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Alienação fiduciária em garantia

Agenda 11/05/2023 às 17:40

Resumo: Trata-se a alienação fiduciária de um negócio jurídico em que há a transmissão da propriedade como garantia. O devedor transmite a propriedade ao credor até que esteja satisfeita a obrigação. Pode ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, com a exigência de que o contrato deve ser feito por escritura pública ou instrumento particular com efeito de escritura pública, cumprindo os requisitos previstos em lei. Na hipótese de inadimplemento do devedor, a Lei traz um procedimento de cobrança extrajudicial que independe da provocação do Poder Judiciário.

Palavras-chave: alienação fiduciária, transferência de propriedade, inadimplemento, cobrança extrajudicial.

Introdução:

Quando da concessão do crédito pelo credor, é de vital importância a exigência de uma garantia capaz de responder em caso de inadimplência. É por meio dessa garantia fornecida que o capital emprestado e inadimplido retorna ao credor.

No mercado imobiliário nacional é indispensável a oferta ao credor de uma garantia que oferece certeza de recuperação rápida do crédito emprestado. Isso traz maiores investimentos no setor imobiliário, impulsionando a geração de novos negócios, a criação de novos empregos e, consequentemente, a economia do País.

Visando essa recuperação certeira e rápida do valor inadimplido e a consolidação do setor imobiliário como um investimento sólido, o legislador elaborou em 1997 a Lei nº 9.514 que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e insere no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da Alienação Fiduciária como uma nova modalidade de garantia de empréstimos e financiamentos imobiliários.

A alienação fiduciária constitui em favor do credor uma propriedade resolúvel (não definitiva) sobre o imóvel que lhe é dado pelo devedor, para garantir a dívida que este assumiu perante aquele. Tal propriedade resolúvel sobre o imóvel, que é aquela que, no próprio título de sua constituição, encerra o princípio que a tem de extinguir uma vez realizada a condição resolutória, foi denominada pelo próprio legislador como fiduciária, e se caracteriza pela limitação temporal do domínio do devedor, posto que, satisfeita a sua dívida, o bem, antes alienado fiduciariamente ao credor, volta ao inteiro domínio do devedor, automaticamente e de forma imediata, com efeito ex tunc, isto é, retroativo, reingressando a coisa no patrimônio do fiduciante1.

Visto que a execução independe de provocação do Poder Judiciário, a garantia da alienação fiduciária traz ao credor maior segurança, eficácia e celeridade para recebimento do crédito emprestado no caso de inadimplência, com um procedimento de cobrança extrajudicial relativamente barato com recuperação rápida e simplificada dos valores.

1. Conceito

A Lei nº 9.514/1997 (Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário) traz em seu artigo 22 o conceito de alienação fiduciária como sendo o “negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”. Trata-se, portanto, de negócio jurídica de transferência de propriedade, contudo, com caráter resolúvel, com o escopo de garantia. A natureza jurídica é de garantia real através de propriedade resolúvel.

Conceituando o negócio fiduciário, Melhim Namem Chalhub explica: “Entende-se por negócio fiduciário o negócio jurídico inominado pelo qual uma pessoa (fiduciante) transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito à outra (fiduciário), que se obriga a dar-lhe determinada destinação e, cumprindo esse encargo, retransmitir a coisa ou direito ao fiduciante ou a um beneficiário indicado no pacto fiduciário2”.

Verifica-se, assim, que na alienação fiduciária, o fiduciante (devedor) transmite ao fiduciário (credor) a propriedade resolúvel de bem imóvel como garantia de uma dívida assumida. Ou seja, o credor recebe a propriedade do bem dado em garantia, mas não de forma plena.

Por meio desse negócio jurídica, é possível que determinada pessoa que não possui, no momento, dinheiro para adquirir determinado bem, realize a compra do imóvel e faça o pagamento parceladamente, tendo o imóvel adquirido ficado como garantia de pagamento.

Por essas características, a alienação fiduciária se tornou modalidade de garantia com grande segurança jurídica, pois o bem deixa de integrar de modo pleno o patrimônio do devedor (fiduciante), de modo a beneficiar o credor (fiduciária) da dívida em uma possível insolvência. A sua execução independe de provocação do Poder Judiciário, portanto, possui relativa rapidez nos procedimentos.

