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Controle jurisdicional do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

Agenda 21/10/2007 às 00:00

1 - Introdução

O presente artigo propõe estudar os limites do controle jurisdicional aplicáveis às decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, cuja competência é prevenir e reprimir infrações à ordem constitucional econômica. Não é objeto desse escrito, portanto, analisar o grau de ineficiência do CADE, bem como a necessidade do fortalecimento do mesmo, o que também é urgente, conforme constatação de renomados estudiosos, dentre os quais o Professor Giovanni Clark:

"Infelizmente, o CADE é ineficiente e moroso, por isso temos a convicção de que o mesmo deve ser reestruturado, ganhando novos poderes e agilidade para a execução de suas funções, bem como o aumento do número de seus membros para facilitar a representação e participação de outros segmentos da sociedade civil organizada." (1994:48).

Em virtude do princípio constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição da República de 1988, não está em debate a viabilidade ou não do controle judicial sobre os atos emanados do CADE, mas sim os contornos desse controle. Por outro lado, em razão do princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CR/88), nota-se que existe uma área de decisões políticas e meritórias não sujeitas a controle judicial.

Tendo-se em vista os referidos princípios constitucionais, far-se-á um estudo da margem de incidência da discricionariedade e da extensão do controle jurisdicional às decisões do CADE, levando em consideração a existência dos conceitos jurídicos indeterminados na Lei antitruste (Lei 8.884/94) e os princípios balizadores dos atos administrativos emanados pelo CADE.


2 - Estrutura orgânica, a competência do CADE e a natureza jurídica das suas decisões

A Lei 4.137/62, em seu art. 8º, criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão com jurisdição nacional, vinculado à Presidência do Conselho de Ministros e com competência para apurar e reprimir abusos do poder econômico. Não obstante a criação do CADE e dos demais órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), os mesmos tiveram pouca importância no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, por uma simples razão explicitada por Gilberto Bercovici: "...a política econômica do regime militar era francamente favorável à concentração empresarial e à formação de conglomerados." (2005:30).

Na atual ordem constitucional, no intuito de consolidar o SBDC, foi editada a Lei 8.884/94, a qual transformou o CADE em autarquia, o que proporcionou a este mais independência. Segundo o art. 3º da lei antitruste, o CADE é "órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional constituído em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal".

A lei 8.884/94 atribui ao CADE tríplice papel: educativo, preventivo e repressivo, estabelecendo que essas funções deverão ser exercidas segundo os ditames constitucionais da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. A lei antritruste tem, portanto, como objetivo principal a tutela da concorrência no País, por meio da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

A função preventiva do CADE, também chamada de controle de estruturas, envolve a análise de atos de integração ou concentração econômica, de modo a avaliar o impacto desses atos sobre o mercado, determinando-se em que medida este foi prejudicado pela diminuição da concorrência ali existente. A função repressiva ou de controle de condutas, por seu turno, ocorre com a averiguação, em processo administrativo, de condutas e práticas comerciais lesivas à concorrência, podendo resultar na penalização dos agentes econômicos.

O CADE ainda tem um papel educativo, cabendo-lhe difundir a cultura da concorrência por meio de esclarecimentos ao público sobre as formas de infração à ordem econômica.

Assim pode ser resumido o papel institucional do CADE, órgão incumbido de aplicar a Lei da Concorrência no Brasil, com o auxílio da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e com o apoio da Secretaria de Acompanhamento Econômico, órgão integrante do Ministério da Fazenda, sendo que esses três órgãos compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).

Fixadas as competências legais do CADE, convém perquirir acerca da natureza jurídica das decisões tomadas por ele.

Interessa-nos saber se as decisões do CADE podem ser classificadas como discricionárias ou vinculadas, pelo grau de liberdade que a lei confere à autarquia para aprovar ou não atos de concentração e para julgar processos administrativos.

Nos artigos 20 e 54 da lei 8.884/94, embora não esteja claramente indicado como se desenvolve o processo de tomada de decisões do CADE, faz o legislador uso de conceitos jurídicos indeterminados, característica da discricionariedade para parte da doutrina.

De fato, a Lei da Concorrência traz vários conceitos jurídicos sem conteúdo pré-determinado, conforme notou Paula Forgioni, ressaltando a inexistência de critérios rígidos e determinados na lei em comento. Conforme a autora, "A Lei nº 8.884/94 não indica, de forma pormenorizada, em que situações haverá abuso de poder econômico ou em que casos haverá eliminação da concorrência como resultado da concentração do capital." (1998:195).

