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Direito digital: uma nova esfera jurídica ou uma extensão inevitável do direito tradicional?

Agenda 15/06/2023 às 15:43

Enquanto o direito tradicional lida com questões que existem desde tempos imemoriais, como contratos, propriedade e crimes, o direito digital enfrenta questões que são exclusivas ou foram drasticamente transformadas pela tecnologia das últimas décadas.

RESUMO: Este artigo busca explorar a natureza do Direito Digital, questionando se ele representa uma nova esfera jurídica ou simplesmente uma extensão do Direito tradicional adaptada à era da tecnologia. Através de uma análise crítica da legislação atual, doutrina e jurisprudência, o artigo aborda as principais características e desafios do Direito na era digital, destacando as mudanças trazidas pela digitalização e a necessidade de adaptação do Direito para lidar com questões emergentes. O objetivo é promover uma reflexão sobre a evolução e o futuro do Direito na era digital e fornecer uma base para futuras pesquisas e discussões sobre o tema.

Palavras-chave: Direito; Direito Digital; Legislação.


INTRODUÇÃO

A era digital trouxe consigo inúmeros avanços tecnológicos que transformaram radicalmente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos comunicamos. Essa revolução digital também trouxe consigo novos desafios e questões para o Direito, levantando debates sobre a necessidade de uma nova esfera jurídica - o Direito Digital - ou se as questões digitais podem ser tratadas dentro do arcabouço do Direito Tradicional. A relevância desta discussão é inegável, uma vez que a maneira como conceituamos e estruturamos o Direito na era digital tem implicações significativas para a legislação, a jurisprudência e a prática jurídica.

O objetivo deste artigo é explorar a natureza do Direito Digital, questionando se ele representa uma nova esfera jurídica ou simplesmente uma extensão do Direito tradicional adaptada à era da tecnologia. Para isso, realizaremos uma revisão bibliográfica dos conceitos de Direito Tradicional e Direito Digital, e uma análise crítica da legislação atual, doutrina e jurisprudência.

O artigo está estruturado da seguinte maneira: após esta introdução, a segunda seção discutirá os conceitos e diferenças entre o Direito Tradicional e o Direito Digital. Seguiremos com a discussão da evolução do Direito na era digital, os desafios do Direito Digital, e os argumentos a favor da visão do Direito Digital como extensão do Direito Tradicional e como nova esfera jurídica. O artigo encerra com uma conclusão que sintetiza os principais pontos discutidos e sugere direções para futuras pesquisas.

Espera-se que este trabalho contribua para o debate acadêmico e profissional sobre o Direito na era digital, fornecendo uma base para reflexão e discussão sobre a evolução e o futuro do Direito na sociedade digital.

DIREITO TRADICIONAL E DIREITO DIGITAL: CONCEITOS E DIFERENÇAS

O Direito é um conjunto de normas e princípios que regulam a convivência em sociedade, visando assegurar a ordem, a justiça e a liberdade. O termo "digital", por sua vez, refere-se a tudo que está relacionado à tecnologia da informação e da comunicação, englobando a Internet, os dispositivos eletrônicos, os softwares, entre outros. Os ramos do Direito são as diversas áreas em que se dividem as normas jurídicas para melhor organização e aplicação, como o Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho, entre outros. Nesse contexto, o Direito Digital é um ramo emergente que aborda as questões jurídicas relacionadas ao uso da tecnologia, se inserindo em múltiplas áreas, como o Direito Penal (crimes cibernéticos), o Direito Civil (contratos digitais, responsabilidade civil na internet), o Direito Administrativo (governo eletrônico), entre outros. É um campo interdisciplinar, que demanda uma compreensão tanto das normas jurídicas quanto dos aspectos técnicos da tecnologia.

