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Juiz das garantias e a importância de sua efetivação no Estado democrático de direito

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Agenda 28/04/2023 às 15:35

Quão crítico é o papel de um juiz de garantias para garantir o devido processo legal?

Resumo: Este escrito enfoca a importância do Juiz de Garantias em um Estado Democrático de Direito, com ênfase específica na Lei 13.964/19, comumente conhecida como “pacote anticrime”. A lei tem sido controversa devido à implementação do Juiz de Garantias, que desempenha um papel crucial na formação do processo acusatório. De acordo com o artigo 3º-A, ao Juiz de Garantias é vedada a propositura de ações, pois cabe ao sistema acusador a condução do processo penal. Ao Juiz só é lícito prover recursos em caso de dúvidas que possam surgir durante a investigação criminal, não possuindo qualquer instrumento probatório para a propositura de ações autônomas.

INTRODUÇÃO

O tema central deste trabalho é o “Juiz de Garantias” e seu papel crucial na manutenção do Estado Democrático de Direito. O foco está na análise do “pacote anticrime” – Lei 13.964/19 – com atenção específica para a implementação do Juizado de Garantias no ordenamento jurídico brasileiro. Aprofundando-se no Direito Processual Penal e no Direito Penal, este trabalho busca examinar os potenciais benefícios e malefícios dessa nova incorporação ao nosso sistema processual. Por meio de uma análise abrangente desde as raízes históricas do Direito até os dias atuais, pretendemos lançar luz sobre a importância desse tema.

A questão em questão foi suscitada por uma simples indagação: quais são as fragilidades do sistema acusatório do Brasil? Além disso, quão crítico é o papel de um juiz de garantias para garantir o devido processo legal?

A legislação atual é eficaz em preencher as lacunas pertinentes ao réu e assegurar o devido processo legal e suas garantias constitucionais? Esta questão é particularmente importante na avaliação da equidade do processo penal, especialmente para aqueles que são vulneráveis.

O objetivo primordial é aprofundar os antecedentes históricos do Direito Penal e, consequentemente, do Processo Penal. Esta análise examinará a parcialidade de nossa cultura penal. Em última análise, devemos nos perguntar: nossa intenção é prender criminosos para fins de reabilitação ou punição?

O tema desta discussão foi inspirado no debate nacional em torno da Lei 13.964/19, comumente chamada de "pacote anticrime". Especificamente, o foco foi a suspensão da execução do Juízo de Garantias pelo ministro Luiz Fux, devido ao seu potencial impacto no orçamento da União. Neste trabalho, vamos nos aprofundar nos detalhes de como está sendo implementado o Juiz de Garantias e suas características notáveis.

Para a elaboração deste trabalho, foi realizada extensa pesquisa por meio de pesquisa bibliográfica, juntamente com o estudo de doutrinas jurídicas de conceituados doutrinadores como Norberto Avena, Fernando Capez, Renato Brasileiro, Guilherme de Souza Nucci, entre outros. Além disso, foram pesquisados ​​sites jurídicos atuais para obter conhecimento e informações atualizadas sobre o assunto. A parte documental da pesquisa envolveu o estudo de legislações como a Lei nº 13.964/19, popularmente conhecida como "pacote anticrime", resoluções e jurisprudências. A abordagem realizada envolveu uma análise descritiva, incluindo uma breve avaliação crítica.

Para facilitar a compreensão, esta peça foi organizada em três seções distintas:

No segmento inicial, nos aprofundaremos no processo histórico normativo do processo penal no Brasil. Revisitaremos o modelo de justiça das sociedades antigas, destacando os fatores cruciais considerados ao pronunciar o julgamento de uma pessoa acusada.

Na seção seguinte, nos aprofundaremos no processo penal como meio de defesa do estado democrático de direito. Daremos especial atenção à legitimidade do princípio "in dubio pro réu" e à excelência do contraditório, que prevê ampla defesa. Adicionalmente, destacaremos a importância do princípio da proporcionalidade e isonomia, especialmente entre o Estado e o indivíduo como garantia fundamental da ordem e segurança jurídica.

