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A festa da morte: um conto sobre as consequências de escolhas erradas feitas pela Administração Pública

Agenda 21/06/2023 às 00:50

Em cidade que gastou milhões em show de artistas famosos, alguém morre por falta de medicamentos.

Na certidão de óbito do senhor Brasileiro da Silva, pedreiro, no campo causa da morte constava edema pulmonar, aterosclerose em decorrência de hipertensão arterial sistêmica.

No dia da morte do senhor Brasileiro da Silva, festejava-se o aniversário da emancipação política do município, onde o pedreiro residia com a sua esposa e quatro filhos, ocasião em que o prefeito contratara o famoso cantor sertanejo Gustavo Lima por R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), o popular Wesley Safadão por R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) e a banda Aviões do Forró por R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). Os artistas locais foram simplesmente desprezados.

No final da tarde daquele dia de trabalho, muito embora fosse feriado no município, o senhor Brasileiro sentiu um leve aperto no peito, que foi ficando mais forte a cada tic-toc; dores que tentou esconder da família até onde pode. Entretanto, com a crescente e sufocante falta de ar, o senhor Brasileiro deu sinais de que estava passando mal, quando então foi levado ao hospital municipal, que se encontrava lotado, sem farmacêutico, com apenas um médico, um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem para cuidar dos diversos e simultâneos de casos de urgência, ensejando o atendimento tardio do senhor Brasileiro, que aliado à falta de medicação para a crise aguda de hipertensão na unidade hospitalar, acarretou a morte do pedreiro que outrora trabalhou na construção do hospital municipal.

A senhora Nordestina da Silva, agora viúva do pedreiro, explicou ao médico que, em face do infortúnio da quebra de sua máquina de costuras, andava deveras angustiada, pois o casal não tivera, há mais de quatro meses, dinheiro suficiente para comprar a medicação prescrita para amenizar as consequências da hipertensão arterial do finado marido, nem de sua severa diabetes e que tal medicação sempre estava em falta nas farmácias das unidades de saúde do município.

A morte do senhor Brasileiro foi alimentada dia a dia pela falta rotineira de medicamentos para o tratamento de sua hipertensão arterial, devorando-o no fatídico dia do show milionário custeado pelo município.

Os quatro filhos do senhor Brasileiro da Silva estavam de saída para a festa milionária quando ele chegou em casa, ainda escondendo a dor no peito, e só souberam da morte do pai quando o show de Gustavo Lima acabou.

Os valores gastos com o cachê e estrutura do show milionário foram amealhados com a diminuição de recursos para a compra de medicamentos, contratação de profissionais de saúde, além da restrição de gastos com merenda escolar e pagamento de professores.

Muitas pessoas festejaram a morte do senhor Brasileiro da Silva sem o saber.

Sobre o autor
Gláucio Tavares Costa

Assessor jurídico do TJRN, mestrando em Direito pela FUNIBER e graduado em Farmácia pela UFRN.

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