa questão e, desta forma, é importante que o titular desses conteúdos digitais deixe “disposições de vontade por escrito pode garantir que a destinação desses bens digitais ocorra de acordo com a vontade manifestada, evitando ainda mais insegurança e divergências entre os familiares”, ressaltando que “atualmente há diversos bens digitais que possuem expressão econômica superior à de imóveis, o que pode impactar no cálculo da reserva pertinente à legítima” (LEAL, 2021, [s.p.]).

Nesse ponto, acrescenta Leal que “o planejamento sucessório hoje terá que considerar com muita frequência os bens digitais do sujeito, o que exige do profissional do Direito uma atualização constante em relação a tais temas” (LEAL, 2021, [s.p.]). Estão se formando densos patrimônios virtuais, incluindo mensagens privadas, fotos, games e moedas virtuais, por exemplo e, “Esse comportamento fez do planejamento sucessório e da herança digital uma discussão inevitável”, pois essa parte do patrimônio precisa também ser pensando e planejado (EQUIPE SAJ ADV, 2021, [s.p.])

Existem diversas formas possíveis de realizar a disposição de bens e direitos, de modo a garantir os interesses de quem possui tais bens e também de seus herdeiros, com um planeamento sucessório que inclua os bens digitais, utilizando, por exemplo, a partilha em vida ou o testamento, tratadas a seguir.

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No planejamento sucessório com partilha em vida, se dá pela doação dos bens, podendo manter “em seu próprio favor, ou não, a reserva do usufruto sobre esses bens” (GAGLIANO; PAMPLHONA FILHO, 2021, [s.p.]), com referência ao artigo 2.018 do Código Civil (“É válida a partilha feita por ascendente, por ato entre vivos ou de última vontade, contanto que não prejudique a legítima dos herdeiros necessários”), Gagliano e Pamplhona Filho esclarecem que é a critério do doador

independentemente de anuência expressa dos demais herdeiros, alienar gratuitamente bens do seu patrimônio, podendo, inclusive, e desde que reserve uma renda mínima para a sua sobrevivência digna, efetuar a denominada ‘partilha em vida’, referida no art. 2.018 do Código Civil [...] figura bastante comum no âmbito do planejamento sucessório (GAGLIANO; PAMPLHONA FILHO, 2021, [s.p.]).

Já no caso do planejamento sucessório com testamento, como afirmado por Carvalho “é, sem dúvida, o instrumento mais eficaz para materializar o planejamento sucessório, planejando e estruturando antecipadamente a transferências do patrimônio familiar, evitando conflitos e debates no processo de inventário” (CARVALHO, 2020, [s.p.]).

Em ambos os casos, também a disposição dos bens digitais pode ser incluída no planejamento sucessório tanto com doação em vida, como com testamento, sendo que este último, como visto, é considerado o mais eficaz é que seja o feito por meio de testamento, já que evita, por exemplo, desavenças familiares no processo do inventário.

Importante a observação de Abílio Oswaldo Sanyenenge Junior e Naiara Aparecida Lima Vilela, que trazem à discussão a possível insuscetibilidade de transmissão de herança digital se em conflito com o direito à privacidade, direito que está relacionado à dignidade da pessoa humana e, portanto, deve ser resguardada a privacidade do de cujus (SANYENENGE JUNIOR; VILELA, 2021, p. 445). Para tanto, importante atentar para que, em alguns casos, os provedores de redes sociais têm suas próprias regras.

Segundo Ricardo Maffeis Martins e Daniel Bittencourt Guariento, “O Instagram e o LinkedIn, por exemplo, autorizam a denúncia de contas de pessoas falecidas, solicitando a transformação em memorial e, sendo um familiar, o encerramento” (MARTINS; GUARIENTO, 2021, [s.p.]). Os autores ainda citam a rede social Twitter, “que pode interagir com pessoa autorizada em nome do Estado ou um familiar direto para efetuar a desativação da conta” e o Facebook, que “permite ao próprio usuário adicionar um "contato herdeiro" para gerenciar algumas funcionalidades do perfil transformado em memorial após o falecimento ou pedir a sua exclusão” (MARTINS; GUARIENTO, 2021, [s.p.]).

