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Ideias Jurídicas Contemporâneas.

Agenda 30/05/2023 às 12:21

 

 

Resumo: As principais linhas mestras que tanto caracterizam dos diversos direitos contemporâneos e que apontam para elementos de conexão e interseção entre os diferentes ramos jurídicos. No Ocidente contemporâneo existem profundas diferenças entre os sistemas jurídicos dos Estados e que podem ser identificadas facilmente. Uma questão nevrálgica é a das fontes do Direito.

Palavras-chave: Direito Contemporâneo. Filosofia do Direito. Fontes do Direito. Doutrina. Jurisprudência.

Em nosso país, vige a proeminência da lei enquanto a fonte de direito no Reino Unido há a prevalência do costume reconhecido pelo precedente judicial. Há ainda a jurisdição internacional e o Direito Internacional vigente que traduzem o direito contemporâneo e não podem deixar de serem analisados para entender o estado da arte do Direito presente e vigente.

Não se pode confundir a história com o passado. E, assim, a História do Pensamento jurídico não significa a história das ideias do passado jurídico do direito do tempo presente é um capítulo relevante para o método que se reveste de cientificidade sobre o atual momento jurídico presente, possibilitando não somente a crítica deste objeto, mas igualmente sua continua e intensa transformação.

Didaticamente, situa-se a Idade Contemporânea o período compreendido desde a Revolução Francesa de 1789, ao final do século XVIII até os presentes dias. E, nesse panorama o impacto dois conflitos mundiais foi decisivo para delinear as linhas mestras do sistema contemporâneo do Direito que se traduzem nas instituições comuns que dão existência aos mais diversos sistemas estatais que, para além de se caracterizarem como um conjunto de teorias que integram a estrutura de poder da jurisdição.

Entre as linhas comuns do direito contemporâneo ocidental há o primado da Constituição no sistema normativo de Direito e, o monopólio do Direito pelo Estado, com forte tendência de a lei ser considerada como principal fonte do Direito. Percebe-se que entre tais linhas principais do suporte teórico contemporâneo situam-se a Escola da Exegese e a Escola Histórica.

E, representam linhas que ora lidam com a lei e, ora com o costume como principal fonte de direito. É exatamente pelas fontes do direito que tais escolas galgaram maior representatividade no pensamento jurídico contemporâneo.

O primado da Constituição no ordenamento jurídico, nos força a revistar o termo "constituição" já era conhecido desde o Direito Romano, sendo o ato do Imperador. A partir do século XVIII esse vocábulo se revestiu de uma especial e complexa conotação. E, com a afirmação do Estado-Nação e a construção da teoria do Direito Natural racionalista, engendradas a partir da modernidade dotada de antropocentrismo.

A Constituição foi o termo escolhido para designar a norma que fundamenta o conjunto de estruturas políticas do Estado, que se prevê seus órgãos legislativo, judiciário e executivo. E, também o conjunto de garantias correspondentes à enumeração de liberdades públicas.

A Constituição traduz a condição para que um Estado, seja reconhecido como Estado de Direito, pois será tida como a lei suprema do Estado, que ao organizá-lo, estabelecerá os próprios limites à sua atuação.

Por conseguinte, ao final do século XVIII, a Declaração dos Direitos do Homem do Cidadão promulgada pelos revolucionários, estabelecia que o país que não tivesse a separação de poderes e a garantia de Direito não teria uma Constituição.

A referida garantia de direitos correspondia que entre o indivíduo e o Estado havia direta relação, por isso, se afirma que a Revolução Francesa deu origem a um direito muito individualista. Pois o indivíduo goza de máximo de liberdade, tanto no domínio do direito privado, quanto no domínio do direito público.

O papel do direito natural racionalista foi bem ressaltado e, já no Direito Romano já existia a distinção entre o Direito Público e o Direito Privado com vistas a se ocupar deste derradeiro. O Direito Público era exercido por quem detinha o jus honorum, ou seja, os patrícios, não estava relacionado diretamente ao jus, mas sim, a leges e às instituições da magistratura romana.

O direito natural racionalista, ao buscar na razão humana o fundamento do Direito, abriu caminho para que o Direito Público, que também deve ser uma atividade racional passasse a ser matéria afeta ao jurista, de forma que tanto o exercício do poder quanto às relações com o súdito do Estado não teriam nenhum motivo para serem subtraídas ao Direito.

