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Direito Penal:

visão crítico-metodológica

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Agenda 22/09/2007 às 00:00

Buscam-se novos paradigmas de ensino e pesquisa, impostos pela conscientização epistemológica de uma realidade rebelde às amarras de acanhadas (e às vezes suspeitas) teorizações dogmáticas.

Sumário: 1. Introdução 2. Visão crítica 3. Uma nova metodologia 4. Vontade interpretativa 5. Essência do crime 6. Lógica jurídica 7. Caminhos tortuosos 8. Realismo crítico 9. Lógica fático-valorativa 10. Vícios de legitimidade. 11. Categorias básicas 12. Para concluir.


1. Introdução

O presente artigo, em sua edição original, participou dos primórdios da Revista Brasileira de Ciências Criminais (São Paulo: RT, ano 1, n.º 1, p. 98-104, jan.-mar. 1993). Foi reproduzido em Curso crítico de direito penal (Florianópolis: Obra Jurídica, 1998), sob a forma de síntese conclusiva.

Acrescento-lhe agora novas e amplas observações atualizadas. Algumas já constam de outra obra: Crimes de perigo individual: interpretação do código penal e anotações crítico-metodológicas. Florianópolis: 2007. Elas reforçam, a meu ver, a convicção da importância de um estudo crítico e realista do direito penal e sua dogmática.

Com efeito, os compêndios de direito penal, no Brasil, permanecem apegados à premissa metodológica de identificação entre lei e direito e, na seqüência, entre direito e justiça. Crime e pena são estudados a partir de esquemas teóricos importados quase continuamente da matriz preferencial, ítalo-germânica, sem que sobre ela se efetue previamente uma autêntica e necessária revisão crítica. Adotam-se sucessivos padrões de estrutura jurídica do crime e da pena, reapresentados através de vestimentas que se revezam na ilusória pretensão de revelar o enigma da Esfinge. Tipicidade, ilicitude e culpabilidade sofrem ininterruptamente retificações conceituais de aparente solidez ôntico-ontológica ou jurídico-legal, embora se percam e se estiolem em sua dogmaticidade subjetiva, a retirar-lhes qualquer caráter científico.

Entendo superada essa fase histórica. Os livros didáticos, no entanto, os manuais e tratados, as análises jurisprudenciais, os artigos doutrinários e as dissertações acadêmicas continuam, ao que parece, no mesmo ritmo e compasso. Não podem ser sumariamente esquecidos. E porque perduram e se repetem, se reciclando na troca da indumentária, proponho-me a rever a matéria sob o prisma da metodologia de ensino do direito penal.

Na Universidade Federal de Santa Catarina, pelo menos, já não se põe tanta fé na visão teórico-dogmática do direito, encarado agora em sua própria realidade histórico-sociológica. Mas se o tema é direito penal e criminologia que se realce, com justiça, a obra de Vera Regina Pereira de Andrade, de forte conteúdo crítico, anunciado pelo próprio título (A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997).

Buscam-se novos paradigmas de ensino e pesquisa, impostos pela conscientização epistemológica de uma realidade rebelde às amarras de acanhadas (e às vezes suspeitas) teorizações dogmáticas.

Nas palavras de Paulo Roney Ávila Fagúndez, todas as verdades são relativas. Somente se poderá chegar a determinadas conclusões importantes "se se tiver consciência da necessidade de pontes que deverão ser edificadas entre as diversas áreas do conhecimento" (Direito e holismo: introdução a uma visão jurídica de integridade. São Paulo: LTr, 2000, p. 249).

Conseqüentemente, muda o método de retransmissão acadêmica. Não se pretende nem se admite que a futuros bacharéis (ou a pós-graduandos) seja negada a oportunidade de ver, enxergar e raciocinar.


2. Visão crítica

O direito penal, ou qualquer outro ramo do direito, pode ser visto em termos críticos ou em termos dogmáticos.

Ensinar o direito dogmaticamente é selecionar, a priori, uma idéia-chave (por exemplo: lei, costumes, razão, justiça etc.) e transformá-la em verdade subsistente por si mesma, identificada em sua objetividade e cultivada em suas intrínsecas virtudes.

