O Estatuto da Terra, surgiu através da lei 4.504/1964, e foi regulamentado pelo decreto 55.891/1965. Especificamente em relação aos contratos de arrendamento e parceria rural, foram disciplinados pelo decreto 59.566/1966.
Passados quase 60 anos, embora a realidade das atividades no campo tenha mudado de forma expressiva, a legislação permanece inalterada, passando incólume inclusive, pelo advento da Constituição Federal de 1988, e o novo Código Civil de 2002.
Os princípios gerais da política agrícola esculpidos nos artigos 1º e 2º do Estatuto, de fato, não destoa da nova legislação, ali preconizando dentre outros, o princípio da função social da propriedade, do progresso econômico e social e da justiça social.
No entanto, alguns pontos do estatuto, merecem ser revistos, pois o cenário da agropecuária dos anos 60 era muito diferente do atual. Nos anos 60 prevalecia o trabalho braçal, e segundo o IBGE, o número de pessoas vivendo no meio rural era maior do que na zona urbana. Com o fenômeno do êxodo rural a estatística só veio mudar na década de 70, em que a população urbana alcançou 56,8% do total da população brasileira. O êxodo rural foi progressivo a partir daí. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, 84,72% da população brasileira vive em áreas urbanas; e 15,28% em áreas rurais.
Atualmente, na agropecuária, predomina a mecanização e tecnologia, e o agronegócio deu um salto nos últimos 20 anos, sendo que o PIB agrícola saiu de US$ 122 bilhões em 2002, para US$ 500 bilhões em 2022, firmando-se o Brasil, como o terceiro maior produtor mundial de cereais (CNN).
A eficiência possibilitada com o alto desenvolvimento de cultivares, adaptáveis a diversos climas e tipo de solo, somado à irrigação, mecanização e tecnologia, o plantio direto, encurtando o preparo do solo para plantio, permitiu que hoje sejam realizadas até três culturas anuais, além da integração lavoura-pecuária, com a utilização da denominada ‘palhada’, após a colheita.
Neste contexto, alguns dispositivos do estatuto da terra, desbordam do sentido inicial, como o protecionismo dado aos arrendatários, à época, trabalhadores braçais fixados no campo, considerados a parte mais fraca da relação, e cujo objetivo era equilibrar a relação contratual entre as partes.
No agronegócio, os arrendatários são dotados de alta expertise e possuem grande aparato de máquinas e tecnologia; e nenhuma relação guardam com a figura do braçal sobre a qual se debruçou o legislador na década de 60.
Deixou de fazer sentido, por exemplo, o estabelecimento de prazos mínimos do contrato de arrendamento, previstos no art. 13 do decreto 59.566/1966, em áreas trabalhadas no conceito de agronegócio, considerando a possibilidade de várias safras em um ano; e também por não haver parte hipossuficiente nos contratos celebrados nessas condições.
Em muitas situações, 6 meses, um ano, é tempo suficiente para atender as duas partes, sendo cogente a prevalência do pactuado sobre o legislado; e melhor, que a legislação seja ajustada, contemplando a realidade atual, evitando-se a insegurança jurídica, que é aumentada quando a legislação se discrepa de uma nova realidade.
Ricardo Calil Fonseca. Advogado. Escritor. Presidente da OAB/GO de Itaberaí (2016/2019); e atual Presidente da Academia de Letras e Artes de Itaberaí (AILA).