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Teoria geral do crime: O fenômeno do costume como causa supralegal de excludente de tipicidade

Agenda 23/06/2023 às 01:09

RESUMO

O tema principal do presente artigo, é o estudo do fenômeno do costume, como excludente de tipicidade, a metodologia empregada se encontra em consonância com critério de classificação do objeto sob o prisma de pesquisa explicativa, para o desenvolvimento desta pesquisa, o procedimento adotado é o da pesquisa bibliográfica, objetivando explicar a manifestação na ciência do direito, do fenômeno da exclusão de tipicidade material causada pelos costumes sociais. Sustenta-se a existência de dois princípios, o Princípio da Lesividade Social e o Princípio da Desvaloração da Conduta, que a até o presente momento, não haviam sido teorizados por juristas, em razão disso, buscou a sua validade através de um compêndio de ideias advindas da máxima do direito romano, nullum crimen sine iniuria, e princípio do bem jurídico, possuindo suporte doutrinário na escola do fenômeno da “revolta dos fatos contra os códigos”, inaugurada por Gastón Morin, conjuntamente com a teoria da adequação social proposta por Welzel e a teoria do contrato social de Rousseau, através de uma concepção sociológica das normas e os fatores reais do poder idealizada por Ferdinand Lassalle.

Palavras-chave: Princípio da Lesividade. Adequação social. Tipicidade Material.

1 INTRODUÇÃO

A ideia de direito pressupõe a existência de uma fonte supralegal da qual emana a validade das normas jurídicas e sociais, em harmonia com esse preceito, a Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, reconheceu os costumes como diretrizes para a busca da resolução das omissões das normas pátrias.

Essa manifestação dos costumes não fica restrita a interpretação da norma, mas, amplia-se na seara penal, apresentando-se como uma causa supralegal de exclusão da tipicidade.

A questão aqui abordada ultrapassa a ciência legalista, estendendo-se nos campos da sociologia e filosofia jurídica, razão pela qual, buscar-se-á compreender a natureza do costume nessas ciências, bem como, o desenvolvimento da compreensão ética e moral da sociedade e dos indivíduos quanto as condutas ditas criminosas e o seu real grau de lesividade ao bem jurídico individual e coletivo.

Parte-se assim, do pressuposto que deriva do Princípio da Intervenção Mínima, onde, o Direito Penal é a última ratio a ser empregada para solucionar os conflitos sociais, não podendo ser acionado como subterfúgio para a subordinação um grupo ou geração sobre a outra, devendo-se afastar a sua incidência nos casos nos quais não há a lesão ao bem tutelado, pois, a sociedade considerar irrelevante e usual a prática de alguns atos em determinadas circunstâncias.

Deste modo, através de pesquisa bibliográfica, esta obra concentrar-se-á nas áreas do Direito Penal, Constitucional, Filosofia do Direito e Sociologia do Direito objetivando analisar e explicar, através de critérios radiculares, de que modo a compreensão da natureza jurídica dos costumes influencia na aplicação da norma penal.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A sociedade está constante evolução, no que acarreta na mudança de seus costumes e valores sociais, onde, segundo Corrêa (1991, p. 50) "O apego ao formalismo gera uma ‘crise de legalidade’, pela impossibilidade de que a norma acompanhe as mudanças e transformações na sociedade", suscitando assim, um enrijecimento do texto legal indo de encontro ao desenvolvimento social e a intervenção mínima no direito penal nas relações humanas.

O costume social tem a capacidade de afastar a lesão ao bem jurídico, caracterizando-se assim, como excludente supralegal da tipicidade, conforme se aduz a seguir:

A tipicidade não se restringe ã simples constatação de adequação do fato â. norma abstratamente prevista, da mesma forma que a antijuridicidade do fato típico será determina da pela contrariedade entre fato e norma e a efetiva lesividade que resulta no meio social. Em conseqüência da última afirmação as causas - de exclusão de ilicitude não se restringem unicamente aquelas expressas no ordenamento positivo. Poderão ter vigência e eficácia pela consciência jurídica emergente da própria sociedade (CORRÊA, 1991, p. 02)

Neste contexto, fica claro que quando a norma não acompanha o desenvolvimento da sociedade, tornando-se extremamente formalista e invasiva na autonomia privada, buscar-se-á nos costumes a causa supralegal para verificar se há lesividade ao bem jurídico ou se ocorreu a exclusão da tipicidade.

