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Considerações Preliminares
Atualmente, verificamos a existência de uma lacuna legislativa acerca do fenômeno da terceirização, no que se refere ao seu real alcance material e às possibilidades de sua aplicação. É fato que, desde 1983 – ano da edição da Lei nº 7.102/83, que tratava sobre a terceirização do trabalho de vigilância –, o tema da triangulação de serviços é tratado prioritariamente por meios jurisprudenciais.
Apesar dessa ausência de positivação, a subcontratação de serviços sempre esteve em pauta, com diversas tentativas de se fazer uma regulamentação através de lei do fenômeno da Terceirização. Como exemplos, temos os projetos 1.292/95, 4330/04, 5.439/05, 1.621/07, 6.832/10 e 4.302/98. Este último culminou em uma das Leis que dão razão ao presente capítulo, a Lei 13.429/17.
O primeiro deles, PL 1.292/9577, diz respeito especificamente à terceirização de atividades no setor público, ao passo que pretende alterar a Lei de Licitações – Lei 8.666/93. Tal projeto ainda está em tramitação e aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O projeto de lei nº 4.330/04, por sua vez, prevê a contratação de serviços terceirizados para qualquer tipo de atividade de determinada empresa, sem qualquer espécie de limitação – configuraria, se aprovado, o que muitos entendem por terceirização irrestrita. Por meio deste PL, ainda, propõe-se a total inexistência de vínculo empregatício entre a empresa contratante e os empregados da empresa contratada, determinando, para tanto, que as relações entre tais empresas devem ser regidas puramente pela norma civil.78
Tratando da mesma matéria, têm-se os projetos de lei nos 5.439/05, 1.621/07 e 6.832/10. Os três foram apensados ao projeto de lei 4.330/2004 - por tratarem da mesma matéria – e arquivados em 22/4/2015, quando da aprovação da Subemenda Substitutiva Global do PL principal.79
O primeiro deles visava à proibição da contratação de mão-de-obra interposta, à exceção dos casos de trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza. Para tanto, propunha-se adicionar à CLT o seguinte dispositivo:
Art. 442-A Salvo nos casos de trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza, é vedada a contratação de trabalhador por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
Parágrafo único. O inadimplemento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e tributárias por parte do empregador, implica a responsabilidade solidária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste do título executivo judicial.
As outras duas propostas de lei, PL 1.621/07 e 6.832/10, buscavam, em síntese, a proibição da adoção do modelo de subcontratação de mão de obra por empresa interposta para a execução das atividades-fim da pessoa jurídica. Além disso, se aprovados estabeleceriam a responsabilidade solidária da empresa tomadora dos serviços pelas obrigações trabalhistas da empresa terceirizada para com seus operários. Ambos os projetos tramitaram em conjunto, pois seus textos eram muito semelhantes, e se encontram atualmente arquivados.
O projeto de lei nº 4.302/98, por sua vez, ficou por muitos anos tramitando no Congresso Nacional, até a sua aprovação em março de 2017. Dessa feita, partindo- se da ideia de que o projeto demorou mais de 19 anos para ser aprovado, observa-se a constante ambição dos últimos anos, por parte do Poder Judiciário, em preencher a lacuna legislativa existente, enquanto não era editada uma norma específica que englobasse todos os aspectos das relações terceirizadas de trabalho. Durante este
interregno, dessa forma, prevaleceu o entendimento das jurisprudências trabalhistas, consubstanciadas nas Súmulas do Tribunal Superior do Trabalho.
Feita esta consideração inicial, esclarece-se que, ao longo do presente capítulo, procurar-se-á analisar as modificações concretizadas e nascentes na ótica trabalhista em relação às relações terceirizadas de trabalho. Para tanto, verificar-se- ão as alterações sob a ótica da nova Lei do Trabalho Temporário – especificamente no que se refere à terceirização de serviços -, bem como sob a visão da normatividade trazida pela Reforma Trabalhista.
1.1 Características do novo conceito de Terceirização - perspectivas hermenêuticas das Leis 13.429/17 e 13.467/17
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Segurança Jurídica
O advento da Lei 13.429/17 trouxe consigo relevantes modificações nos paradigmas das relações de emprego no Brasil. Antes, não se tinha segurança jurídica em torno do fenômeno da terceirização de serviços que, como se observou em tópicos anteriores, era regulada de maneira precária em leis esparsas. Diante disto, dava-se maior importância ao entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores sobre o assunto.