Porém, estas regras alcançam apenas parte do material disposto digitalmente. Martins e Guariento (2021, [s.p.]) reforçam que são muitas as dúvidas ainda sobre direito e obrigações relativos à herança digital e que para minimizar a insegurança jurídica, é necessário regulação do assunto.

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Nesse contexto, relevante o trazer que tramita no Poder Legislativo (Câmara dos Deputados) o Projeto de Lei (PL) 1689, de 2021, que visa alterar algumas normas vigentes para facilitar o acesso a herança deixada de forma digital, e cuida de forma mais direta sobre os bens digitais que possam ter valor econômico. O PL propõe alteração da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Uma das mudanças trazidas pelo PL seria: “§ 3º A disposição por testamento de pessoa capaz inclui os direitos autorais, dados pessoais e demais publicações e interações do testador em aplicações de internet” (BRASIL, 2021).

Ocorre que esse PL não é aceito por parte dos estudiosos no assunto. Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão de Família e Tecnologia do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) aponta que o PL amplia a definição de herança porque “passa a incluir direitos autorais, dados pessoais e publicações e interações em redes sociais, arquivos na nuvem, contas de e-mail e sites da internet”, mas, que da forma como está disposto, possibilita divergência entre descendentes, pois “bastaria um herdeiro apresentar a certidão de óbito para ter acesso aos perfis e comunicações do(a) falecido(a), situação com grande potencial de gerar conflitos entre herdeiros.” Além de, como regra, apenas considerar “o testamento com disposição contrária poderia retirar ou limitar o direito do herdeiro” (SANCHES, 2021, [s.p]), o que não seria suficiente para tratar da questão, já que

sendo o patrimônio transmitidos aos herdeiros e considerando que aquele abrange o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico de uma determinada pessoa, percebe-se que arquivos digitais como sites, blogs, músicas, carteiras digitais, filmes, livros, bens virtuais, entre outros, devem fazer parte da partilha. O potencial econômico do acervo digital é inegável se levar em conta as diversas pertenças como contas paypal, de bitcoin e ebay (SANYENENGE JUNIOR; VILELA, 2021, p. 470).

Para Sanches é urgente tratar de forma específica da herança digital e seus desdobramentos por causa da velocidade com que ocorre a criação de perfis pessoais e a monetização de bens digitais, sendo que é preciso “legislação fundamentada em opiniões dos juristas e especialistas em Direito das Famílias e Sucessões, evitando que seja aprovada uma legislação que não atenda aos anseios da sociedade atual” (SANCHES. 2021. [s.p.]).

Ainda, Luiz Felipe Ribeiro Rodrigues, afirma que por não haver na proposta legislativa aprofundamento do tema, “resta aos proprietários de bens digitais e seus sucessores sujeitarem-se às regras criadas pelas grandes plataformas digitais ou recorrerem a instrumentos de planejamento sucessório” (RODRIGUES, 2021, [s.p.]).

Pelo visto, então, está claro que, para bens com valor econômico, a gestão do patrimônio por planejamento sucessório é uma saída no momento, já que não temos ainda legislação específica sobre a disposição de bens digitais.

CONCLUSÃO

A gestão patrimonial para sucessão precisa observar o direito à legitima, claro, mas, pode sim, ocorrer o planejamento sucessório, sendo inclusive recomendado, pois, ajuda a minimizar eventuais conflitos entre herdeiros, além de ser um instrumento para preparar os sucessores para manter o patrimônio familiar.

O foco deste estudo, os bens digitais, podem também ser objeto de sucessão e planejamento sucessório, ressaltando-se que em alguns casos, as próprias plataformas de redes sociai já estipulam a forma de tratar as informações e dados após a morte, sendo que essas regras devem ser seguidas e tratam, normalmente, de informações e dados de valor afetivo, com devida observação ao direito de privacidade do falecido, que se mantem.

Ocorre que além dos bens de valor afetivo, há no meio digital muitos bens de valor econômico e, como não temos legislação específica, muitas dúvidas surgem sobre como proceder com esse patrimônio, que pode, inclusive, impactar no cálculo da legítima. Há orientações no sentido de que a gestão quanto à disposição dos bens digitais ser tratada como a dos demais bens, ou seja, com a partia em vida (doação) ou com o testamento, sendo este considerado mais eficaz.