A terceira seção deste trabalho fornecerá uma exploração abrangente do significado jurídico do juiz de garantias. Examinaremos como a Lei 13.964/19, também conhecida como pacote anticrime, se relaciona com esse tema, com atenção especial aos desafios de sua implementação no Brasil. Além disso, faremos uma análise detalhada do assunto e concluiremos com nossa posição sobre a dialética apresentada neste trabalho acadêmico.

2 PROCESSO HISTÓRICO NORMATIVO DO PROCESSO PENAL

Ao examinar o tema supracitado, é importante aprofundar o aspecto histórico do Processo Penal (BRASIL, 1941) e seu processo normativo. Isso implica considerar a estrutura dentro da qual o Estado executa sua função punitiva, ao mesmo tempo em que reconhece os limites que devem ser observados para evitar extrapolações e garantir que a função permaneça dentro do propósito pretendido de estabelecer limites.

Nas sociedades primitivas, o direito penal e os procedimentos legais associados careciam de uma estrutura clara definida pelo Estado para entender o poder de punir. Como observa Cunha (2020), essas sociedades eram repletas de misticismo e crenças sobrenaturais, onde fenômenos naturais como tempestades e secas eram frequentemente atribuídos à retribuição divina. Nesse contexto, acreditava-se que qualquer transgressão percebida, real ou imaginária, incorria na ira dos deuses, e a sociedade procurava punir os responsáveis ​​de acordo.

Em vista a evolução social, mas sem se distanciar da finalidade da vingança, o Código de Hamurabi, na Babilônia, traz a regra de talião, onde a punição passou a ser graduada de forma em se igualar a ofensa. Todavia esse sistema, embora adiantado em relação ao anterior, não evitava penas cruéis e desumanas, fazendo distinção entre homens livres e escravos, prevendo mais rigor para os últimos, estes tratados como escravos. Nessa altura tem-se notícia das penas aplicadas por povos do Círculo Polar Ártico. Tais pessoas utilizavam-se das chamadas penalidades burlescas, satíricas ou sarcásticas, segundo a qual o autor dos delitos era exposto ao escárnio coletivo (CUNHA, 2020, p. 48).

Nesse contexto, o Prof. Cunha (2020) aponta que, globalmente, a parte histórica do processo penal é falha, o judiciário é o mais antigo e supremo poder político, e é esse poder que garante a justiça, nas relações sociais os direitos individuais, seja de pessoa para pessoa ou de comunidade para comunidade. Aliás, parece-nos que a forma como foi exercida jamais poderia ter sido notada nos primórdios da validação da aplicação da lei processual penal à época (BRASIL, 1941), pois naqueles tempos a finalidade principal não era meramente para punir o indivíduo, parecia muito maior, os governantes dão as respostas que a sociedade quer, mas não um senso de justiça, o verdadeiro ponto é a vingança, como comentamos antes.

Na opinião de Nucci (2020), revisitar a história deve servir a um propósito além de glorificar práticas ultrapassadas. O objetivo é aprender com os erros do passado e construir sobre os acertos, melhorando assim o presente e evitando erros futuros. Ao entender os aspectos nefastos de nosso passado, podemos garantir que nossas práticas atuais estejam alinhadas com nossos valores humanitários. Os profissionais da lei devem se adaptar e aprender com a história, de modo a evitar que os erros do passado se repitam. Nosso passado histórico sombrio deve nos lembrar da importância do progresso e desencorajar qualquer regressão.

Embora reconheçamos avanços significativos no processo penal, é importante reconhecer que ainda temos uma distância considerável a percorrer antes de alcançar a justiça ideal. Atualmente, podemos até nos encontrar espelhando as práticas antiquadas dos primeiros tempos. Como observa a FBSP (2013), uma análise minuciosa e prudente revela que o processo penal tende a agilizar a justiça para os “fracos” enquanto procede com lentidão contra os “fortes”.

2.1 DO PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO GARANTIDOR NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Esta discussão centra-se nos sistemas processuais decorrentes do direito brasileiro. Vou me aprofundar em como esses sistemas funcionam, destacando a força dos sistemas acusatórios. Embora seja verdade que nosso judiciário é lento e sobrecarregado, também devemos reconhecer o papel crucial desempenhado pelo direito processual penal na salvaguarda de nossa democracia. A descrição de Lima (2019) da regra probatória do “in dubio pro réu” enfatiza a importância da presunção de inocência em uma sociedade democrática. Essa regra obriga a acusação a provar a culpa do réu, o que tem grande valor em uma sociedade democrática.