A partir deste quadro, há o entendimento, por parte da doutrina, de que a edição da Lei 13.429/17 atribuiu maior Segurança Jurídica aos aplicadores do direito, bem como às empresas que se utilizam da subcontratação de mão-de-obra para o desempenho de sua atividade social.
Nesse sentido, afirmou Gilberto Sturmer 80, à época da aprovação do Projeto 4.302/98 pela Câmara dos Deputados:
(...) a realidade é que um fato já existente e inexorável, adequado à realidade do século 21 e até hoje sem qualquer regulamentação (a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho não é lei), passa a gerar segurança jurídica. Ainda que se entenda que o excesso de leis não é bom para o país, neste caso especificamente — terceirização de serviços — a lei já se fazia necessária. (STURMER, 2017)
Ainda, continuou o professor sua explanação no sentido de que “... a terceirização, como referido, é um fato que precisava ser regulamentado. ”
Defendendo a mesma posição, a presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul – FEDERASUL -, Simone Leite, entende que “... a regulamentação da terceirização cria segurança jurídica e vai ajudar as empresas a alavancar os negócios e gerar mais empregos no País”. 81
Quanto ao assunto, ainda, afirma José Wahle (2017), advogado do escritório Veirano Advogados, tecendo uma crítica à atividade legislativa indireta do Poder Judiciário acerca do instituto da terceirização, que “agora o Judiciário ficará ocupado preenchendo as lacunas.”82
Por outro lado, há quem afirme que o advento da Lei que regulamenta a prestação de serviços terceirizados não resolve a questão da Insegurança Jurídica, justamente por não conceituar quais atividades devem ser consideradas serviços específicos e determinados.
Quanto a isso, dispõem os art. 4º - A e 5º- A, da Lei 13.429/17:
Art. 4º - A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
(...)
Art. 5º - A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos.
Para Estevão Mallet (2017)83, a expressão é genérica, e dará margem a novos questionamentos. No mesmo sentido, entende a advogada Daniela Yuassa (2017)84, do escritório Stocche Forbes, que se vai novamente atribuir ao Judiciário a responsabilidade de determinar o que seria específico ou determinado.
Assim, os que defendem a continuação da Insegurança Jurídica da Terceirização, mesmo com a normatização do tema, fazem-no com base na semântica do texto legal.
Cumpre ressaltar que tal posição contrária cai por terra com a regulamentação feita pela Lei 13.467/17 acerca do alcance da terceirização, o que será tratado posteriormente.
Nota-se, a partir do exposto, crescente divergência interpretativa por parte dos aplicadores do direito acerca da Segurança Jurídica por trás das reformas realizadas acerca do tema.
Entretanto, ainda que se possa interpretar de diferentes maneiras o texto legal, é fato que, com o advento dos referidos institutos normativos, tem-se a positivação - por muitos esperada – de um tema há muito tratado no nosso ordenamento jurídico.
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Atividade-fim x Atividade-meio
Conforme ensinamentos de Maurício Godinho Delgado85, a terceirização por muito tempo pode ser conceituada como:
(...) fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere- se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com estes os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.
Antes da edição da Lei nº 13.429/2017, conforme analisado em tópicos anteriores, o tema da Terceirização era dominantemente analisado sob a ótica da Súmula nº 331 do E.TST, que vedava a terceirização de serviços diretamente ligados à atividade-fim da empresa contratante. Permitia, de maneira restrita, apenas a adoção de mão-de-obra terceira em atividades-meio: atividades secundárias, distantes do objeto social da empresa tomadora.86
A partir do advento da Lei supracitada, permitiu-se a contratação de mão de obra temporária para a substituição de pessoal da tomadora, tanto para as atividades- meio, quanto para as atividades-fim da empresa contratante, conforme se observa da leitura do seu art. 9º, §3º:
Art. 9º. O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços e conterá:
(...)