Eis a síntese de René Davi, in litteris:

         “A escola do direito  natural [racionalista]  obteve dois êxitos  espetaculares. Em  primeiro lugar, fez  reconhecer que o  direito devia

estender-se à esfera  das relações entre  governante e  governados, entre a  administração e os  particulares. O  direito romano  formulava a distinção  do direito público e  do direito privado,  para deixar de lado o  direito público; os  juristas,  prudentemente, não  se aventuravam nesse  domínio reservado e perigoso”. (In: DAVID, René. Os grandes sistemas do direito  contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes. 1996. p.51).

Depois da segunda metade do século XIX, o tema sobre a Constituição galgou centralidade em todo o Direito Público, passando ser o norteadora para a reforma do Direito. Esses princípios de Direito Público e fixados na Constituição, serviriam como primaz diretriz para a reforma de todo o sistema jurídico de determinado Estado, consagrado o ideal constante no Direito natural racionalista, de limitação à atuação do Estado com base nos Direitos básicos da Pessoa Humana, dentro os quais está o respeito à liberdade individual. E, neste sentido, basta ver o exemplo Koselleck, o qual afirma que a concretização no Direito dos ideais de liberdade humana e moralidade foram materializadas na Prússia, a partir do século XIX, através da Constituição, a qual possibilitou e a reforma do Direito que apontou para o progresso. (In: PAZOS, Juan Baró. La codificación del derecho civil en España, 1808-1990. Santander: Universidade de Cantabria, 1992: LEVAGGI, Aberlardo. Manual de Historia del derecho argentino. Buenos Aires: Depalma, 1991, p. 169).

A instituição da lei como principal fonte do Direito foi a natural consequência do jusnaturalismo racionalista da modernidade, pois a lei era defendida como sendo uma obra-prima da razão que possibilitava a abstração de modelos de conduta, através de esquemas gerais que estabelecem o plano da lógica e do raciocínio dedutivo a ação esperada pelo Direito e, assim, regulada por ele.

Porém, não é apenas isso. A identificação do Direito à lei possibilitava ainda afasta uma realidade constatada no passado anterior no período contemporâneo, o pluralismo jurídico.

Tal  pluralismo jurídico significava a existência de  diversas ordens jurídicas – aí incluído o Direito  Canônico – que eram tidas como fontes do Direito,  inclusive algumas que não eram produzidas pelo  Estado, como é o caso do Direito natural, as quais  coexistiam em um mesmo território.

Desta  monopolização do Estado, resultou como  consequência o afastamento do Direito Natural do  discurso jurídico e, em substituição deste último,  afirmou-se o Direito Positivo, por paradoxal que  aparente, pois foi o Direito Natural racionalista  que possibilitou este panorama..

Diz-nos Kirste  que “‘positivo’ significa,  neste contexto, que a  norma jurídica é  produzida por uma  decisão humana, não  derivando da  ‘natureza’ a sua existência”. (In: KIRSTE, Stephan. Einführung in die Rechtsphilosophie.  Darmstadt: WBG. 2010. p.104).

O primado da lei e a codificação, conclui-se, se afirmaram a partir do início da Idade Contemporânea tidos como instrumentos para unificar o Direito e centralizá-lo nas mãos do Estado que então, passaria a ser o único produtor da norma jurídica. Com isso o vetusto arbítrio judicial que havia no Direito Romano, não tinha mais lugar, e segundo tal ideologia, a criação do Direito seria um processo exclusivo do Estado pelo Poder Legislativo. E, por conseguinte, pela lei e codificação deu-se a monopolização estatal das fontes de Direito. A codificação representaria a própria superação das instituições do antigo regime, que seria substituída por um ordenamento jurídico e que conduziria ao que foi chamado posteriormente de Estado de Direito, o qual seria resumido na submissão da ação estatal à própria lei criada pelo próprio Estado, por meio de seu Poder Legislativo.

E, tal desiderato era uma meta do liberalismo burguês o qual está em conexão com o desenvolvimento normativo dos Direitos Naturais que garantido os Direitos individuais frente à ação do Estado, realizariam o mencionado Estado de Direito.

A codificação do  direito privado  constitui uma  condição para a  realização do projeto  liberal. Cada um dos  códigos projetados  corresponde ao  desenvolvimento  normativo de direitos  naturais e liberdades  em concreto: o  Código Civil tutela a  propriedade; o  Código Penal a liberdade e o direito à  segurança.

A codificação transcende bastante ao domínio do Direito e, de fato, é o traço mais marcante do século XIX que foi dominado pela novel classe social burguesa. No fundo, a codificação do direito é um processo que conduziu a supressão de velhas estruturas jurídicas do Estado do Antigo Regime, com a consequente substituição do Direito anterior por novo ordenamento jurídico.