Para o proeminente filósofo Jean-Jacques Rousseau “[…] somente a vontade geral tem a possibilidade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum; pois, se a oposição dos interesses particulares tomou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível” (ROUSSEAU, 2002, p.36);

O fenômeno da exclusão da lesão do bem jurídico foi inicialmente proposto por Hans Welzel, ao escrever sobre a tipicidade e antijuricidade nos injustos penais, ventilando o Princípio da Adequação Social:

O princípio da adequação social foi proposto por Hans Welzel e suscita a reflexão de que se uma determinada conduta é aceita pelo sociedade, não pode haver um tipo penal que há preveja como proibida, visto que o tipo penal deve refletir, justamente, um modelo de conduta proibida (TOLEDO 1994). Sua aplicação prática dá-se no âmbito da hermenêutica jurídica, ou seja, ao interpretar a aplicação das leis a situações fáticas, o operador do Direito (no caso em estudo, membro da magistratura) observa que a conduta tipificada não mais condiz à realidade social, lançando mão do princípio da adequação social para inaplicar a cominação prevista.(NESS, SIQUEIRA, 2013, p. 01).

Conforme citado acima o direito penal deve-se ater as questões rechaçadas pela sociedade, pois, essa seara do direito deve refletir um modelo de conduta penal, na qual seja determinada pela sociedade como relevantes.

O eminente jurista alemão, Ferdinand Lassalle, em concordância com o pensamento de Rousseau, assentou que “[…] de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder” (LASSALLE, 2002, p.68);

Segundo Hans Welzel (2004, p. 88) “La adecuación social es en cierto modo la falsilla de los tipos penales: representa el ámbito "normal" de la libertad de acción social, que les sirve de base y es supuesto (tácitamente) por ellos.” deste modo, verifica-se a ação social tem a finalidade se suporte do tipo penal, o que justifica a tese de a norma está voltada a refletir a vontade social.

Diante da relevância do tema, é pertinente ventilar o pensamento do Professor Miguel Reale Jr., no sentido de que o resultado deve ser valorado, dando-lhe valor positivo ou negativo, de acordo com a análise de sua aceitação pela sociedade, conforme se aduz a seguir:

A ausência de antijuridicidade, de adequação típica, num caso em que a ação é socialmente adequada, surge imediata e evidente, não se cogitando, muitas vezes, sequer de uma análise mais detida, pois a olho visto se observa que não é relevante para a proteção do bem jurídico integridade física o cirurgião fazer um corte cirúrgico no paciente, como não é injusto ao boxeur nocautear seu adversário, causando-lhe graves lesões. O valor positivo da ação elimina o desvalor do resultado, até porque busca-se, no final, um resultado também reconhecido como socialmente positivo.(REALE, 2020, p.110).

Afinal, a ausência de lesividade ao bem jurídico, e a valoração social do resultado, possibilitam a análise da adequação social da conduta, razão essa que possibilita a observar se a norma penal possui supedâneo na ação social ou se a rigidez do texto legal e a ausência de atualização da norma justificam a incidência de excludente supralegal da tipicidade.

3 ELEMENTAR DO CRIME

A Teoria Geral do Crime, no direito brasileiro, adotou a Teoria Tripartite, para definir o delito em seus aspectos qualitativos, exigindo a existência de três elementos: o fato ser típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. A ausência de um desses pressupostos acarreta como corolário, a ausência de crime.

A análise desta seção limitar-se-á no elemento basilar e primordial para o exame da tipicidade, verificar-se-á o elemento lesividade, sob o plano material da tipicidade.

3.1 Tipicidade

Para compreender este elemento alicerceador, cita-se Masson, o autor esclarece o que vem a ser a tipicidade, como elemento do crime, conforme excerto a seguir:

Tipicidade formal é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal (“adequação ao catálogo”). É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal. A conduta de matar alguém tem amparo no art. 121 do Código Penal. Há, portanto, tipicidade entre tal conduta e a lei penal. De seu turno, tipicidade material (ou substancial) é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita. A tipicidade material relaciona-se intimamente com o princípio da ofensividade (ou lesividade) do Direito Penal, pois nem todas as condutas que se encaixam nos modelos abstratos e sintéticos de crimes (tipicidade formal) acarretam dano ou perigo ao bem jurídico. É o que se dá, a título ilustrativo, nas hipóteses de incidência do princípio da insignificância, nas quais, nada obstante a tipicidade formal, não se verifica a tipicidade material (MASSON, 2019, p. 219).

