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O crime de racismo e o atual imbróglio para a segurança pública no Brasil

Agenda 07/06/2023 às 15:34

RESUMO

O racismo possui uma construção histórico-social que, por muitos anos, foi sonegada pelo legislador. Apesar da criação do tipo penal e da imposição de penas duras às práticas racistas, o atual cenário nacional tem protagonizado uma nova onda de manifestações racistas, inclusive, no próprio setor da segurança pública. O objetivo deste artigo foi analisar o crime de racismo diante do atual cenário da segurança pública brasileira. Os resultados encontrados evidenciam que o atual cenário da segurança pública nacional se encontra abalado drasticamente por imbróglios produzidos por novas manifestações públicas que se enquadram no tipo penal do racismo. A conclusão da pesquisa evidência a necessidade de elaboração de políticas públicas preventivas de base, bem como políticas públicas reversivas de caráter reeducativo, de modo a desconstruir as ramificações histórico-sociais que ainda repercutem sobre o atual cenário do racismo no Brasil.

Palavras-chave: Brasil; Racismo; Segurança Pública.

INTRODUÇÃO

Explanar sobre o racismo é retomar aos liames histórico-sociais da sociedade brasileira, de modo a extrair os indícios necessários que justificam a construção disruptiva do preconceito em razão da raça ou cor. Historicamente, o país apresenta cenários que agregam condição de superioridade por requisitos de raça e cor, sucumbindo aquelas consideradas inferiores. Cenário este que, por muitos anos, foi legalizado pelas legislações imperialistas vigentes à época.

A preocupação com a segurança pública deixou de lado as violações cometidas em decorrência das disparidades de raça e cor, preocupando-se apenas com pontos indiferentes a tal cenário, por exaustivos anos. Os movimentos sociais elaborados em prol da equiparação e da igualdade entre gênero, raça, cor, religião e outros fatores intrínsecos da sociedade, lograram êxitos gradativos durante todo o percurso da sociedade brasileira.

Foi com o advento da Constituição Federal de 1988 (CF88), que um maior rol de garantias e direitos, humanos e fundamentais, foram abrangidos, o que levou a referida Cartão Magma a ser reconhecida por Constituição Cidadã. Além de assegurar garantias e direitos que buscam pela igualdade e equiparação de condições entre os indivíduos, a CF88 - por influência

dos tratados internacionais sobre Direitos Humanos dos quais o país é consignatário, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948 -, passou também a vedar irrestritamente quaisquer tipos de preconceitos, principalmente, aqueles vinculados com as questões de raça e cor.

Por impulso do mandamento constitucionalidade, o legislador reformador promulgou a Lei n. 7.716 de 1989, a qual passou a lidar com a tipificação dos crimes oriundos do preconceito por raça e cor, os quais se enquadram como crimes de racismo. Apesar dos esforços normativos, é sabido que o cenário hodierno produz imbróglio considerável para a segurança pública em decorrência dos atuais atos manifestados publicamente e que ferem a vedação às práticas racistas no país.

Não obsta aqui indicar que ainda há no que se falar no “racismo institucional”, o qual se inclui no próprio meio da segurança pública nacional. Por isso, a pesquisa buscou elucidar a temática, trazendo resposta paga o seguinte problema: como ampliar a eficácia social dos diplomas legais que vedam as manifestações de práticas racistas em desfavor da segurança pública brasileira?

O objetivo da pesquisa foi analisar o crime de racismo diante do atual cenário da segurança pública brasileira. Para isso, os objetivos específicos se dedicaram a: contextualizar segurança pública no Brasil, com fulcro nos achados teóricos e normativos; conceituar o racismo e o racismo institucional; indicar a necessidade de elaboração de políticas públicas voltadas à prevenção e reversão de pontos ideológicos contrários que favorecem o racismo no país.

A pesquisa se justifica socialmente pela necessidade da busca de mecanismos que ampliem a eficácia social das normas legais postas em favor da contenção das práticas racistas. Enquanto a justificativa acadêmica leva ao reconhecimento da necessidade de os profissionais da área jurídica apreciarem problemas reais e construírem conhecimentos que possam validar percepções positivas em prol da reversão ou mitigação de tais problemas.

DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL E SEUS ATRIBUTOS LEGAIS

Para melhor elucidar a concepção de segurança pública atual, faz-se necessário perpassar brevemente pela noção de Estado e sociedade. Como aludido pelos ensinamentos clássicos de John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o Estado nasceu da necessidade de se regular os comportamentos na ordem social, prezando assim pela manutenção da denominada ordem e paz social.

Diante da concepção primária sobre o Estado, notória é a possibilidade de se aferir que a Segurança Pública é um dos braços vinculados à atividade estatal e que tem por objetivo a regulação da ordem social (AGRA, 2018). Para Alexandre e Deus (2015) a segurança é um atributo do Estado e esta atividade tem caráter “inelegível”. Ou seja, da preconização dos entendimentos aqui mencionados, pode-se compreender que é a segurança pública é um dever restrito ao Estado, ainda que as normas atuais abram margem para uma atuação subsidiária e complementar por meio do setor privado.

