Sustentações Orais no Brasil: A Importância de Regulamentações e um Olhar para Experiências Internacionais
Vamos analisar como esse aspecto é abordado em outros países.
Comparativo sobre a importância das sustentações orais no Brasil e em outros sistemas jurídicos utilizados na Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido e Estados Unidos.
Ao fazer esse paralelo, buscamos identificar aspectos relevantes presentes em cada um desses países que possam servir como referência para aprimorar as práticas de sustentação oral no contexto jurídico brasileiro.
De acordo com estimativas, o Brasil possui mais de 60 milhões de processos em tramitação nos Tribunais de Justiça. Além disso, por meio de uma série de recursos, é possível que esses casos alcancem os tribunais estaduais ou regionais, bem como as Cortes Superiores. Essa extensa rede jurídica permite que os processos sejam revisados e avaliados em diferentes instâncias.
A elevada quantidade de processos em análise resulta em um grande número de sustentações orais. No entanto, surge um dilema: os julgadores sentem-se incomodados com sustentações sem propósito, enquanto os advogados se queixam da falta de atenção por parte dos magistrados. Essa realidade é amplamente documentada em vídeos que circulam na internet.
Seria oportuno promover um debate sobre a regulamentação das sustentações orais no Brasil? Ou talvez seja apropriado considerar a aplicação de critérios adicionais, como tempo de experiência profissional, uma habilitação especial ou outros requisitos?
Vamos explorar como o processo de sustentação oral funciona em outros países como referência.
Embora a sustentação oral seja fundamental para a atuação dos advogados, muitas vezes os argumentos apresentados não recebem a devida consideração por parte dos magistrados devido à falta de tempo. No sistema processual brasileiro, é incomum o debate entre as partes e os juízes durante a sustentação oral.
Em contraste, em países com sistemas jurídicos distintos da tradição romano-germânica, como Estados Unidos e Inglaterra, baseados na Common Law, a atuação dos advogados perante as Cortes ocorre de maneira significativamente diferente.
Além disso, como será evidenciado abaixo, mesmo em países com origem no sistema romano-germânico (civil law), como França e Alemanha, as regras relativas à atuação nos tribunais são completamente diferentes.
Alemanha
Na Alemanha, qualquer advogado pode atuar perante a Corte em matéria penal e no Tribunal Constitucional. No entanto, para atuar em casos cíveis no Bundesgerichtshof (BGH), que é equivalente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil, é necessário passar por um processo adicional de credenciamento.
Existe uma comissão composta por juízes do BGH (que não são chamados de Ministros) e advogados, responsável por selecionar os advogados credenciados para atuar perante o BGH. Essa seleção é baseada em critérios que incluem ter no mínimo 35 anos de idade e 5 anos de experiência contínua na advocacia.
Uma vez selecionados, os advogados credenciados são nomeados pelo Ministério da Justiça e passam a atuar em casos de direito privado no BGH. A ideia por trás desse sistema é garantir que as partes sejam representadas por advogados altamente especializados na Corte, o que asseguraria a igualdade de armas na fase final do processo. Além disso, esse sistema atende a um interesse social, pois devido aos filtros processuais, apenas os casos mais relevantes chegam ao BGH.
Os próprios advogados credenciados têm a função de filtrar os recursos que chegam à Corte. Por isso, eles não interporão recursos em todos os casos, mas apenas quando os rígidos requisitos de admissibilidade forem preenchidos.
Atualmente, existem apenas 38 advogados credenciados no BGH, dos quais, seis são mulheres. Em razão da contenção, esse sistema tem sido criticado na Alemanha nos últimos anos e há propostas para permitir que qualquer advogado atue no BGH.
França
Em 2012, a legislação francesa passou por alterações significativas. Antes dessa mudança, apenas advogados habilitados, conhecidos como avoués, tinham permissão para representar litigantes nos tribunais de segunda instância, conhecidos como Cours d'Appel. Atualmente, qualquer advogado habilitado pela Ordem dos Advogados pode fazer sustentação oral nessas instâncias judiciais.
O Exame da Ordem francês é reconhecido como um dos mais rigorosos do mundo. Ele exige uma preparação de dois anos. Os candidatos devem realizar duas provas, completar um estágio obrigatório e frequentar seis meses de aulas. Os candidatos têm apenas três tentativas para serem aprovados no exame, uma vez que a terceira reprovação resulta em uma reprovação definitiva.