O Direito Tradicional, como o termo sugere, refere-se ao conjunto de normas, princípios e instituições jurídicas que foram estabelecidas ao longo dos séculos e que regem as relações na sociedade. Estas normas são geralmente baseadas em textos legais, jurisprudência e doutrina, e abrangem diversas áreas, desde o direito civil e penal até o direito administrativo e constitucional.

Por outro lado, o Direito Digital é um campo do Direito que surge com a evolução tecnológica e a digitalização da sociedade. Ele se concentra nas questões jurídicas relacionadas à utilização de tecnologias digitais, internet e a circulação de informações no ambiente digital. Isso inclui, entre outras coisas, questões de privacidade e proteção de dados, crimes cibernéticos, direitos autorais e contratos eletrônicos.

As principais diferenças entre o Direito Tradicional e o Direito Digital residem na natureza dos problemas que cada um procura resolver. Enquanto o Direito Tradicional lida com questões que existem desde tempos imemoriais, como contratos, propriedade e crimes, o Direito Digital enfrenta questões que são exclusivas ou foram drasticamente transformadas pela era digital.

No entanto, também existem semelhanças entre os dois. Ambos são baseados em princípios de justiça, equidade e respeito aos direitos humanos, e ambos procuram regular o comportamento dos indivíduos e das instituições para garantir a ordem e a harmonia na sociedade.

EVOLUÇÃO DO DIREITO NA ERA DIGITAL

A evolução do Direito na era digital tem sido um processo contínuo de adaptação e mudança. Com o advento da internet e das tecnologias digitais, novas questões jurídicas surgiram, exigindo uma revisão e atualização das normas jurídicas existentes. Por exemplo, o surgimento das redes sociais e o aumento da coleta de dados levantaram novas questões sobre privacidade e proteção de dados, levando à criação de leis como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na Europa e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil.

Além disso, a digitalização também provocou uma mudança na forma como o Direito é praticado. Hoje, muitos processos judiciais podem ser realizados online, contratos podem ser assinados digitalmente, e uma quantidade crescente de jurisprudência está disponível em bancos de dados online.

De acordo com Pinheiro (2018), "o Direito Digital é uma nova esfera jurídica que surge em resposta às transformações sociais, econômicas e tecnológicas da era digital, e que exige uma revisão crítica dos conceitos e princípios do Direito tradicional". Definição esta que se repete em:

O Direito Digital é uma nova esfera jurídica que surgiu da necessidade de regulamentar as questões decorrentes da evolução tecnológica e da expansão da internet. Ele abrange todas as áreas do Direito e congrega novos elementos para dirimir os conflitos surgidos com a tecnologia, especialmente a Internet, e regular as relações da denominada “sociedade da informação” (REIS; BONFIM, 2014).

Essas mudanças não apenas refletem a influência da tecnologia no Direito, mas também indicam como o Direito está se adaptando e evoluindo para lidar com os desafios da era digital. A evolução do Direito na era digital é, portanto, um processo dinâmico e contínuo que provavelmente continuará à medida que a tecnologia avança.

ANÁLISE HISTÓRICA E CONTEXTO DA EVOLUÇÃO DO DIREITO NA ERA DIGITAL

A história do Direito Digital pode ser traçada a partir do final do século XX, com o advento da Internet e a popularização do uso de computadores. Desde então, vimos uma rápida evolução na forma como a tecnologia influencia a sociedade, e consequentemente, o Direito.

No início do século XXI, com a popularização das redes sociais e a explosão do e-commerce, surgiram novos desafios, como a proteção de dados pessoais e a regulamentação de contratos eletrônicos. Isso levou à criação de leis como o Marco Civil da Internet no Brasil e o Regulamento Geral de Proteção de Dados na Europa.

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Com o surgimento da Internet e o aumento do uso de computadores, um novo espaço foi criado - o espaço cibernético. Este espaço, um produto da evolução tecnológica, tornou-se uma parte integrante da vida cotidiana, trazendo consigo novos desafios e oportunidades. Naturalmente, essas mudanças não deixaram de afetar o campo do Direito. O Direito, como um sistema social que regula o comportamento humano, teve que se adaptar a essa nova realidade digital.