Mas a necessidade de regulamentação é consenso entre os que estudam o assunto e, nesse contexto, há o Projeto de Lei 1689/2021, tramitando para buscar disciplinar os direitos autorais e demais publicações e interações em aplicações na internet. Esse PL é objeto de críticas, especialmente por não abranger todos os pontos necessários e por somente indicar o testamento como disposição contraria para retirar ou limitar o direito de herdeiros.

Desta forma, concluiu-se que os bens digitais são bens passíveis de serem herdados e, portanto, de serem incluídos em planejamento sucessório, sendo esta, inclusive, na atualidade, a melhor forma de gestão patrimonial para disposição de tais bens, já que não existe legislação especifica sobre o assunto.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Projeto de Lei 1689, de 2021. Altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para dispor sobre perfis, páginas contas, publicações e os dados pessoais de pessoa falecida, incluindo seu tratamento por testamentos e codicilos. Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node01nzk71auu854v1uw17o0wn5ik328542.node0?codteor=2069210&filename=Tramitacao-PL+1689/2021. Acesso em: 19 out. 2021.

CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das sucessões. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Disponível em: https://app.saraivadigital.com.br/leitor/ebook:742870. Acesso em: 14 out. 2021.

EQUIPE SAJ ADV. Herança digital e direito sucessório: tudo o que você precisa saber. 04 de fevereiro de 2019. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/heranca-digital/. Acesso em: 27 set. 2021.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Direito das sucessões – novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. Disponível em:

https://app.saraivadigital.com.br/leitor/ebook:759394. Acesso em: 27 set. 2021.

LEAL, Lívia Teixeira. O planejamento sucessório hoje terá que considerar com muita frequência os bens digitais do sujeito. 30 de agosto de 2021. Colégio Notarial do Brasil – Seção Rio de Janeiro (CNB/RJ). Disponível em:

https://cnbrj.org.br/o-planejamento-sucessorio-hoje-tera-que-considerar-com-muita-frequencia-os-bens-digitais-do-sujeito/. Acesso em: 14 out. 2021.

MARTINS, Ricardo Maffeis; GUARIENTO, Daniel Bittencourt. A herança digital e a tutela dos dados pessoais de titulares falecidos. 2021. Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/coluna/impressoes-digitais/347956/a-heranca-digital-e-a-tutela-dos-dados-pessoais-de-titulares-falecidos. Acesso em: 24 out. 2021.

PAOLINI, Marcelo Trussardi; AQUINO, Maria Paula Meirelles Thomaz de. A indispensável função do testamento para garantir a sucessão de bens digitais. Direito Civil. 06/06/2021. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-indispensavel-funcao-do-testamento-para-garantir-a-sucessao-de-bens-digitais-06062021. Acesso em: 19 out. 2021.

RODRIGUES, Luiz Felipe Ribeiro. Marília Mendonça, garota de Berlim e uma análise sobre herança digital. 18/11/2021. Disponível em: https://www.cnbsp.org.br/noticias/22004/artigo-marilia-mendonca-garota-de-berlim-e-uma-analise-sobre-heranca-digital-por-luiz-felipe-ribeiro-rodrigues?filtro=&Data=. Acesso em: 08 dez. 2021.

SANCHES, Patrícia Corrêa. Herança digital é tema de projeto de lei que trata do destino de perfis em redes sociais após a morte. 05/08/2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/8765/Heran%C3%A7a+digital+%C3%A9+tema+de+projeto+de+lei+que+trata+do+destino+de+perfis+em+redes+sociais+ap%C3%B3s+a+morte. Acesso em: 19 set. 2021.

SANYENENGE JUNIOR, Abílio Oswaldo; VILELA, Naiara Aparecida Lima. Herança digital: breve abordagem entre angola e brasil sobre patrimônio virtual transmissível por causa mortis. Disponível em: https://julaw.co.ao/wp-content/uploads/2021/11/No-026_21-Abilio-e-Naira-Heranca-Digital.pdf. Acesso em: 08 dez. 2021.


  1. Acadêmico de Direito

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