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2. O Contrato

O contrato de alienação fiduciária é de garantia que terá por objeto um ou mais bens imóveis; um contrato de direito real que constitui um título que pode ser levado à registro e dá a alguém o direito real de garantia.

De acordo com a Lei nº 9.514/1997, a alienação fiduciária pode ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica.

Nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.514/1997 (Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário) os contratos que preveem garantia fiduciária devem ser celebrados por meio de escritura pública ou instrumento particular com efeito de escritura pública.

O instrumento deverá cumprir os requisitos exigidos no artigo 24, bem como conter a qualificação completa das partes contratantes e cláusula dispondo sobre a mora e as suas consequências.

Também deve ser observado o artigo 26 da Lei nº 9.514/1997, devendo ser indicados: o meio pelo qual a constituição em mora ocorrerá; o prazo de carência após o qual será expedida a intimação para constituição do devedor em mora; cláusula penal em caso de mora ou outro percentual.

Ainda, o contrato deve prever o preço total do negócio com e sem a taxa de juros; indicar o índice de correção monetário adotado, a taxa de juros aplicável e a espécie de sistema de amortização; indicar o prazo do negócio em função do parcelamento do preço e a quantidade de parcelas em que o preço foi fracionado.

Por fim, deverão ser estipuladas as seguintes cláusulas complementares: a forma pela qual o pagamento ocorrerá (ficha de compensação ou qualquer outro meio); afastamento da presunção prevista no art. 322 do Código Civil; a responsabilidade do fiduciante pelas obrigações tributárias ou propter rem que já recaírem ou vierem a recair sobre o imóvel após a transmissão da posse (Lei n° 9.514/97, art. 27), além das despesas de cobrança e intimação (Lei n° 9.514/97, art. 26, § 1°); a responsabilidade do fiduciante, ou de seu sucessor, pelo pagamento da taxa de ocupação do imóvel, calculada por mês ou fração, no montante correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, desde a data da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciante até a data em que este, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel (Lei n° 9.514/97, art. 37-A); a responsabilidade do fiduciante pelas despesas do contrato; a faculdade de execução da garantia fiduciária ou a exigibilidade da dívida (CC, art. 475); a indicação de que tolerância do credor em face de qualquer descumprimento contratual pelo devedor não acarretará a novação ou a alteração do contrato, posto constituir-se de mera liberalidade; cláusula arbitral ou cláusula de eleição de foro.

A eficácia real do contrato de alienação fiduciária depende do registro no Cartório de Registro de Imóveis competente. O artigo 23 prevê que a propriedade fiduciária de coisa imóvel se constitui mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. Essa regra é confirmada pelo artigo 167, inciso I, item 35, Lei Federal nº. 6.015/73, que estabelece que no Registro de Imóveis será feito o registro da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel.

A ausência do registro, portanto, torna o contrato desprovido de eficácia real, causando efeitos apenas entre as partes celebrantes e não contra terceiros.

3. Do imposto de transmissão

O §7º do artigo 26 da Lei nº. 9.514/97 prevê que será devido pelo fiduciário o imposto de transmissão inter vivos, sendo que o momento de consolidação da propriedade em seu nome se dá mediante prova de pagamento desse tributo.

Após o pagamento, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis realizará a averbação na matrícula do imóvel da consolidação da propriedade em nome do fiduciário.

Assim, na alienação fiduciário somente é devido o ITBI na primeira operação, ou seja “na transmissão do vendedor ao fiduciante, não incidindo na transmissão da propriedade resolúvel que se opera entre o fiduciante e o fiduciário. Pago o preço, resolvendo-se a propriedade do fiduciário, não incide o imposto de transmissão. Todavia, consolidada a propriedade nas mãos do fiduciário, incidirá o imposto, cuja base de cálculo será o saldo devedor ou o valor venal, o que for maior. Também incide o imposto na venda em leilão3”.

3. Consequências do inadimplemento

Quais as consequências do inadimplemento do meu financiamento imobiliário?

A Lei nº. 9.514/97 determina que o devedor deve ser intimado pelo oficial do Registro de Imóveis para pagar a prestação vencida no prazo de quinze dias, bem como as prestações que se vencerem.