A CF88, em seu art. 144, caput, afirma que a segurança pública deve ser exercida pelos órgãos vinculados ao Estado e que tem a incumbência de zelar pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988). Moraes (2020) afirmar que o exercício atribuído aos órgãos de segurança pública é possível pela delegação do denominado poder de polícia. Para Agra (2018) o constituinte deixa claro o objetivo da segurança pública nos moldes legais, o qual deve ser zelar pela preservação da ordem social, bem como dos direitos e garantias constitucionalmente atribuídos, quer seja em caráter individual ou coletivo.

A incolumidade pública das pessoas depende diretamente da prevenção de práticas que sejam nocivas aos seus direitos e garantias, em qualquer que seja a ordem espacial, ou seja, quer sejam garantias e direitos que atinjam seus planos físicos, psíquicos, patrimonial ou outros (MORAES, 2020). No rol destes direitos e garantias, os quais devem ser preservados para que seja possível a manutenção da incolumidade pública, encontra-se o direito de proteção contra as práticas discriminatórias e preconceituosas, também positivado pela CF88 em cláusula pétrea. As práticas racistas são piamente vedadas no país, podendo elas violar a incolumidade pública e impor prejuízos para a ordem constitucional.

DO CRIME DE RACISMO E O DENOMINADO RACISMO INSTITUCIONAL

O racismo pode ser compreendido sob um prisma epistemológico histórico-social. A sociedade brasileira, historicamente, é manchada por um contexto retrógrado de amplas violações humanas em decorrência da raça e da cor. A subsunção da raça negra à um falso idealismo de supremacia da raça branca, promoveu a materialização de prejuízos amplos e altamente nocivos aos seres humanos, os quais ainda produzem efeitos que repercutem nos dias atuais. Nucci (2020) destaca que o racismo é um dos maiores desafios a serem enfrentados pelo sistema jurídico, assim como outras práticas que são influenciadas por fatores históricos e sociais, a exemplo da homofobia, violência de gênero e afins.

Por extensos anos as legislações pátrias foram omissas diante das práticas racistas e excludentes (LENZA, 2020). Mas, com o advento da CF88, a qual trouxe as perspectivas de igualdade, de dignidade, de equiparação e de liberdade do usufruto de direitos, passou-se a vedar toda e quaisquer manifestações discriminatórias e preconceituosas no país, tornando-as práticas ilícitas inconstitucionais, no escopo do seu art. 5o, inciso XLI, que diz “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Ainda no art. 5o, inciso XLII, a CF88 dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1988).

Adotando os mandamentos constitucionais, no ano de 1989, o legislador infraconstitucional positivou a Lei n. 716, conhecida popularmente como Lei do Racismo. O referido diploma legal passou então a criminalizar, em conformidade com o seu art. 1o, as condutas discriminatórias e preconceituosas por motivos de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. As práticas criminalizadas se voltam a quaisquer ações que violem os direitos e garantias fundamentais destes indivíduos pelos fatores ante expostos (raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional). Notória é a expansão da concepção do racismo pelo legislador infra, o qual expandiu os efeitos da lei para as discriminações e preconceitos em decorrência de religião, etnia ou procedência nacional (BRASIL, 1989). Vedações essas que também encontram amparo no art. 5o, da CF88 (BRASIL, 1988).

Apesar das normas de contensão, o crime de racismo é amplamente aferido no atual cotidiano brasileiro, afetando até mesmo o ambiente das instituições de segurança pública, as quais tornam-se alvos para críticas fundamentadas no denominado racismo institucional. Lenza (2020) destaca que o racismo, em qualquer que seja a sua forma de manifestação, viola drasticamente os dispositivos legais que buscam reverter uma condição problemática de origem histórica. As práticas racistas podem ocorrer nos mais variados contextos, o leva à diferentes concepções sobre racismos, dentre as quais se pode destacar: o racismo estrutural – por se tratar de um problema estruturado nos mais diversos contextos sociais; e o racismo institucional – que ocorre dentro das instituições do país, principalmente, nas instituições de segurança pública (MORAES, 2020).

Agra (2018) afirma que, na mesma medida em que o constituinte trouxe mandamentos e impôs vedações, o mesmo apresentou mecanismos de alcance da satisfação dos seus interesses constitucionais. Lenza (2020) aborda as políticas públicas como um dos veículos a serem utilizados pela máquina estatal para que se possa concretizar os interesses constitucionais atrelados às mais diversas esferas sociais, a exemplo da segurança pública.

