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Os desafios da herança digital no direito brasileiro

Agenda 22/06/2023 às 17:57

RESUMO

O presente estudo aborda o Direito das Sucessões e a inclusão dos bens digitais no processo de inventário. Embora ainda não haja uma regulamentação específica para a herança digital no direito brasileiro, existem duas correntes de pensamento sobre o assunto. Alguns defendem que todos os conteúdos digitais devem ser acessíveis, enquanto outros argumentam que apenas os aspectos patrimoniais devem ser transmitidos. Atualmente, estão em discussão no Congresso Nacional dois projetos de lei relacionados a essa temática. Um deles propõe a alteração do Código Civil para permitir o uso de vídeos como codicilo, ou seja, uma adição ao testamento, no contexto da herança digital. O outro projeto trata dos dados pessoais inseridos na internet após o falecimento do usuário. Vale ressaltar que o testamento tradicional já possibilita ao testador destinar seus bens, sejam eles corpóreos ou incorpóreos, a quem desejar (respeitando-se a legítima), sendo os bens digitais considerados como bens incorpóreos. É importante destacar que serviços digitais como Facebook e Google já oferecem opções para escolher o destino dos dados pessoais após o falecimento do usuário. Contudo, é fundamental analisar como será feita a avaliação do patrimônio digital, como canais monetizados do Youtube, perfis no Twitter, Instagram, entre outros. Se os bens digitais são considerados tão valiosos quanto os bens não digitais, ambos devem ser incluídos na tributação do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações). A herança digital, como mencionado anteriormente, é um tema novo que apresentará muitos desafios para o Direito em todo o mundo, uma vez que a tecnologia avança em uma velocidade jamais vista na sociedade.

Palavras-chave: Direito sucessório. Herança digital. Bens digitais. Direito e internet.

1 INTRODUÇÃO

O Direito das Sucessões, atualmente, assim como diversos temas da área jurídica, encontra-se em processo de expansão, é dizer, há novos tipos de bens que deverão ser trazidos para dentro do processo de inventário ou arrolamento para serem transmitidos aos herdeiros ou legatários.

Tradicionalmente, por exemplo, tem-se como objetos de um inventário bens móveis e imóveis (corpóreos), além dos direitos autorais em obras literárias ou artísticas (incorpóreos). No entanto, com a popularização da internet e das redes sociais, há o surgimento dos chamados bens digitais que, segundo ZAMPIER (2021), são bens incorpóreos inseridos na internet, podendo tais bens possuir caráter pessoal e valor econômico.

No Brasil, o Direito das Sucessões é regulado pelo Código Civil de 2002, no Livro V, entre os artigos 1.784 a 2.027, não havendo regulamentação quanto à herança digital, existindo, porém, alguns projetos de Lei sobre o assunto.

O presente trabalho, portanto, tem como objetivo apontar as novas situações jurídicas que deverão ser trazidas para dentro do processo de inventário em decorrência dos avanços da tecnologia.

2 DESENVOLVIMENTO

A sucessão universal é transmitida no momento da morte, sendo um complexo de relações jurídicas patrimoniais que serão transmitidas aos seus herdeiros (ESA OAB RSa, 2021).

Segundo TARTUCE (2020a), em termos gerais, duas são as modalidades básicas de sucessão mortis causa, previstas no art. 1.786 do CC:

O presente estudo traz considerações relevantes sobre a necessidade de uma regulamentação específica para lidar com os aspectos da herança digital. O Legislativo brasileiro já conferiu tutela jurídica adequada aos mais diversos interesses que emergem das novas relações sociais, como a aprovação do Marco Civil da Internet (MCI) e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No entanto, ainda existem questões a serem discutidas e definidas para garantir a adequada destinação e uso dos bens digitais após a morte do titular dos dados.

Um dos principais desafios é a avaliação do patrimônio digital, considerando diferentes tipos de contas e plataformas online, como redes sociais, e-mails e aplicações financeiras. Além disso, é necessário estabelecer parâmetros hermenêuticos para determinar o acesso aos conteúdos das contas, que pode variar entre questões patrimoniais e informações pessoais.

A privacidade de terceiros e a proteção dos dados do falecido são aspectos que devem ser considerados, pois podem influenciar a transmissão dos bens digitais no âmbito sucessório. Essa questão levanta a necessidade de equilibrar a tutela da privacidade com os direitos dos herdeiros. Além disso, é importante observar que diferentes aplicativos e provedores de serviços digitais podem possuir termos de uso específicos, o que pode gerar conflitos com a vontade expressa do titular da herança e com a ordem jurídica.

Outro ponto relevante é a tributação dos bens digitais no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). A avaliação e tributação adequadas desses ativos são desafios a serem enfrentados no contexto da herança digital.

Por fim, é necessário discutir se há diferença de tratamento entre contas de e-mail ou aplicativos profissionais e pessoais, considerando possíveis implicações legais e sucessórias.

Esses problemas apontados demonstram a complexidade do tema da herança digital e a importância de se estabelecer uma regulamentação específica que contemple todos esses aspectos, garantindo a proteção dos direitos dos envolvidos e a devida destinação dos bens digitais após o falecimento do titular.

REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Muriel Chahud Maestrello

Servidora pública. Possui graduação em Direito pela Universidade de Araraquara - UNIARA. Possui especialização em Direito de Família e Sucessões, Ciências Políticas e Direitos Humanos e Movimentos Sociais, todas pela Faculdade Focus. Atuou como advogada pela Seccional de São Paulo entre agosto 2012 e maio de 2023.

Informações sobre o texto

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