Em meados da década de 1990, o mundo começou a testemunhar os primeiros casos de crimes cibernéticos. Desde fraudes online até invasões de sistemas, esses novos tipos de delitos requeriam uma nova abordagem legal. Os crimes cibernéticos, por sua natureza, não conhecem fronteiras geográficas. Portanto, os governos ao redor do mundo tiveram que colaborar para criar um quadro legal que pudesse lidar efetivamente com essas novas formas de delinquência.

Essa nova forma de criminalidade gerou uma resposta global, com os governos tomando medidas para proteger os cidadãos na esfera digital. Assim, leis específicas começaram a ser criadas para lidar com as consequências da criminalidade cibernética. Essas leis não apenas puniam os infratores, mas também atuavam como um meio de dissuasão, enviando uma mensagem clara de que a conduta ilegal na internet não seria tolerada.

No início do século XXI, com a popularização das redes sociais e a explosão do comércio eletrônico, surgiram novos desafios. A proteção dos dados pessoais tornou-se uma questão premente, dada a quantidade de informações pessoais que as pessoas compartilham online. Além disso, a regulamentação dos contratos eletrônicos tornou-se essencial, já que as transações online se tornaram a norma.

Em resposta a essas questões emergentes, leis abrangentes foram criadas em várias jurisdições. No Brasil, foi instituído o Marco Civil da Internet, uma lei que estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no país. Esta lei representa um esforço significativo para proteger os direitos dos usuários da Internet, incluindo a privacidade e a liberdade de expressão.

Na Europa, a resposta veio na forma do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). O RGPD, que entrou em vigor em 2018, é um regulamento abrangente que protege os dados pessoais dos cidadãos da UE. Ele estabelece regras claras sobre o processamento de dados pessoais e impõe pesadas sanções às organizações que violam essas regras.

A evolução do Direito Digital é um reflexo de como a tecnologia está moldando nossa sociedade. À medida que a tecnologia continua a avançar, novos desafios surgem, exigindo constantes atualizações e adaptações da lei.

Esses desafios variam desde questões de segurança cibernética e privacidade, até questões de direitos autorais e propriedade intelectual na era digital. Por exemplo, com o advento da inteligência artificial, novas questões estão surgindo sobre a responsabilidade legal por ações tomadas por máquinas autônomas. Da mesma forma, à medida que a tecnologia Block Chain e as criptomoedas ganham popularidade, as leis existentes precisam ser revisadas e atualizadas para acomodar essas novas tecnologias.

Não menos importante é a questão da governança da internet. A internet é um espaço global, sem fronteiras definidas, tornando a regulamentação jurídica um desafio. Determinar qual jurisdição se aplica a uma determinada atividade online ou resolver conflitos de leis entre países diferentes são questões complexas que os juristas precisam enfrentar.

Outra questão crucial é a acessibilidade e inclusão digital. À medida que a sociedade se torna cada vez mais digitalizada, garantir que todos tenham acesso igualitário à internet e às oportunidades que ela oferece tornou-se uma importante questão de justiça social. Da mesma forma, a questão dos direitos digitais - o direito à privacidade online, à liberdade de expressão e à proteção contra a discriminação online - tornou-se cada vez mais relevante.

O Direito Digital, portanto, não é um campo estático, mas um que está em constante evolução. Para que a lei acompanhe a evolução da tecnologia, é necessário um esforço contínuo de estudiosos, legisladores e profissionais do direito para entender as novas tecnologias e as implicações legais que elas trazem.

No entanto, apesar dos desafios, o Direito Digital também apresenta oportunidades. A tecnologia pode ser usada para aumentar a eficiência do sistema legal, tornando a justiça mais acessível. O uso da inteligência artificial no direito, por exemplo, pode ajudar a automatizar tarefas rotineiras, facilitar o acesso a informações jurídicas e ajudar a prever resultados de casos judiciais.