Nesta acepção, presunção de inocência confunde-se com in dubio pro reu. Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado a condenação de um inocente, pois, pois em juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo mais grave que o segundo. O in dubio pro reu não é portanto uma simples regra de apreciação da provas. Na realidade é para ser utilizado no momento da valoração da provas, na dúvida deve favorecer o imputado, pois não tem a obrigação de provar que não praticou o delito (LIMA, 2019, p. 46 -47).

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É importante destacar que o processo penal serve como uma salvaguarda crucial contra potenciais abusos do Estado. Como aponta Avena (2018), o processo penal sustenta princípios fundamentais e serve como meio de proteção de direitos coletivos e potenciais na perspectiva do Estado. Ao mesmo tempo, também salvaguarda as liberdades individuais e protege o sujeito de direito. Em essência, o processo penal atua como uma medida de segurança que garante a proteção desses importantes valores.

Antes, cabe a parte acusadora (Ministério Público ou querelante) afastar a presunção de não culpabilidade que recai sobre o imputado, provando além de uma dúvida razoável, que o acusado praticou a conduta delituosa, cuja prática lhe atribuída. Enfim, não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica, em elementos de certeza, os quais , ao dissiparem ambiguidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, séria e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o “non liquet” (LIMA, 2019, p. 46 -47).

A máxima legal "in dubio pro réu" se traduz em 'na dúvida, absolva o réu'. No entanto, conforme análise de Lima (2019), não se trata apenas de uma avaliação de provas, mas sim de um processo penal abrangente. Este procedimento exige uma defesa completa e contrastante que reduz quaisquer ambiguidades potenciais em procedimentos legais. Isso é feito para eliminar quaisquer dúvidas razoáveis ​​que possam levar posteriormente a uma interpretação errônea do caso por parte do juiz.

Se o modelo garantista de processo pensado por Luigi Ferrajoli vem fundamentado nas premissas da jurisdicionalidade, inderrogabilidade do juízo, separação das atividades de julgar e acusar, presunção de inocência e contradição, forçoso é concluir que o interrogatório por videoconferência também preserva essas cinco linhas mestras (LIMA, 2020, p. 759).

O modelo de direito penal mínimo de Ferrajoli alinha-se com um modelo de procedimento criminal tranquilizador que enfatiza a independência judicial e a necessidade de o judiciário validar a legitimidade do poder. Adicionalmente, Lima (2020) define “Garantia” como um modelo legal normativo, e um modelo típico de estado de direito de “lei estrita” intimamente relacionado ao direito penal. O modelo defende o poder mínimo do Estado para reduzir a violência e aumentar a liberdade, e é visto como parte da função punitiva do Estado na proteção dos direitos dos cidadãos.

O processo penal moderno evoluiu para um processo penal de garantia, que prioriza a salvaguarda dos direitos fundamentais. Como observa Avena (2018), as democracias às vezes combinam regra da maioria com autoridade ilimitada, levando a desafios na proteção dos direitos dos cidadãos.

Em qualquer sistema minimamente garantista e democrático, é direito básico do indivíduo ser cientificado quanto à existência e quanto ao conteúdo de uma imputação contra a sua pessoa, oriunda de uma simples notícia-crime ou de uma investigação preliminar em andamento. Impõe-se, pois, a observância do contraditório, pelo menos em relação ao direito à informação, a fim de que o imputado, assistido pela defesa técnica (v.g., requerendo diligências, apresentando razões e quesitos), possa exercer a autodefesa por meio do interrogatório policial, oferecendo resistência à pretensão investigatória e coercitiva estatal, atuando no sentido de identificar fontes de prova favoráveis à defesa ou, ao menos, capazes de atenuar a pena que eventualmente venha a ser imposta ao final do processo (LIMA, 2019, p. 123).

Em essência, as garantias atuam como salvaguardas que protegem e asseguram a ordem jurídica. Como norma jurídica positiva, aplicam-se não só à sua criação, mas também ao seu conteúdo. Para equilibrar o tamanho do aparato do Estado, que é maior do que qualquer indivíduo, o princípio da isonomia e da proporcionalidade deve ser aplicado. Tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma diferente é uma forma de evitar que o gigantismo do Estado domine a sociedade.

