Autor:
GILBERTO LEANDRO DUTRA
RESUMO
o presente artigo discute sobre o instituto do Tribunal do Júri, com ênfase no seu contexto histórico, do seu debatido e inconclusivo consenso acerca do seu nascimento, até o seu surgimento no Brasil, abordando o seu conceito, principais características e previsão legal constitucional e infraconstitucional vigente. Para isso, fizemos uso de uma metodologia baseada em pesquisa bibliográfica exploratória, buscando como aporte teórico, estudiosos contemporâneos, tais como: Vaz (2017), André (2008), entre outros, que nos possibilitaram oferecer embasamento de elementos para que o leitor compreenda o percurso histórico do Tribunal do Júri, bem como a suas mudanças na legislação brasileira e sua funcionalidade organizacional dado a sua previsão legal, devidamente expressa e regulamentada atualmente na Constituição Federal (1988), Código Penal (1940) e Código de Processo Penal (1941), como um dos institutos mais relevantes à justiça e democracia do país, figurando como cláusula pétrea, institucionalizado como direitos e garantias individuais da pátria.
PALAVRAS-CHAVE: Tribunal do Júri. Constituição Federal. Direito Penal. Democracia.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar um estudo acerca do nascimento e percurso histórico do Tribunal do Júri, até ser incorporado a legislação brasileira, à luz de estudiosos, doutrinadores e do ordenamento jurídico do Brasil.
Tratar sobre o tão debatido instituto do Tribunal do Júri é ato de suma importância, dado o seu papel relevante para a consagração da democracia, com a soberania dos seus vereditos, em detrimento da conversação do poder judiciário com a sociedade, com o compartilhamento do poder de julgar e aplicação das leis ao longo dos diferentes regimes políticos do Brasil, até a sua reafirmação na atual Carta Magna brasileira.
Para isso, utilizamos como metodologia a pesquisa bibliográfica, com ênfase para os postulados de Vaz (2017) e André (2008) em diálogo com outros autores e com a legislação brasileira, em especial a Constituição Federal de 1988, Código Penal de 1940 e Código de Processo Penal de 1941.
Este estudo divide-se em 05 (cinco) tópicos, iniciando com o primeiro fazendo um breve esboço histórico acerca da origem do tribunal do júri. Já no segundo tópico, apresentamos o surgimento e evolução desse instituto na legislação brasileira, apontando as suas principais características e avanços até a atual Constituição Federal de 1988.
Aos dois tópicos seguintes abordam respectivamente, a conceituação e aspectos gerais do tribunal do júri e a sua previsão legal na lei penal brasileira. Em seguida, no quinto tópico, abordamos os crimes que competem ao tribunal do júri e por último, fazemos as considerações finais acerca do tema e debate realizado neste trabalho, que demonstram a importância da reflexão e continuidade dos estudos sobre a temática abordada.
BREVE ESCOÇO HISTÓRICO
Inicialmente, ressalta-se que não há um consenso entre os historiadores e estudiosos da temática sobre a origem do tribunal do júri, havendo grandes controvérsias sobre esse aspecto nos estudos da história das civilizações, em suma devido a escassez de informações acerca das instituições jurídicas mais antigas, conforme aponta Streck (2001) apud Vaz (2017).
Autores clássicos, como Tornagni (1992) afirmam que o tribunal do júri advém do direito romano, enquanto outros mais entusiasmados vão mais longe e defendem que o instituto remota desde da Santa Ceia, sendo os apóstolos constituintes do corpo do jurados, como discorre Lyra (1950) apud Vaz (2017).
André (2008) discorre ainda que na cultura judaica presente no antigo testamento de autoria de Moisés, no Egito Antigo, grandes estudiosos enfatizam a presença do estatuto do júri, a medida que descrevem normas a serem seguidas (caráter impositivo da lei) e as regras de funcionamento do tribunal. O autor aponta que as sessões ocorriam ao ar livre, sendo públicas, sendo incumbido ao réu certos direitos, a exemplo o de se defender das acusações que lhe eram conferidas, ao qual o magistrado submetia-se ao sacerdote, obedecidos os sagrados mandamentos, pelo tribunal do júri.