Iniciando-se no  fim do século XVIII e se desenvolvendo ao largo de  todo o século XIX. A codificação foi mais do que  um fenômeno propriamente jurídico, pois  representou um traço definitivo de uma época  histórica, na qual surge um novo Estado e uma  nova sociedade denominada classe burguesa; por  tudo isso a codificação comporta uma séria de conotações políticas, sociais e econômicas, que  transcendem as estritamente jurídicas.

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Ressalte-se que essa nova classe social, a burguesia, ao defender e, posteriormente, implementar a vinculação do Direito à lei como expressão de racionalidade, procurou também desqualificar a ordem jurídica anterior. Imputando-a como irracional e injusta. (In PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Discurso histórico e direito.  In: Discurso e Direito, Organizado por Ricardo Marcelo  Fonseca. Santa Catarina: Boiteux. 2006. p.134).

Conclui-se que esta que a investigação histórica se desnuda como grande mentira, e  estudiosos alertam que certas historiografias encobrem deliberadamente que o ordenamento pré-oitocentistas fora principalmente pluralista, no qual a lei era tida como fonte minoritária e subordinada.

Foi graças à ideologia que defende a lei como expressão da racionalidade, a imensa maioria dos países ocidentais têm na lei a principal fonte de Direito, como é o caso do ordenamento jurídico pátrio, e mesmo nos países nos quais a referida lei não tem o status de forte principal do Direito, ela não deixa de existir, conforme se dá nos ordenamentos jurídicos inglês e norte-americano.

A Escola Exegese foi movimento intelectual surgido em França que representou a  identificação da lei com o Direito, uma ruptura com o pluralismo jurídico que existia no Direito Medieval e, em boa medida vige no Direito Moderno. E, assim, não se pode desvincular esta Escola  do monopólio da produção do  Direito nas mãos do Estado e o primado da lei como fonte de Direito.

E, nesta escola “sob a influência do  racionalismo  moderno os  defensores do  positivismo jurídico  [da Escola da  Exegese]  assemelharam o  direito aos sistemas  axiomáticos da  geometria ou da  aritmética, tentando  modelar o Direito  segundo ciências  consideradas  objetivas e  impessoais, das quais  se deve suprimir tudo  que for subjetivo e  decorrente, por esse  motivo, do arbítrio.

O  positivismo jurídico  [da Escola da  Exegese] elimina no  Direito todo recurso  aos juízos de valor, à  ideia de justiça, ao  Direito Natural e a  tudo que concerne à  moral, à política ou à  ideologia. A razão  jurídica se converte  em um cálculo”.

De fato, coexistiam as normas jurídicas emanadas pelo Estado, principalmente, durante o período da modernidade, fontes de Direito não-estatais, como costume, privilégios das cidades e das corporações, os Cânones da Igreja Católica e o Direito Canônico, dentre outros.

Portanto, não era o Estado o único produtor do Direito. E, a coexistência de ordens jurídicas que se estabeleciam ao lado da ordem jurídico do Estado foi denominada de pluralismo jurídico. E, assim, o pluralismo jurídico perdeu a sua força na Idade Contemporânea e a Escola que deu suporte teórico para a identificação do Direito com o Estado foi a Escola da Exegese.

O direito natural racionalista do século XVII foi importante fator para o surgimento em França da Escola da Exegese e, defendia o direito natural racionalista que o direito decorre da natureza sociável do homem, por isso, essa corrente do direito natural foi antropocêntrica.

Apesar de ter em comum com as outras correntes do direito natural, a concepção da existência de uma ordem jurídica anterior e superior à ordem jurídica estatal, há um ponto que distingue o direito natural racionalista.

Explique-se: a ordem  jurídica anterior e superior à ordem jurídica  estatal tem natureza antropocêntrica, a fonte dela  é, em última análise, a razão humana. Foi o antropocentrismo do direito natural  racionalista que possibilitou o deslinde da codificação e da Escola da Exegese.

Com efeito,  tanto a lei quanto o direito natural racionalista possuem o mesmo fundamento, nomeadamente a  razão humana, e tal fundamento possibilitará a defesa no plano das ideias de dois pilares  fundamentais.

A primeira é a possibilidade de  obter um direito em conformidade com a razão  universal, materialmente justo e abstratamente estabelecido através de uma fórmula escrita geral.

A segunda ideia decorre da lógica silogística, que traduz, na filosofia aristotélica, a forma perfeita de raciocínio: a subsunção do caso, que seria a  premissa menor, à fórmula racional escrita, abstrata e geral, que é a premissa maior.