Maria Izabel Andrade Lima Cardozo, em sua dissertação de Mestrado, também nota a utilização de conceitos jurídicos indeterminados pela Lei da Concorrência: "A simples leitura dos artigos 1º, caput, 20 e 54 da Lei 8.884/94 nos leva à conclusão de que o legislador recorreu a expressões vagas e fluidas..." (2005:48).

A questão que se coloca é se a existência de expressões de conteúdo indeterminado na Lei 8.884/94 outorga ou não ao CADE poder discricionário no exercício de suas competências. Essa questão não é respondida de forma uníssona pela doutrina pátria, mas a maior parte defende que a aplicação prática dos conceitos indeterminados corresponde a um processo de interpretação do Direito, processo este que se inclui no campo da legalidade, comportando revisões judiciais.

O CADE, embora tenha função judicante, sendo ente administrativo, exprime atos administrativos. Para Gesner Oliveira e João Grandino Rodas, "as decisões do CADE, tanto com relação a atos de concentração, como a procedimentos administrativos, são emanações de jurisdição voluntária exercitada pela Administração Pública, sendo atos administrativos vinculados." (2005:324).

Maria Izabel Andrade Lima Cardozo disserta que "O principal aspecto que distancia as decisões do CADE dos atos praticados com competência discricionária consiste na ausência de valoração subjetiva por parte dos integrantes daquela autarquia...". (2005:49). Nessa mesma linha de raciocínio, esclarecem Eduardo García de Enterría e Tomás Ramón Fernández que:

"a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados é um caso de aplicação da lei, já que se trata de subsumir em uma categoria legal umas circunstâncias reais determinadas; justamente por isso é um processo regulado, que se esgota no processo intelectivo de compreensão de uma realidade no sentido de que o conceito legal indeterminado tem pretendido, processo no qual não interfere nenhuma decisão de vontade do aplicador, como é próprio de quem exerce uma potestade discricional." (1991:394).

Por outro lado, quando se trata do exercício de discricionariedade há, no processo decisório, envolvimento de elementos volitivos do titular do poder.

De acordo com o ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Jr., a imprecisão dos conceitos não gera por si só a discricionariedade: "A vagueza e ambigüidade de certos termos dão lugar a uma distinção entre conceitos indeterminados e conceitos discricionários. Ou seja, nem sempre o vago e ambíguo gera discricionariedade." (1997:88).

Desse modo, o poder discricionário não está relacionado com a indeterminação dos conceitos jurídicos, mas sim com o fato do administrador público estar livre para fazer suas valorações pessoais e tomar decisões segundo os critérios subjetivos de conveniência e oportunidade.

Portanto, a discricionariedade possui limites sim, e agem principalmente como seus limites os princípios que norteiam a administração pública, como o da moralidade, da economicidade, da eficácia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da racionalidade, dentre outros, além do que o administrador público deve justificar, na motivação do ato praticado, a oportunidade, conveniência e conteúdo do ato.

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O Professor José Alfredo de Oliveira Baracho, comentando a complexidade do tema, cita a magistral lição de Garcia de Enterría sobre a discricionariedade:

"Garcia de Enterría entende que o exercício do poder discricionário permite uma pluralidade de soluções justas nas quais se opta entre alternativas que sejam igualmente justas para perspectiva de um melhor direito. A discricionariedade, nesse sentido, é essencial a uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas, desde que a administração possa estar perante alternativas justas, as melhores alternativas. É com esse entendimento que os modernos estudiosos do poder discricionário levantam problemas da lógica, do bom-senso que devem estar presentes no exame da atividade administrativa; elas devem ser dotadas de uma série de critérios novos, além daquela grande principiologia." (1997: 400).

O tema da discricionariedade se revela fascinante pelas suas múltiplas facetas, mas não cabe, no presente trabalho, o desenvolvermos mais longamente. Nos basta saber que o administrador público não é, em todas as horas, um mero executor da vontade da lei, mas sim que apesar de submetido ao principio da legalidade, pode utilizar-se do poder discricionário - por determinação legal - para escolher quais seriam os atos que melhor atenderiam aos cidadãos, e, também, que este poder não é ilimitado, que a discricionariedade deve pautar-se sempre pelos inúmeros princípios e conceitos que regem a administração pública.


3 - Controle Jurisdicional da Administração Pública Brasileira

O controle jurisdicional é tipo de controle externo, a posteriori e repressivo, sendo desencadeado por provocação.