§ 3o O contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços. (grifo nosso)
Fundando-se especialmente no instituto legal acima transcrito, intensa pressão popular e midiática surgiu às vésperas da votação do projeto de Lei 4.302/98. Isto, pois se afirmava que, caso o projeto passasse e fosse transformado em Lei Ordinária, ter-se-ia a autorização da terceirização irrestrita, para quaisquer atividades, sejam elas finais ou secundárias.
Nesse sentido, em texto publicado em seu sítio no dia 22/3/2017, a Rede Globo
– Portal G1 – deu à matéria o título: “Câmara aprova projeto que permite terceirização irrestrita. ”. Por sua vez, o portal de notícias do jornal Estadão valeu-se da manchete “...Câmara aprova terceirização para qualquer atividade em empresas públicas e privadas. ” para tratar da aprovação do projeto de Lei nº 4.302/98.
Mesmo que se tenha a sensação de que o texto da Lei 13.429/17 autorize a terceirização irrestrita, podemos observar, a partir da leitura do §3º do seu art. 9º, que a há a permissão da subcontratação de mão-de-obra para o desenvolvimento das atividades-fim da empresa contratante, porém somente para os casos de contrato temporário. Isto é, uma empresa especializada na produção de computadores, por exemplo, poderá contratar empregado de empresa terceira para a realização de sua atividade-fim, construção de computadores, desde que para substituição de pessoal, e através de um contrato de trabalho temporário.87
Nestes termos, assim, não era correto afirmar, à época do início da vigência da Lei 13.429/17, que se permitia a terceirização irrestrita do labor, já que sua permissão se relacionava exclusivamente aos contratos temporários de trabalho.
Foi somente com o advento da Reforma Trabalhista – Lei nº 13.467/2017 -, publicada em 14/7/2017, que se admitiu expressamente a terceirização de serviços de forma ampla, relacionada a quaisquer atividades da empresa contratante, inclusive sua atividade-fim. Nestes termos, dispõe o art. 4º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/1788:
Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
A partir da leitura do acima transcrito artigo, observa-se a autorização dada pelo quanto à prestação de serviços a terceiros, mediante transferência pela empresa contratante à contratada de quaisquer de suas atividades, inclusive as relacionadas ao objeto social da empresa tomadora. Com isso, altera-se consideravelmente o entendimento que se tinha acerca das relações terceirizadas de trabalho, ao passo que agora não se deve fazer mais distinção entre atividade-fim e atividade-meio da empresa.
Tal distinção era, antes, fundamental para que se caracterizasse a terceirização de determinado serviço como lícita ou ilícita.
Por terceirização lícita, entendiam-se as hipóteses previstas na Súmula 331 do TST, quais sejam o trabalho temporário, os serviços de vigilância, os serviços de conservação e limpeza, e os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador.
Por outro lado, para que a triangulação de serviços se caracterizasse como ilícita, dever-se-ia analisar a presença dos requisitos da relação tradicional do emprego, entre o empregado terceirizado e a empresa contratante dos serviços. Com efeito, ilícita era a terceirização em que presentes os requisitos da relação de emprego diretamente entre o tomador e o empregado terceirizado. Isto, pois ao se configurar a relação direta referida, a empresa prestadora perdia sua autonomia de controle em relação aos seus empregados. Com a subordinação destes ao poder de direção e controle da tomadora, assim, formava-se o vínculo de emprego direto, e a consequente ilicitude da terceirização. Além deste critério de distinção, entendia-se que todas as terceirizações relacionadas à atividade-fim da empresa contratante eram consideradas ilícitas, conforme entendimento da Súmula 331 do TST.
Agora, não há de se falar na distinção entre atividade-fim e atividade-meio como forma de se caracterizar a ilicitude das relações terceirizadas de trabalho, ao passo que, com as alterações trazidas pela Lei 13.429/17 - bem como com as trazidas pela Reforma Trabalhista -, abriu-se o precedente sobre a autorização da terceirização das atividades-fim.
Urge esclarecer, entretanto, que a contratação de trabalhadores por empresa interposta, mesmo após as reformas feitas, continua ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços. Isso, pois a intermediação de mão-de-obra
- que ocorre quando uma empresa mantém o trabalhador sob sua direção e comando, sem registrá-lo ou o remunerar, e transmite tais obrigações a outra empresa – continua representando clara afronta à disposição do item I da Súmula nº 331 do TST89, que dispõe:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação
do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando- se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
A ilicitude, neste caso, se dá pelo fato de a terceirização não se confundir com a intermediação de mão de obra. Gustavo Garcia90 afirma que esta figura, via de regra, deve ser vedada pelo sistema jurídico, já que o trabalho não pode ser tratado como mercadoria, o que iria de encontro ao seu valor social e à dignidade da pessoa humana.