É na adequação do caso à fórmula abstrata que se  resolverá, perante o Direito, a situação conflituosa posta, significando que a forma perfeita de raciocínio, segundo a lógica dedutiva, era o  mecanismo por excelência para dar forma ao que dá o próprio fundamento material do direito: a razão humana.

Enfim, a Escola da Exegese o juiz era a boca da lei, o porta-voz da lei. Não caberia ao juiz, ao dar a decisão pronunciar-se sobre a razoabilidade ou a justiça da solução legal, pois a referida escola não questiona se a solução legal é aceitável. Ao revés, a solução

legal deveria se impor ainda que causasse flagrante injustiça e até fosse irrazoável, pois o juiz é apenas um servo da lei, não lhe cabendo criar o Direito e, sim, apenas aplicar a dita lei.

A Escola da Exegese defende que o Direito é conhecimento objetivo e impessoal, posto que se baseia tão-somente em um processo de dedução legal, já que o direito positivo é identificado com a vontade do legislador.

E, tal objetivação se deveu à influência exercida no método desta escola os modelos axiomáticos das ciências da natureza(como por exemplo: a geometria e aritmética), os quais modelaram o Direito segundo aqueles critérios de objetividade e impessoalidade.

Tal qual nas ciências naturais, a exegese defendia a existência uma separação absoluta entre as funções do Direito, pois o criador do Direito que é o legislador, não se confunde com seu aplicador que é o Juiz.

O juiz, portanto, deverá decidir o caso concreto e, se utilizar de um processo lógico dedutivo, baseado em raciocínio silogístico, no qual a lei é a premissa maior, e o caso concreto era a premissa menor e, a sentença representava a conclusão deste raciocínio, sendo resultante da adequação do caso ao comando constante na lei.

Caberá ao juiz, assim, não o papel a criação do Direito, já que este está perfeito e acabado na lei do Poder Legislativo do Estado, mas tão somente, velar para que a solução legal seja implementada nos casos submetidos a sua jurisdição. É, por isso que o juiz é identificado como a boca da lei por essa referida Escola..

Segundo a Escola da Exegese defendeu que a matéria prima por excelência do Direito é a lei e, de acordo com Levaggi, antes da codificação, o direito racionalista estava divorciado da lei, mas depois a promulgação dos códigos, Direito e lei foram considerados como sinônimos.

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A lei é apresentada como única fonte do  Direito, que não se dissocia do Estado, pois é criada  por este último. Quando a Escola da Exegese, que  se enfatize, surgiu na França, identificando o  Direito à lei, “cultuava” esta última, o Código Civil  de Napoleão – rectius, a lei civil da França, que é  de 1804 – foi o instrumento que possibilitou a  unificação do Direito naquele país.

Através da lei,  por conseguinte, unificou-se todo Direito em  torno da norma legal abstrata do Estado,  rompendo-se com o pluralismo jurídico e se  realizando o ideal racionalista, que reduzia a  fórmulas gerais e prévias, aplicadas a partir de um  mecanismo da lógica – o silogismo – o qual  representava a forma perfeita de raciocínio.

Através da lei, o Estado encerrava todo o processo de criação e distribuição do Direito em si, surgindo nesta época a identificação do Direito com o Estado, pois todo o Direito emanava dele, sendo denominado de direito positivo. E, portanto, o direito positivo é o direito produzido pelo Estado, válido e vigente em todo o território do Estado.

Neste panorama, a Escola da Exegese  defendeu o que se chama de Positivismo Legal ou,  ainda, Direito Positivo Legal. Isto é, o Direito válido  e vigente é do Estado, que o monopoliza, criando-o  a partir da lei.

A Escola Histórica do Direito, surgida na  Alemanha, tem sua criação conectada com a  Escola da Exegese francesa. Ainda no século XIX,  precisamente dez anos após o Código Civil de  Napoleão, isto é, em 1814, surgiu um opúsculo  intitulado Sobre a necessidade de um direito civil  geral para a Alemanha (Über die Notwendigkeit  eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für  Deutschland), escrita pelo romanista da  Universidade de Heidelberg Anton Friedrich  Justus Thibaut.

O panorama social e político que serve  como pano de fundo para a obra de Thibaut foi  fundamental para compreendê-la. Em 1806 o  Sacro Império Romano Germânico foi formalmente dissolvido, com a renúncia do último  Imperador Francisco II, em face das derrotas  sofridas frente ao Império Napoleônico.