2.2.1 SISTEMA PROCESSUAL PENAL ACUSATÓRIO

O sistema acusatório, comumente visto em governos democráticos, funciona fazendo acusações contra um indivíduo. Para levar a cabo este processo, deve existir uma alegação formal e fundamentada contra o arguido. Isso garante que o suposto delito seja minuciosamente examinado, incluindo todas as circunstâncias relevantes, conforme observado por Nucci (2020, p. 08):

No universo do processo penal, introduziu a figura do juiz das garantias, que deverá fiscalizar qualquer investigação criminal, controlando a sua legalidade. Consolida-se o sistema acusatório, pois esse magistrado somente atuará até o recebimento da denúncia ou queixa. Depois, passará o processo às mãos de um juiz, que irá apreciar o mérito da causa. Veda-se qualquer iniciativa probatória por parte do juiz das garantias e os autos da investigação não poderão chegar às mãos, para conhecimento, do magistrado do mérito. Por outro lado, as provas periciais e as antecipadamente produzidas poderão ser analisadas por quem vai julgar a causa.

Avena (2020) afirma que os sistemas acusatórios são comuns em estados de direito, e definem claramente os papéis do acusador, juiz e defensor. Essa separação de papéis garante que cada pessoa envolvida no processo permaneça imparcial e evite desequilíbrios. Como em qualquer sistema democrático, o sistema acusatório oferece ao acusado oportunidades de ampla defesa e o direito de apresentar sua narrativa após a acusação.

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Processo penal acusatório: eis um importante passo para a consolidação de um processo penal acusatório: a expressa menção em lei. É bem verdade que os princípios do sistema acusatório já foram previstos na Constituição de 1988, há mais de três décadas. Ocorre que o Código de Processo Penal absorveu muito pouco desses princípios, levando o Judiciário a continuar a trabalhar com um processo de perfil misto, pois o juiz podia, durante a investigação, somente para ilustrar, determinar a produção de provas, sem requerimento de ninguém (NUCCI, 2020, p. 82).

Ao avaliar várias interpretações do sistema de acusação, pode-se deduzir que as salvaguardas constitucionais são mantidas de forma consistente. O processo mantém a defesa contraditória e justa, garantindo o devido processo legal, exceto nos casos em que o distanciamento social obrigue a alterações temporárias.

2.2.2 SISTEMA PROCESSUAL PENAL INQUISITIVO

Ao contrário do tópico anterior, o sistema penal que vamos discutir não atende aos padrões recomendados para um Estado Democrático de Direito. Em vez disso, é impulsionado pela busca de satisfazer um lado dos eventos, normalmente o mais forte. Esse sistema inquisitorial é marcado pela consolidação do poder do juiz, incluindo o papel de acusador. A confissão do réu tem o maior valor probatório, enquanto o processo se baseia apenas em documentos escritos, sem quaisquer alegações orais. Os juízes são imunes à recusa, e o processo é mantido em sigilo, sem a presença de argumentos contraditórios. A defesa é em grande parte simbólica, carente de substância.

Apesar de suas tendências autocráticas, o sistema penal inquisitorial ainda opera com um juiz, defensor e acusador muito parecido com os sistemas democráticos. No entanto, o sistema geralmente carece de um processo formal do estado, deixando a critério do juiz iniciar acusações criminais. O juiz detém um poder significativo nesses sistemas, pois pode substituir as partes, alterar a lista de testemunhas e até mesmo aceitar ou rejeitar provas cruciais. É como assistir a um filme que já vimos e já sabemos o final, segundo Avena (2020), dessa maneira o acusado não tem qualquer garantia, acabando por submeter-se a descalabros processuais. Sem a publicidade do processo, o Estado fica confortável e fazer ou deixar de fazer o que convém ao seu interesse, dificultado ainda mais uma probabilidade de que se apure a verdade dos fatos.