Nas Cours de Cassation ou no Conseil d'Etat, a habilitação para atuar requer a aprovação em um exame adicional. Esse exame é realizado por uma banca composta por juízes da Suprema Corte, avocats aux Conseils (advogados do conselho) e professores universitários.
Para se candidatar a esse exame, os candidatos devem ter passado por uma formação especializada ou ter trabalhado por alguns anos com avocats aux Conseils. Uma vez habilitados, eles são nomeados pelo Ministro da Justiça e prestam juramento antes de exercer suas funções.
Reino Unido
No Reino Unido, há um filtro de acesso às Cortes Superiores, onde os advogados são divididos em duas categorias principais: Solicitors e Barristers.
Somente os Barristers têm permissão para fazer sustentações orais nas Cortes, porque passam por um treinamento adicional após a conclusão do curso de Direito, obtendo um certificado de prática.
Por outro lado, os Solicitors podem obter o direito de fazer sustentações por meio de uma qualificação adicional chamada Higher Rights of Audience (HRA).
O sistema processual civil no Reino Unido difere bastante do brasileiro, com uma maior ênfase na oralidade. As sustentações podem ser bastante longas, dependendo da complexidade do caso, e a importância atribuída a elas é maior em comparação ao Brasil. É a partir da sustentação oral que o juiz toma suas decisões.
Estados Unidos
No sistema jurídico dos Estados Unidos, a autonomia política e jurídica dos estados é ampla, e o governo federal possui competências limitadas de acordo com o que é autorizado pela Constituição.
Consequentemente, cada estado tem sua própria legislação, incluindo no que diz respeito ao sistema judiciário, o que impacta na atuação dos advogados, que varia de estado para estado.
Os advogados ingressam na profissão por meio da "admission to the bar", um processo semelhante ao exame da Ordem no Brasil. Na maioria dos estados, também é exigido o diploma de Juris Doctor, obtido após três anos de estudos em Direito, após a conclusão do curso de bacharelado.
Essa admissão concede ao advogado prerrogativas para atuar na jurisdição estadual, incluindo até mesmo os tribunais de maior instância, onde podem realizar sustentações orais. No entanto, nem todos os estados permitem esse tipo de sustentação.
Não há uma licença ou habilitação específica para as sustentações orais. Um advogado admitido na Ordem (bar) é automaticamente habilitado a realizar sustentações perante os tribunais. Isso ocorre porque a importância da oralidade no sistema jurídico norte-americano é maior do que no Brasil.
No sistema federal, em linhas gerais, a atuação perante cada distrito, circuito regional e circuito federal - algo remotamente semelhante aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Brasil - requer habilitação específica perante cada um desses órgãos.
As regras para essa habilitação também variam, e o licenciamento para atuar em um deles não garante automaticamente a admissão para atuar nos outros.
De modo geral, os advogados precisam obter uma licença junto à "Ordem dos Advogados Estadual", pagar uma taxa e prestar um juramento.
No entanto, a atuação perante a Suprema Corte exige uma habilitação específica, que inclui a necessidade de ter pelo menos 3 anos de experiência profissional.
Brasil
Ah no Brasil... por aqui, de acordo com o princípio constitucional da ampla defesa, não existem restrições ou exigências específicas para que qualquer advogado possa realizar sustentações orais nos tribunais. Ao contrário de outros países, como os Estados Unidos, não há um manual que oriente os advogados sobre como atuar nas Cortes Superiores, e não há proibição de leitura de peças processuais durante a sustentação oral.
Considerando que o Brasil possui um número significativamente maior de advogados em comparação com os países mencionados, surge a questão se seria adequado estabelecer algum tipo de filtro ou requisito para a atuação nos tribunais.
No entanto, essa é uma questão complexa que envolve considerações sobre o acesso à justiça, o direito à ampla defesa e a igualdade de oportunidades para todos os advogados. A implementação de um filtro ou requisito adicional poderia afetar o exercício profissional e restringir o acesso à atuação nos tribunais.
Essa discussão envolve diversos aspectos e requer um debate aprofundado sobre as necessidades do sistema jurídico brasileiro e as garantias fundamentais dos advogados e de toda sociedade.