Nas palavras da ilustre Odete Medauar:

"Se nenhum ordenamento atribuiu a totalidade do controle sobre a Administração a um única instituição e se tende a haver diversificação e aumento das formas de controle, o controle jurisdicional mantém-se como tipo nuclear, impossível de ser substituído por outras técnicas..." (1993:161).

Nosso sistema é o da jurisdição una. No sistema de jurisdição dupla ou do contencioso administrativo existem duas ordens de jurisdição: a ordinária e a administrativa. Nesta, tem-se como finalidade o julgamento, em última instância, das questões concernentes aos litígios administrativos. Há, pois, independência em relação à Jurisdição ordinária.

Na Jurisdição una, até mesmo nas lides em que a Administração é parte, a competência para julgamento é dos juízos e tribunais comuns, os quais compõem uma única ordem de jurisdição. Argumenta-se, como aspecto negativo desse nosso sistema uno, a sobrecarga do Poder Judiciário pelo grande número de processos envolvendo a Administração, bem como a falta de especialização dos juízos comuns acerca das questões referentes à Administração Pública. Esse sistema de jurisdição una foi adotado no Brasil com a Constituição de 1891, tendo permanecido desde tal época até os dias atuais.

A Constituição da República atual assegura em seu art. 5º, inc. XXXV que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Acerca dessa garantia, Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que:

"a importância prática de preceito ora examinado está em vedar sejam determinadas matérias, a qualquer pretexto, sonegadas aos tribunais, o que ensejaria o arbítrio. Proíbe, pois, que certas decisões do executivo, que devem estar jungidas à lei, escapem ao império desta, eventualmente, sem a possibilidade de reparação. O crivo imparcial do judiciário, assim, pode perpassar por todas as decisões da Administração, contrariando a possível prepotência de governantes e burocratas." (1990:55).

O supra transcrito inciso XXXV, além de impedir que qualquer matéria deixasse de ser apreciada pelo Judiciário, ainda excluiu a condicionante de ter que se esgotar a via administrativa para depois se poder ingressar em juízo.

A questão mais debatida e fundamental, entretanto, diz respeito à extensão ou alcance do controle jurisdicional sobre a Administração.

Deve-se, primeiramente, analisar o controle (restrito ou amplo) sobre os aspectos da legalidade, do mérito e da discricionariedade. Para alguns, o controle judicial deve se ater somente ao aspecto da legalidade, entendida também de modo restrito, no sentido de atuação segundo a lei. Para a maioria, porém, o controle deve ser amplo. Para Odete Medauar:

"Hoje, indubitavelmente, no ordenamento pátrio, a legalidade administrativa assenta em bases mais amplas e, por conseguinte, há respaldo constitucional para um controle jurisdicional mais amplo sobre a atividade da Administração, como coroamento de uma evolução já verificada na doutrina e na jurisprudência antes de outubro de 1988." (1993:174).

Quanto aos atos administrativos, o mais difícil é o controle judicial sobre os discricionários, vez que quanto aos vinculados o controle judicial pode ocorrer sem limitações, cabendo a verificação da conformidade do ato com a lei. No entanto, consoante Maria Sylvia Zanella Di Pietro "quando a atividade é discricionária, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar os limites da discricionariedade definidos em lei." (2001:133). Prossegue a autora asseverando que:

"A rigor, pode-se dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade." (2001:133). Portanto, a legalidade é o limite único dos atos discricionários.

Dentro do princípio da legalidade, a dificuldade maior está em identificar os limites impostos pela lei. Tais limites, às vezes, são facilmente identificados, bastando um confronto da atuação administrativa com a lei. Às vezes, porém, esses limites são imprecisos, não sendo facilmente identificados em razão dos conceitos vagos/imprecisos trazidos pela lei. Assim, como afirma Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"...o princípio da legalidade adquire um conteúdo axiológico, em que exige conformidade da Administração Pública com o Direito, o que inclui, não apenas a lei, em sentido formal, mas todos os princípios que são inerentes ao ordenamento jurídico do Estado de Direito Social e Democrático."(2001:137).

Hodiernamente, indubitavelmente, admite-se o controle jurisdicional de toda a atividade administrativa, seja vinculada ou não vinculada. A discussão hoje não consiste na possibilidade ou não do controle judicial sobre os atos discricionários, mas sim acerca dos limites desse controle. Conforme ensina Germana de Oliveira Moraes:

"... todo e qualquer ato administrativo, inclusive o discricionário e o resultante da valoração de conceitos indeterminados, é suscetível de revisão judicial, muito embora nem sempre plena, por meio da qual o Poder Judiciário examinará a compatibilidade de seu conteúdo com os princípios gerais do Direito, para além da verificação dos aspectos vinculados do ato". (1999:153).