Ademais, como leciona Avena (2020, p 85).:

Não se fala em paridade de armas, sendo nítida a posição de desigualdade entre as partes. Na verdade, a própria defesa do réu é bastante restrita, não lhe sendo assegurado, ao contrário do que ocorre no modelo acusatório, o direito de manifestar-se depois da acusação, para refutar provas e argumentos, trazidos ao processo pelo acusador. Como não há presunção de inocência, apresenta-se menos complexa, em termos de requisitos e processos legais, a decretação da prisão provisória do réu no curso da ação penal, circunstancia esta que faz com que, em grande parte dos casos, permaneça o réu preso durante o sumário da culpa.

Nossa investigação do modelo do sistema penal inquisitorial confirma que são dadas ao acusado chances limitadas de demonstrar sua inocência ou de apresentar a verdade sobre o assunto, resultando no domínio da autocracia. O sistema prioriza a autonomia do Estado acima de tudo, o que cria um ambiente de comprometimento da justiça.

2.2.3 SISTEMA PROCESSUAL PENAL MISTO

Este sistema é uma mistura única dos sistemas acusatório e inquisitorial, muitas vezes referido como o sistema garantidor misto ou inquisitivo. Segundo Lima (2020), o Código de Processo Penal inicialmente apresentava uma abordagem inquisitorial durante a fase de inquérito policial, mas mudou para um modelo acusatório durante a fase de acusação. No entanto, a introdução pela Constituição Federal do princípio da presunção de não culpabilidade, do contraditório e da ampla defesa e da separação das funções de acusar, defender e julgar transformaram esse sistema em acusatório.

É chamado de sistema misto porquanto abrange duas fases processuais distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, destituída de publicidade e ampla defesa, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Sob o comando do juiz, são realizadas uma investigação preliminar e uma instrução preparatória, objetivando-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade, a oralidade, a isonomia processual e o direito de manifestar-se a defesa depois da acusação (LIMA, 2020, p. 45).

Em suma, o juiz possui a discricionariedade de instaurar ação penal a seu critério, enquanto a não obrigatoriedade de publicidade dos atos processuais sublinha o sistema processual inquisitorial. No entanto, nenhum sistema existente está livre de imperfeições. Enquanto alguns sistemas exibem violações diretas do regime democrático, outros visam manter o sistema de garantia, enquanto restringem as partes de fazer valer seus direitos de estabelecer a veracidade fática dos casos. Mesmo no século 21, as discussões e diferenças sobre esses sistemas persistem em um contexto global.

2.2.4 BASE PRINCIPIOLÓGICA DO PROCESSO PENAL

No âmbito do processo penal, a preservação do estado democrático de direito é princípio fundamental. Isso abrange garantias constitucionais como o direito a um julgamento justo e aberto, acesso a uma defesa legal robusta e uma clara separação entre acusador, defensores e juízes. Na opinião abalizada de Pacelli (2021) sugere que a interpretação do que constitui um estado democrático de direito é subjetiva e pode ser influenciada pela filosofia política, pela doutrina constitucional e pelas circunstâncias sociais e políticas.

É crucial considerar os papéis das organizações públicas e privadas e o impacto de suas ações no processo legal. Ademais, como leciona Capez (2011, p. 28):

cuja a função é estabelecer limites a liberdade de seleção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material do crime. Estes contornos tornam o tipo penal uma estrutura bem distinta, da concepção meramente descritiva do início, do século passado, de modo que o processo de adequação de um fato passa a submeter-se a rígida apreciação axiológica. O legislador no momento de escolher os interesses que merecerão a tutela penal, bem como o operador do direito, no instante em que vai proceder a adequação típica, devem, forçosamente, se o conteúdo material daquele conteúdo atenta contra a dignidade humana ou princípios que dele derivam, em caso positivo, estará manifestada a inconstitucionalidade substancial da norma ou daquele enquadramento, devendo ser exercitado o controle técnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o texto magno.

O Estado Democrático de Direito é elemento vital de qualquer organização criminosa do Estado, devendo refletir os princípios da dignidade da pessoa humana. Quaisquer ações que contradigam esses princípios seriam inconstitucionais.

