Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Já tenho um "imóvel de posse". Mesmo assim posso obter outro imóvel por Usucapião?

Agenda 12/06/2023 às 16:21

NEM TODAS AS MODALIDADES de Usucapião exigem que o pretendente não seja proprietário de outro imóvel, rural ou urbano. Isso é importante já que em muitos casos o interessado pode já ser titular de imóvel ou mesmo parte dele, ou ainda já ter sido e durante o tempo do exercício da posse já não sê-lo. Podem ser várias as hipóteses quando recebemos o caso real. Compreender bem a complexidade desse tipo de ação/procedimento, assim como doutrina e jurisprudência será sempre importante.

Como sempre falamos aqui, existem várias espécies de Usucapião contempladas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Através da Usucapião o interessado comprovando cabalmente que possui COISA hábil, suscetível de usucapião, exercendo sobre ela POSSE capaz de permitir a prescrição aquisitiva pelo TEMPO exigido em Lei poderá converter seu exercício fático em propriedade, desaguando com o REGISTRO do imóvel em seu nome junto ao RGI, por mais que ele esteja em nome de outrem anteriormente - ou mesmo nem exista nos Livros do Cartório de Registro Imobiliário.

Também como já destacamos várias vezes, pode ser observado que quanto MAIOR o tempo de posse exigido, menores serão os requisitos - e o contrário também é verdadeiro: quanto MENOR o tempo de posse exercido sobre o bem, maiores serão os requisitos.

A espécie USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA por exemplo (art. 1.240 do CC/2002 também encontrada no art. 183 da CRFB/88 e inclusive no Estatuto das Cidades) tem uma grande vantagem que é o seu curto tempo de posse exigido (CINCO ANOS) porém outro requisito é justamente o de não ser proprietário de outro imóvel:

"Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural".

Como se observa, muitos são os requisitos para tal modalidade, especialmente o fato de não ser o requerente PROPRIETÁRIO de outro imóvel urbano ou rural. A pergunta que trazemos hoje é: se o interessado não for proprietário mas sim possuidor de outro imóvel, poderia ainda assim se valer dessa espécie de usucapião (interessante já que exige APENAS CINCO ANOS de posse) para obter a propriedade de outro imóvel?

A resposta nos parece ser positiva, na medida em que POSSE e PROPRIEDADE não se confundem (e a Usucapião é, a rigor, verdadeira exemplificação disso já que consubstancia instrumento que converte a posse em propriedade, como sabemos).

A doutrina do ilustre Registrador Imobiliário, Dr. MARCELO COUTO (Usucapião Extrajudicial. 2021) esclarece com a precisão de sempre:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

"Outra exigência constitucional é que o usucapiente NÃO SEJA PROPRIETÁRIO DE OUTRO IMÓVEL URBANO OU RURAL. Como se pode constatar, o verbo utilizado está no PRESENTE, o que significa que o fato de já ter sido proprietário NÃO IMPEDE a usucapião constitucional urbana. (...) Importante atentar, ainda, que a norma fala apenas em 'PROPRIEDADE', de modo que o usucapiente pode ser titular de outros direitos reais, tais como usufruto, concessão de direito real de uso, dentre outros".

De fato estamos com a melhor doutrina que aponta ainda que a prova será feita pela simples declaração do interessado de que não possui imóvel em sua propriedade durante o prazo usucapional, sendo certo que tal modalidade também pode ser exercidade plenamente pela VIA EXTRAJUDICIAL, sem processo judicial, com assistência obrigatória de Advogado, nos moldes do art. 216-A da Lei de Registros Publicos, bem como Provimento CNJ 65/2017.

É claro que outras modalidades podem ser cogitadas para a pretensão do interessado quando ele for proprietário de outro imóvel, porém, como se viu, a grande vantagem da modalidade ora revisitada é seu curto prazo de posse exigido. POR FIM, decisão do TJSP que por uninamidade reformou decisão do juiz de piso que negava o direito à Usucapião por supostamente não terem sido preenchidos os requisitos para a Usucapião Urbana por serem os requerentes "proprietários" de outro imóvel - quando na verdade eram meros "posseiros":

"TJSP. 0009614-83.2008.8.26.0152. J. em: 24/10/2017. APELAÇÃO – Ação de Usucapião Urbana – Alegação de posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre imóvel por mais de cinco anos – Sentença de improcedência – Inconformismo – Alegação de que não são proprietários de outro imóvel – Autores que admitem a POSSE de outro imóvel, o que não obsta o pedido de usucapião urbana – Presentes, ainda, os requisitos autorizadores para o reconhecimento da usucapião extraordinária, ao tempo do ajuizamento da ação – Recurso provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!