Há, neste esquema, vários dogmas em possível conflito ideológico. Francesco Carrara, na Itália, trabalhou com o dogma da razão universal, inerente a todo ser humano, qual centelha da razão divina. Nélson Hungria, entre nós, dogmatizou a lei, fonte exclusiva do direito penal. A lei do Estado, nada mais do que ela, sintetizaria todo o seu conteúdo e substância, independentemente da natureza da norma, proibitiva ou permissiva.

Mais modernamente, ainda se fala em estruturas lógico-objetivas do direito. O próprio crime não escaparia dessa camisa-de-força, já que atrelado à conduta humana finalista, suficientemente sólida, em sua evidência, para clarear os caminhos de uma nova dogmática jurídico-penal.

Entendo que existe erro de método, de ótica, de percepção, de teoria. A única estrutura jurídica possível, se é que a expressão tem cabimento, é de ordem histórico-social. Razão humana ou divina, lei do Estado, justiça, realismo lógico-objetivo, tudo se dilui na relatividade normativa dos próprios fatos do homem em suas relações de convivência.

E mais: como assinala, com razão, Alessandro Nepomoceno, "o problema dos estudos embasados numa visão tradicional do Direito Penal não reside no que é dito, mas justamente no que foi deixado de dizer", em detrimento da descoberta das reais funções inerentes à sua operacionalidade (Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 232).

A essência do direito se manifesta mediante a inevitável contradição formal de várias fontes, agasalhadas inclusive pelo sistema constitucional. A divisão dos poderes, a retórica de sua origem, a cidadania, as liberdades públicas atestam a relativa legitimidade política de vários órgãos e segmentos da sociedade organizada.

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É claro que eventual harmonia ideológica facilita a consolidação histórica do direito. A desarmonia, porém, não o desnatura: envolve engajamento ético de quem, nas circunstâncias, dispõe de poder decisório e impõe afinal a sua vontade.

O assunto, aliás, já se torna um tanto banal diante do crescente número de publicações çrítico-jurídicas que não se limitam a fazer meras pregações filosóficas, destinadas ao mundo das idéias. Os próprios atores do direito, com destaque para aqueles que exercem funções no Ministério Publico e na Magistratura, abandonam o palco iluminado das encenações dogmáticas, do misticismo pagão, do ilusionismo retórico e falam agora abertamente de suas dúvidas e frustrações, de suas mudanças, de suas convicções e, sobretudo, de sua conduta profissional. Operários do direito, mostram o que fizeram, sem máscaras e disfarces, no marco de suas competências e possibilidades. A última coisa então que se pode esperar de um professor é que proíba aos alunos de perceber as raízes desse direito esparso, fragmentado, mas ainda complexo, dinâmico, fugidio, tantas vezes confuso e visceralmente contraditório.

Convém, no entanto, distinguir. Para efeitos didáticos, a crítica ao sistema jurídico tradicional, centralizado na lei, expressão da vontade de grupos minoritários, é crítica valorativa, de engajamento ético. Pode-se então dizer que se está diante de uma visão crítico-ideológica do direito, um pouco diferente da visão dogmática, mencionada no início, e da visão crítico-metodológica. Seus artífices (visão crítico-ideológica) empreendem verdadeira cruzada cívica, quase revolucionária, porque pretendem o comprometimento prévio do jurista com os reais interesses da classe social majoritária e flagrantemente desprotegida. Direito alternativo: em princípio, a lei, quando conveniente; qualquer coisa menos a lei, quando inconveniente. Mudança, portanto, das regras do jogo, em face da gestação de novo dogma, de conteúdo impreciso, indefinido.

Diversa é, de alguma forma, a visão crítico-metodológica do direito. Bem mais modesta, não se volta para o futuro, em projetos arrojados. Quando muito, se coloca numa posição intermediária, de reforço logístico à visão crítica no sentido ideológico.

Reforço logístico porque, sendo crítica da visão dogmática em seus diversos matizes, acaba consolidando a percepção da base contraditória de todo e qualquer direito, no espaço e no tempo. Daí sua utilidade prática, meramente circunstancial. É que outro tipo de direito alternativo – que sempre existiu historicamente – pode servir-se da conscientização do processo dinâmico do direito e tentar direcioná-lo para outras vias. A própria lei, mais uma vez relativizada, cederia sua retórica para outras formas de alternatividade, de cunho elitista, antidemocrático.

