O uso da videoconferência, doravante denominada VC, particularmente como meio para interrogatórios criminais, enseja debates calorosos. De regra, os magistrados que manifestam desconforto com a possibilidade são considerados exemplos do caráter conservador do Poder Judiciário. Entendo, porém, como membro da magistratura nacional, que o que alguns chamam de conservadorismo retrógrado nada mais é do que preocupação com direitos que só são realidade pelo sofrimento de várias pessoas ao longo dos séculos.
Apaixonado por informática, fruto de formação anterior em Engenheira Elétrica, e com quase quinze anos de experiência desenvolvendo softwares e implantando tecnologias, evitarei as conhecidas ressalvas quanto à VC por violações aos Princípios Constitucionais, dentre eles o da publicidade e do devido processo legal, sem falar das normas contidas em tratados internacionais, ponderações que endosso totalmente.
O interrogatório por videoconferência, não colocando ao mesmo tempo, e frente a frente, magistrado, acusador, réu e defensor, é uma redução dos direitos do réu, cuja implementação interessa precipuamente ao Estado: "tem cunho predominante de economia de recursos materiais para superar deficiências outras: falta de magistrados, excesso de presos, acúmulo de processos." (CERQUEIRA, Josemar Dias e outros. Princípios Penais Constitucionais. Org. Ricardo A. Schmitt. Pág. 436). A questão é saber se a redução destes direitos é admissível no ordenamento vigente.
Existem três premissas básicas nesta discussão. A primeira é que não se pode confundir a comunicação de atos processuais por meio eletrônico – já autorizadas pela lei 11.419/2006 – com a VC, forma de se realizar atos a distância. A segunda é que no Processo Penal o interrogatório interessa predominantemente ao réu, que pode optar em ficar em silêncio ou não, sendo diretamente afetado pela forma com que este ato é realizado. A terceira é que não se pode, também, justificar a VC pela possibilidade de oitiva do réu por carta precatória, já que esta acontece com réu, acusador, defensor e magistrado – ainda que seja outro – no mesmo recinto.
Estabelecidas estas considerações, imaginado o juiz em um local e o réu em outro, passemos a algumas questões – dentre muitas outras, reconheço.
Qual será a localização física dos autos, enquanto a sonhada digitalização não chega? O réu, para consultas sobre o interrogatório, pode querer conversar com seu patrono, discutir uma determinada foto, documento ou parte do processo, sanar uma dúvida surgida naquele dia. Se os autos não estão a seu alcance, conseguirá exercer sua defesa plenamente? Como buscar orientações de seu defensor, se os autos não estão acessíveis a pelo menos um deles?
Como o magistrado controlará o ato em sua plenitude? No ambiente onde ficar, o magistrado percebe perifericamente tudo à sua volta, de forma simultânea: se alguém acena, se alguém se mexe, se a pessoa olha para um determinado lado ou se alguém faz sinais. No local onde estará o réu, o magistrado fica limitado ao que a câmara mostra. Ainda que possa operar a imagem remotamente – tecnologia mais dispendiosa – verá uma imagem de cada vez.
A despesa pelo deslocamento do réu deve a ele ser atribuída? O réu, no momento em que tem sua liberdade restringida fica ao sabor do Estado. O processo demora? Culpa do Estado. O réu está longe? Culpa do Estado que o coloca longe. O réu precisa se deslocar toda hora? Culpa do Estado que não o julga de forma célere. Neste aspecto, aliás, o interrogatório não pode ser considerado como um simples obstáculo a ser rapidamente superado até a pena já decidida. Eventualmente, quando se menciona a situação de um famoso preso do Rio de Janeiro, indo de um Estado a outro, tenho lido a opinião de políticos criticando tais deslocamentos e que parecem que estão simplesmente querendo acabar logo com o processo e apresentar uma condenação, sendo que o deslocamento do réu dificulta tal objetivo.
Porque se associa o uso da VC com a questão da economia? Tratar limitações de direitos em termos monetários traz arrepios de toda ordem. A abordagem faz os mais temerosos imaginarem que no futuro alguns defenderão a eliminação de atos processuais apenas porque implicam em gastos ao erário. Em um cenário em que o simples acesso de patrono a inquéritos policiais em delegacias necessita, eventualmente, de manifestação judicial, inclino-me a resistir a qualquer redução de direitos, por mais insignificante que pareça.
Qual o custo real da implementação da VC em larga escala? Em um País que não consegue sustentar velocidade de comunicação de dados em um patamar mínimo de segurança e custo, a VC exige conexões caras e equipamentos dispendiosos, sujeitos a interrupções freqüentes, sem falar na utilização concorrente, pois em uma Penitenciária com óbvios inúmeros presos, é altamente provável que alguns precisem participar de uma VC ao mesmo tempo, já que respondem a processos em locais diversos. Teremos salas de VC suficientes?
A questão já divide nossa corte constitucional, com decisões contra e a favor (HC 88914 e HC 91758).
Modernizar, informatizar, digitalizar os documentos e substituir o processo físico pelo meio eletrônico são medidas viáveis e que não restringem direitos e garantias dos envolvidos no processo. A realização de atos por VC introduz elementos negativos em uma ferramenta de otimização administrativa. Se lembrarmos que o réu é inocente até prova em contrário, concluiremos que estamos restringindo a defesa de um inocente e só porque o Estado não fez sua parte. A questão-fim não é só viabilizar a conversa entre o réu e o juiz. A dúvida maior não é só se há ou não presença física e se o juiz precisa estar no mesmo ambiente do réu por ser importante para a sentença que dará. O significativo aqui é que o interrogatório é um ato marcante para o réu e que o uso da VC não o beneficia, muito pelo contrário. Defender que a VC é mais célere e econômica não lhe tira as outras conseqüências. Ou, como diz o sábio homem do interior, não adianta chamar boi de borboleta e pedir para voar.