Atualmente, os motivos, a causa e a finalidade dos atos administrativos consistem em limitações ao exercício da discricionariedade. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello: "É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados....". (2006:945). O que não se pode pensar, porém, é que esse controle judicial sobre os atos discricionários elimine o juízo de conveniência e oportunidade do administrador, pois, se assim ocorresse, comprometeria o princípio constitucional da independência dos Poderes.

Em síntese, pode-se dizer que, tradicionalmente, a noção de mérito administrativo foi utilizada para rechaçar uma indevida intromissão do Poder Judiciário nos atos da Administração. Porém, a partir da metade do século XIX, os Tribunais brasileiros começaram a controlar os aspectos legais e vinculantes dos atos administrativos, dando aplicabilidade às teorias do desvio de poder e dos motivos determinantes. Passou-se a admitir o exame da conformação do ato com a finalidade da lei, bem como a investigação da materialidade dos fatos ensejadores da atuação administrativa e da adequação dos fatos às conseqüências jurídicas determinadas pelo ato.

Por sua vez, o mérito administrativo, embora persista imune a controle judicial, é aquele que abrange critérios de ponderação e regras de boa administração, ambos destituídos de valor jurídico; porém, se, ao contrário, tais critérios e regras tiverem algum conteúdo jurídico, deixam de integrar o mérito, podendo ser objeto de controle judicial.


4 - A Revisão Judicial das Decisões do CADE

Considerando-se, como já vimos, que as decisões do CADE são administrativas e que estas estão sujeitas a revisão pelo Poder Judiciário, importa-nos compreender os limites do controle judicial sobre decisões da autarquia objeto de nosso estudo.

O CADE está sendo desafiado a tomar decisões cada vez mais complexas, como por exemplo, cabe a ele autorizar ou não atividades tidas como prejudiciais à concorrência ou de dominação de mercados. Nesse caso, conforme salienta o Professor Washington Albino Peluso de Souza: configura-se clara hipótese da adoção da ´regra da razão´, "a qual confere certa flexibilidade hermenêutica necessária às questões tocantes à área econômica". (2005:217).

Do CADE emanam atos administrativos, uma vez que a entidade é componente da Administração Pública Indireta Federal, sendo que seus atos criam, reconhecem, modificam ou extinguem relações jurídicas. De acordo com Lúcia V. Figueiredo,

"ato administrativo é a norma concreta, emanada pelo Estado ou por quem esteja no exercício da função administrativa, que tem por finalidade criar, modificar, extinguir ou declarar situações jurídicas entre este (o Estado) e o administrado, suscetível de ser contrastada pelo Poder Judiciário." (1995:92).

Pode-se, ainda, como visto anteriormente, classificar os atos administrativos do CADE como vinculados, embora haja atualmente uma crise nessa classificação, vez que não existem atos puramente vinculados nem atos puramente discricionários. Ao administrador, diante dos conceitos indeterminados, não é permitido escolher qualquer das decisões possíveis, mas tem ele o compromisso de escolher a melhor delas. Reforçando o entendimento de que as decisões do CADE são atos administrativos vinculados, temos a lição do Professor Hely Lopes Meirelles: "As decisões do CADE são atos vinculados e não discricionários como podem parecer a uma primeira vista." (1985:558).

Considerando-se que a Lei de Concorrência aponta os princípios e as regras a serem seguidos pelo CADE em suas decisões, esta autarquia tem como obrigação aplicar tais regras e princípios a situações concretas, o que pressupõe um juízo de interpretação vinculado às normas jurídicas e não às convicções pessoais dos Conselheiros da entidade, não havendo portanto lugar para a discricionariedade. O fato de os conceitos indeterminados da Lei 8.884/94 serem dotados de valor jurídico também representa, na opinião de Maria Isabel A. L. Cardozo, um importante fundamento legitimador do controle jurisdicional das decisões proferidas pelo CADE. Desse modo, a incumbência de dar realização aos conceitos indeterminados pressupõe a interpretação e a aplicação de princípios protegidos pela Constituição Federal, os quais, por serem dotados de inegável valor jurídico, não se incluem na definição doutrinária de mérito, único elemento do ato administrativo imune ao controle jurisdicional.

