A Literatura de Cordel foi reconhecida como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan, em 2018, por meio do registro, instrumento jurídico previsto na Constituição Federal de 1988 [1] e regulamentado pelo Decreto nº 3.551/2000. Assim, passou a constar no Livro de Registros das Formas de Expressão.
Essa ação do Poder Público é o resultado de uma articulação com poetas de Cordel, suas entidades representativas, pesquisadores acadêmicos, entre outros atores, garantindo a participação popular, princípio fundamental na proteção dos bens culturais. O Cordel é um elemento constituinte da diversidade cultural brasileira, que tem gênese europeia com contribuições africana, indígena e árabe. É uma das maiores manifestações da cultura popular nordestina.
Para a manutenção de um bem cultural de natureza imaterial é preciso gerar as condições necessárias para que o fluxo de saberes permaneça. Assim, é importante criar oportunidades e novas metodologias para dar continuidade à inserção desse patrimônio no ambiente escolar.
A cultura cordelista é originalmente encartada em papel, em pequenos livretos. A Literatura de Cordel já foi jornal do sertão, está presente na vida de nordestinos em momentos de descontração ou em debates sobre assuntos mais sérios. As temáticas apresentadas são diversificadas entre romances tradicionalistas, assuntos relacionados à religião, à seca do Nordeste, desastres, crimes e acontecimentos da atualidade mundial.
No Nordeste é muito comum ver nas feiras livres os folhetos expostos em cordas. Esses livros contam histórias variadas, em formas de versos em sextilhas, septilhas ou décimas. Seus versos são utilizados para entreter a população. Eram vendidos abaixo do custo para que toda população pudesse ter acesso. A capa dessas publicações também são bens culturais, trazem a xilogravura, uma arte de gravar na madeira.
Conhecido por sua linguagem simples e acessível, o Cordel se destaca como meio para alfabetização de pessoas. É um importante instrumento de educação popular por sua capacidade de levar conhecimento e a informação para o povo de forma acessível e prazerosa.
Segundo Paulo Freire: "O cordel é uma forma de expressão literária que tem raízes profundas no Nordeste. Por sua capacidade de abordar temas cotidianos de forma simples e prazerosa, ele tem um enorme potencial como instrumento de educação popular" [2]. O projeto Acorda Cordel em Sala de Aula, conhecido por um livro de mesmo título, é um exemplo de seu uso em sala de aula [3].
No entanto, essa expressão da cultura imaterial, que promove o fluxo dos saberes, ainda vive à margem da sala de aula. É importante que as escolas e instituições de ensino o incluam em suas atividades curriculares, promovendo a leitura e a produção de cordéis pelos alunos. Isso ajuda a difundir a cultura e a estimular o surgimento de novos cordelistas e produtores de cordéis, ação que pode ser fomentada por uma ação intersetorial.
Os cordéis, produção artesanal com papel comum e ilustrações simples, eram expostos para venda, pendurados em cordões ou barbantes em feiras e mercados. Vendidos também por ambulantes que percorriam as ruas das cidades e vilas. Muitos cordelistas e produtores de cordéis têm enfrentado dificuldades para manter essa tradição viva e acessível às novas gerações. Para que tenha continuidade, a colaboração da comunidade é fundamental, além da adoção de métodos inovadores para o seu acautelamento e preservação. Hoje, essa forma de expressão que promove o fluxo de saberes pode adentrar o ciberespaço [4].
Essa realidade pode ser promovida com aporte financeiro oriundo de leis de fomento com incentivos fiscais, por meio de doações e patrocínio, como a Lei Rouanet ou, ainda, outras leis de fomento como a Lei Aldir Blanc ou a Lei Paulo Gustavo. Esses recursos financeiros podem ser utilizados para a produção e distribuição de cordéis, além de eventos culturais que visam promover essa manifestação cultural.
Podem ser usados ainda para financiar a utilização de métodos inovadores, tais como a digitalização e disponibilização dos cordéis em plataformas digitais, facilitando o acesso às obras por pessoas de diferentes regiões, ajudando também a preservar a sua memória.
O uso da tecnologia de realidade virtual permite que as pessoas possam ter uma experiência imersiva em sua cultura, conhecendo mais sobre a sua história e produção. Além disso, a realidade virtual pode ser utilizada para a criação de ambientes que reproduzam cenários e ambientes que são típicos do cordel, como as feiras de cordel e os sertões nordestinos.
Assim, a literatura de cordel continua a sua existência para além do seu formato original, com um alcance plural. Sua presença pode se dar nas feiras populares, escolas, museus ou outros lugares, dando continuidade ao fluxo de saberes oriundo das culturas populares nordestinas, com sua impressão realizada em papéis ou no meio digital, mas sem dúvida, seus versos permanecem vivos.
José Olímpio Ferreira Neto, Capoeirista. Advogado. Professor. Mestre em Ensino e Formação Docente. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Membro da Comissão de Direitos Culturais da OAB-CE E-mail: jolimpiofneto@gmail.com
Maria Rosani Silva, Professora de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. E-mail: roseprofa.literatura@gmail.com
Murilo Augusto Volpi de Oliveira, Músico. Administrador. Pós-Graduando em Gestão Cultural. Residente Técnico na Secretaria de Estado da Cultura. E-mail: volpi97@hotmail.com
Notas
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 28 abr. 2023.
[2] FREIRE, P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2013.
[3] VIANA, A. Acorda Cordel na Sala de Aula. Fortaleza: Gráfica Encaixe, 2010.
[4] LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.