Inúmeros fatores podem acarretar a insuficiência do trabalho pericial e respectivo laudo, como, por exemplo, a ausência de respostas a quesitos, a falta de fundamentação, e o não esclarecimento das principais questões que envolvem o objeto da perícia. A título de ilustração, vejamos alguns casos:
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão, porque respostas periciais categóricas, porém sem qualquer fundamentação, revestem um elemento autoritário que contribui para o que se chama decisionismo processual. Hipótese em que foi anulada a sentença para a realização de nova prova pericial.”[XXVIII]
“APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. ALEGAÇÃO DE ERRO NO USO DE FÓRCEPS. INFANTE QUE RESTOU COM GRAVES LESÕES NEUROLÓGICAS. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA COMPLEMENTAR POR ESPECIALISTA NA ÁREA DE OBSTETRÍCIA. DESCONSTITUIÇÃO DO ATO SENTENCIAL. Insuficientes os elementos de convicção para um juízo definitivo sobre a correção ou não no uso de fórceps para o nascimento do autor Gabriel, o qual restou com graves sequelas neurológicas em razão de fratura craniana no momento do procedimento, faz-se necessária a complementação da prova pericial realizada por neurologista, o qual deixou de responder quesitos formulados para se inferir como se deu o uso da referida ferramenta médica, devendo ser nomeado especialista na área obstetrícia para tal. Aplicação do disposto nos artigos 437 e 438 do CPC. Sentença desconstituída. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSOS PREJUDICADOS.”[XXIX]
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA. SENTENÇA IMPROCEDENTE. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE, IMPOSSIBILITANDO O EXAME DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA O BENEFÍCIO. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO DA AUTORA PREJUDICADO. 1. (…). 3. O laudo pericial pouco esclarece sobre a situação da autora, notadamente: a) provável data do início das doenças; b) se incapacitantes, qual o início da incapacidade; c) se há eventual possibilidade de reabilitação profissional para exercício de outra atividade. O perito não se convenceu acerca da existência das doenças alegadas. Ademais, dada a natureza das enfermidades apontadas, afirma que seria conveniente o pronunciamento de um especialista (psiquiatra). 4. Considerando a demora na tramitação do feito e, ainda, que, não obstante sua imperfeição, o exame pericial aponta, aparentemente, para a incapacidade laborativa, determino ao INSS que implante, a favor do autor, provisoriamente, o auxílio-doença, cuja concessão poderá ser revista após a realização de nova perícia. 5. Apelação da parte autora prejudicada. Sentença anulada, de ofício, com o retorno dos autos à Vara de Origem, para a realização da perícia adequada, após o que, observadas as formalidades legais, deve ser proferida nova sentença, concedendo ou negando o benefício.”[XXX]
“Apelação – Ação indenizatória por danos materiais e morais (estéticos) – Erro médico – Laudo pericial lacônico – Respostas vagas e imprecisas aos quesitos formulados pelas partes – Imprescindibilidade de realização de nova perícia (art. 437, segunda parte, CPC), igualmente pelo IMESC (e em regime de urgência), sob pena de impossibilidade de compreensão e decisão da questão de fundo – Anulação da r. sentença devida – Recurso provido.”[XXXI]
“APELAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. DISCREPÂNCIA DE VALORES. NULIDADE DO DECISÓRIO. CABIMENTO. Apresentando o Perito Judicial laudo que não esclarece suficientemente as questões necessárias ao exame do mérito, de cunho eminentemente técnico, deixando quesitos sem resposta, resultando-se pela evidente discrepância de valores em prejuízo ao ente público, determina-se a realização de nova prova, em observância às formalidades pertinentes. Decisão reformada. Recurso da expropriante provido; prejudicado o do coexpropriado Banco do Brasil S/A.”[XXXII]
“DANOS MATERIAL E MORAL INDENIZAÇÃO – LAUDO PERICIAL NÃO ESCLARECE AS QUESTÕES PRINCIPAIS – PRONTUÁRIO ODONTOLÓGICO NÃO FAZ REFERÊNCIA A PRÓTESE – OBRIGAÇÃO DO DENTISTA DE POSSUIR FICHA CLÍNICA COM ANOTAÇÕES PORMENORIZADAS DO TRATAMENTO MINISTRADO AO CLIENTE DESORGANIZAÇÃO DO CONSULTÓRIO DA RÉ QUE CORROBORAM COM AS ALEGAÇÕES ARTICULADAS NA INICIAL – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – APELO DESPROVIDO”[XXXIII]
Caso o perito não atenda às exigências legais para o exercício de suas funções e disto resulte uma perícia deficiente ou inconclusiva, o juiz poderá reduzir os honorários periciais inicialmente arbitrados.
Apesar de o artigo 465, §5º, do Código de Processo Civil dizer que “o juiz poderá” reduzir a remuneração do perito, cremos que a interpretação sistemática implica a conclusão de que a redução dos honorários periciais é de rigor. Com efeito, não tendo desempenhado seu ofício como deveria, já que a perícia foi reputada deficiente ou inconclusiva, o recebimento do valor integral dos honorários periciais caracteriza enriquecimento ilícito, mormente pelo fato de que para a realização de nova perícia outros honorários deverão ser pagos pela parte, que acabaria sendo onerada excessivamente.