Após a  citada renúncia, em 1807, foi celebrada a paz de Tilsit com a França, depois de nova derrota do  exército da Prússia frente às forças francesas, que  acarretaram a perda dos territórios a oeste do Elba.  

Como nestes territórios era aplicado o Código Civil  de Napoleão, Thibaut, após o período de  dominação francesa, que durou cerca de seis anos, propôs que a exemplo dos antigos dominadores, a  Alemanha também possuísse um Direito Civil  unificado.

À proposta de Thibaut reagiu Savigny,  contrapondo-se a ela. É desta reação que surgiu a  Escola Histórica do Direito. De pronto, Savigny  deixou claro que era favorável a codificação do  Direito, por isso ele concluiu o seu escrito contra a  proposta citada afirmando que está, no ponto  referente necessidade de um código para a  Alemanha.

De acordo com Thibaut, verbis: “Quanto à finalidade estamos de acordo:  queremos a  construção de um  direito não duvidoso,  que assegure contra  as usurpações da  arbitrariedade e das  injustiças; esse direito  tem que ser comum  para toda a nação e  deve ser realizado com todos os esforços  científicos.”

Contudo, asseverava que dita codificação  somente poderia traduzir o direito científico se ela  fosse feito da maneira oportuna, pois a pressa na  realização do código não era compatível com a  cientificidade do Direito. Isto porque o código não  poderia representar um ato despótico do  legislador, mas sim deveria representar, através  dos costumes jurídicos e hábitos do povo, o seu  próprio espírito.

Ensinou-nos Savigny que o direito científico não brota de um ato de arbítrio do legislador, ao contrário, nasce dos hábitos e costumes do povo, devendo ao Estado, por seu legislador, reconhecer esse Direito aparecido do costume e transformá-lo em lei.

O Direito positivo que é o Direito do Estado, para a Escola Histórica não era propriamente uma criação estatal, mas era um signo reconhecido pelos legisladores, sendo sua verdadeira fonte o Espírito do Povo (Volksgeist).

A Escola Histórica, ao defender que a fonte própria do Direito é o Espírito do Povo,  pregava que ele era uma obra intuitiva e  inconsciente de um Estado, que se exteriorizava  através do costume jurídico.

Este último era composto pela sucessão reiterada de atos pelo  povo aliado à convicção da obrigatoriedade dos mesmos, sendo um dado histórico determinado e determinável. Assim, sintetiza Meder que “o  Espírito do Povo não é outra coisa senão a  consciência da coletividade, que naturalmente  refere-se a um momento determinado, e que liga no sentido de unidade uma Nação”.

A filosofia do racionalismo, que está  na base da Escola da Exegese, que surgiu na Idade Moderna e construiu as bases teóricas do Direito  Natural racionalista foi substituída pela Escola  Histórica por outra corrente do pensamento, nomeadamente o historicismo.

Com efeito, um autor tem especial  importância no século XIX: Hegel. Essa especial importância está conectada com a Escola Histórica,  porque é Hegel o principal autor da corrente de  pensamento que se chama historicismo filosófico.

A história da filosofia não  representava apenas o ponto culminante de toda a  filosofia até então produzida, em um processo no  qual se compreende uma trajetória de conceitos da  lógica, da metafísica, da estética, etc.

Para além  disso, a história da filosofia representa a própria  essência da filosofia, pois o autor não dissocia a  história da razão. Por isso se diz que Hegel “foi um  pensador do século XIX sem perder a consciência  das razões do século XVIII”.

De fato, Hegel afirmava que a filosofia do povo nasce a partir da busca de sua identidade, verificando-se quando uma nação identifica seus valores fundantes. E, o resultado é denominado por Hegel de Espírito do povo.

Na Escola Histórica, o Direito passou a ser  concebido como uma manifestação dinâmica,  produto do costume historicamente reconhecível,  que traduz o conceito hegeliano de Espírito do  Povo. Enquanto manifestação dinâmica o Direito é  um saber historicamente determinável, variando  tanto no espaço, quanto no tempo, conforme o  referido Espírito do Povo.

Neste panorama, a  diferença entre esta escola e a anterior reside no  fato do Direito não poder ser vinculado ao arbítrio  do legislador, mas sim costumes determinados e  determináveis, que são a manifestação cultural  decorrente do citado Espírito do Povo.

Na Escola Histórica, o direito seria aquele fixado nos institutos jurídicos pelo costume de um povo, que inclui mesmo a legislação.

