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TCU e o pagamento antecipado em contratos administrativos

Agenda 21/06/2023 às 11:20

O planejamento é princípio da Nova Lei de Licitações, e já na etapa interna aspectos como a medição, cronograma de execução e forma de pagamento do futuro contratado, devem ser avaliados. Aspectos que constituirão a contratação e podem ensejar até mesmo em restritividade de potenciais interessados.

Os dois regimes gerais de licitações tratam sobre a vedação ao pagamento antecipado.

Lei 8.666/93

Ao tratar sobre a alteração dos contratos, o art. 65, inciso II, alínea “c”, veda a alteração da forma de pagamento para antecipada:

Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...]
II - por acordo das partes:
[...]
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;

Lei 14.133/21

Na Nova Lei, o art. 145, parágrafos 1º a 3º, prescrevem:

Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços.
§ 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.
§ 2º A Administração poderá exigir a prestação de garantia adicional como condição para o pagamento antecipado.
§ 3º Caso o objeto não seja executado no prazo contratual, o valor antecipado deverá ser devolvido.

Percebe-se que a regra geral é de vedação ao pagamento antecipando, isso que está previsto no caput do art. 145, todavia, a própria Lei reconhece que existem objetos que possam demandar essa forma de pagamento, até mesmo por questões de mercado, e atendendo a essas exceções o § 1º estabelece permissão de pagamento antecipado em casos justificáveis e com previsão expressa em edital. E no § 2º, há a retomada da preocupação com o pagamento antecipado, mesmo quando justificado, pois permite-se que seja exigida garantia adicional.

A Lei 4.320/64

Em seu art. 62, a Lei Federal nº 4.320/64, estabelece que o pagamento das despesas somente poderá ser realizado após a sua liquidação:

Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

A liquidação, segundo o art. 63, §2º, inciso I, da Lei Federal nº 4.320/64, consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo como base o contrato ou documento respectivo, conforme segue:

Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
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Posição do TCE/SP

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCE/SP [1]costuma apontar e considerar a irregularidade de pagamentos antecipados sem previsão contratual, ainda que, em determinadas situações, acabe relevando a irregularidade por não haver configurações de prejuízos ou descumprimentos contratuais, mas em linhas gerais, costuma apontar pela irregularidade dessa prática quando não acobertada em contrato.

Decisão recente do TCU

Recentemente o Tribunal de Contas da União – TCU, decidiu:

Acórdão 3328/2023 Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer)
Responsabilidade. Contrato administrativo. Liquidação da despesa. Pagamento antecipado. Erro grosseiro. Irregularidade grave.
A antecipação de pagamentos, em descompasso com a execução do objeto, sem previsão no edital e sem as devidas garantias ao resguardo do interesse da Administração Pública, constitui irregularidade grave, suficiente para julgar irregulares as contas e ensejar, por configurar erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 - Lindb), aplicação de sanção aos responsáveis.

Denota-se que há uma preocupação com o planejamento das compras públicas, ou seja, para que haja pagamento antecipado, isso deve estar justificado internamente no processo, e o edital assim como o contrato devem prever essa situação.

Alinhado ao tema, Harrison Leite[2] destaca:

Deste modo, nada impede a antecipação de parte do pagamento, desde que, prevista no ato convocatório e/ou no contato, seja imperativo para a contratação e haja garantias que redundem em segurança ao ente contratante.

Ronny Charles[3] também ensina:

Em nossa opinião, o raciocínio crítico ao uso do pagamento antecipado não pode ser compreendido em termos absolutos. Muitas vezes, o pagamento antecipado pode ser vantajoso ou até necessário ao atendimento da necessidade administrativa.

Contextualizando a posição do TCU com a Nova Lei de Licitações

Levando essa interpretação para a Nova Lei de Licitações, é possível identificar a vontade do legislador de forçar essa reflexão já na etapa interna, relacionando a necessidade de se definir “a forma de pagamento” nesse momento, conforme o art. 18, inciso III:

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
[...]
III - a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
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Inclusive, quando da elaboração do ETP, por exemplo, é possível justificar a forma de pagamento, atrelando-a a solução que será contratada.

O importante é compreender que pagamentos antecipados constituem verdadeira exceção, e sua adoção deve ser justificada sempre na fase interna dos processos de contratação.

Conclusão

Conclui-se que o pagamento antecipado é restrito, sendo verdadeira exceção que deve ser justificada internamente na licitação e prevista em contrato, caso contrário, haverá irregularidade na prática, assim decidiu recentemente o TCU.

Com a ideia de planejamento e o aprimoramento da fase interna das licitações, pela Nova Lei de Licitações, registra-se o alerta para que a forma de pagamento e a eventual necessidade de adoção do pagamento antecipado devem estar justificadas no processo, e previstas no contrato.


[1] Exemplos disponíveis em: https://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/861277.pdf

https://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/861277.pdf

https://www2.tce.sp.gov.br/arqs_juri/pdf/604269.pdf

[2] Manual de Direito Financeiro. LEITE, Harrison. 11. ed. São Paulo: JusPodvim, 2022. p 476

[3] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 14 ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023.  p 802

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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