Segundo Tucci (1999) apud Vaz (2017), há também quem defenda, sob sólidos argumentos, que o berço do tribunal do júri está no âmbito da lei mosaica, nos diskatas, em Atenas, no famoso areópago grego. Pensamento este, presente também nos postulados de Vicentino (1997) apud André (2008), ao discorrer que na Atena Clássica, do século V a.C., no chamado tribunal popular, dividia-se em dois: o heliaia, que julgavam as causas públicas e privadas, e o areópago, que julgavam os crimes de homicídios. O corpo de jurados (diskatas) era formado pelos heliastas, cidadãos atenienses, que deveriam cumprir algumas condicionalidades, ocorrendo sorteios anuais, para evitar fraudes.
Há ainda estudiosos que defendem que o tribunal do júri tem origem germânica, a partir de assembleias presididas por chefes de tribos (STRECK, 2011 apud VAZ, 2017), mas merecem destaque, os que postulam a origem do instituto na Roma Antiga e na Inglaterra, conforme aponta Vaz (2017) e André (2008).
O modelo do instituto romano, o denominado judices jurati, ressaltada ainda a sua forte influência grega, era constituído por pares e apresentava uma divisão bastante clássica, sobre influência do feudalismo, conforme destaca Vincentino (1997) apud André (2008) ao enfatizar que servos eram julgados por servos e senhores por senhores, etc.
Nesse sentido, Tucci (1999) apud Vaz (2017) destaca que o Tribunal do Júri surge em solo britânico, em meados de 1215, após a abolição das ordálias (sistema de justiça germânico) e juízos de Deus, de onde se expandiu para todo o continente europeu no século XVI e solo norte americano. Daí, cria-se na Inglaterra, o sistema denominado “pequeno júri”, constituído de doze cidadãos que tinham a sua função delimitada apenas a avaliar o mérito das causas em apreciação, sendo competente ao “grande júri” o arregimento das provas acusatórias, determinando assim se o acusado deveria ou não ir a julgamento (TOURINHO FILHO, 2003 apud VAZ, 2017).
Sob influência do sistema britânico, conforme antes dito, e ainda propulsionado pela Revolução Francesa, no fim do século XVIII, foi institucionalizado o tribunal do júri na França, retirando do magistrado o pode julgar, levando-o ao povo, considerado como o único possuidor de soberania e legitimidade para tal ato jurídico (VAZ, 2017).
Tucci (1999) apud Vaz (2017) enfatiza que o sistema do júri instituído na França em 1790, trouxe a apreciação no âmbito criminal com o importante estabelecimento do debate necessário, de ser o cidadão eleitor e o resultado por maioria, bem como da publicização dos atos do julgamento.
Já nos EUA, sob tais influências europeias, instituiu o júri popular, objetivando maior interesse e eficiência com as demais matérias jurídicas, que resultaram em mudanças efetivas do direito (ANDRÉ, 2008). Assim sendo, há maior unanimidade entre os autores contemporâneos sobre o nascimento do tribunal do júri na Inglaterra, negando as demais, a exemplo do sistema francês que teve forte repercussão, em suma, devido as diversas teses e controvérsias existentes sobre o tema (MARQUES, 1997 apud VAZ, 2017).
O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL: SURGIMENTO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Diferentemente do visto no item anterior sobre a vasta controvérsia acerca da origem do tribunal do júri, quanto ao Brasil não há tal discussão, haja vista a unanimidade quanto a sua instituição no direito pátrio, ao afirmar-se que se foi instituído em 1822, pela Lei 18 de junho, decretada pelo Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara, durante o período imperial, fixando inicialmente a sua competência para julgar crimes de imprensa (VAZ, 2017).