Isto não sem a ativa intervenção do saber dos juristas que se consolida pelo labor analítico-sistemático dos juristas aumentando a compreensão dos institutos jurídicos, como a propriedade, o casamento, o contrato, que derivam do Espírito do Povo.

A Escola Histórica na sua incessante busca pelo direito do Espírito do Povo, não tinha respeito absoluto pelas fontes estatais, ou seja, tinham postura oposta aos defensores da Escola da Exegese, pois caberia ao jurista a construção de normas.

Por essa razão, a Savigny defendeu o uso com grande liberdade das fontes romanistas e do próprio direito do Estado, rectius, o direito positivo, posto que ambos eram vistos como matéria-prima através da qual a ciência jurídica extrai os princípios-gua que possibilitam a construção do direito científico, aquele que traduz o tão mencionado Espírito do Povo.

Registre-se, com relação ao direito romano, que Savigny reconheceu neste um direito construído ao longo de um grande espaço de tempo, mas que chegou até seu tempo compilado no período de sua decadência que era o período de Justiniano, por isso direito não poderia ser aplicado tal como foi em sua época histórica.

A Escola Histórica não desprezou o Direito romano e um discípulo de Savigny, Georg Putcha, potencializará a utilização  deste direito romano, criando uma “segunda fase” da Escola Histórica: a Pandectística. Rudolf von Jhering, identificando a semelhança de orientação   entre a Escola Histórica, de Savigny, e a Pandectística, de Putcha, denominou-as de Jurisprudência dos Conceitos (Begriffsjurisprudenz).

Bem como Savigny, Putcha também defendia noção de direito e de povo são conceitos interrelacionados, mas fora a partir do direito romano que a Pandectística procurou a produzir generalizações para solucionar os casos concretos levados à decisão dos juízes.

E, para isso, Putcha  procurou classificar e sistematizar conceitos e  situá-los em esquemas abstratos, que seriam  aplicados como regras lógicas do direito.

Nesta dimensão, a Pandectística construiu  esquemas a partir do direito romano para regular  as coisas, as ações e as pessoas.

Sobre o tema, traga-se à colação a síntese elaborada por Mário Losano: “Para Putcha, objetos de direito podem ser: I) coisas; II) ações; III) pessoas. Esta última  categoria era, por sua vez, dividida em três classes: 1) pessoas diversas de nós  mesmos; 2) pessoas que existiram fora de nós mas que agora se tornaram parte de nós mesmos; 3) nós  mesmos como pessoas. Essa classificação é nova, ainda que discutível, e dá novos impulsos à ciência jurídica”. In: LOSANO, Mário. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 344.

As generalizações lógicas dos princípios  jurídicos em fórmulas conceituais, operada pela  Jurisprudência dos Conceitos, sobretudo a partir da Pandectística, conduziu a afirmação do formalismo, que materialmente se identifica com o  proposto pela Escola da Exegese. Isto porque em  ambos os casos o juiz decidiria segundo esquemas  lógico-abstratos prévios ao caso em exame, o que  conduziria ao distanciamento da valorização da  realidade social, que é dinâmica, em prol de um  sistema de conceitos produzidos pelos juristas, que  é um quadro estático.

Esse quadro estático foi denunciado por  Heck, que criou um movimento de oposição à  Jurisprudência dos Conceitos, denominado de  Jurisprudência dos Interesses  (Interessenjurisprudenz).

A noção de interesse, que  já tinha sido utilizada por Jhering para designar o  Direito Subjetivo, foi retomada para designar a  finalidade da própria dogmática jurídica: era a  dogmática uma técnica destinada a tutelar  interesses socialmente relevantes.

Afinal, como um saber dirigido a atingir fins o direito era um saber prático que tinha sua racionalidade vinculada a sua funcionalidade de decidir o caso concreto, através de soluções práticas que resolvessem as lides submetidas à decisão jurídica.

Esse saber lastreado na experiência se afasta da busca de  conceitos esquemáticos e abstratos, como era  defendido pelos Pandectistas e pela Escola  Histórica, em prol de soluções pragmáticas, que  davam ao juiz amplo poder de decisão.

Utilizavam-se, portanto, de um método antagônico  ao da “Jurisprudência dos Conceitos”, que defendia  um processo de subsunção lógica.

Outras orientações contra os formalistas se  seguiram, como, por exemplo a Escola do Direito  Livre, de Hermann Kantorowicz, que tinha na proa  de seus postulados a liberdade de decisão do  magistrado, identificando o direito com a vontade  do juiz.

Nos dias atuais essas orientações antiformalistas também ganham especial destaque,  basta trazer à colação as teorias da retórica, dentre  as quais se situam as que tratam o método do  direito como o entimema, como defende Katarina  Sobota.

