É muito comum, especialmente entre parentes de primeiro grau, a transferência de dinheiro de um para outro visando o suprimento de recursos para determinadas finalidades; seja a aquisição do primeiro imóvel, a realização de uma viagem, um intercâmbio, um curso, entre outros.
Às vezes, esses recursos são lançados em ambas as declarações como empréstimo, sendo que, depois de certo tempo, não tendo o devedor conseguido renda suficiente para a quitação, as partes acertam o perdão da dívida, de modo a desaparecer o crédito na declaração de um e o débito na de outro.
O perdão de dívidas é uma das situações listadas no art. 47 do Decreto 9.580/2018 [1] (Regulamento do Imposto de Renda) em que incide o imposto de renda. Vejamos:
Art. 47. São também tributáveis:
I - As importâncias com que o devedor for beneficiado, nas hipóteses de perdão ou de cancelamento de dívida em troca de serviços prestados;
O texto transcrito está dizendo, em outras palavras, que o valor do empréstimo será tributável, mas apenas se quitado com prestação de serviço pelo devedor ao credor.
Contrario sensu, se o empréstimo é simplesmente perdoado, sem nenhuma condição para o devedor, sem que seja exigido pelo credor qualquer contraprestação de serviços ou retribuição de qualquer espécie, o valor não será alcançado pela tributação do Imposto de Renda.
A Receita Federal do Brasil já se posicionou a respeito através da Solução de Consulta Cosit nº 70/2013 , consolidando o entendimento de que o perdão de dívida sem qualquer contrapartida ou retribuição por parte do devedor não configura rendimento tributável pelo Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).
Mais recentemente, a Solução de Consulta Disit nº 3010, de 23 de agosto de 2021, tem a seguinte ementa:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF
Rendimentos oriundos de perdão ou cancelamento de dívida. Tratamento Tributário.
O perdão ou cancelamento de dívida somente terá repercussão tributária para o beneficiário se corresponder à contraprestação de serviços ao credor.
Solução de Consulta vinculada à solução de Consulta Cosit nº 70, de 30 de dezembro de 2013, (Diário Oficial d União - DOU de 09 de janeiro de 2014, seção 1, página 21).
Dispositivos Legais: Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto n
º9.580, 22 de novembro de 2018, art. 47, inciso I.
Entretanto, nem tudo são flores. Um outro aspecto, bem controverso, precisa ser levado em conta. É que alguns fiscos estaduais vêm entendendo a operação como simulação, classificando-a como doação mascarada, cujo intuito é fugir à incidência do ITCMD. Destarte, optam por desconsiderar o perdão de dívida, caracterizando-o como efetiva doação e cobrando do donatário o tributo e as penalidades previstas em seus regulamentos.
E são exatamente as operações entre familiares que chamam mais a atenção das Secretarias de Fazenda dos estados. No Estado de São Paulo, onde geralmente começam as teses que são seguidas pelas outras Unidades da Federação, a tendência do Judiciário tem sido a favor da incidência do ITCMD quando o contribuinte não consegue robustamente comprovar a ocorrência do empréstimo e do perdão.
Recomenda-se, portanto, bastante cautela, tanto ao contratar o empréstimo quando ao perdoar. Manter documentação idônea, contrato, movimentação financeira e outros documentos aptos a comprovar a operação e a situação que ensejou o perdão da dívida sem qualquer contrapartida.
Doutra sorte, se o caso se tratar de um “empréstimo” daqueles que costumam ocorrer principalmente entre familiares, nos quais não há, efetivamente, a intenção de serem devolvidos, é muito provável que o “perdão” resultará em recolhimento do ITCMD, haja vista a caracterização da doação disfarçada.
Nota
[1] Ver em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/210422515/artigo-47-do-decreto-n-9580-de-22-de-novembro-de-2018