O tribunal do júri brasileiro à época era composto por 24 (vinte e quatro) homens, denominados juízes de fato, nomeados pelo corregedor ou pelos ouvidores do crime, selecionados entre cidadãos considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas. Após o julgamento em júri, era cabível apenas apelação diretamente a D. Pedro, denominada de clemência real (VAZ, 2017).
Franco (1956) apud Vaz (2017) destaca que apenas três anos após a sua decretação, é que veio a se realizar a primeira sessão do tribunal do júri no Brasil, sendo datada de 25 de junho de 1825, tendo como mérito o crime de injúrias impressas, na cidade do Rio de Janeiro.
Posteriormente, através da lei de 20 de setembro de 1830, sobre o abuso e liberdade de impressa, de autoria de D. Pedro, foram instituídos o júri de acusação e o júri de julgação. O primeiro, constituído de 23 (vinte e três) membros, e o segundo, de 12 (doze), todos homens, eleitores de bom senso e sem máculas, ainda limitado aos crimes de imprensa (TUCCI, 1999 apud VAZ, 2017).
Somente em 1832, com a criação do Código do Processo Criminal do Império, datado de 29 de novembro daquele ano, sob influencias das legislações inglesas, norte-americanas e francesas, foram outorgadas outras atribuições, consideradas muito amplas e indefinidas, que causaram, inclusive, fortes críticas pelos estudiosos, conforme destaca Tucci (1999) apud Vaz (2017).
Após a proclamação da República, foi inicialmente criado o denominado Júri Federal em 11 de outubro de 1890, por força do Decreto 848, que tinha como competência julgar os crimes de ordem da jurisdição federal, sendo ratificado no ano seguinte, quando em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República (FILÓ, 1999 apud VAZ, 2017).
Com a Constituição de 1934, o tribunal do júri no Brasil, passou a ter a sua competência diminuída, até então de ordem federal, haja vista a delegação pela nova carta magna, da competência legislativa processual aos Estados da Federação, por meio de várias leis abordando a organização e competência do instituto do júri. Nesse período, muitos juristas tinham o entendimento de que com a nova legislação, o júri deixou de ser uma garantia constituição para ser simples instrumento do judiciário (VAZ, 2017).
Em nossa terceira Constituição da República, datada de 1937, não deu tratativa ao tribunal do júri, havendo para muitos estudiosos da época uma supressão de tal instituto do ordenamento jurídico. Nesse período, segundo Filó (1999) apud Vaz (2017), tendo destaque para os atos do reconhecido presidente do júri da capital da República da época, o Dr. Margarino Torres, que proclamando a subsistência do júri, presidia seus trabalhos.
Em 1938, merece destaque o Decreto-Lei nº 167/1938, que regulamentando mais uma vez o tribunal do júri, passa a fazer algumas alterações importantes, tais como: a redução do número de jurados, passando a ser apenas sete, e ainda, extingue a soberania de seus veredictos, que posteriormente é retomada com o advento da Constituição de 1946. Ainda, o Decreto-lei de nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, traz a preocupação em regulamentar o tribunal do júri, nos seus artigos 406 a 497, em caráter nacional, já que existia, à época, outros diplomas estaduais que contemplavam igualmente o júri (VAZ, 2017).
Em suma, no período compreendido do Brasil Império até a República, o tribunal do júri foi fundamentalmente firmado em algumas matrizes mestras, conforme enumera Vaz (2017):
a) caráter público, contraditório e oral do respectivo processo; b) divisão do procedimento em duas fases, uma de formação de culpa (iudicium accusationis) e outra, subsequente, de julgamento (iudicium causae); c) composição do órgão julgador por um juiz togado (legalmente investido no exercício da jurisdição, e, especificamente, na presidência do tribunal do júri) e juízes de fato (jurados), com a incumbência de proferir o veredicto; d) forma de recrutamento dos jurados; e) método de votação. (VAZ, 2017, pág. 10)
É na Constituição de 1946, que se proclama o tribunal do júri dentro dos “Direitos e Garantias individuais”, mantido e organizado por lei regulamentadora, tendo como preceitos básicos, o número impar de seus membros, o sigilo das votações, a ampla defesa de seus réus e os veredictos soberanos (BRASIL, 1946).