Entretanto, não se pode deixar de registrar  que, alternadas com tais correntes citadas, também  ressurgem posições formalistas, como foi a Teoria  Pura do Direito, de Hans Kelsen.

Em verdade essas duas posições traduzem,  através do método do direito, duas visões de  mundo. A visão formalista é fiel ao princípio da  autoridade, que vê na norma prévia uma  manifestação do próprio poder (do Estado) e por  isso não autoriza a atividade criativa do julgador.

A outra visão é tópica, pois parte da necessidade de  valorizar as circunstâncias peculiares do caso concreto,  desprezando esquemas de lógica abstrata que  formula as normas prévias; nela se valoriza a  atividade criativa daquele que possui o poder  próprio da jurisdição: o juiz.

Até os dias atuais, o  direito contemporâneo se situa na tensão entre  essas duas visões de mundo, o que faz com que o  horizonte da História do Pensamento Jurídico  ainda esteja a se descortinar, sendo de  fundamental importância o papel do investigador  para a crítica e constante reconstrução do método  na nossa ciência.

A tensão entre a vontade a razão foi impulsionada na virada do século XIX e, com seus novos saberes científicos, colocou-se em xeque visão sistemática do direito, principalmente, quanto à questão econômica e à origem do direito sob a perspectiva marxista.

E, no confronto entre vontade e razão, as perspectivas de Hobbes e Rousseau foram consideradas expoentes doutrinários, terminando, historicamente, com a supremacia daquela frente a esta. Podemos atribuir a Rousseau, com maior força, a partir de seu conceito de vontade geral, o triunfo da tendência democrática jacobina.

Segundo Perelman, Hobbes, Montesquieu e Rousseau opuseram-se à tese da jurisprudência universal: um direito natural, de um sistema de justiça válido sempre e em toda parte, formulado desde Cícero, inspirado nos estoicos.

Já os teóricos racionalistas dos séculos XVII e XVIII pretendiam elaborar esse sistema de direito justo fundado em princípios racionais (In: PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica: nova retórica. Martins Fontes, 2000, p. 18-20).

Quanto ao final do século XIX, uma das principais heranças foi a negação da razão como fundamento típico do agir humano, trazida por Rousseau no âmbito jurídico, mas proposta ampliada (no seguir do século XX, também), difundida também por Schopenhauer a partir da redução da vida a cegos instintos.

Por Nietzsche, no combate aberto à moral cristã e por Freud, com a negação da razão diante dos impulsos do sexo e da morte como guias do agir humano (In: LOSANO,  Mário G. Sistema e estrutura no direito: o século XX. Volume 2. Tradução de Lucas Lamberti. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 139-140).

Assim também em FIGUEROA, Alfonso García. Uma primeira aproximação da  teoria da argumentação jurídica. (In: MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Argumentação e Estado constitucional.  São Paulo: Ícone, 2012, p.433-68).

Assim, enquanto “a atividade da ciência jurídica do século XIX consistira  na construção do sistema, apertando os nós de uma rede que recolhesse  todo o direito, o objetivo do movimento crítico do século XX era afrouxar  tais nós.”

 Daí reconhecermos que o pensamento jurídico das primeiras três  décadas desse novo século foi caracterizado pela contraposição entre a  rigidez da certeza do direito (muitas vezes sufocante) e a flexibilidade da  decisão individual (muitas vezes imprevisível).

Como um dos principais problemas jurídicos,  assim também no início do séc. XX, a decisão judicial, anteriormente fruto das características da generalidade/abstração do Estado de Direito e da científica  propositura do método lógico-subsuntivo, diante dos ataques de perspectivas  irracionalistas passa a sofrer uma inversão: se por um lado, tínhamos a  interpretação lógico-racional fincada nos ideais científicos, de outro, tínhamos  a vontade do intérprete/juiz fincada em elementos irracionais.

Outras consequências surgem: na aplicação do  direito à vontade substitui a razão; altera-se, em síntese, do formalismo  para o antiformalismo; e veda-se, diante das novas perspectivas teóricas, o  retorno aos ideais racionais iluministas expostos na afirmação de que o juiz  se encontra vinculado à lei.

Dessa maneira, o juiz, decide(iria) “em última  análise segundo o seu convencimento, que podia também não coincidir  com a ratio do legislador”. Invertia-se, por conseguinte, a relação entre juiz e legislador, já que “o juiz podia comportar-se como se fosse o legislador”.