Moreira (2018) afirma sobre o racismo recreativo que:

O racismo recreativo opera a partir de alguns mecanismos que precisam ser examinados detalhadamente. Primeiro ele não pode ser interpretado apenas como um tipo de comportamento individual, produto da falta de sensibilidade de um indivíduo em relação a outro. O racismo significa neste contexto um sistema de dominação e isto significa que atos racistas operam de acordo com uma lógica e com um propósito que transcendem a motivação individual. Práticas racistas devem ser compreendidas dentro de um esquema no qual membros do grupo racial dominante atuam com o objetivo de legitimar as formas de manutenção do status privilegiado que sempre possuíram. O que estamos chamando de racismo recreativo deve ser interpretado como um projeto de dominação racial que opera de acordo com premissas específicas da cultura pública brasileira. Embora ele esteja baseado na noção de inferioridade moral de minorias raciais, ele está associado a um aspecto da doutrina racial brasileira que procura mitigar a relevância prática social: a ideia de cordialidade essencial do nosso povo (MOREIRA, 2018, p. 100).

Ao analisar o problema do racismo, os estudos e Silva e Pereira (2021) traz perspectivas voltadas a identificação de um dado “racismo recreativo”, para dispor de uma naturalidade aplicada à discursos e ações racistas que, por vezes, acabam caindo na adequação social da sociedade. Seria este um cenário fático anticonstitucional, uma vez que há clara vedação a quaisquer ações que provoque discriminação. Percepção essa adotada pela própria Lei n. 7716/89, vedando piamente as ações que confirme racismo ou quaisquer atos de discriminação no país (SILVA; PEREIRA, 2021).

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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E JUSTIÇA SOCIAL

Como meio de concretude dos interesses constitucionais, o constituinte de 1988 trouxe as perspectivas das políticas públicas. Para Agra (2018) as políticas públicas são veículos estatais capazes de ampliar o alcance da concretização de ideias constitucionais. Já pra Lenza (2020) as políticas públicas é meio de se atender a denominada justiça social.

O dever de promover o equilíbrio da ordem social e favorecer com estímulos os resultados da segurança pública é atrelado ao Estado de forma primária. Por isso, as políticas públicas são instrumentos que o Estado tem para possibilitar a extensão dos efeitos pretendidos pelas suas normas e diretrizes legais. Alexandre e Deus (2015) afirmam que as políticas públicas são essenciais para a promoção da justiça social, no alcance da igualdade e equitatividade das condições sociais.

É sabido que as normas postas objetivam promover eficácia e, assim, alcançar os objetivos a elas atrelados. Muitas vezes, por fatores sociais, históricos, culturais e outros, a eficácia de tais normas ficam comprometidas e colocam em relativação a incolumidade social, atrelada como um dos objetivos da segurança pública pela CF88 (AGRA, 2018). Por isso, é importante que se análise como as normas de proteção contra o racismo podem produzir

maiores efeitos no contexto fático social, trazendo a análise quanto a necessidade de políticas públicas em apoio ao favorecimento da segurança pública no país.

CONCLUSÃO

Os resultados levantados pela pesquisa para atender aos seus objetivos e responder ao problema que norteou a sua investigação. Retoma-se aqui ao problema definido “como ampliar a eficácia social dos diplomas legais que vedam as manifestações de práticas racistas em desfavor da segurança pública brasileira?”, para responder que há uma clara necessidade de políticas públicas educativas e reeducativas para que haja uma maior eficácia das normas protetivas contra os crimes de racismo no país.

É preciso compreender que o racismo tem uma construção disruptiva histórico-social e também cultural, as quais ainda produzem efeitos negativos na sociedade contemporânea, o que contribui para as manifestações de racismo estrutural e até mesmo do denominado racismo institucional. Em prol da contenção de tal problemática não basta a disposição de normas legais, sem que haja a disposição de políticas públicas educativas de base, aplicadas na formação dos sujeitos, bem como de políticas públicas reeducativas aplicadas aos adultos e dentro das próprias instituições pública se privadas, principalmente, as próprias instituições de segurança pública do país.

REFERÊNCIAS

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TRINDADE, Luiz V. P. Mídias sociais e a naturalização de discursos racistas no Brasil. In: Comunidades, algoritmos e ativismos digitais: Olhares afrodiaspóricos Organização e Edição: Tarcízio Silva; Revisão Ortográfica: Toni C.; Demetrios dos Santos Ferreira; Tarcízio Silva; Gabriela Porfírio; Taís Oliveira; Tradução: Vinícius Silva; Tarcízio Silva; Ilustração de Capa: Isabella Bispo; Diagramação: Yuri Amaral; Consultoria Editorial: LiteraRUA, São Paulo, 2020. p. 26-41.

WESTRUPP, Cristiane. Racismo, luta antirracista e os movimentos sociais negros: o crime de racismo em debate. Revista DIREITO UFMS, Campo Grande, MS, v. 6, n. 1, p. 69 – 94, jan./jun. 2020.

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