E assim, o tribunal do júri se manteve vivo, mesmo com as pressões impostas as suas arbitrariedades decorrentes do Golpe de 1964, sendo mantido mais uma vez, pela Constituição de 1967, e também, pelo o que ficou entendida como uma nova Constituição, a sua Emenda Constitucional de nº 1/1969, imposta ditatorialmente, agora, limitando-o aos crimes dolosos contra a vida, em seu artigo 153, §18 (VAZ, 2017).
Por fim, com a Constituição de 1988, pós redemocratização do país, a denominada constituição cidadã, vigente até os dias atuais, manteve o tribunal do júri como um dos direitos e garantias fundamentais, ou seja, cláusula pétrea, sendo mais uma vez, reestabelecido a soberania dos seus veredictos, limitando a competência de seus julgamentos, bem como mantendo constitucionalmente a sua exclusividade aos crimes dolosos contra a vida, sendo permitido a sua ampliação por lei ordinária, onde o magistrado atua como presidente da sessão, sendo o responsável pela dosimetria das penas (VAZ, 2017).
CONCEITUAÇÃO E CONSIDERAÇÕES GERAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI
A palavra júri deriva do latim jurare (jurar), em tese devido ao ato do juramento firmado pelos cidadãos comuns que irão compor um tribunal de júri. Como visto no item 1 deste trabalho, é uma instituição muito antiga, sem ter uma unanimidade quanto a sua origem, remontando discussões de que seja na Roma Antiga, Grécia, povos germânicos, entre outros.
O famoso dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2004), traz a conceituação de júri, como sendo: “Tribunal judiciário formado por um juiz de direito, que preside, e julga segundo a prova dos autos, e certo número de cidadãos (jurados), que julgam como juízes de fato, tribunal de júri” (FERREIRA, 2004, pág. 421).
O conceituado dicionário jurídico de José Naufel (1984), traz o conceito de júri, como sendo:
Instituição judiciária composta de um juiz de direito, que é o presidente do Tribunal, e de vinte e um jurados, dos quais constituem o conselho de sentença, ao qual compete o julgamento de certos crimes com exclusividade (NAUFEL, 1984, pág. 652)
Ainda, enquanto conceituação André (2008) ressalta, que para salvo entendimento, outros dicionários jurídicos trazem, em suma, o conceito de júri como “Tribunal popular de justiça, incumbido de afirmar ou negar a existência de delito imputado a alguém” (ANDRÉ, 2008, pág. 18).
Jurídico e socialmente falando, júri é uma instituição do poder judiciário composta por cidadãos comuns, que julgam enquanto dever do juiz singular (uno), os fatos apresentados no ato da sessão. Sendo denominado como Tribunal de justiça popular, o tribunal do júri constitui-se de um presidente, sendo este um juiz de direito, e vinte e um jurados, representantes da sociedade, escolhidos e sorteados entre os alistados em cada comarca, dos quais são escolhidos sete, para compor o Conselho de Sentença, durante o julgamento, sendo os responsáveis pela afirmação ou negação do delito imputado ao réu (ANDRÉ, 2008).
O júri, previsto na Constituição Federal/1988, é uma instituição especial de primeiro grau da Justiça Comum, caracterizado como um colegiado temporário – dado não ser realizada diariamente e heterogêneo – por sua constituição se dá com pessoas das diversas classes sociais (ANDRÉ, 2008).
Sobre a sua composição social, André (2008), ainda enfatiza que os jurados são tidos como juízes sem togas, que compõem o conselho de sentença, tendo as suas qualificadoras para recrutamento estabelecidas pela legislação processual penal, com a função exclusiva de decidir sobre os fatos a eles apresentados, sem entrar no mérito do direito, bem como estarem sujeitos a um dever cívico, ou seja, não podendo ser recusado sem motivo plausível para tanto, sob as penas da lei.