Sob este panorama teórico emergente, aqueles tidos como movimentos  antirracionalistas, fincados nas ideias inicialmente esboçadas acima, se  desenvolveram e adquiriram ramificações nos âmbitos francês, inglês e  alemão. Assim, cada peculiaridade das doutrinas juspositivistas nos três  países sofreu ataques e críticas mais direcionadas.

Havia certa tensão que se iniciava-se no cenário europeu continental na relação entre o juiz e o legislador, pois enquanto o judge made law, há séculos no common law, utilizava não a norma geral abstrata, mas sim, o precedente jurisprudencial, considerando a equity diante das particularidades de cada caso concreto, a perspectiva marcantemente cientificista fincava-se no oposto.

Já nos EUA, Oliver Wendell Holmes, destacava-se como principal expoente do realismo jurídico, a partir da consideração de que o direitos extrai das sentenças judiciais, imortalizando-se.

In litteris: “The confusion with which I am dealing besets confessedly legal conceptions. Take the fundamental questiona, What constitutes the law? You will find some texxt writers telling your that it is something  different from what is decided by the courts of Massachussets or England, traht it is a system of reason, that it is a deduction from principles of ethics or admitted axioms or hat not, which may or may not coincide with the decisions. But if we take the vier of our frind the bad man we shall find that he does not care two strraws for the axioms or deductions, but that he does ant to know ehat the Massachusetts or English courts are likely to do in fact I am much of this mind. Thee prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentiouss, are what I mean by the law”.

Na Suécia a fundação da Escola de Uppsala, em reação ao racionalismo análoga ao realismo americano, desenvolvendo  o chamado realismo escandinavo, sendo o direito, para tal, “o conjunto  dos comportamentos práticos e dos condicionamentos psicológicos que  derivam dos fatos; não é um sistema teórico [ou seja, não é um conjunto de  normas], mas uma série de ações”.

Tal Escola, fundada por Axel Hägerström  (1868-1939), considerou “não-científico o tradicional estudo dos conceitos  jurídicos” e concentrou, ao contrário, “a própria atenção sobre os fatos, em  particular sobre a sanção que induz a manter um certo comportamento.

De modo mais semelhante ao realismo norte-americano duas  perspectivas teóricas (ou movimentos) se desenvolveram na Alemanha  a partir do “segundo Jhering” (a partir de seu abandono à postura  sistemática, com sua crítica à jurisprudência dos conceitos), partindo para  a análise dos interesses: uma, chamada de jurisprudência dos interesses  (Interessenjurisprudenz), outra, de Movimento do Direito Livre (MDL), ou  Escola do Direito Livre (EDL, Freie Rechtsschule).

A chamada Jurisprudência dos Interesses, a partir de seu próprio nome,  considerava o Direito como “tutela de interesses”, e ao analisarmos agora  essa perspectiva mais branda, a partir de 1905, Heck tornava-se um dos seus  expoentes, fincando principalmente seus ataques à “falácia conceitual” da  jurisprudência dos conceitos, e mantendo sua posição moderada contra  Stampe e sua defesa da interpretação contra legem.

Para Heck, o Direito não era criado por conceitos, mas por fins ou valores  cuja realização se persegue. A esses fins dá-se a qualidade de comandos  jurídicos, baseados na necessidade ou interesse.

Assim, “o direito resumir-se-ia na coordenação da garantia dos interesses dos membros da sociedade,  ao passo que a atividade do juiz estaria direcionada para a composição dos  interesses das partes em conflito, de acordo com o comando normativo.

As duas principais diferenças entre as ramificações  oriundas a partir do “segundo” Jhering: a jurisprudência dos interesses não  pregava decisões contra legem, pugnando uma vinculação do juiz à lei no caso  da existência de previsões legislativas, ao contrário do MDL; a jurisprudência  dos interesses desenvolve método específico para guiar a atividade do  intérprete, a ponderação (Abwägung) dos interesses em conflito.

Esses dois movimentos vão se findar por volta da mesma época, nos  anos anteriores à Segunda Guerra Mundial.108 E, quanto ao MDL, apesar da  forte influência sociológica, manteve-se ainda mais vinculado ao neokantismo  a partir do reconhecimento que o jurista executa uma atividade valorativa

Importante relembramos de que a referência ao interesse a ser  protegido juridicamente significava, diretamente, a remissão aos valores  expurgados do Direito pelas teorias formalistas. E inevitavelmente, segue-se  a pergunta: mas quem irá determinar o valor que deve ser seguido/utilizado  pelo juiz?

 

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

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