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O ato de delegação e de subdelegação de competência em processo de responsabilização de entes privados e em processo administrativo disciplinar.

Agenda 08/05/2023 às 10:00

O presente artigo aborda os atos de delegação e de subdelegação de competência para a instauração e para o julgamento do processo de responsabilização de entes privados, bem como para os atos administrativo-disciplinares.

Contextualização: O presente artigo aborda os atos de delegação e de subdelegação de competência para a instauração e para o julgamento do processo de responsabilização de entes privados, bem como para os atos administrativo-disciplinares em processo administrativo disciplinar, tendo em vista as previsões legais contidas no artigo 8º, § 1º, da Lei Anticorrupção, e no Art. 3º, inciso II, do Decreto nº 11.123/2022.

Objetivo: Compreender os fundamentos jurídicos para a edição de novos atos de delegação e de subdelegação de competências, visto a alteração de estruturas legais anteriormente existentes.

Introdução

Com o advento da Medida Provisória n° 1.154/2023, a qual estabelece a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, houve uma substancial alteração no número de Ministérios. Desta alteração, nota-se a recriação de Ministérios e o surgimento de novos órgãos com status de Ministério.

A edição da Medida Provisória n° 1.154/2023 não somente reorganizou os Ministérios, mas provocou uma relevante alteração no marco legal no qual fundamentava a existência de algumas normas e atos administrativos infralegais.

Nesse sentido, a citada medida provisória causa necessariamente a revogação tácita das estruturas legais anteriormente existentes pela própria incompatibilidade entre as normas. Sob este entendimento, torna-se inválido igualmente os atos administrativos infralegais que antes estabeleciam atos de delegação e de subdelegação.

Em razão da mudança legal provocada pela citada Medida provisória para a criação do novo organograma da Administração Pública Federal, surge a necessidade da edição de novos atos de delegação e subdelegação de competências, os quais serão compreendidos a seguir.

O conceito de delegação e de subdelegação de competência e seus objetivos no Direito Administrativo

A delegação e a subdelegação de competência são atos pelos quais uma autoridade confere a outra autoridade o poder de agir em seu nome e tomar decisões em seu lugar.

Com a realização destes atos, tem-se como objetivo que um Órgão administrativo funcione de forma mais eficiente e eficaz, permitindo que outras autoridades assumam certas responsabilidades e tomem decisões importantes em seu nome.

É importante que, no ato de delegação ou de subdelegação de competências, sejam bem definidos os limites e as expectativas da autoridade delegada, para garantir que a pessoa que está assumindo as responsabilidades compreenda completamente o que é esperado dela.

A normatização do ato de delegação de competência tem amparo legal nas disposições dos art. 11 e art. 12 do Decreto-Lei nº 200/67, regulamentado pelo Decreto nº 83.937/79, e dos art. 11 a art. 14 da Lei nº 9.784/99. Assim, vale trazer o disposto nos art. 11 e art. 12 do Decreto-Lei nº 200/67, a saber:

 Art. 11. A delegação de competência será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, com o objetivo de assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender.

Art. 12. É facultado ao Presidente da República, aos Ministros de Estado e, em geral, às autoridades da Administração Federal delegar competência para a prática de atos administrativos, conforme se dispuser em regulamento.

Parágrafo único. O ato de delegação indicará com precisão a autoridade delegante, a autoridade delegada e as atribuições objeto de delegação.

Por sua vez, os art. 1º ao art. 5º do Decreto nº 83.937/79 aprofundam com mais detalhes o ato de delegação:

 Art 1º - A delegação de competência prevista nos artigos 11 e 12 do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, terá por objetivo acelerar a decisão dos assuntos de interesse público ou da própria administração.

Art 2º - O ato de delegação, que será expedido a critério da autoridade delegante, indicará a autoridade delegada, as atribuições objeto da delegação e, quando for o caso, o prazo de Vigência, que, na omissão, ter-se-á por indeterminado.

Parágrafo único. A delegação de competência não envolve a perda, pelo delegante, dos correspondentes poderes, sendo-lhe facultado, quando entender conveniente, exercê-los mediante avocação do caso, sem prejuízo da validade da delegação. (Parágrafo incluído pelo Decreto nº 86.377, de 17.9.1981)

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Art 3º - A delegação poderá ser feita a autoridade não diretamente subordinada ao delegante.

Art 4º - A mudança do titular do cargo não acarreta a cessação da delegação.

Art 5º - Quando conveniente ao interesse da Administração, as competências objeto de delegação poderão ser incorporadas, em caráter permanente, aos regimentos ou normas internas dos órgãos e entidades interessados.