Cremos, inclusive, que o juiz pode até mesmo indeferir o levantamento de qualquer valor pelo perito quando a prova pericial for declarada nula por sua culpa. É o caso, por exemplo, do perito que, não observando seus deveres de zelo e diligência, realiza a perícia de forma desidiosa e apresenta um laudo deficiente com conclusões parcas, que nem mesmo após os esclarecimentos é possível a valoração da prova pelo magistrado. Nesse sentido, in verbis:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PERÍCIA DECLARADA NULA POR CULPA EXCLUSIVA DO PERITO – AUTORIZAÇÃO PARA LEVANTAMENTO PARCIAL DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – IMPOSSIBILIDADE. – Se a prova pericial foi declarada nula por culpa exclusiva do expert, nenhum efeito desta pode ser percebido, não se justificando, desse modo, o pagamento dos honorários periciais com relação a esta prova. O perito, por sua culpa, não realizou o serviço que consistia na realização de uma prova apta a auxiliar o juízo no julgamento da demanda, pelo que não merece receber a devida contraprestação.”[XXXIV]
Nova Perícia
Caracterizada a deficiência da perícia, retratada por um laudo lacônico ou inconclusivo, o juiz determinará, de ofício, ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia (art. 480, CPC), que será regida pelas mesmas disposições estabelecidas para a perícia que a antecedeu (art. 480, §2º, CPC).
A segunda perícia terá por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira, suprindo omissões ou corrigindo inexatidões dos resultados decorrentes do trabalho pericial anterior (art. 480, §1º, CPC).
Nos termos do artigo 480, §3º, “a segunda perícia não substituirá a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra”. Pensamos que a aplicação desta regra somente será possível quando os vícios forem sanáveis. Afinal, se o trabalho pericial vier a ser considerado nulo, não há como se cogitar sua valoração pelo magistrado, hipótese na qual a segunda perícia certamente é realizada em substituição à primeira.
Se o perito não conseguiu realizar seu trabalho técnico ou científico de modo a elucidar todas as questões sobre o objeto da perícia, concluir-se-á, que além da necessidade de nova perícia (art. 480, CPC), esta deverá ser realizada por outro perito, pois resta evidente que, ainda que especializado no objeto da perícia, faltou-lhe conhecimentos para tanto (art. 468, I, CPC).
Vimos que inúmeras disposições regram a forma de realização do trabalho pericial e confecção do respectivo laudo, possibilitada, inclusive, a determinação de nova perícia e por outro perito, se assim for o caso. Isto, consequentemente, resulta a conclusão de que dependendo dos vícios que comprometem o trabalho pericial, este pode ser considerado nulo.
A Lei nº 13.105/2015 mostra-se mais preocupada com a forma dos atos processuais, ou seja, com o atendimento das normas pelas quais o legislador preconcebeu a finalidade do ato. Entretanto, admite-se que mesmo não observada a forma para materialização do ato processual, será considerado válido se a sua finalidade for atingida sem trazer prejuízo às partes.
No âmbito da prova pericial, a finalidade do ato – perícia – é a elucidação de todas as questões técnicas ou científicas por perito judicial especializado no objeto da perícia, incumbido de exercer o encargo escrupulosamente, com zelo e diligência, cujo laudo deverá ser redigido em linguagem simples e plenamente fundamentado, com respostas conclusivas a todos os quesitos, e fornecendo às partes, ao juiz, aos assistentes técnicos e ao Ministério Público, os esclarecimentos necessários relativos ao objeto da perícia. Consequentemente, não observada a forma legalmente prevista, e não se atingindo a finalidade da perícia, esta não poderá ser considerada válida, sendo de rigor a determinação de perícia substitutiva, que deverá ser realizada por outro perito.
Reexame das Decisões
Do que foi visto, pudemos observar que várias decisões são proferidas durante a produção da prova pericial. Porém, qualquer que seja o conteúdo dessas decisões, não desafiam agravo de instrumento, por expressa ausência de previsão legal (art. 1.015, CPC). Como já tivemos a oportunidade de expor “a Lei nº 13.105/2015 taxou as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, inviabilizando, consequentemente, a interposição desse recurso contra decisões interlocutórias proferidas sobre outros assuntos.”
Entretanto, ressalvada a possibilidade de impetrar mandado de segurança, a parte poderá, quando da interposição do recurso de apelação, ou em contrarrazões, em preliminar, suscitar as questões decididas e não agraváveis (art. 1.009, §1º, CPC), submetendo-as ao reexame pelo tribunal.
