A sanção ou penalidade de advertência pode ser aplicada após a lavratura de auto de infração, para as infrações administrativas com multa máxima de R$ 1.000,00.
Inicialmente, importa registrar que o Poder de Polícia Ambiental do IBAMA encontra fundamento na Constituição Federal de 1988, que em seu art. 225, § 1.º, estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Com efeito, o Poder Constituinte Originário outorgou à coletividade o direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
E, para preservar a efetividade desse direito, concedeu ao Poder Público o poder-dever de fiscalizar a conduta daqueles que se apresentem como potenciais ou efetivos poluidores, inclusive para atender à competência comum disposta no art.23, incisos III, VI e VII, da CF/1988.
Objetivando implementar concretamente essa fiscalização, o legislador infraconstitucional criou o IBAMA, conferindo-lhe o poder de polícia necessário à consecução deste fim, como se depreende da regra contida no art. 2.º, da Lei n.º 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, com a nova redação dada pela Lei Federal nº 11.516/2007.
Art. 2° É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I - exercer o poder de polícia ambiental;
II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente; e
III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
Em síntese, a sanção pela prática de ilícito administrativo-ambiental é imposta pelo Estado, no exercício do seu poder de polícia.
É o auto de infração, lavrado por agente capaz e com o formalismo estabelecido na lei, que representa o resultado do exercício deste poder e goza da presunção de veracidade.
PENALIDADES ADMINISTRATIVAS AMBIENTAIS
As penalidades administrativas aplicáveis em função da prática de infrações ambientais estão elencadas no art. 72 da Lei 9605/98, que trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Tais penalidades ambientais vão desde a simples advertência, à apreensão, destruição ou inutilização do produto, podendo também chegar à suspensão parcial ou total das atividades da empresa e à restrição de direitos.
Antes da edição do Decreto 6514/08, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas em decorrência de infração praticada contra o meio ambiente, e na vigência do ab-rogado Decreto 3.179/99, alegavam os infratores autuados a necessidade de haver uma progressão gradativa nas sanções estabelecidas pela lei.
Ou seja, a multa somente seria aplicada depois de advertido o autuado. Tal entendimento existia em função da errônea interpretação do §3° do art. 72 da Lei 9.605/98 e significava desprezar todas as multas estabelecidas pelos decretos sancionadores:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto; VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
Depreende-se da leitura desse artigo, notadamente dos parágrafos acima destacados, que a escolha e a simultaneidade na indicação de penalidades administrativas ambientais não se submetem a qualquer gradação, especialmente por se tratar de ato discricionário da autoridade administrativa ambiental.
ELABORAÇÃO, REDAÇÃO, ALTERAÇÃO E A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS
A título de esclarecimento, de modo a contribuir na leitura sistemática e na interpretação jurídica desse artigo, destaca-se que os parágrafos acimas referidos possuem função específica de complementar a norma disposta no caput do artigo, consoante determina a Lei Complementar 95/1998 (Sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal), ao tratar sobre a forma e finalidade de como serão redigidas as normas.
Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios:
I - a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste;
II - os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens;
III - os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico "§", seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando existente apenas um, a expressão "parágrafo único" por extenso;
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:
III - para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens.
Nesse sentido, deduz-se pela permissão para a aplicação simultânea e cumulativa de penalidades administrativas (§1º, do art.72, da Lei Federal nº 9.605/98).
PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA COMO PENA EM INFRAÇÃO AMBIENTAL
A advertência tem uma finalidade essencialmente pedagógica e preventiva, mas deve ser utilizada com largueza pela Administração, consoante bem destacado por Vladimir Passos de Freitas[1]: “É pena branda e tem por escopo, acima de tudo, alertar o infrator para que corrija sua conduta”
De mais a mais, a despeito de permanecer como transcrita a redação do §3° do artigo 72, após a edição do Decreto 6514/08 não há mais espaço para tal discussão.
A fim de que se alcance a realização máxima da mens legis, o §3° do art. 72 da Lei 9605/1998 deve ser lido juntamente com o art. 5° do Decreto 6.514/08.
Art. 5º A sanção de advertência poderá ser aplicada, mediante a lavratura de auto de infração, para as infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente, garantidos a ampla defesa e o contraditório.
§ 1º Consideram-se infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ou que, no caso de multa por unidade de medida, a multa aplicável não exceda o valor referido.