Assim, em resumo, não mais se deve adotar a dicotomia atividade- fim/atividade-meio como critério para caracterização da ilicitude de uma relação terceirizada de trabalho, em atenção à permissão trazida pela Lei 13.429/2017, concomitante com o que dispõe a Reforma Trabalhista.
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Responsabilidade Jurídica dos empregadores
Na redação original da Lei nº 6.019/7491, a única previsão que se fazia acerca da responsabilidade dos empregadores era quanto à responsabilidade solidária para
os casos de falência da empresa de trabalho temporário, conforme disposição de seu art. 16:
Art. 16 - No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização previstas nesta Lei.
Com a inclusão pela Lei 13.467/17 do art. 5 – A ao texto da Lei 6.019/74, estabeleceu-se a responsabilidade subsidiária pelas obrigações trabalhistas decorrentes da triangulação do serviço, consubstanciando o que já entendia a jurisprudência trabalhista através da Súmula 331 do TST. Nesse sentido, dispõe o art. 5-A, em seu § 5º:
Art. 5o-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
(...)
§ 5o A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017) (grifo nosso)
Com efeito, temos agora no nosso ordenamento jurídico a previsão concomitante de responsabilização solidária – quando da falência da empresa de trabalho temporário, conforme art. 16 da Lei de 1974 - e subsidiária do tomador de serviços. Quanto ao lapso temporal da responsabilização da tomadora, este se refere ao período da prestação de serviços do empregado terceirizado à empresa contratante, e abrange os débitos trabalhistas e previdenciários92 decorrentes deste período.
A adoção legal do entendimento da jurisprudência trabalhista com relação à responsabilidade subsidiária da empresa contratante demonstra a preocupação existente em torno da proteção do empregado. Por proteger o empregado da possibilidade de não receber os direitos decorrentes do término do vínculo com sua empregadora direta – empresa de prestação de serviços -, muito importante é a positivação da responsabilidade subsidiária trazida pela Lei da Reforma Trabalhista.
Neste ponto, urge esclarecer que a responsabilização subsidiária da empresa contratante tem como suporte a culpa in eligendo, isto é, a escolha equivocada da empresa prestadora de serviços. Isto ocorre, pois a referida escolha é feita por pessoa jurídica que descumpriu a legislação trabalhista, tangenciando o princípio da função social do contrato, nos termos do art. 421 do CC, o que justifica a subsidiariedade quanto aos encargos decorrentes do término do contrato.
Neste sentido, o desembargador Sebastião Geraldo Oliveira93 destaca a importância da cautela que a empresa contratante deve ter no momento da contratação de empregado terceirizado por meio de um contrato civil com uma empresa de prestação de serviços:
(...) Quando o empresário transfere a terceiros a execução de parte da sua atividade, deve atuar com bastante diligência, escolhendo criteriosamente empresas que tenham capacidade técnica, econômica e financeira para arcar com os riscos do empreendimento, sob pena de ficar caracterizada a culpa “in contraendo” ou culpa “in eligendo”. Deve também, fiscalizar com rigor o cumprimento do contrato de prestação de serviços e a observância dos direitos trabalhistas dos empregados da contratada, especialmente o cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, para não ver caracterizada, por sua omissão, a culpa “in vigilando”. (Oliveira, Sebastião Geraldo. Indenização por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 4ª Ed., Editora LTr, 2008, p.398) (grifo nosso)
Prosseguindo-se, a inclusão do art. 5-A na Lei 6.019/74 trouxe consigo, ainda, a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços quanto à garantia de um ambiente de trabalho seguro, higiênico e salubre, conforme disposição do §3º94:
§ 3º É responsabilidade da contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato.
A motivação de tal responsabilidade se traduz em uma tentativa de prevenir o aumento de acidentes de trabalho, frequentemente associados à figura da Terceirização95.