Quando há a manifestação destes dois elementos, perfectibiliza-se a chamada tipicidade penal, contudo, o objetivo do presente artigo é analisar a lesividade das condutas tipificadas no direito penal, estando assim, voltado para o estudo da tipicidade material, o que acarreta então, em uma análise conjunta com o Princípio da Lesividade.

3.2 Lesividade ao Bem Jurídico

No ordenamento jurídico, existe a garantia principiológica de que ninguém será punido por fatos triviais ou morais, devendo o direito penal se voltar para condutas que lesionam os bens jurídicos, esse entendimento advém do Princípio da Lesividade ou nullum crimen sine iniuria, no qual estabelece que não haja crime se não existir uma violação ou ofensa a um bem jurídico alheio.

A doutrina leciona de que há a necessidade de a conduta típica promover lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico para que se subsista em uma infração penal, este raciocínio advém do Princípio da Lesividade (ou ofensividade).

Nas clássicas instruções de Francesco Palazzo, este princípio:

Em nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico específico tutelado pela norma (PALAZZO, 1989, p. 80 apud MASSON, 2019, p. 47).

O Pretório Excelso Supremo Tribunal Federal, recepciona a manifestação deste princípio, nesse sentido, transcreve-se a emblemática decisão no HC n.º 99.449 / MG:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime. Arma de fogo. Porte ilegal. Arma desmuniciada, sem disponibilidade imediata de munição. Fato atípico. Falta de ofensividade. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 10 da Lei n.° 9.437/97. Voto vencido. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, sem que o portador tenha disponibilidade imediata de munição, não configura o tipo previsto no art. 10 da Lei n.° 9.437/97” (BRASIL, 2009, online a).)

Compreende-se assim que, inexistindo lesão ou um perigo de que isso ocorra ao bem jurídico, a conduta é atípica materialmente por não subsistir elementos que violam a sua integridade.

Neste sentido, deve-se compreender e distinguir alguns conceitos para melhor analisar a existência ou não de uma violação ao bem jurídico, por essa razão, apresenta-se necessário o exame radicular dos conceitos dos crimes de perigo abstrato e de perigo concreto, visando demonstrar assim, se estão em conformidade com a lesividade pretendida para merecerem o baluarte penal.

3.2.1 Lesão e a Presunção de Lesão:

De acordo com a doutrina, pode-se afirmar que o perigo concreto necessita da manifestação e demonstração de um perigo real, no qual expôs o bem jurídico a um efetivo risco de dano ou perecimento, em sentido inverso, existe a presunção de o perigo ser abstrato, o que representa para o direito a dispensabilidade de demonstrar o efetivo dano ao bem jurídico, valorando-se então, não o resultado de uma ação, mas a própria ação per si, representando assim, uma lesão presumida ao bem jurídico.

Esse entendimento doutrinário estende-se além do fenômeno jurídico da análise da lesividade, espraiando-se profundamente e em estado de metástase na política criminal, o que justifica a valoração da ação e não a do resultado, uma vez que o legislador, no anseio de prestar a resposta à sociedade, não observa a base radicular do Princípio nullum crimen sine iniuria, dispensando-se assim a injúria ao bem jurídico em favor de criminalizar e marginalizar condutas nas quais muitas vezes o resultado não ofende o bem jurídico, mas a moral ou os costumes de um determinado grupo dominante na sociedade.

Segundo o entendimento dos tribunais superiores, a existência do perigo concreto ou abstrato se justifica, é constitucional a sua previsão legal, mantendo-se assim os crimes ambientais de risco abstrato e o famigerado crime de tráfico de drogas.

Diante desses fatos, a busca e o estudo medular do conceito de perigo e lesividade se tornou necessária para compreender a incidência ou não de um delito, seja ele de risco de dano concreto ou um perigo abstrato.

3.2.2 Dano Concreto ou Lesão Real:

Neste artigo, relaciona-se como dano concreto, a classificação dos crimes de lesão, que “são aqueles cuja consumação somente se produz com a efetiva lesão do bem jurídico.” (MASSON, 2019, p. 171).