§ 2º Sem prejuízo do disposto no caput, caso o agente autuante constate a existência de irregularidades a serem sanadas, lavrará o auto de infração com a indicação da respectiva sanção de advertência, ocasião em que estabelecerá prazo para que o infrator sane tais irregularidades.
§ 3º Sanadas as irregularidades no prazo concedido, o agente autuante certificará o ocorrido nos autos e dará seguimento ao processo estabelecido no Capítulo II.
§ 4º Caso o autuado, por negligência ou dolo, deixe de sanar as irregularidades, o agente autuante certificará o ocorrido e aplicará a sanção de multa relativa à infração praticada, independentemente da advertência.
Art. 6º A sanção de advertência não excluirá a aplicação de outras sanções.
Art. 7º Fica vedada a aplicação de nova sanção de advertência no período de três anos contados do julgamento da defesa da última advertência ou de outra penalidade aplicada.
Regulamentando a advertência, o Decreto 6514/2008 prevê em que hipóteses haverá a possibilidade de aplicação dessa sanção.
Como a advertência ficou restrita às “infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente”, não se sustenta a tese de que o infrator deva ser sempre previamente sancionado com advertência.
A penalidade deve ser aplicada como forma de coibir a atuação ilícita, devendo, portanto, ser proporcional ao dano causado. De outra forma, havendo a necessidade de aplicação prévia de penalidade de advertência, multiplicar-se-iam infrações graves sob a certeza de que a sanção não se daria em medida capaz de coibir o ato, fazendo com que o crime, literalmente, 'valesse a pena'.
Desse modo, a correta interpretação a ser dada ao dispositivo é a seguinte: Nas hipóteses dos incisos I e II do §3° do art. 72, a multa simples será obrigatoriamente aplicada, o que não significa, de modo algum, que somente deva ser aplicada nessas hipóteses.
Se o legislador quisesse estabelecer uma ordem de prioridade entre os incisos, parágrafos e alíneas, teria dito expressamente, tal como fez, por exemplo, com os arts. 1.797 e 1.829, ambos do Código Civil, onde constam as expressões “defere-se na ordem seguinte” e “sucessivamente”.
CABIMENTO DA SANÇÃO DE ADVERTÊNCIA POR INFRAÇÃO AMBIENTAL
Observe que o art. 5° não deixa ao alvedrio do agente fiscalizador a decisão acerca do que seria infrações de menor lesividade, pois no § 1° traz o seu conceito, são aquelas cujo valor da multa não ultrapassa o limite de R$ 1.000,00 (mil reais).
Desse modo, o fiscal ambiental pode aplicar a sanção de advertência exclusivamente quando se tratar de infrações em que a multa máxima aplicável ou cominada por unidade de medida não ultrapasse o limite fixado.
O Decreto, nesse aspecto, cuidou de aplicar o Princípio da Proporcionalidade, segundo o qual a sanção deve ser adequada, necessária e proporcional (em sentido estrito) ao dano causado.
A advertência deve ser obrigatoriamente substituída por multa quando aquela for aplicada em função de irregularidades que possam ser sanadas e o autuado deixar transcorrer o prazo fixado para tanto sem tomar as medidas que lhe foram determinadas.
Também não poderá ser aplicada a advertência, mesmo que o valor da multa aplicável não ultrapasse R$1.000,00 (mil reais), caso qualquer outra sanção tenha sido aplicada em face do infrator no período de três anos contados do julgamento da defesa da autuação anterior (art. 7°, Decreto 6.514/2008).
Enfim: Apenas se cogita da pena mais branda para as condutas que causem menor impacto ao meio ambiente, sem prejuízo da necessária formalização da autuação e garantia do contraditório e da ampla defesa.
FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL
Conforme dispõe o art. 70, § 4°, da Lei 9.605/98, o auto de infração deve ser processado e submetido à homologação e ao julgamento pela autoridade competente, possibilitando a defesa do autuado, ainda que como sanção tenha sido aplicada apenas a advertência.
Ressalte-se que, em sede administrativa, a homologação e manutenção da sanção de advertência afastam a primariedade e, via de consequência, caracteriza a reincidência.
No que tange à competência para a aplicação da referida sanção, tem-se que o Princípio da Prevenção não autoriza que o agente autuante, ao tomar ciência de uma infração, relate a conduta infracional à autoridade superior e aguarde que esta decida qual a penalidade mais adequada.