Em resumo, pode-se afirmar que a evolução do Direito na era digital é um processo contínuo e dinâmico, uma jornada complexa que não tem fim definido, mas que continua a se desdobrar à medida que a tecnologia avança. Esta é uma era de mudanças rápidas e, com cada inovação tecnológica, surge a necessidade de revisar e adaptar nossas leis e regulamentos existentes. A função primordial do Direito, neste contexto, é proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, garantindo que ninguém seja deixado vulnerável ou desprotegido na vastidão do espaço cibernético.

Não apenas a proteção dos direitos individuais, mas também a manutenção da justiça e da ordem na sociedade são imperativos na era digital. O Direito, como instrumento de justiça social, deve garantir que todos sejam tratados de maneira justa e equitativa, independentemente de como interagem com a tecnologia. Além disso, deve manter a ordem, garantindo que a tecnologia não seja usada para fins ilícitos, e que aqueles que a utilizam de maneira inadequada sejam responsabilizados.

Contudo, a tarefa de adaptar o Direito à era digital não é simples. Existem muitos desafios, desde a compreensão das novas tecnologias até a resolução de questões complexas de jurisdição e governança na Internet. Esses desafios são amplificados pelo ritmo acelerado da inovação tecnológica e pela natureza global da Internet, que desafia as fronteiras nacionais tradicionais.

No entanto, apesar desses desafios, há também uma oportunidade única. A colaboração entre tecnólogos e juristas é crucial para enfrentar esses desafios. Os tecnólogos trazem o conhecimento técnico necessário para entender as novas tecnologias, enquanto os juristas trazem a experiência legal necessária para interpretar e aplicar a lei. Juntos, eles podem trabalhar para criar um ambiente digital que seja não apenas seguro e regulamentado, mas também justo e inclusivo.

Essa colaboração pode permitir a criação de um ambiente digital onde os direitos são respeitados, a justiça é acessível e a ordem é mantida. Um ambiente onde a tecnologia serve para enriquecer nossas vidas, e não para prejudicá-las. Em última análise, a evolução do Direito na era digital é uma oportunidade para construir um futuro digital que reflita os valores e princípios que prezamos como sociedade.

DIREITO DIGITAL ALÉM DOS CIBERCRIMES

O Direito Digital, muitas vezes associado exclusivamente à temática dos cibercrimes, possui na verdade um campo de atuação muito mais amplo e diversificado. Sim, os delitos cometidos por meio de tecnologias da informação representam uma parcela importante e bastante discutida deste ramo jurídico, contudo, não se esgotam aí as suas competências. O Direito Digital perpassa por uma série de questões que vão desde a regulamentação de contratos eletrônicos e do comércio eletrônico, passando pela proteção de dados pessoais e a garantia da privacidade na internet, até o estudo e análise das implicações jurídicas de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e a Internet das Coisas.

Além disso, o Direito Digital se entrelaça com diversos outros ramos do Direito, como o Direito Civil, o Direito do Consumidor, o Direito do Trabalho, o Direito Administrativo, entre outros, exigindo, portanto, uma abordagem interdisciplinar e integrada. Ao refletir sobre o Direito Digital, torna-se imperativo adotar uma visão holística que compreenda todas as suas vertentes e nuances.

Ilustrando a amplitude do Direito Digital para além do universo dos cibercrimes, Almeida (2017) destaca a complexidade e os desafios para o direito na proteção dos bens digitais pós-morte, uma temática ainda carente de regulamentação específica. Segundo a autora, é necessário repensar os paradigmas do direito privado no contexto do Estado Democrático de Direito para garantir uma tutela jurídica adequada aos bens digitais.