Destacando-se ainda que a lesão possa ser no plano natural ou formal, que encontram guarida na classificação de dano concreto, observando-se sempre, a máxima nullum crimen sine iniuria, concebendo-se deste modo, que os crimes de dano concreto ou lesão real, necessariamente devem lesar o bem jurídico protegido, ocorrendo a ação ou uma omissão tipificada como infração penal, caso ela não venha a violar o bem jurídico ou apenas cause um transtorno ao titular do direito, sem provocar um dano factual, a conduta mesmo que formalmente típica, não merecerá prestígio da Egrégora Penal, por ser irrelevante uma vez que não lesionou o bem por ele tutelado.

3.2.3 Da Lesão Presumida ou Abstrata:

A lesão presumida, em um sentido Lato Sensu, será abordada nesta obra, como o conjunto do perigo concreto que “[...] consumam-se com a efetiva comprovação, no caso concreto, da ocorrência da situação de perigo. É o caso do crime de perigo para a vida ou saúde de outrem” (MASSON, 2019 p. 171), e o perigo abstrato, onde, esclarece o mesmo autor que:

[...] crimes de perigo abstrato, presumido ou de simples desobediência: consumam-se com a prática da conduta, automaticamente. Não se exige a comprovação da produção da situação de perigo. Ao contrário, há presunção absoluta (iuris et de iure) de que determinadas condutas acarretam perigo a bens jurídicos. É o caso do tráfico de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput). Esses crimes estão em sintonia com a Constituição Federal, mas devem ser instituídos pelo legislador com parcimônia, evitando-se a desnecessária inflação legislativa; (MASSON, 2019, p. 171).

Mesmo que o perigo concreto, conforme a doutrina exige, requeira a demonstração de um perigo real, no qual expôs o bem jurídico a um efetivo risco de dano ou perecimento, será tratado aqui como, é uma lesão presumida, pois, não lesiona o bem jurídico, apenas expõe ao risco de perecimento.

Neste caso, as infrações penais de lesão presumida merecem maior espaço para a sua análise, em razão da relevância do tema e de sua capacidade incriminadora.

Em um exame crítico sobre a democracia no direito penal, Busato (2015 p. 41), destaca o pensamento de Hassemer (1989) referente os delitos de perigo abstrato e a política criminal “[…] o constante aumento dos delitos de perigo abstrato nos códigos penais de nossa cultura jurídica, a aparição da “legislação simbólica” quando a necessidade de solução do problema não corresponde a possibilidades jurídico-penais de solução adequada.”

O mesmo autor, versando sobre a tutela do bem jurídico, esclarece ainda que:

O Direito penal, ao proteger o bem jurídico, não só exige uma pena no caso de sua lesão, como também no caso da colocação em perigo do mesmo. O perigo pode dar azo a delitos de perigo concreto (v. g. a exposição ou abandono de pessoas em situação de risco à vida ou à saúde), onde o próprio tipo se converte em requisito de punibilidade, ou delitos de perigo abstrato (v. g. fabricar, armazenar, ou ter em seu poder materiais explosivos sem a devida autorização legal), onde os bens jurídicos que o Direito protege (vida, integrida- de corporal etc.) não se estabelecem no tipo, mas o simples ato constitui o motivo para o estabelecimento do tipo. (BUSATO, 2015, p. 44).

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Contudo, deve-se observar a indispensabilidade da conduta ser prevista no direito penal, em razão do Princípio da Necessidade, que limita a intervenção estatal.

Com os excertos acima, demonstrou-se a pertinência da existência da lesão presumida, não obstante, a sua incidência se justifica na tutela dos direitos transindividuais ou a incolumidade humana. Não podendo como regra como elemento primário dos tipos penais, aplicando-se como instrumento de política criminal uma vez que viola o Princípio da Lesividade; contudo, é valoroso a sua incidência na tentativa, uma vez que, risco ou o perigo de lesão podem configurar a sua hipótese.

A lesão presumida assim, não requer um dano concreto ao bem jurídico, apenas exige a prática protocolar de uma ação ou omissão exigida pelo tipo penal, assim, sendo uma infração penal de tipicidade formal; salienta-se, contudo, que existe diferença entre os crimes formais e os de lesão presumida, em razão de que aqueles, o agente ao praticar ou deixar de fazer um ato, de forma instantânea lesiona o bem jurídico, o que diverge do presente caso, visto que, na hipótese ventilada, não há lesão ao bem tutelado.