De qualquer forma, insisto na distinção. Como professor, não preciso inscrever-me no clube dos contestadores, cujo comportamento, por sinal meritório, facilita por sua vez o alargamento da visão crítico-metodológica, foco de atenção deste artigo. O direito existe objetivamente, como fato histórico – eis a teoria – e o mínimo que se deve exigir de um professor, de direito ou de história, é que se atenha aos fatos reais, sem prejuízo do reconhecimento de variáveis interpretativas em torno de suas dimensões e relevância.


3. Uma nova metodologia

Em conseqüência, novo método de ensino do direito. A crítica à visão dogmática, de ordem racional, numa primeira fase; e de ordem objetiva, mais ou menos eqüidistante, numa segunda fase, permite e ratifica ao mesmo tempo a noção da imanência de um direito positivo de várias fontes, em eterno processo de reciprocidade alternativa. Lei, ideologia e intérprete, de um lado; ação, vontade e liberdade, de outro, explicam melhor a realidade e essência do direito do que utópicas e fantasiosas opções teóricas de vezo dogmático.

Qual a tônica das persistentes abordagens do direito penal?

Sem embargo de novidades mais recentes, parece-me que a marca registrada da moderna doutrina penal brasileira está no revezamento entre o uso dogmático da lei, através do domínio de técnicas hermenêuticas, e de pretensas estruturas lógico-objetivas, reveladoras da essência do crime e da pena.

Para começo de conversa: ou uma coisa ou outra, diria qualquer estudante que tivesse alcançado a maioridade eleitoral. As leis, ademais, são vagas e ambíguas. Adaptam-se com facilidade à ideologia do grupo social ou às concepções pessoais do exegeta. Em contrapartida, conservam a virtude de uma certa clareza, voltada para o seu núcleo, o que não tem impedido que se doutrine ou que se decida contra elas, com ou sem ficções argumentativas.

Mais, um pouco mais. As leis são rasgadas, num momento político de imposição da força pela força; ou são contornadas, elegantemente contornadas na conduta administrativa ou nas sentenças e acórdãos. E o tempo conspira e consolida o que o homem dispõe faticamente.

Como negar, então, a juridicidade ocasional e contraditória do comportamento histórico-sociológico, intrinsecamente coativo ou persuasivo, de quem obteve por dominação ou consenso esse poder circunstancial de comando? Como esquecer as raízes históricas de todo e qualquer direito, quer num sentido genérico (norma geral positiva), quer num sentido restrito, particularizado (direito concreto, subjetivo)?

Vale o raciocínio para o próprio mundo, setorizado, do direito penal como objeto (direito-norma) e do direito penal como teoria (ciência do direito penal). Nada, absolutamente nada foge à regra geral de que o crime e, pois, a pena, encarados como instituição jurídica, se inserem no contexto bem mais amplo do direito como um todo, como fato sócio-político, interligando-se por isso mesmo às circunstâncias históricas.

Crime e pena dependem um pouco menos da inteligência do intérprete do que de sua vontade e liberdade para identificá-los no caso concreto. Crime e pena se repelem, paradoxalmente, ao sabor de uma visão realista do direito, já que a inteligência do crime como projeto jurídico do legislador pode contrastar, e muito, com a vontade política de ignorá-lo ou com a liberdade física ou psicológica de levá-lo ou não em conta na fase de execução, de repartição de responsabilidades. Existe o crime, não a pena. Ou existe a pena, sem a recíproca do prévio delito.

Daí a importância da visão crítico-metodológica do direito penal. Criticamente se prova, sem dificuldades, o caráter da lei como projeto de direito e, não, como direito propriamente dito. Este se concretiza à custa do suporte fático de outras matrizes, mais ou menos interligadas.


4. Vontade interpretativa

Essa percepção sistêmica do direito penal devolve à sociedade civil, por seus líderes, e aos poderes constituídos em sua pluralidade, com realce para as autoridades policiais e investigatórias, para os magistrados, para os membros do Ministério Público, a conscientização de que constroem o direito e são, destarte, responsáveis pelos próprios atos. Não basta o raciocínio, a inteligência, na vida do direito. O intérprete, porque age, ou porque se omite, interpõe a premissa de sua vontade no processo histórico de elaboração artesanal do direito.