Outra idéia que confirma que as decisões do CADE estão sujeitas ao escrutínio do Poder Judiciário é que a aplicação prática dos conceitos indeterminados conduz a uma única solução válida perante o Direito, pois ou o conceito se ajusta à situação concreta ou dela se afasta. Assim, por exemplo, apreciando num caso concreto se houve ou não abuso do poder econômico por parte de um determinado agente econômico, a conclusão será uma só: houve abuso ou não. Não há meio termo, nem opções a serem feitas pelo CADE, o que afasta eventual caráter discricionário que se pretenda imputar aos julgamentos daquela autarquia.

O CADE tem, portanto, o dever de buscar a solução ótima desejada pelo legislador, mesmo quando o caso depender da aplicação de conceitos indeterminados. Estes perdem a indeterminação quando aplicados a situações concretas, conduzindo a uma única solução válida perante o direito, pois embora a norma em abstrato possa conferir alguma liberdade de atuação, os casos concretos costumam reduzir essa liberdade a grau zero.

Confirmando a idéia de que a liberdade do CADE em suas decisões é extremamente limitada, vejamos a ponderação da ex-Conselheira Neide Teresinha Malard, em voto proferido no ato de concentração nº 6/94, envolvendo as empresas Brasilit S.A. e Eternit S.A.:

"A valoração que faz o CADE por certo não é intangível, porquanto a liberdade de agir só pode ser exercida no cumprimento do dever de buscar a melhor solução que o legislador não pôde fixar, pois só esta atenderá ao interesse público específico – a defesa da concorrência – ditado pela norma."

Quanto a correntes doutrinárias que defendem a imunidade ou quase imunidade das decisões do CADE, temos a que defende a intangibilidade em razão do grau de especialização técnica das decisões administrativas. Nesse sentido, a opinião de Luís Roberto Barroso: "Quanto às decisões discricionárias envolvendo conteúdo técnico, tomadas pelo órgão especializado, gozam elas de um presunção reforçada de legitimidade, cabendo ao Judiciário revê-las apenas diante do erro grosseiro." (2005:391).

Por outro lado, a corrente majoritária rechaça a posição de Luís Roberto Barroso. Ao comentar a atuação do CADE na análise de atos de concentração, o Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr. é categórico ao afastar a existência de uma discricionariedade técnica que impediria o controle judicial:

"Na verdade, o CADE, com base em laudos técnicos toma uma decisão cujo fundamento técnico não expressa um juízo de conveniência e oportunidade, mas uma vinculação a ditames legais referentes à proteção da livre iniciativa e da livre concorrência. Sua decisão, assim, não é ato político de governo, conforme diretrizes ocasionais, mas ato que cumpre uma política de Estado, conforme diretrizes constitucionais e legais." (1997:88).

Apesar do elevado grau de tecnicidade das decisões do CADE, o administrador, ao aplicar a lei 8.884/94 aos casos concretos, não está, portanto, desvinculado dos princípios e regras estabelecidos por essa lei. Logo, não cabem valorações subjetivas a respeitos dos casos julgados pelo CADE. Não se trata, pois, de juízos de conveniência e oportunidade.

Os conceitos indeterminados da lei 8.884/94 necessitam de interpretação técnica, mas esta, como qualquer outro processo de interpretação, situa-se no campo da legalidade, sendo um mecanismo de aplicação de direito a situações concretas. Embora seja um processo de interpretação sofisticado, não passa a ser por isso discricionário.

Quanto à limitação à revisão judicial das decisões do CADE, outro dispositivo da lei 8.884/94 invocado por alguns doutrinadores é o artigo 54 e seus parágrafos 1º e 2º.

Vejamos tais dispositivos:

"Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.

§ 1º O Cade poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam as seguintes condições:

I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:

a) aumentar a produtividade;

b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;

II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os      consumidores ou usuários finais, de outro;

III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;

IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados.

§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final."

Para Carlos Ari Sunfeld (2003:145-162), quando a lei diz que "...o CADE poderá autorizar certos atos de concentração lesivos à concorrência..." ela estaria concedendo à referida entidade poder discricionário de aprovar ou não tais atos.

Na verdade, não assiste ao CADE a faculdade de aprovar ou não o ato de concentração, se estiverem presentes os requisitos do art. 54, § 1º. Nesse caso não haveria duas soluções compatíveis com o interesse público, pois, o dispositivo legal fixou critérios objetivos de aprovação da concentração de empresas. Dessa forma, no entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Jr., José Ignácio Franceschini e Edgard Antônio Pereira (1997:89),

"a interpretação sistemática e teleológica de todo o ordenamento jurídico da concorrência exige que o texto sob exame seja lido a contrario sensu: o Estado, no exercício de seu poder-dever de garantir a livre iniciativa por intermédio da livre concorrência não pode deixar de aprovar o ato de concentração quando atendidos os requisitos indicados no § 1º."