Por fim, nos arts. 11 ao 14 da Lei nº 9.784/99, o legislador assim dispôs:

 Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.

Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:

I - a edição de atos de caráter normativo;

II - a decisão de recursos administrativos;

III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Art. 14. O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial.

§ 1º O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada.

§ 2º O ato de delegação é revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante.

§ 3º As decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

Desse modo, na leitura em conjunta dos dispositivos do Decreto-Lei nº 200/67, do Decreto nº 83.937/79 e da Lei nº 9.784/99, denota-se que, primeiramente, definiu-se o instrumento legal assim denominada delegação. Em um segundo momento, foram estabelecidos o seu objetivo e o uso deste instrumento e, por fim, as limitações existentes para o ato de delegação.

Nesse contexto, observa-se que este instrumento legal visa assegurar maior rapidez e objetividade às decisões administrativas, especialmente por razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.

A Lei Anticorrupção e a previsão de delegação de competência para o processo de responsabilização de entes privados

A Lei 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, tem como objetivo de responsabilizar empresas por prática de ato de corrupção, estabelecendo regras para prevenir, detectar e punir atos de corrupção praticados por empresas contra a Administração Pública, tanto no Brasil como no exterior.

Esta lei é resultante da adesão do Governo brasileiro a três Convenções internacionais, quais sejam:

  1. A Convenção Interamericana contra a Corrupção, também conhecida como “Convenção de Caracas”, a qual foi aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002; e em 7 de outubro de 2002, lhe foi conferida o status de lei ordinária mediante o Decreto nº 4.410/2002.
  2. A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, cujo normativo foi promulgado no Brasil por meio do Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.
  3. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção em 9 de dezembro de 2003, para a qual foi editado o Decreto nº 5.687, em 31 de janeiro de 2006, que promulgou a Convenção, ingressando no sistema jurídico brasileiro como lei ordinária.

Para tanto, observa-se que a Lei Anticorrupção resultou de longas discussões internacionais que tiveram como tema principal o combate à corrupção. Nesse sentido, esta Lei prevê sanções como multas, proibição de contratar com o poder público, suspensão das atividades da empresa e até mesmo, a dissolução da pessoa jurídica, em casos mais graves. Além disso, a empresa pode ser obrigada a reparar integralmente os danos causados ao erário público.

Uma das principais novidades trazidas pela Lei Anticorrupção é a possibilidade de responsabilização objetiva da empresa[1], ou seja, mesmo que não haja comprovação de culpa ou dolo dos seus dirigentes ou funcionários, a empresa pode ser responsabilizada por atos de corrupção praticados em seu nome ou em seu benefício.

Vale reportar que a Lei Anticorrupção trouxe, como fator atenuante na avaliação do cálculo da multa, a implementação de programas de integridade[2]. Um programa de integridade, em termos gerais, consiste em um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes da empresa, conforme dispõe o Art. 56 da Lei 12.846/2013.[3]

Para a instauração e julgamento de Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoa Jurídica, o artigo 8º da Lei Anticorrupção determinou que caberá à autoridade máxima de cada órgão, conforme segue:

Art. 8º A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.

Em complemento a este artigo, em seu § 1º, o legislador possibilitou a delegação das competências de instauração e julgamento do processo, nos seguintes termos:

§ 1º A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação.

Este tema foi igualmente tratado pelo Órgão Central do Sistema de Correição[4], qual seja a Controladoria-Geral da União, que estabeleceu por meio do Art. 4º, § 1º da Instrução Normativa CGU Nº 13, de 8 de agosto de 2019, com modificação pela Instrução Normativa CGU Nº 15, de 8 de junho de 2020, o seguinte regramento:

Art. 4º A competência para instaurar e julgar o Processo Administrativo de Responsabilização –PAR é da autoridade máxima de cada órgão ou entidade do Poder Executivo federal em face do qual foi praticado o ato lesivo, cabendo:

(...)

§ 1º A competência de que trata o caput será exercida de ofício ou mediante provocação e poderá ser delegada, vedada a subdelegação:

À corregedoria ou, na inexistência desta, às unidades diretamente responsáveis pelas atividades de correição; ou

Ao Secretário-Executivo do Ministério ou, no caso de órgão ou entidade compreendida na administração Indireta, à autoridade equivalente.” (NR)

Para tanto, nota-se que, em complemento à Lei 12.846/2013, a Portaria regulamentadora da CGU possibilita a delegação de competência de instauração e de julgamento do processo Administrativo de Responsabilização, podendo ser destinada à Corregedoria setorial, se assim existente, ou ao Secretário-Executivo do Ministério.

