A USUCAPIÃO é uma importante ferramenta para regularização de imóveis que possuem situação distinta da realidade junto ao RGI ou mesmo que nem existam no RGI. Sim, até mesmo para imóveis sem registro/origem registral a Usucapião pode ser a solução - e não só a Usucapião alcançada pela via judicial mas também aquela oriunda do art. 216-A da Lei de Registros Publicos, feita inteiramente em Cartório, sem processo judicial mas com assistência obrigatória de Advogado (Usucapião Extrajudicial).
Como sempre destacamos aqui, devemos partir da premissa que para casos envolvendo titulares falecidos (e consequentemente direito hereditário e herança) o remédio jurídico adequado será aquele previsto na Lei em sede de Direito Sucessório - ou seja, quaisquer das modalidades de INVENTÁRIO existentes (inclusive, se for o caso, a versão EXTRAJUDICIAL do Inventário), todavia, é plenamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência (inclusive da Corte Superior) a possibilidade de USUCAPIÃO SOBRE BENS DE HERANÇA.
Um caso peculiar que nos fora apresentado há algum tempo dizia respeito justamente a essa situação: imóvel adquirido por compra por dois irmãos há muitos anos, sendo que enquanto um deles permaneceu morando no imóvel o outro apenas tinha seu nome no RGI como co-poprietário, jamais fazendo uso do mesmo (e naturalmente não arcando com custos de manutenção do imóvel, impostos etc). Pois bem, em determinada época esse co-proprietário faleceu e, mesmo deixando herdeiros, sua herança jamais fora reclamada. Uma importante e basilar lição que aprendemos ainda nos bancos acadêmicos informa que "o direito não socorre os que dormem" (Dormientibus non sucurrit jus). Efetivamente atentar para os prazos será essencial para zelar pelo direito. Como também já discorremos aqui, a prescrição via de regra determina a "perda" mas ela concebida como prescrição aquisitiva pode determinar a aquisição do direito, no caso, o direito de propriedade, considerando especialmente as normas do Código Civil que apresentam a USUCAPIÃO como "forma aquisitiva de propriedade imobiliária". O art. 1.238 do CCB anuncia apenas uma das várias modalidades da Usucapião, senão vejamos:
"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, ADQUIRE-LHE A PROPRIEDADE, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis".
A modalidade EXTRAORDINÁRIA é muito importante pois não exige nem título, nem boa-fé e inclusive o prazo exigido de 15 (quinze) anos pode ser reduzido para 10 (dez) como também já explicamos em outros artigos. Outros prazos (e requisitos) estão disponíveis para regularização de imóveis através da Usucapião em suas demais modalidades.
No caso analisado a sugestão, considerando o preenchimento dos requisitos legais foi sim prioritariamente o caminho através da USUCAPIÃO - e não a realização do Inventário ou mesmo Cessão de Direitos Hereditários que também são soluções cabíveis porém menos vantajosas no caso concreto examinado, como reputamos. Para a Usucapião sobre bens de herança a jurisprudência exige além do preenchimento dos requisitos legais da modalidade pretendida a comprovação da POSSE EXCLUSIVA e falta de OPOSIÇÃO como esclarece a didática e paradigmática decisão exarada pela insígne Ministra NANCY ANDRIGHI:
"STJ. REsp 1631859/SP. J. em: 22/05/2018. (...) AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. (...). HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. (...). 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02). 5. A partir dessa transmissão, cria-se um CONDOMÍNIO pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791, parágrafo único, do CC/02. 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida POSSE EXCLUSIVA com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO DOS DEMAIS proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão - o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. (...). 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido".
Demonstrado corretamente em sede extrajudicial o preenchimento dos requisitos outro não poderá ser o resultado senão o reconhecimento da Usucapião em favor do pretendente, com o consequente registro da aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, podendo ser o caso inclusive da abertura de NOVA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA no RGI, se for o caso, como informa o par.6º do art. 216-A da LRP c/c art. 22 do Provimento CNJ 65/2017.