Conforme antes dito, o Tribunal do Júri é um órgão de primeira instância, seja na justiça comum, estadual ou federal, todos, tendo a sua competência estabelecida na Constituição Federal de 1988, com a mesma função, determinada no Código de Processo Penal, assim como a sua organização (ANDRÉ, 2008).
A PREVISÃO LEGAL DO TRIBUNAL DO JÚRI
No ordenamento jurídico brasileiro, o júri é instituído por nossa Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XXXVIII, sob o título dos direitos {individuais} e garantias fundamentais, ou seja, as consideradas cláusulas pétreas, conforme texto in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (BRASIL, 1988)
De tal modo, como previsto no texto da CRF/1988, o júri é um instituto que será organizado por lei ordinária, sendo assegurado quatro características, conforme alíneas acima descritas do texto original da Carta Magna brasileira.
Na legislação brasileira, são considerados crimes dolosos contra a vida, os previstos nos artigos 121 ao 128, do Código Penal, sendo eles: homicídio doloso, infanticídio, auxílio, induzimento ou instigação ao suicídio e aborto, em suas formas consumadas ou tentadas, todos, sendo de competência do Tribunal do Júri, conforme disposto no Art. 74, §1º, do Código de Processo Penal pátrio, in verbis:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
O Tribunal do Júri é um órgão de primeira instância, sendo assim, de primeiro grau da justiça comum, podendo ser de competência estadual ou federal, conforme previsto no artigo 109, da Constituição Federal, sendo composto por um juiz de direito, que preside a sessão e 25 (vinte e cinco) jurados, pessoas comuns, representantes da sociedade, devidamente alistados, dos quais, são sorteados, 07 (sete), para formar o conselho de sentença (ANDRÉ, 2008).
No Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3689/1941), o Tribunal do Júri está previsto no Livro II, Título I, denominado de Processo Comum, também, no Capítulo II (Do processo dos crimes de competência do júri) e suas regras de organização, na Seção III, a partir do artigo 439 (ANDRÈ, 2008).
Os processos de competência do Tribunal do Júri acima descritos, também chamados de procedimentos bifásicos, como a própria denominação deduz, possuem duas fases. A primeira fase denominada sumário da culpa e a segunda, já em plenária, denominada de juízo da causa.
Na primeira fase, temos o recebimento da denúncia, tramitando-se regularmente, até a decisão de pronúncia, etapa processual que dá início à formação do juízo de admissibilidade do acusado. Após, já no juízo da causa, o processo inicia-se com a intimação das partes, para que as mesmas indiquem todos os meios de provas admitidas em lei que queiram produzir em plenário, terminando essa segunda fase com o trânsito em julgado da decisão do tribunal do júri.
Em relação a atividade do Tribunal do Júri, considera-se a quantidade de processos, ou seja, há comarcas em que o júri funciona mensalmente, outras, porém, só há sessões de julgamento trimestralmente. Assim, compete a cada comarca, proceder as reuniões periódicas do júri, bem como a convocação dos jurados.
Em suma, a regulação da instalação do Júri, são normas de competência organizacional do poder judiciário, não tendo assim, caráter processual, já que a organização do corpo de jurados não faz parte do processo penal (ANDRÉ, 2008).
DOS CRIMES QUE COMPENTEM AO TRIBUNAL DO JÚRI
Nesta sessão, traremos algumas breves considerações acerca dos crimes de competência do Tribunal do Júri, aos quais foram listados no item anterior, previstos dos arts. 121 ao 128, do Código Penal, denominados de crimes dolosos contra a vida, sejam consumados ou mesmo tentados, sendo eles: homicídio doloso, simples, privilegiado ou qualificado (artigos 121, §§1º e 2º, do CP); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (artigo 122, do CP); infanticídio (artigo 123, do CP), aborto provocado pela gestante, ou com o seu consentimento (artigo 124, do CP), ou por terceiro (artigos 125 e 126, do CP).