3 ASPECTOS JURÍDICOS DA IMPORTÂNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A implementação da Lei 13.964, parte do Pacote Anticrime, visava reduzir a parcialidade judicial e aumentar a transparência nos processos judiciais. A adesão do juiz a esta lei garante que os indivíduos sejam respeitados e seus direitos protegidos. Segundo Lima (2020), nosso Código de Processo Judicial de 1941, que mimetiza o modelo fascista italiano, foi adotado durante o Estado-Novo e é derivado da atividade parlamentar. Os insights de Fauzi Hassan Choukr apóiam ainda mais essa compreensão do processo histórico da legislação republicana.

Após o estabelecimento de nossa Carta Magna em 1988, o Brasil se abriu ao diálogo internacional e à participação em tratados. Esses tratados foram integrados ao nosso sistema legal constitucional, exigindo apenas pequenas modificações em nosso código existente. Exemplos dessas mudanças são a Lei 10.792 (2003), que alterou o regime de interrogatórios, e a Lei 11.689 (2008), que dispõe sobre os procedimentos do Tribunal do Júri, entre outras alterações no Código de Processo Penal..

A estrutura básica da legislação especial penal, porém, foi mantida, e ainda se encontra alicerçada em bases inquisitórias oriundas do regime totalitário vigente durante a 2ª Guerra Mundial. Prova disso, aliás, é a subsistência de dispositivos legais – de duvidosa constitucionalidade e convencionalidade – que autorizam ao próprio juiz requisitar a instauração de um inquérito policial ( CPP, art 5º, II), a decretar de ofício a produção antecipada de provas consideradas urgentes ou relevantes considerando a realização de diligências para dirimir dúvida sobre o ponto relevante, seja na fase investigatória, seja na fase processual ( CPP art. 156, incisos I e II respectivamente), ou que autorizam o próprio juiz a realizar pessoalmente uma busca domiciliar ( CPP, art. 241) (LIMA, 2020 p. 104).

O processo acusatório é moldado pela introdução do juiz de garantias, o qual foi instituído prioritariamente pelo artigo 3º-A. Esta instituição tem sido tema de intensos debates no meio acadêmico e jurídico, havendo divergências de opiniões e controvérsias em torno de sua implantação. No entanto, o Pacote Anticrime, Lei 13.964-19, ajudou a aumentar a transparência legislativa em torno do processo acusatório. Vale notar que o art. 3º-A veda expressamente qualquer iniciativa do magistrado, que passa a ser de responsabilidade do agente da ação penal. Ao juiz não é permitido possuir qualquer instrumento probatório de iniciativa própria, podendo apenas sanar qualquer dúvida que surja durante a instrução processual penal.

3.1 PACOTE ANTICRIME LEI 13.964/19. EFETIVAÇÃO DO JUÍZ DAS GARANTIAS

A introdução do Pacote Anticrime, formulado por meio da Lei 13.964/2019, trouxe diversas atualizações. Enquanto alguns abraçaram esses desenvolvimentos, uma porcentagem também teve opiniões desfavoráveis. Essa lei específica cobria uma ampla gama de tópicos, mas o juiz de garantias enfrentava a maior oposição e apresentava problemas significativos de implementação. Como Estado Democrático de Direito, é comum haver posições opostas.

Conforme explica Nucci (2019), no âmbito do Direito Penal e do Direito Processual Penal, o papel do juiz de garantias é vital. Esse indivíduo é responsável por supervisionar todas as investigações criminais, garantindo que sejam legalmente sólidas e monitorando todo o processo de acusação. Embora o magistrado só preste contas até o recebimento da denúncia, cabe ao juiz de garantias avaliar todo o processo e seu mérito.

Por conta da entrada em vigor do Pacote Anticrime, Lei 13964/19, no dia 23 de janeiro de 2020, o livro foi completamente revisado, aliás não seria exagero de nossa parte afirmarmos que estamos diante de um verdadeiro novo Manual de Processo Penal. Para que o leitor tenha uma noção exata da inúmeras mudanças, que o livro sofreu, basta dizer que dos 14 títulos, da obra na versão passada – agora são 15, por conta do novo título Juiz de Garantias. -, apenas 3 não sofreram qualquer alteração por conta da vigência da Lei 13.964/19: sujeitos do processo, comunicação dos atos processuais e ações autônomas de impugnação. É bem verdade que no dia 22 de janeiro de 2020, na condição de relator das ADI´s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, todas ajuizadas em face da lei 13.964/19, o Ministro Luiz Fux suspendeu sine die a eficácia “ad referendum” do plenário, já implantação do juiz de garantias, e de seu consectários ( CPP, arts. 3º-A e 3º-F),, da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível, ( CPP, art. 157.§ 5º), da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito (CPP, art. 28, caput), e da liberação da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas ( CPP, art. 310§ 4º). Sem embargos, reputamos válido – e até mesmo honesto com o leitor – procedermos a uma análise minuciosa, detalhada e crítica de toda a nova sistemática introduzida no nosso Código de Processo Penal, pela Lei n. 13.964/19, inclusive dos dispositivos cuja a eficácia, está por hora suspensa, até mesmo porque a sua validade será objeto de apreciação pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, que poderá confirmar – ou não – a decisão deferida pelo eminente Ministro Luiz Fux (LIMA, 2020, p. 7).