Ceub (2021), por sua vez, ressalta a relevância da inteligência artificial no Direito Digital, trazendo à tona questões éticas e jurídicas sobre a responsabilidade por danos causados por máquinas autônomas. O autor enfatiza ainda a importância da cibersegurança, que visa proteger sistemas e informações digitais contra ataques cibernéticos, como uma temática crucial no Direito Digital.

Já Schirru (2020) aponta para o fato de que a crescente utilização de tecnologias digitais tem gerado novos desafios para o direito autoral e para outras áreas do direito, consolidando o Direito Digital como uma nova esfera jurídica ou uma extensão inevitável do direito tradicional.

Nessa ótica, percebe-se que os direitos autorais digitais, por exemplo, não implicam necessariamente em cibercrime, pois englobam questões éticas, acadêmicas, responsabilidade civil e sanções administrativas. Portanto, o Direito Digital se mostra como um campo vasto, que vai muito além do combate aos cibercrimes.

DISCUSSÃO SOBRE OS PRINCIPAIS DESAFIOS E QUESTÕES EMERGENTES NO DIREITO DIGITAL

O Direito Digital enfrenta uma série de desafios e questões emergentes. Um dos principais é a velocidade com que a tecnologia evolui, que muitas vezes supera a capacidade do Direito de se adaptar. Isso pode levar a lacunas na legislação e na jurisprudência, deixando os usuários de tecnologia sem proteção adequada.

Outro desafio importante é a questão da jurisdição em um mundo cada vez mais globalizado e conectado. Crimes cibernéticos podem ser cometidos de qualquer lugar do mundo, tornando difícil determinar qual lei se aplica e como fazer valer a justiça.

Há também a questão dos direitos humanos na era digital. Como garantir, por exemplo, o direito à privacidade e à liberdade de expressão em um mundo onde nossas vidas são cada vez mais digitalizadas?

Art. 2º - "A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: I - o respeito à privacidade; II - a autodeterminação informativa; III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem." (BRASIL, 2018).

Art. 2º - "A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como o reconhecimento da escala mundial da rede, aos direitos humanos, ao desenvolvimento da personalidade e ao exercício da cidadania em meios digitais." (BRASIL, 2014).

DIREITO DIGITAL COMO EXTENSÃO DO DIREITO TRADICIONAL

De acordo com a coletânea do Congresso Internacional de Direito e Inteligência Artificial (2020), a era tecnológica trouxe novos desafios para o campo jurídico, especialmente no que diz respeito ao direito digital e às tecnologias aplicadas ao direito.

Uma das perspectivas sobre o Direito Digital é a de que ele seria uma extensão do Direito Tradicional. Isso significa que, embora o Direito Digital lide com questões novas e únicas trazidas pela tecnologia, ele ainda se baseia nos princípios e estruturas do Direito Tradicional.

Nesta visão, o Direito Digital não seria necessariamente uma nova esfera jurídica, mas sim uma adaptação do Direito Tradicional à realidade digital. Assim, questões como crimes cibernéticos, privacidade de dados e contratos eletrônicos seriam tratadas aplicando-se os princípios jurídicos tradicionais, embora possam ser necessárias leis e regulamentos específicos para clarificar e especificar como esses princípios se aplicam no contexto digital.

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À VISÃO DO DIREITO DIGITAL COMO EXTENSÃO DO DIREITO TRADICIONAL

Existem vários argumentos favoráveis à visão do Direito Digital como uma extensão do Direito Tradicional. Primeiro, muitos princípios e normas do Direito Tradicional podem ser aplicados às questões digitais. Por exemplo, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, um conceito fundamental no Direito Tradicional, pode ser aplicada a casos de difamação online ou violação de privacidade.

De acordo com Pirani (2021), o direito digital não implica a criação de um novo Direito, mas sim na importância de que o Direito tradicional se adapte às novas tecnologias e desafios do ciberespaço.

Além disso, encarar o Direito Digital como uma extensão do Direito Tradicional permite uma maior consistência e continuidade jurídica. Isso pode ajudar a evitar a criação de um "patchwork" de leis e regulamentos isolados, que podem levar a confusões e conflitos.

ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À VISÃO DO DIREITO DIGITAL COMO NOVA ESFERA JURÍDICA

Por outro lado, também existem argumentos a favor da visão do Direito Digital como uma nova esfera jurídica. Um dos principais é que a natureza única das questões digitais requer uma abordagem jurídica própria.

De acordo com o Roteiro de Atuação - Crimes Cibernéticos elaborado pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, o direito digital é uma nova esfera jurídica que exige aprimoramento constante das leis e dos profissionais da área para garantir a proteção dos direitos constitucionais dos cidadãos na era digital (BRASIL, 2010).

Por exemplo, a velocidade e a escala com que a informação é disseminada online, a facilidade com que os dados pessoais podem ser coletados e usados, e a capacidade de cometer crimes de qualquer lugar do mundo são aspectos que não têm paralelo no mundo físico. Portanto, pode ser necessário desenvolver novos princípios e normas jurídicas para lidar com esses desafios.

DISCUSSÃO SOBRE A NECESSIDADE DE NOVOS PRINCÍPIOS, NORMAS E ESTRUTURAS LEGAIS PARA LIDAR COM QUESTÕES DIGITAIS

Independentemente de enquadrarmos o Direito Digital como uma extensão do Direito Tradicional ou uma nova esfera jurídica, é inconteste a demanda por novos princípios, normas e estruturas legais para lidar com as questões emergentes do mundo digital.

Silva (2021) defende que o direito digital é uma área que necessita de regulamentações próprias e autonomia, uma vez que vivemos em uma sociedade cada vez mais imersa no ambiente virtual, não apenas em termos tecnológicos, mas também psicológicos e sociais. Teffé (2019) compartilha dessa perspectiva e vai além, argumentando que "o direito digital é uma nova esfera jurídica que se apresenta como um desafio para o direito tradicional, exigindo novas abordagens e soluções para proteger a privacidade e os direitos individuais no ambiente virtual".

A proteção de dados pessoais é um exemplo emblemático de área onde a legislação atual tem se mostrado insuficiente para proteger os direitos dos indivíduos. A crescente coleta, armazenamento e uso de dados pessoais por empresas de tecnologia, sem o devido consentimento dos usuários, demonstra a urgência de normas mais robustas e eficazes.

Ademais, questões como o anonimato online, a moderação de conteúdo nas redes sociais e a responsabilidade das plataformas de tecnologia são áreas nas quais os princípios e normas jurídicas existentes podem ser inadequados ou insuficientes. São temas que colocam em jogo direitos fundamentais como a liberdade de expressão, a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade, exigindo respostas jurídicas adequadas e atualizadas.

Portanto, é indispensável que juristas, legisladores e a sociedade em geral busquem continuamente adaptar e evoluir o Direito para acompanhar o ritmo da inovação tecnológica. Trata-se de uma tarefa complexa e desafiadora, porém essencial para garantir que o Direito continue a desempenhar seu papel de proteger os direitos, garantir a ordem social e promover a justiça na era digital. As transformações trazidas pela tecnologia não devem ser vistas como ameaças, mas como oportunidades para aprimorar e atualizar nosso arcabouço jurídico, tornando-o mais adaptado à realidade digital em que vivemos.

CONCLUSÃO

Neste artigo, exploramos a complexa relação entre o Direito Tradicional e o Direito Digital, considerando a evolução do Direito na era digital. Discutimos os principais conceitos e diferenças entre os dois campos, além de analisar a evolução histórica e o contexto em que o Direito Digital surgiu.

Debatemos ainda os principais desafios e questões emergentes no Direito Digital e apresentamos argumentos favoráveis tanto à visão do Direito Digital como uma extensão do Direito Tradicional, quanto à visão de que se trata de uma nova esfera jurídica.