A impressão que se colhe, todavia, da literatura dogmática, é um tanto diferente. Parece que a vigência de novas leis torna suficiente o trabalho de adaptação do intérprete às instruções normativas, contanto que se esforce em detectar a intenção do legislador mediante a utilização dos métodos tradicionais de hermenêutica. De par com elegantes questões de entrosamento hierárquico (constitucionalidade) e de compatibilidade intra-sistemática (concurso aparente de normas) ainda se pergunta se o legislador se curvou, ou não, a uma série de teorias adicionais, relativas à estrutura do crime.

Em resumo: busca-se o convencimento no plano da razão, da inteligência, da imparcialidade científica. Deixa-se na penumbra a própria substância do direito, cujas raízes se alimentam da vontade e liberdade do intérprete ou de sua rendição à força coercitiva de outras fontes, com inclusão da lei e do grupo social como um todo, ou fração desse grupo.

Ora, é a própria inteligência humana que atesta, de início, suas limitações, assim como corrobora a falta de clareza de todo e qualquer sistema cultural, ou jurídico, ou lingüístico. Há sempre um enorme espaço a ser preenchido pelo hermeneuta, que deve e só pode fazê-lo a partir de si próprio e de mais ninguém. Aflora, então, numa incisão mais profunda e realística do direito, a vontade soberana, ainda que compartilhada, de quem por algum motivo se vê na contingência de impor, opinar ou decidir.

O sistema lingüístico da lei cede a vez, em termos de conteúdo, para o sistema ideológico do intérprete. Sua liberdade, condicionada à censura interna e à relativa coercibilidade de padrões culturais contraditórios, numa sociedade heterogênea, serve de parâmetro para o grau de responsabilidade ética inerente à direção escolhida.

Registro um único exemplo, ligado à nova Parte Geral do Código Penal vigente. A introdução do "erro sobre elementos do tipo", do "desconhecimento da lei" e do "erro sobre a ilicitude do fato" (arts. 20 e 21), embora recebida como avanço tecnológico, permite que o jurista encontre na lei o que melhor lhe convier, em função de suas preferências. O erro sobre a ilicitude do fato implica obrigatoriamente desconhecimento da lei. Num sistema de estrita legalidade é a lei que carrega em si e por si mesma a nota de licitude ou ilicitude de toda e qualquer conduta. Quem admite que pode praticar eutanásia, por entender lícita a conduta, desconhece a norma incriminadora. Diga-se o mesmo com relação ao consumo de maconha; maus-tratos a título de educação doméstica; apropriação de coisa achada; manutenção de local para encontros libidinosos.

Conclusão: não se disciplina o apetite do intérprete oferecendo-lhe cardápio tão variado. E o jogo retórico entre "tipicidade" e "ilicitude" só surte efeito na predisposição emotiva de quem gosta de ilusões. Aduzia Enrique Aftalión, em 1952, que da tipicidade "só resta um nome, uma etiqueta nova para designar coisas já velhas" (La escuela penal tecnico-jurídica y otros estudios penales. Buenos Aires: Valerio Abeledo, 1952, p. 129).

Além de confusa, com seus vários significados, a tipicidade é supérflua, "é uma sutileza técnica para exprimir de modo diferente o princípio da legalidade", asseverava Raul Chaves, em abono do raciocínio de Maggiore e tantos outros penalistas (Da tipicidade penal. Bahia: Artes Gráficas, 1958, p. 93).

Ou seja, pouco interessam os rótulos, as etiquetas, os nomes de batismo, as redefinições propostas ou subentendidas. Interessa muito mais o grau de liberdade histórica e circunstancial para a imposição fática de uma vontade efetivamente construtora do direito.

A propósito, só as leis e as teorias, por sinal fragmentadas, costumam aparecer no tronco e nos ramos de uma simbólica árvore do direito. Suas raízes, por serem raízes, raramente se mostram à superfície. Descobre-se a mágica tentativa de imposição lógico-racional de um direito construído a partir dos troncos e dos ramos, sem raízes de sustentação.