O juiz de garantias foi impedido de investigar processos ou processar provas sem repassá-las a outro magistrado que conheça o mérito. Entretanto, o ativismo judicial voltou a entrar em cena, com a suspensão liminar dessa figura pelo Supremo Tribunal Federal, conforme comandado pelo ministro Luiz Fux, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, 6.299-DF. Com isso, o texto do Pacote Anticrime referente ao juiz de garantias não pode ser acolhido. Portanto, o Código de Processo Penal permanece em uso para esta questão. No entanto, as provas de perícias anteriores ainda serão examinadas pelo juiz responsável pelo caso.

3.2 ANÁLISE DAS PRINCIPAIS DIFICULDADES DA IMPLEMENTAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS

A implementação do juiz de garantias, responsabilidade do magistrado em conduzir inquéritos justos até que a denúncia seja homologada pelo "parquet" e um novo magistrado assuma até a sentença ser proferida, tem enfrentado dificuldades desde a prolação da liminar. Pacote Crime do então Ministro da Justiça Sérgio Moro no Governo do Presidente Jair Bolsonaro. Apesar de alguns Ministros, como Dias Toffolli, do Supremo Tribunal Federal, não manifestarem nenhuma preocupação, a maioria dos operadores do Direito, em especial os Magistrados, vislumbra desafios nessa prática. O principal obstáculo é o número limitado de juízes disponíveis e o potencial aumento de despesas, que o judiciário acredita não poder arcar.

Segundo o renomado estudioso Nucci (2020), a implementação do juiz de garantias por meio da ação direta de inconstitucionalidade nº 6.299/DF enfrenta desafios significativos. O principal desses obstáculos é o fato de que as normas que regem o juiz de garantias são derivadas principalmente das normas da estrutura judiciária, que são específicas do órgão responsável por sua tutela. Isso está amparado no artigo 96 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, a verdadeira concepção do juiz das garantias ensejaria um elevado custo por parte do poder judiciário, que ora averiguado, não disporia de tal montante para tal, com base no artigo 169 da Constituição Federal judiciário Nucci (2020, p. 308):

A edição da Lei 13964/19 inseriu a figura do juiz de garantias, que será responsável por fiscalizar a investigação criminal, controlar a sua legalidade e salvaguardar os direito individuais do investigado (art. 3º. – b, caput, CPP), É relevante mencionar o conteúdo do art. 3º. –A, do CPP: “o processo penal terá uma estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”. Este magistrado terá atuação até o recebimento da denúncia ou queixa crime, mas jamais julgará o processo crime, Busca-se, com isso, a consagração do sistema acusatório e também a preservação do direito.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça identificou uma escassez significativa de magistrados, tanto nas grandes cidades quanto nas áreas rurais. Isso é especialmente verdadeiro para os tribunais federais, onde muitas vezes apenas um juiz está presente. O Conselho observa que o atendimento às demandas dos processos penais, que exigem dois juízes, exigiria a contratação urgente de numerosos magistrados, com um custo inestimável para o sistema judicial. Em alguns casos, apenas um juiz pode estar disponível em um determinado local, levando à implementação de um sistema de "rodizio" onde um colega de outro fórum atuará como juiz de garantias. No entanto, esse arranjo apresenta desafios logísticos e financeiros, principalmente para juízes que precisam viajar longas distâncias para cumprir suas funções.