Assim, faz-se necessário conceituar o crime doloso, como sendo aquele em que o agente quis o resultado ilícito ou mesmo assumiu o risco de produzi-lo, ou seja, tem-se o fator voluntariedade do agente na ação e no resultado produzido, ou que não se consumou por forças alheias a sua vontade, podendo ser através de uma ação praticada ou omissão com propósito (NAUFEL, 1984).
André (2008) destaca ainda que em casos em que há a ocorrência de dois ou mais delitos correlacionados na execução de um crime doloso contra vida e outra espécie de crime, também terá seu julgamento sob a competência do Tribunal do Júri, em conformidade com o artigo 76, I, do CPP:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
No mesmo sentido, complementa, o artigo 78, inciso I, também do CPP:
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23.2.1948)
I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;
Assim sendo, o juiz proclamando a admissibilidade da imputação ao julgamento do Tribunal do Júri em sentença de pronúncia, o réu deve ser intimado pessoalmente, em conformidade com os artigos 413 e 414 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória.
§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código.
Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.
Desse modo, se o crime for inafiançável como o caso do homicídio doloso previsto no artigo 121, do Código Penal, a decisão de pronúncia não segue o seu rito formal até que o réu seja intimado pessoalmente, o que causa a paralisação do processo, caso o réu fuja, ficando em local incerto e não sabido, até que seja localizado e seja realizada a sua intimação pessoal. Já os casos de crimes afiançáveis de competência do Júri, a exemplo do infanticídio e o aborto consentido, a intimação do réu, caso não localizado pessoalmente, poderá ser realizada por edital, com prazo de 30 (trinta) dias (MIRABETE, 2007 apud ANDRÉ, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A partir do presente estudo possibilitou uma análise sucinta acerca do nascimento do Tribunal do Júri na legislação formal mundial, suas características e percurso histórico até a sua chegada e incorporação ao sistema jurídico brasileiro, ao passo que se tornou um instituto importante e institucionalizado como direitos e garantias individuais da pátria.
Como visto, o Tribunal do Júri no Brasil, vindo do Império à República, passou por várias mudanças, sendo objeto de discussões principalmente no tocante a soberania de seus veredictos, dado a sua instrumentalidade pelo poder judiciário. Porém, sendo mantido e posto como cláusula pétrea pelo Constituição de 1988, tendo instituída a sua competência, organização e valor soberano de suas decisões.
Assim, o Tribunal do Júri atribui a sociedade, dentro do poder judiciário, um papel fundamental para as decisões em face daqueles que cometem crimes dolosos contra o bem maior do ser humano, a sua vida, considerando para tanto, que como visto, o magistrado, enquanto presidente da sessão do Tribunal do Júri, ao final apenas realiza a dosimetria da pena a ser imposta, em conformidade com o veredicto dos jurados, representantes do povo.
Desse modo, o Tribunal do Júri é um dos, senão o mais democrático dos institutos do judiciário brasileiro, dado que é composto por pessoas dos mais distintos setores profissionais e sociais da sociedade, não sendo possuidores de completo conhecimento técnico, mas que representam o espírito do povo, decidindo um processo, com base em seus ideais, filosofia, crenças, senso de justiça, entre outros.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Daniel. O procedimento do Tribunal do Júri à luz do ordenamento jurídico brasileiro. UNIVALI, Itajaí/SC, 2008.
BRASIL. Constituição (1946). Lex: Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 01 de maio de 2023.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1941.
NAUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. 7º ed., volume III, Guarulhos, Editora Parma, 1984.
TORNAGNI, Hélio. Curso de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.
VAZ, Franciana. O surgimento do Tribunal do Júri no Brasil. Jusbrasil, 2017.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-surgimento-do-tribunal-do-juri-no-brasil/514170504#:~:text=O%20Tribunal%20do%20J%C3%BAri%2C%20que,se%20consagrado%20constitucionalmente%20no%20art. Acesso em 01/05/2023.