A Lei 8.112/90 e a previsão de subdelegação de competência em julgamento de processo administrativo disciplinar pelo Decreto nº 11.123/2022

O processo administrativo disciplinar (PAD) é um procedimento administrativo com previsão constitucional[5], utilizado para apurar e punir infrações funcionais de servidores públicos. Esse processo é regulado pela Lei nº 8.112/90 e normas específicas, que estabelecem as regras e etapas a serem seguidas durante a sua tramitação.

Em obediência constitucional[6], devem ser garantidos no processo administrativo disciplinar o devido processo legal e a ampla defesa do servidor público, assegurando-lhe o direito de se defender das acusações que lhe são imputadas.

As etapas do processo disciplinar podem assim ser definidas[7]: a instauração do processo; a realização dos trabalhos com a produção de provas documentais e testemunhais pela comissão e pelo envolvido; o depoimento do servidor envolvido; o indiciamento ou não do servidor; a apresentação de defesa do servidor caso indiciado; a elaboração de relatório conclusivo, e a aplicação da sanção disciplinar, caso seja comprovada a infração.

As sanções disciplinares previstas podem variar desde a advertência até a demissão do servidor, passando por suspensão, destituição de cargo em comissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

É importante destacar que a aplicação de sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração cometida e às circunstâncias do caso concreto, conforme o art. 128 da Lei 8.112/90[8].

O processo administrativo disciplinar é um instrumento importante para garantir a integridade e a eficiência da administração pública[9], pois possibilita a responsabilização de servidores públicos que cometem infrações funcionais. Além disso, sua realização é uma forma de demonstrar a seriedade e o compromisso da administração pública em relação à ética e à moralidade no serviço público.

Por meio do Decreto nº 11.123/2022, foi definida a delegação de competências, bem como possibilitada a subdelegação para a prática de atos administrativo-disciplinares, nos seguintes termos:

Objeto e âmbito de aplicação

Art. 1º Este Decreto dispõe sobre a delegação de competência em matéria administrativa disciplinar no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal.

Delegações

Art. 2º Ressalvadas as hipóteses previstas no art. 4º, fica delegada a competência aos Ministros

De Estado e ao Presidente do Banco Central do Brasil para:

I – o julgamento de processos administrativos disciplinares e a aplicação de penalidades, nas hipóteses de:

  1. Demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores; e
  2. Destituição ou conversão de exoneração em destituição de ocupante de Cargo comissionado Executivo – CCE-15 ou CCE-16 ou equivalente ou de cargo ou função de chefe de Assessoria Parlamentar; e

II – a reintegração de ex-servidores em cumprimento de decisão judicial ou administrativa.

Parágrafo único. O Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República exercerá a competência de que trata o caput para os órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República cujos titulares não sejam Ministros de Estado.

Subdelegações

Art. 3º Poderá haver subdelegação das competências de que trata o art. 2º:

I - aos ocupantes de cargo em comissão ou de função de confiança de nível mínimo igual a CCE-17;

II - aos dirigentes máximos singulares das autarquias e fundações, se houver unidade correcional instituída na respectiva entidade; e

III - aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, pelo Ministro de Estado da Defesa.

Ressalta-se a necessidade, na subdelegação das competências para a realização dos atos de julgamento, a existência de uma unidade correcional instituída na respectiva entidade.

Conclusão

Os atos de delegação e de subdelegação são importantes instrumentos para destinação da competência das decisões administrativas de atos administrativos processuais a outra autoridade, proporcionando maior rapidez e objetividade.

Com o novo organograma da Administração Pública Federal, as unidades de Corregedorias setoriais dos Ministérios devem observar se foram afetadas ou não pela edição da Medida Provisória n° 1.154/2023 e consequentemente, com a revogação de atos normativos infralegais anteriormente existentes.


[1] Art. 2º da Lei nº 12.846/2013: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

[2] V - até cinco por cento no caso de comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo V.

[3] Art. 56.  Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de:

I - prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e

II - fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.

[4] Art. 2º do Decreto nº 5.480/2005: Integram o Sistema de Correição:  I - a Controladoria-Geral da União, como Órgão Central do Sistema; I - como Órgão Central, a Controladoria-Geral da União, por meio da Corregedoria-Geral da União;

[5] Art. 41. da CF: São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

(...) II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

[6] Art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[7] Art. 151 da Lei 8.112/90:  O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:  I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III - julgamento.

[8] Art. 128.  Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.

[9] Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Sobre o autor
Murilo de Mello Campos

Corregedor do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) desde o ano de 2006. Pós-graduado em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.

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