Ao aprofundar o exame da sistemática de Avena (2020), destaca-se que há grande probabilidade de a medida suspensa ser incorporada ao eixo da medida cautelar, conforme discutido neste artigo. Isso significa que os artigos 3-A e 3-F permanecerão sob o escrutínio do sistema judiciário, levando-nos a examinar cuidadosamente o eventual resultado.

3.3 DA INSUFICIÊNCIA DOS JUÍZES NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA

Desde 2015, uma audiência de custódia foi estabelecida para garantir que qualquer indivíduo detido deve comparecer perante um magistrado designado dentro de 24 horas. No entanto, sua constitucionalidade e praticidade ainda hoje são debatidas. O objetivo da audiência é determinar a legalidade da prisão e se o indivíduo deve permanecer em prisão preventiva.

A adesão do Brasil ao Pacto de São José da Costa Rica, tratado internacional, confere legalidade a determinada medida. Vale ressaltar que todos os tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil são incorporados ao seu ordenamento jurídico como norma supralegal, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal.

Embora não haja legislação nacional sobre o assunto, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (nº 213, de 15/12/2015) ratificou um tratado que incentiva os tribunais a realizar uma audiência específica. Entretanto, está em tramitação projeto de lei que altera o § 1º do artigo 306 do Código de Processo Penal para incorporar as audiências de custódia ao nosso ordenamento jurídico. Após sua aprovação pelo Senado Federal, será encaminhado à Câmara dos Deputados para votação similar, nos termos do trâmite legal (CNJ, 2020). O principal objetivo da audiência de custódia é que o acusado deverá ser ouvido pelo magistrado assim como pelo membro do “parquet” e defensoria ou o advogado do custodiado

A audiência de custódia pode não necessariamente beneficiar os envolvidos, especialmente considerando o estado sombrio do sistema judiciário brasileiro. Um estudo recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2020) revelou que muitos presos são submetidos a condições desumanas, com pouca ou nenhuma infraestrutura e eficácia limitada. Diante disso, a redução das taxas de encarceramento não apenas aliviaria o ônus do estado, mas também permitiria que os detidos tivessem suas vozes ouvidas durante as audiências, onde poderiam fornecer contexto e esclarecer qualquer possível abuso policial. Em última análise, isso pode ajudar a revelar a verdade por trás das acusações criminais.

CONCLUSÃO

O presente trabalho destaca que o tema mencionado anteriormente não se reflete apenas em uma regra suspensa, mas também na perspectiva de aprimorar o sistema processual brasileiro em termos de garantias judiciais. Como observamos, criar um marco legal sem especificar seus fundamentos organizacionais e orçamentários pode levar a um amplo debate.

Sem dúvida, a presença do juiz garante o devido processo legal, promovendo a transparência e garantindo os direitos e garantias constitucionais do acusado. Este trabalho examina as vantagens e desvantagens de se estabelecer a instituição juiz de garantia na prática. É fundamental observar que, em um Estado Democrático de Direito, garantias constitucionais como o direito à vida, o princípio da legalidade e a dignidade da pessoa humana devem ser preservadas e servir como princípios norteadores de freios e contrapesos, conforme amplamente aceito na doutrina majoritária. O Estado deve zelar pela consecução desses princípios, ressaltando sua importância.

Este trabalho particular não toma partido quando se trata da efetividade do papel do juiz de garantias. O que está claro, porém, é que não podemos ignorar a importância desse debate permanente, principalmente quando se trata da vida de um indivíduo. Devemos reconhecer que há um elemento humano envolvido, que é subjetivo e não pode ser medido apenas por números ou agendas pessoais.

Frequentemente, os juízes tomam decisões sem examinar completamente as circunstâncias do acusado sob custódia, baseando-se em conveniência, orçamento e possibilidade. Infelizmente, essa abordagem nem sempre se alinha com as realidades da vida. O ritmo lento do sistema de justiça mina sua eficácia, tornando-o ineficaz.

Este trabalho afirma que o Juiz de Garantia é uma instituição crucial que precisa ser estabelecida com a máxima responsabilidade, viabilidade e inteligência na primeira oportunidade possível.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Flávio. Juiz das garantias e a importância de sua efetivação no Estado democrático de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7240, 28 abr. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/103846. Acesso em: 22 nov. 2024.

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