Esta associação feita entre o trabalho terceirizado e os acidentes laborais é um dos principais argumentos contrários à ampliação das relações terceirizadas de trabalho. Neste sentido, auditor fiscal do trabalho Otávio Kolowski Rodrigues, responsável pela investigação de acidentes de trabalho na região de Porto Alegre, afirmou à época da votação do Projeto de Lei nº 4.302/98, em reportagem publicada no portal Carta Capital96, que, sem a devida punição, o número de mortes na construção civil aumentaria com a terceirização liberada. Justamente por isto, observa-se a importância do instituto trazido no art. 5-A pela Lei 13.429/17.
Em análise ao §3º do artigo acima referido, em artigo publicado na revista Jus Navigandi, Lucas Ferraz Grasselli97 afirma:
Outro ponto que merece destaque é a obrigação imposta pela Lei 13.429/2017 no sentido de que caberá à contratante garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores. A omissão da tomadora dos serviços nesse aspecto poderá gerar acidente de trabalho e, por consequência, obrigação de reparar os danos causados ao trabalhador, tanto no aspecto moral como material, com responsabilização solidária, nos termos da legislação civil.
Frisa-se, assim, que o descumprimento das normas de higiene, segurança e salubridade no trabalho, trazidas pelo instituto legal em análise, acarreta responsabilidade objetiva solidária da empresa tomadora quanto a eventuais acidentes de trabalho, por tratar-se de matéria de Responsabilidade Civil.
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Quarentena
A partir das reformas realizadas no tocante à terceirização de serviços, tem-se a positivação de dois períodos de quarentena para a contratação de empregados terceirizados pela empresa tomadora de serviços: a quarentena da empresa contratante e a quarentena do empregado.
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Quarentena da empresa contratante
O art. 5 – C da Lei 6.019/73, incluído pela Lei 13.467/17, estabelece a vedação da contratação de empresa prestadora de serviços cujos titulares ou sócios tenham anteriormente prestado serviços à empresa tomadora na qualidade de empregado direto, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo, durante um período de quarentena de 18 meses. Com efeito, dispõe o referido instituto legal98:
Art. 5o-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4o-A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
O que se entende a partir do regramento em questão é uma tentativa por parte do legislador de reduzir a ocorrência do fenômeno da Pejotização. Com relação a tal
instituto, a doutrina e a jurisprudência trabalhistas a conceituam como a contratação de pessoa física para prestar serviços de modo subordinado, não eventual e oneroso, por meio de pessoa jurídica constituída especialmente para esse fim, com a tentativa de mascarar o vínculo empregatício existente - o que consequentemente caracteriza fraude na relação contratual.
Nesse sentido, o TRT da 4ª Região assim decidiu:
FRAUDE ATRAVÉS DE "PEJOTIZAÇÃO". RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. 1. A "pejotização" é uma fraude mediante a qual o empregador obriga seus trabalhadores a constituir empresas (pessoas jurídicas) em caráter pro forma, para burla do vínculo empregatício, com vistas a uma ilegal redução dos custos da mão-de-obra, em total desrespeito da legislação trabalhista, especialmente arts. 2º e 3º, 29 e 41 da CLT, atraindo, pois, a aplicação do disposto no art. 9º da CLT: "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação." 2. A constituição de pessoa jurídica, nestes casos, funciona como máscara da relação de emprego existente, assim como para frustrar a aplicação dos preceitos consolidados, furtando-se o real empregador a arcar com ônus de seu negócio na medida em que busca, fraudulentamente, fugir à conceituação do art. 2º da CLT, assim como tenta descaracterizar seus empregados do tipo do art. 3º do mesmo diploma. 3. Sob outro norte, o fato da parte autora possuir empresa constituída em seu nome não indica, por si só, que tenha interesse em prestar serviços na condição de representante comercial autônoma, mas sim a modalidade de labor imposta para manter a atividade remunerada pela parte ré, transmudada de vínculo para a "pejotização", que é fórmula de fraude aos direitos sociais, mediante a qual transmudam-se os trabalhadores em "sócios" meramente formais de empresas terceirizadas, implicando na sonegação da paga de FGTS, gratificação natalina, férias, vale-transporte, etc. 4. Reconhecido o vínculo empregatício direto com a empresa BR TRONIC ELETRÔNICA - EIRELI, impõe-se reconhecer, em atenção aos limites do pedido, a responsabilidade subsidiária das empresas GABRIELA CARDOSO PEREIRA - EIRELI e THYSSENKRUPP ELEVADORES.