Por outro lado, quando a produção da prova pericial for realizada antecipadamente (arts. 381/383, CPC), o artigo 382, §4º, do Código de Processo Civil, estabelece que nesse procedimento não se admite defesa ou recursos, salvo contra a decisão que indeferir totalmente a produção da prova pericial pelo requerente originário. Provavelmente, ao assim dispor, o legislador considerou que nesse procedimento não se discute o mérito da questão que envolve a prova produzida antecipadamente, o que justificaria vedar a apresentação de defesa ou a interposição de recursos.
Ocorre que para a produção antecipada da prova, qualquer que seja ela (pericial, oitiva de testemunha, etc.), várias normas devem ser observadas, inclusive pelo magistrado, cujas decisões não desafiam agravo de instrumento. Assim, por não haver no procedimento de antecipação de provas espaço para recurso de apelação (art. 382, §4º, CPC), a parte que se sentir lesada pela decisão interlocutória não poderá, suscitar a respectiva questão (art. 1.009, §1º, CPC), o que nos parece ferir princípios processuais constitucionais, haja vista que a decisão singular de primeiro grau de jurisdição será, por si só, imutável.
Nesse contexto, considerando nossa posição já apresentada noutra ocasião[XXXVI], entendemos que a parte lesada pela decisão interlocutória irrecorrível poderá impetrar mandado de segurança. Confira-se, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA DESPACHO. AUSÊNCIA DE RECURSO CABÍVEL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 267 DO STF. TERCEIRO INTERESSADO. SÚMULA Nº 202 DO STJ. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA CAUSA MADURA AO RECURSO ORDINÁRIO. RECURSO PROVIDO.
Não há previsão no ordenamento jurídico de recurso contra despachos. É, portanto, cabível a impetração de mandado de segurança. Hipótese em que deve ser afastado o entendimento da Súmula nº 267 do STF.
(…).
Recurso ordinário provido, para anular o acórdão recorrido, determinando que o Tribunal de Justiça de São Paulo conheça da impetração e sobre ela decida.”
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – DESPACHO – INEXISTÊNCIA DE RECURSO PRÓPRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – CABIMENTO – ACESSO AOS AUTOS – VISTA FORA DE CARTÓRIO – PRERROGATIVA DO ADVOGADO – LEGITMIDADE – AUSÊNCIA DE SIGILO – GARANTIA DO ESTATUTO DA OAB E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO PROVIDO.
(…)
O ato judicial que determinou a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça tem natureza de despacho, porquanto conferiu andamento ao processo. Nesse contexto, inexistindo recurso próprio para discutir o referido ato judicial (art. 504, do CPC), cabível o manejo de mandado de segurança. Escólio doutrinário. (…)”
5. Aplicabilidade das Normas de Direito Probatório da Lei Nº 13.105/2015
Ponto importante a ser destacado é que mesmo já tendo entrado em vigor, as normas de direito probatório constantes da Lei nº 13.105/2015 não são aplicadas às provas requeridas ou determinadas de ofício antes do início de sua vigência. É o que dispõe o artigo 1.047, in verbis:
“Art. 1.047. As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.”
Observe-se que não é a data da propositura da ação que determina quais são as normas de direito probatório aplicáveis, mas sim o momento que a que prova foi requerida pelas partes ou determinada de ofício pelo juiz. Assim, ainda que fase instrutória seja reaberta na vigência da Lei nº 13.105/2015, caso a prova tenha sido requerida ou determinada de ofício na vigência do Código de 1973, é este que regerá a respectiva produção.
Conclusões
Tudo que foi anteriormente exposto demonstra a importância da prova pericial, pois em vários casos o juiz estará diante de fatos que versam sobre questões técnicas ou científicas, cujo conhecimento não possui ou não domina, necessitando ser auxiliado por um perito especializado na respectiva área.
Como auxiliar da justiça, só poderá ser nomeado perito o profissional especializado na área de conhecimento do objeto da perícia, devendo apresentar seu currículo com prova da especialização.
A exigência da efetiva especialização é mais do que adequada, pois em muitos casos o perito nomeado estará incumbido de examinar atos e procedimentos realizados por outros profissionais também especializados. Desta forma, seria absolutamente incoerente que um profissional, não especialista na área do objeto da perícia, seja nomeado para auxiliar o magistrado.
Para que a perícia atinja sua finalidade de levar aos autos do processo todos os esclarecimentos necessários à compreensão da matéria, viabilizando a valoração da respectiva prova, todas as regras que disciplinam a forma do ato devem ser escrupulosamente observadas, sob pena do trabalho pericial e respectivo laudo serem considerados insuficientes e lacônicos, acarretando a invalidade.
A Lei nº 13.105/2015 – “Novo Código de Processo Civil” – trouxe inúmeras inovações no âmbito da produção de prova pericial, e ao incorporar vários entendimentos jurisprudenciais adotados na vigência o código revogado, enriqueceu a legislação e afastou a possibilidade de discussões muitas vezes infundadas, e que tinham como origem a falta de um regramento mais minucioso.
Continuação em outros artigos do mesmo autor.
Referência
PRETTI, Gleibe. Temas importantes de perícia com ênfase em grafotécnica 2ª edição. Ed. Jefte. 2022