USUFRUTO é um instituto muito conhecido no âmbito Cartorário. Muitas vezes pode ser cogitado como uma importante solução para evitar todos os custos da realização de um INVENTÁRIO no futuro, como já falamos outras vezes aqui... De fato, adiantando em vida a doação em favor de seus descedentes e reservando o usufruto, se tornará muito mais fácil para os futuros herdeiros de primeiro grau (se esse for o caso) a regularização imobiliária, bastando o arquivamento da informação do óbito dos doadores/usufrutuários junto ao RGI para que ocorra a extinção do usufruto e a consequente consolidação da propriedade plena (inc. I do art. 1.410 do CCB)- mas esse é apenas um dos pontos dessa complexa transação imobiliária.
Sempre necessário destacar que Usufruto só se constitui - salvo quando não for o caso de USUCAPIÃO - mediante registro no Cartório do RGI, como decreta o art. 1.391:
"Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis".
De fato, como regra, a existência desse direito imobiliário também só acontece depois da gravação no fólio real. Não bastará sua pactuação mediante Escritura: é preciso registrar.
Importante sempre anotar que em se tratando de imóvel gravado com USUFRUTO sua alienação poderá ser feita sem qualquer problema (aqui na verdade o que se aliena é aquilo que o alienante tem, ou seja, a nua-propriedade), de modo que o adquirente em nada poderá prejudicar o exercício do usufruto por parte de quem o detém - ou seja - quem compra imóvel gravado com usufruto não pode alegar o desconhecimento e pior, desrespeitar todas as prerrogativas e direitos que por Lei são reservados ao usufrutuário, nos termos do art. 1.394 e seguintes do mesmo Código Civil.
Mas digamos que ciente desse cenário, a intenção do adquirente (e do nu-proprietário assim como dos usufrutários) seja de fato a venda do imóvel "por inteiro", livre e desembaraçado por assim dizer, decotando o gravame de USUFRUTO que pese sobre o bem. Seria possível?
A resposta é POSITIVA e a doutrina especializada aponta esse negócio como "COMPRA E VENDA BIPARTIDA", que será feita mediante Escritura Pública, em qualquer Cartório de Notas que seguindo o alerta já dado, deve ser registrada no Cartório de Imóveis competente pelo assento imobiliário.
Sem prejuízo da norma da primeira parte do art. 1.393 do CCB, é preciso destacar que admite-se exceções, como a ora analisada. O referido dispositivo informa:
"Art. 1.393. Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso".
De fato, o "usufruto" não pode ser alienado. Trata-se de um direito intransmissível inter vivos ou causa mortis, de evidente caráter intuitu personae como ensinam os mestres FARIAS e ROSENVALD (Curso de Direito Civil. 2023), todavia, nos casos de Venda e Compra Bipartida poderá haver a excepcional transmissão quando então nu-proprietário e usufrutuário realizam a transmissão dos seus direitos (no caso, onerosamente) em favor do adquirente que, por CONSOLIDAÇÃO (inc. VI do art. 1.410) terá também com o ato a extinção do gravame de usufruto.
A obrigatória doutrina especializada assinada pelos Ilustres KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral. 2022) ensina:
"É usualmente denominada venda e compra bipartida a modalidade de compra e venda em que ocorre a aquisição da nua-propriedade por uma pessoa e a do usufruto por outra. Ambos os atos são lavrados em uma mesma ESCRITURA, na qual deve constar primeiramente o proprietário pleno transmitindo a propriedade e, na sequência, os outros dois sujeitos, sendo um o adquirente da nua propriedade e o outro adquirente do usufruto. (...) Múltiplas são as possibilidades de constituição de usufruto. (...) Na prática, o comum é uma determinada pessoa, proprietário pleno de um imóvel, venda a outra pessoa o usufuruto e a um terceiro ainda a nua-propriedade. Observe que não é o usufruto que está sendo vendido. A pessoa está alienando a propriedade, de forma BIPARTIDA. (...) É possível ainda, ao proprietário, como já mencionado, vender a nua propriedade e manter para si o usufruto".
Os referidos mestres, com o já conhecido brilhantismo acrescentam ainda sobre as três possíveis ESCRITURAS para esse caso peculiar:
"1. VENDA BIPARTIDA: o titular dominial aliena simultaneamente o usufruto para um sujeito, normalmente pais e a nua propriedade a filhos. Recomendável que não seia feita, numa primeira escritura, a compra integral pelos pais e, numa segunda, a reserva de usufruto e reserva de domínio aos filhos. Muito embora seja possível, não é uma boa orientação do tabelião, na medida em que são duas escrituras e dois impostos de transmissão.
2. VENDA DO USUFRUTO: é possível que o proprietário pleno lavre uma escritura, reservando a si a nua propriedade e constitua o usufruto em favor de um terceiro. Neste caso, como já dito, não há que se falar em venda de usufruto, uma vez que este ainda não foi constituído. Aqui, necessário que conste expressamente a reserva de usufruto, ante a impossibilidade de se presumir a constituição deste direito real.
3. VENDA DA NUA PROPRIEDADE: é possível que o proprietário pleno lavre uma escritura e venda a nua propriedade, reservando para si o usufruto a termo ou de forma vitalícia".
POR FIM, recente decisão do Egrégio Conselho da Magistratura do TJRJ confirmou a decisão prolatada pelo Juízo da VARA DE REGISTROS PÚBLICOS da Capital/RJ que em sede de Dúvida Registral reconhecia o acerto da lavratura da Escritura de Compra e Venda Bipartida pela igualmente ilustre Tabeliã do 32º Ofício de Notas da Capital/RJ e consequentemente, a improcedência da dúvida suscitada e da exigência formulada pelo Oficial do 9º RGI da Capital/RJ:
"TJRJ. 0326485-24.2021.8.19.0001 - DÚVIDA REGISTRAL. J. em: 13/04/2023 - CONSELHO DA MAGISTRATURA. REMESSA NECESSÁRIA. DÚVIDA SUSCITADA PELO CARTÓRIO DO 9º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL/RJ. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA BIPARTIDA. ADIAMENTO DO ATO REGISTRAL PELO OFICIAL, TENDO EM VISTA A VEDAÇÃO CONTIDA NO ARTIGO 1.393 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA QUE JULGOU A DÚVIDA IMPROCEDENTE. PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA JUSTIÇA PELA CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. CORRETO O ENTENDIMENTO EXPOSADO NA SENTENÇA. CABIMENTO DA REALIZAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA BIPARTIDA, UMA VEZ QUE NÃO HÁ IMPEDIMENTO PARA QUE NU-PROPRIETÁRIO E O USUFRUTUÁRIO TRANSMITAM O IMÓVEL EM CONJUNTO, CONSIDERANDO QUE A NUA-PROPRIEDADE E O USUFRUTO SE CONSOLIDAM NAS MÃOS DO ADQUIRENTE. SENTENÇA QUE SE MANTÉM EM SEDE DE REMESSA NECESSÁRIA".