Inteligência dos arts. 932, III, e 942, parágrafo único, do CCB, e 9º da CLT. (TRT/RS Proc. 0021209-20.2014.5.04.0221. RELATOR: MARCELO JOSE FERLIN D'AMBROSO).
Leone Pereira99 conceitua a pejotização como “... a contratação de um trabalhador, na condição de pessoa jurídica, para a prestação de serviço.”
Em entrevista100 à revista Veja, especialistas da IOB, da Sage Brasil, afirmaram, quanto à constituição por um ex-empregado de uma empresa microindividual – MEI – para a contratação de seus serviços por uma empresa tomadora:
A reforma menciona que não poderá figurar como empresa contratada a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. Caso o MEI venha a ter subordinação à empresa que preste serviço (por exemplo, estando sujeito a jornada de trabalho ou cumprimento de ordens de superior hierárquico), poderá ingressar com eventual reclamatória trabalhista buscando a caracterização do vínculo empregatício, onde caberá ao Poder Judiciário a decisão final a respeito da questão. (VEJA, 2017)
No mesmo sentido, o jornal Zero Hora, em entrevista101 aos advogados trabalhistas Odilon Garcia Júnior e Carolina Mayer Spina Zimmer em seu portal de notícias online, expõe que a partir de agora há a possibilidade de uma empresa demitir seus funcionários e os recontratar como terceirizados, reduzindo salários e outras obrigações, porém “... para bloquear essa possibilidade, a reforma criou uma quarentena de 18 meses que impede que a empresa demita o efetivo para recontratá- lo dessa forma imediatamente. ”
A partir disso, entende-se por relevante a introdução do art. 5 – C à Lei 6.019/74, ao passo que impede a contratação pela empresa contratante de empresa prestadora de serviços que detenha em seu quadro social ex-empregado daquela, que tenha sido dispensado nos 18 meses anteriores ao contrato de prestação laboral.
Entretanto, pode-se tecer uma crítica quanto ao alcance da proibição em análise: servirá para coibir a pejotização de ex-empregados da empresa contratante, porém não impedirá a ocorrência da transformação em pessoa jurídica de trabalhadores que nunca mantiveram relações laborais com a tomadora.
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Quarentena dos Empregados
Semelhante ao Art. 5 – C, o Art. 5 – D da Lei 6.019/74, incluído pela Lei 14.467/17, estabelece que o empregado demitido não pode ser recontratado por empresa tomadora na qualidade de empregado terceirizado nos 18 meses que sucederem à sua dispensa.
Com efeito, dispõe o referido instituto legal:
Art. 5o-D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
Entende-se que a ideia do legislador, ao inserir esse instituto à Lei 6.019/74, era a de evitar que a empresa demitisse seus empregados e logo após isso os recontratasse, como forma de diminuir custos e se desincumbir das obrigações contratuais dos empregados terceirizados em questão.
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Quarteirização de Serviços
A figura da Quarteirização de Serviços pode ser entendida como a subcontratação, por parte da empresa prestadora de serviços, de uma outra empresa, para prestar tais serviços à empresa tomadora. Dessa forma, nessa relação contratual existem quatro diferentes pessoas e dois contratos de cunho civil: a empresa tomadora de serviços, a empresa prestadora de serviços inicial, a prestadora subcontratada e o trabalhador terceirizado. A instituição contratante constitui um contrato de cunho civil com uma determinada empresa especializada na prestação de
serviços, a qual, por sua vez, faz novo contrato civil, subcontratando outra empresa para prestar tais serviços em seu lugar.
Tem-se dificuldade a encontrar na doutrina conceituação para o instituto da quarteirização. Justamente por isso ele é, em sua maior parte, conceituado jurisprudencialmente. Entretanto, um dos poucos conceitos disponíveis para análise é o de Reinaldo Dias102, doutrinador da área de administração, que a conceitua como:
É a evolução do processo de terceirização, em que o gerenciamento dos terceiros passa para uma quarta empresa. Trata-se do gerenciamento por parte de uma empresa quarteirizadora, de todas as atividades, serviços e fornecimentos de uma empresa e que podem ser terceirizados, empregando para isto, além de sua própria equipe e banco de dados, parceiros especializados que atuam em cada um dos setores.