Quanto ao § 2º, segundo a doutrina majoritária, consiste na única hipótese de admissibilidade de atuação discricionária por parte do CADE. Werter R. Faria adverte que, nessas hipóteses, a "decisão tem caráter quase inteiramente discricionário" (2000:27), pois os dois pressupostos legais permitem uma livre apreciação por parte do aplicador da lei.

Nesse dispositivo, o legislador admitiu expressamente a dispensa pelo CADE da demonstração de uma das condições de aprovação estabelecidas na lei, desde que tais operações se mostrem necessárias "por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final."

Em nossa jurisprudência temos vários casos de revisão das decisões do CADE pelo Judiciário. Como lembra Maria Isabel A. L. Cardozo,

"possivelmente, foi na década de 1980 que se discutiu pela primeira vez se as decisões proferidas pelo CADE seriam passíveis de revisão pelo Judiciário. Essa discussão está materializada em acórdão da lavra do Ministro Ilmar Galvão, proferido pelo extinto Tribunal Federal de Recursos (TRF), em 26 de outubro de 1986..."

Estudos estatísticos do CADE revelam que de 1994 a 2004 o número de processos julgados anualmente pela referida autarquia aumentou de 17 para 782, refletindo uma variação de 4.600% no período. Esse fenômeno repercutiu diretamente no volume de processos judiciais envolvendo o CADE. Segundo dados coletados por Maria Isabel A. L. Cardozo, em 1997 existiam 70 ações judiciais nos quais o Conselho figurava como parte, sendo que tal número saltou para 728 em 2004, o que significou um aumento percentual de 1.040% no volume do contencioso judicial envolvendo a citada autarquia.

Consoante Giovani Clark (2002:28), embora "... o Judiciário não esteja aparelhado para julgar os conflitos que envolvem normas de Direito Econômico, nem para enfrentá-las.", a revisão judicial das decisões do CADE é atualmente um processo em amadurecimento, inafastável e de irrefutável importância em nosso Estado Democrático de Direito, como salienta Fernando de Magalhães Furlan (2002: 31):

"É ao Judiciário que cabe, em última instância, a aplicação da lei antitruste, considerando o inarredável sistema pátrio da jurisdição única. O amadurecimento da interpretação dos critérios e hipóteses previstos na legislação específica da concorrência depende não somente do debate no âmbito dos órgãos responsáveis pela jurisdição administrativa mas especialmente do intercambio exegético entre autoridades administrativas e judiciárias."

As decisões do CADE, portanto, são atos administrativos sujeitos, indubitavelmente, ao amplo controle judicial, sendo que essa amplitude hoje é consolidada pela doutrina e pela jurisprudência pátrias.


5 - Conclusão

Como visto, o CADE é um órgão de intervenção administrativa na área privada, cabendo a ele garantir a livre iniciativa e a liberdade concorrencial no País, aplicando sanções a aqueles agentes econômicos que abusarem do poder econômico.

Como todo ato de intervenção do Estado na esfera privada, é possível que as decisões do CADE venham acarretar lesões a direitos subjetivos, restando aos agentes privados recorrer ao Judiciário.

O Judiciário, como Poder independente, não poderia ser afastado de se manifestar a aqueles que forem lesados ou ameaçados de lesão pelo Poder Executivo. Durante muito tempo, questionou-se acerca da possibilidade da revisão judicial sobre as decisões do CADE. Hodiernamente, por serem as decisões do CADE vinculadas, esse controle judicial tem extensão quase ilimitada, vez que nenhuma lesão de direito poderá ser subtraída à apreciação do Poder Judiciário.

Vimos, portanto, que com o fortalecimento do CADE, aumentou-se o número de provocações ao Judiciário, o qual controla inclusive as decisões tomadas com base nos conceitos jurídicos indeterminados, compatibilizando-se os princípios constitucionais da inafastabilidade da tutela jurisdicional e da separação dos Poderes.


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Sobre o autor
Ramsés Maciel de Castro

professor de Direito no Curso Ramsés de Castro Concursos, advogado, especialista em Direito Social e em Direito Público pela Anamages e Newton Paiva

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Ramsés Maciel. Controle jurisdicional do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1572, 21 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10455. Acesso em: 23 dez. 2024.

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