A reflexão sobre esses tópicos nos leva a considerar as profundas implicações da digitalização para o Direito. A era digital trouxe novos desafios e problemas que não podem ser facilmente resolvidos com os princípios e normas do Direito Tradicional. Por outro lado, a aplicação de princípios e normas tradicionais fornece uma estrutura sólida sobre a qual podemos construir para lidar com esses novos desafios.

Em termos de futuras pesquisas e discussões, sugerimos um foco em dois aspectos principais. Primeiro, a necessidade de desenvolver novos princípios e normas que possam efetivamente lidar com as questões emergentes no Direito Digital. Segundo, a importância de uma abordagem interdisciplinar para compreender e responder aos desafios que a era digital apresenta ao Direito. A colaboração entre juristas, cientistas da computação, sociólogos e outros especialistas será crucial para moldar o futuro do Direito na era digital.

Em conclusão, é importante esclarecer que acreditamos que, em algum momento, a distinção entre digital e não digital poderá se tornar irrelevante. À medida que as relações interpessoais e as tecnologias da informação e da comunicação continuam a se integrar, especialmente com a popularização e proliferação da inteligência artificial, caminhamos para uma realidade em que tudo será digital. Nesse contexto, o conceito de um Direito exclusivamente digital poderá se tornar obsoleto, uma vez que todo o Direito terá que levar em conta a realidade digital. Assim, em vez de considerarmos o Direito Digital como uma extensão ou uma nova esfera do Direito Tradicional, talvez devêssemos começar a pensar em como integrar a digitalização em todos os aspectos do Direito. Esta é uma tarefa monumental, mas é o desafio que devemos enfrentar para garantir que o Direito continue a proteger os direitos e promover a justiça na era digital.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Juliana Evangelista de. A tutela jurídica dos bens digitais após a morte: análise da possibilidade de reconhecimento da herança digital. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.

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BRASIL. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 ago. 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 18 fev. 2023.

BRASIL. Ministério Público Federal. Roteiro de Atuação - Crimes Cibernéticos. 2ª Câmara de Coordenação e Revisão. Brasília, 2010.

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PIMENTEL, Jose Eduardo de Souza. Introdução ao direito digital. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, n. 13, 2018.

PINHEIRO, Patricia Peck Garrido. O direito internacional da propriedade intelectual aplicada à inteligência artificial. 2018. 316f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

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TEFFÉ, Chiara Antonia Spadaccini de. Dados pessoais sensíveis: uma análise funcional da categoria e das hipóteses de tratamento. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Sobre o autor
Marco Aurélio Thompson

Bacharel em Direito pela UFBA e adicionalmente, possui pós-graduações em Direito Constitucional Aplicado pela Legale, Direito Digital pela Faceminas e LGPD pela Legale. Bacharel em Sistemas de Informação pela Unifacs, completou um MBA em Gestão de TI pela FMU e é pós-graduado em Análise de Sistemas e também em Inteligência Artificial pela Faculdade Iguaçu, Segurança da Informação pelo Cenes, Perícia Forense Aplicada à Informática pela Faceminas, Ethical Hacking e Perícia Forense, ambas pela UNICIV. Também é bacharelando em Administração de Empresas pela Unifacs e possui registro profissional como jornalista (0005536/BA). É professor licenciado em Pedagogia e Letras pela Unifacs, Matemática e História pela Estácio e Biologia pela Faveni. Possui pós-graduação em Jornalismo Investigativo pela Faceminas e concluiu ainda cursos de pós-graduação em Fitoterapia pela Faculdade Iguaçu, Neurociências na Educação e também Psicanálise pela Faveni, Psicopedagogia pela UNIFACS e Teologia pela Faculdade Iguaçu.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

THOMPSON, Marco Aurélio. Direito digital: uma nova esfera jurídica ou uma extensão inevitável do direito tradicional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7288, 15 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104612. Acesso em: 22 dez. 2024.

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