Se, após a intimação, o devedor purgar a mora dentro do prazo junto ao oficial de Registro de Imóveis, o contrato de alienação fiduciária continuará em pleno vigor.

Contudo, decorrido o prazo de 15 dias sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.

Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro, promoverá público leilão para a alienação do imóvel, sendo que as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico.

No primeiro leilão público o valor mínimo para lance deverá ser o valor do imóvel constante no contrato devidamente corrigido pelo índice estipulado no documento ou o valor mínimo de referência do ITBI regulado pela lei municipal, valendo o que for maior.

Se, no primeiro leilão, não houver adquirente, após 15 dias deverá ser feito segundo leilão, sendo que o lance mínimo deverá ser o valor da dívida com juros, correção e multa, acrescido do prêmio do seguro, encargos, tributos, condomínios e despesas com o leilão.

Se algum valor sobrar, deverá ser restituído ao devedor no prazo de cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão. Contudo, não há direito de retenção por benfeitoria, uma vez que o valor da arrematação contemplará eventuais benfeitorias e acessões.

Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida (pagamento do débito total e não apenas o vencido), acrescido de despesas, encargos legais e o ITBI.

Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor da dívida, considerar-se-á extinta a dívida, devendo o credor entregar termo de quitação ao devedor.

Se não houver arrematante no segundo leilão, a propriedade consolidar-se-á definitivamente ao credo fiduciário que ficará com o imóvel pelo valor da dívida e lhe dará o destino que lhe aprouver.

Conclusão

A alienação fiduciária é uma espécie de negócio jurídico em que se utiliza a transmissão da propriedade como garantia, onde o devedor transmite a propriedade, passando-a ao credor para que fique com este até que seja satisfeita a obrigação.

Pode ser contratada por qualquer pessoa, física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no sistema de financiamento imobiliário.

O contrato é de garantia e de direito real e devem ser celebrados por meio de escritura pública ou instrumento particular com efeito de escritura pública, bem como deve cumprir os requisitos exigidos no artigo 24 da Lei nº. 9.514/97.

A Lei prevê em seu §7º, artigo 26, que será devido pelo fiduciário o ITBI, sendo que o momento de consolidação da propriedade em seu nome se dá mediante prova de pagamento desse tributo.

Na hipótese de inadimplemento do devedor, a Lei traz um procedimento de cobrança extrajudicial que independe da provocação do Poder Judiciário, atribuindo ao Oficial do competente Registro de Imóveis as diligências de notificação para purgação de mora; efetivado o pagamento pelo devedor-fiduciante, o Oficial do Registro entregará ao credor as quantias recebidas ou, não purgada a mora, certificará esse fato e promoverá os assentamentos necessários à consolidação da propriedade em nome do credor-fiduciário. Uma vez consolidada a propriedade, o credor deverá promover a realização de dois leilões para venda do imóvel, apropriando-se do produto da venda até o limite do seu crédito e entregando ao devedor o quantum que exceder à dívida, encargos e despesas. Se, no segundo leilão, não se alcançar o valor da dívida, encargos e despesas, o credor exonerará o devedor do pagamento da diferença, dando-lhe quitação da dívida4.

Referências bibliográficas

ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. Alienação fiduciária de bem imóvel. O contexto da inserção do instituto em nosso direito e em nossa conjuntura econômica. Características. Revista de Direito Privado, ano 1, n. 2. São Paulo: RT, abr.-jun. 2000.

Coelho, Fábio Ulhoa - Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas, direito autoral / Fábio Ulhoa Coelho. — 4. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.

DANTZGER, Camargo, A. C. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, 3ª edição.

Namem Chalhub, Melhim. Negócio Fiduciário – Alienação Fiduciária, 4a ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009.

Restiffe Neto, Paulo. Garantia Fiduciária: direito e ações: manual teórico e prático com jurisprudência / Paulo Restiffe Neto, Paulo Sérgio Restiffe. – 3 ed. Ver., atual e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.


  1. DANTZGER, Camargo, A. C. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, 3ª edição, pg 18.

  2. Namem Chalhub, Melhim. Negócio Fiduciário – Alienação Fiduciária, 4a ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009, p. 38.

  3. Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro : Forense, 2015.

  4. Namem Chalhub, Melhim. Negócio Fiduciário – Alienação Fiduciária, 4a ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2009, p. 06.

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