Por óbvio, é o fiscal ambiental que inicialmente fixa a sanção legalmente prevista, procedendo com a subsunção do fato à norma. Em seguida, porém, as sanções aplicadas pelo agente autuante estarão sujeitas à confirmação pela autoridade julgadora.
Art. 3° § 2º As sanções aplicadas pelo agente autuante estarão sujeitas à confirmação pela autoridade julgadora.
Inobstante ser o agente autuante competente para lavrar o auto de infração, fixando a sanção cabível, a decisão da autoridade julgadora não se vincula às penalidades aplicadas, ou ao valor da multa, podendo em decisão motivada e até de ofício alterar, majorar ou minorá-las.
Art. 123. A decisão da autoridade julgadora não se vincula às sanções aplicadas pelo agente autuante, ou ao valor da multa, podendo, em decisão motivada, de ofício ou a requerimento do interessado, minorar, manter ou majorar o seu valor, respeitados os limites estabelecidos na legislação ambiental vigente.
É que, em alguns casos, o agente autuante não dispõe no momento da autuação de informações e elementos de convencimento. Assim, quando do julgamento, a par de todas as provas produzidas, a autoridade competente poderá discordar e alterar a sanção fixada no auto de infração.
APLICAÇÃO DA SANÇÃO AMBIENTAL DE ADVERTÊNCIA
O agente do órgão ambiental não está obrigado a aplicar a sanção de advertência mesmo nos casos infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente. A redação do art. 5° do Decreto 6514 é clara ao dispor que “a sanção de advertência poderá ser aplicada”.
Como não há no dispositivo a palavra deverá, abre-se margem de discricionariedade mais ampla para que o Estado possa garantir a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo tal regramento uma exigência de que a multa seja aplicada pelo agente estatal quando houver necessidade de efetiva repressão, sob pena de esvaziamento das finalidades do Poder de Polícia Ambiental.
Sendo impossível ao legislador criar normas contendo todos os elementos de fato que afetem o meio ambiente, as sanções por infrações administrativas ambientais devem ser escolhidas dentro de maior margem de discricionariedade, salvo nas hipóteses já vinculadas em lei, dentre as quais não se vislumbra qualquer exigência de aplicação de advertência prévia à aplicação de multa administrativa.
Tal técnica de conferir discricionariedade aos atos estatais é típica do Direito Administrativo, em que, diferentemente do que ocorre no Direito Penal, não há sempre vinculação do legislador a tipos fechados.
Em Direito Penal, não há pena sem prévia cominação legal e, portanto, todas as condutas ilícitas devem estar taxativamente previstas de modo a que, junto delas, vinculem-se as respectivas sanções.
Já em relação às infrações administrativas, basta que a lei preveja determinada sanção, não havendo necessidade de que estejam previamente arroladas todas as condutas que podem dar ensejo à sua aplicação, sob pena de impossibilitar a atuação da Administração na efetivação do mister de repressão às condutas socialmente nocivas.
No regime jurídico da Administração Pública, o dever-poder discricionário, conferido pela lei, deve-se à necessidade de criação de um espaço em que o agente estatal possa atuar com eficiência em cada caso concreto.
Daí, a impropriedade na aplicação do princípio da legalidade com técnica tão restrita no que tange à defesa ambiental.
Por fim, ressalta-se que, a depender das circunstâncias relacionadas ao ilícito ambiental, dispostas em lei - art.6º da Lei Federal 9.605/98 (c/c o art.72, caput), é o próprio ordenamento que permite que o agente ambiental apure infrações ambientais com liberdade de escolha (conveniência, oportunidade e conteúdo) da penalidade mais justa e proporcional. Logo, não há falar-se em desrespeito ao princípio da legalidade ou da razoabilidade.
CONCLUSÃO
Concluindo, caso a autoridade julgadora tenha transformado multa acima de R$ 1.000,00 em advertência, deve motivar a penalidade com base nos requisitos do art. 6° da Lei 9.605/98, não haverá qualquer irregularidade.
Art. 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
II - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Contudo, em que pese a sanção de multa não exigir prévia advertência, esta não se traduz em direito subjetivo do autuado, tratando-se de poder discricionário do agente autuante e, em posterior análise, da autoridade julgadora.
Portanto, a advertência somente é aplicável às infrações administrativas de menor lesividade ao meio ambiente, assim consideradas aquelas em que a multa máxima aplicável não ultrapassa o limite fixado pelo Decreto 6.514/2008, ou seja, R$ 1.000,00 (mil reais).