Há muito, vemos diversos entendimentos na jurisprudência acerca do instituto, e a corrente majoritária sempre tendia considerar a quarteirização como possível, desde que se observassem os preceitos da Súmula 331 do TST103. Nesse sentido, temos alguns julgados104:
QUARTEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - O fenômeno da quarteirização ocorre quando o tomador contrata uma empresa de prestação de serviços que, por sua vez, contrata outra entidade para fornecer pessoal necessário à execução do contrato. Na maioria das vezes, o artifício é utilizado para burlar direitos trabalhistas em flagrante prejuízo do trabalhador. Nestas circunstâncias, torna-se imperativa a incidência do art. 9º da CLT e responsabilização subsidiária daquele que se beneficiou diretamente do serviço do trabalhador, nos moldes do entendimento consubstanciado na Súmula 331/TST. (TRT-5 - RECORD: 269006520085050134 BA 0026900- 65.2008.5.05.0134, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 18/02/2011)
QUARTEIRIZAÇÃO" DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
DOS TOMADORES DE SERVIÇOS. O tomador de serviços responde subsidiariamente com o contratado pelas verbas trabalhistas devidas aos empregados que prestaram serviços em seu favor (Súmula 331 do TST). Havendo a "quarteirização" de serviços, ou seja, o contratado transfere a prestação de serviços para outra empresa, a qual é empregadora dos trabalhadores, todos os tomadores de serviços dessa cadeia produtiva respondem subsidiariamente. Recurso do reclamante provido em parte para responsabilizar subsidiariamente os tomadores de serviços (TRT-4 - RO: 00006518420125040451, Data de Julgamento: 06/07/2016, 6a. Turma).
Por outro lado, havia também a corrente jurisprudencial que entendia que a figura da quarteirização de serviços era ilícita e caracterizava fraude aos preceitos do direito do trabalho, o que ensejava responsabilização solidária entre todas as empresas da relação contratual, conforme segue105:
QUARTEIRIZAÇÃO. FRAUDE. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS JÁ
TERCEIRIZADOS. O fenômeno da "Quarteirização" ocorre quando uma empresa prestadora de serviços, coloca à disposição da empresa Tomadora de Serviços, empregados de outra empresa, em serviços ligados à sua atividade fim. Nesse caso, a Empresa tenta esquivar-se das suas obrigações trabalhistas, por meio da intermediação de mão de obra, o que é vedado, nos termos da Sumula nº 331, Item I, do C. TST. Recurso da Segunda Reclamada não provido no part (TRT-15 - RO: 4283320125150126 SP 026324/2013-
PATR, Relator: HELCIO DANTAS LOBO JUNIOR, Data de Publicação: 12/04/2013)
A partir disto, a Lei 13.429/17 supre a ausência conceitual em torno do tema, estabelecendo a regularidade do fenômeno em comento, ao incluir à Lei 6.019/74106 seu art. 4º-A, §1º:
Art. 4o-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017).(grifo nosso)
Observamos assim, segundo análise do instituto supratranscrito, que empresa prestadora de serviços a terceiros é aquela que contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para a realização desses serviços.
É justamente a partir possibilidade de subcontratação que podemos definir a figura da quarteirização. Nesse sentido, podemos inferir que ocorre quarteirização quando uma empresa terceirizada subcontrata outras empresas para realizar a prestação do serviço propriamente dita. Tem-se, assim, através da positivação da subcontratação de empresas por meio da Lei 13.429/17, a resolução da divergência jurisprudencial referida.
CONCLUSÃO
As figuras trazidas à legislação, principalmente no que se refere à autorização de terceirização de quaisquer atividades da empresa tomadora de serviços, devem ser analisadas com cautela pelo operador do direito, a fim de que se evitem fraudes (art. 9º, CLT), de modo que sempre se deve buscar analisar a existência ou não dos requisitos da relação empregatícia diretamente com o tomador.
Caso exista, não há legislação que permita a intermediação de mão de obra, de modo que restará caracterizado o vínculo empregatício com este.
REFERÊNCIAS
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Ibidem.
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