Numa visão sistêmica, no entanto, consegue-se vislumbrar a seiva da vontade do intérprete a transformar-se gradativamente em seiva da vontade da lei ou do grupo social, na hipótese de conflito. Leis e teorias só traduzem o direito se alguém se dispõe a sustentá-las, mesmo a contragosto.

Voltando a Raul Chaves: "... quando o Estado procura, realmente, armar-se de maiores poderes repressivos, não há tipicidade, não há irretroatividade da lei penal, não há nullum crimen sine lege que o contenha. O que há é um direito penal autoritário (com a tipicidade singularmente reduzida a um "meio auxiliar técnico"), como o constituído ali mesmo, na pátria da doutrina do Tatbestand" ( ob. cit., p. 94).

Assim, ainda que no interior de um sistema jurídico reputado por muitos de elitista – sem embargo de suas propostas de igualdade e nivelamento – é perfeitamente possível enxergar a presença de conteúdos valorativos que resolvem, contraditoriamente, o problema das anomias e divergências. E como não existe lei, nem sentença, sem grupo social, pode-se pelo menos buscar neste último o denominador comum da síntese ocasional e passageira.


5. Essência do crime

Insistir, portanto, na validade de estruturas lógico-objetivas do direito penal é continuar desviando a atenção dos mais jovens para com a questão crucial do conteúdo ético do direito, a ser resolvida através de engajamento consciente e personalizada, no contexto histórico. Crime e pena jamais tiveram qualquer estrutura distanciada do cenário sócio-vivencial dos homens, seus únicos artífices e destinatários no plano normativo, com ou sem aprovação divina. A essência do crime não se restringe à legalidade, via contradição formal ("nullum crimen sine lege") ou à reprovabilidade ético-normativa ("nullum crimen sine censura"). A essência do crime não reside na tipicidade, na ilicitude, na culpa, no finalismo da conduta ou em qualquer outra palavra de dicionário cujo significado se possa encontrar na objetiva universalidade da "natureza das coisas".

Que o digam, ao longo da história universal, as mulheres, os recém-nascidos, as crianças, os indígenas, os servos da gleba e os escravos, no âmbito das relações domésticas, políticas e de trabalho. Que o digam os estrangeiros, os dissidentes, os negros, os pobres, os judeus, os hereges, os apóstatas, as minorias religiosas ou tribais (às vezes, as maiorias), os expatriados, os fugitivos de guerra. Quem é que se encarrega de identificar, com precisão dogmática, a mencionada "natureza das coisas"?

A essência do crime é visivelmente circunstancial e aleatória, haja vista a interdependência de fatores ou matrizes juriferantes (lei, ideologia, intérprete) em estágio de revogação recíproca ou de aliança estratégica, resolvendo-se, em substância, pela facticidade impositiva da vontade mais forte.

A falha maior do penalista reside na credibilidade excessiva nos próprios métodos que utiliza no processo de identificação e interpretação da norma cabível. A pluralidade de métodos (texto, espírito, bom-senso, razão, justiça, eqüidade, política criminal etc.) evidencia contradição insolúvel, a implicar adesão participativa no momento da escolha. E a opção se dá, em princípio, via intuição ou sensibilidade afetiva. Na seqüência, ou como pressuposto, completa-se o esquema através da própria vontade, em havendo clima de liberdade opinativa (doutrina) ou decisória (sentença). Jamais existiu direito fora de suas reais e concretas circunstâncias históricas.

Assim, na correta observação de Gladston Mamede, há que se tomar distância das teorizações dogmáticas para, em contraponto ao "purismo do grosso dos trabalhos jurídicos", buscar o direito em sua existência dinâmica. Com o detalhe de que o próprio conhecimento, em suas estruturas consolidadas, também estaria necessitando "de uma crítica e revisão constantes" (Semiologia do direito: tópicos para um debate referenciado pela animalidade e pela cultura, p. 193).

Sobre o autor
João José Caldeira Bastos

professor de Direito Penal da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, professor de Direito Penal (aposentado) da Universidade Federal de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, João José Caldeira. Direito Penal:: visão crítico-metodológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1543, 22 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10430. Acesso em: 25 nov. 2024.

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