Com os arrazoados acima apresentados, ostenta-se nas infrações de perigo concreto e abstrato, a abstração de lesão presumida que deve considerar a salvaguarda dos direitos difusos e coletivos para a sua aplicação, sendo temerária a sua incidência nos tipos penais individuais mesmo que esses tipos versem sobre a coletividade, criando-se o seguinte efeito corolário: em um comportamento que inexiste lesão, não é típico materialmente, caso o agente seja responsabilizado, a responsabilização violaria o Princípio da Lesividade, pois não há razão para a conduta ser objeto do Direito Penal, violando-se também, o Princípio da Necessidade da Intervenção Estatal e o Princípio do Bem Jurídico, haja vista que não seja efetivamente demonstrado uma lesão, não se admitindo o emprego da lesão presumida ou abstrata como instrumento de política criminal em um Estado Democrático de Direito, por ausência de lesividade, necessidade e individualização do bem jurídico lesado.

3.3 O Princípio da Insignificância e a sua Aplicação no Direito Penal

Em consonância com o Princípio da Lesividade e estritamente relacionado a integridade do bem jurídico, incide o Princípio da Insignificância (ou Bagatela), de origem do direito romano, representa a máxima do brocardo jurídico de minimus non curat praetor, significando que o Pretor (juiz) não deve cuidar de coisas pequenas, cuidando assim também, de um instrumento de política criminal, capaz de reduzir a intervenção do Direito Penal.

A incidência deste princípio [...] depende de requisitos objetivos, relacionados ao fato, e de requisitos subjetivos, vinculados ao agente e à vítima. Por esta razão, seu cabimento deve ser analisado no caso concreto, de acordo com as suas especificidades, e não no plano abstrato” (MASSON, 2019, p. 23).

Assim, percebe-se a existência de limitações para a sua manifestação, em especial na sua aplicação no plano da abstração.

Tal princípio representa para o direito “[...] causa de exclusão da tipicidade. Sua presença acarreta na atipicidade do fato. Com efeito, a tipicidade penal é constituída pela união da tipicidade formal com a tipicidade material” (MASSON, 2019, p. 23), possuindo aplicação em um amplo campo dos tipos penais, contudo, em razão do potencial ofensivo de alguns crimes, a jurisprudência ainda é relutante na sua aplicação.

4 O COSTUME COMO FONTE DO DIREITO

4.1 Conceito

A origem etimológica da palavra costume, de acordo com o dicionário Oxford Languages (2021, online), advém do termo em latim “co(n)stumĭne de co(n)suetūmen,mĭnis, consuetūdo,ĭnis,” ou consuetudo, que tem como significado 'costume, hábito, uso', a aplicação do termo costume, denota a uma disposição tácita de regras que têm como origem a prática reiterada de hábitos sociais.

4.2 A Evolução do Costume

A sociedade como instituição e os indivíduos estão estritamente relacionados com o surgimento na cultura, dos seus costumes, que resultam do comportamento habitual amoldado à concepção moral e ética de uma comunidade.

O costume se torna jurídico no momento em que os membros do corpo social passam a conferir o status vinculante de um comportamento à incidência de direitos ou obrigações.

Para entender o costume, deve-se se socorre do estudo antropológico, nesse sentido, Soares, citando Franz Boas, informa que “o costume só apresentaria um significado se fosse relacionado ao contexto particular no qual estivesse inserido pelo que as histórias locais não se enquadrariam num padrão universal […]” (BOAS, 2009 apud SOARES, 2019. p. 234).

Nesse sentido, o autor relaciona o costume como a necessidade de a sua conduta ser alusiva ao conjunto de circunstâncias encadeadas com um enredo histórico do lugar.

4.2.1 O Costume e a Evolução da Sociedade na Política Criminal:

A acepção do termo evolução, de acordo com o dicionário de Oxford Languages, advém do latim evolutĭo,ōnis, que por extensão, representa o processo gradativo e progressivo de transformação, de mudança de estado ou condição; progresso, desenvolvimento”, assim, segundo Soares (2019, p. 223), “entende-se por evolucionismo o conjunto de doutrinas que vislumbram a evolução como o processo fundamental de todas as formas da realidade biológica e social.”

Para o estudo proposto, o postulante deve se voltar para o campo da sociologia, remetendo os seus estudos aos grandes autores de outrora Saint-Simon (1760-1825), Augusto Comte (1798-1857) e Herbert Spencer (1820-1903), que primaram para a expansão do pensamento de um processo contínuo e irremissível como característica da evolução social. Não obstante, a sua característica de um progresso irrevogável, ver-se-á em momento oportuno que, a evolução social no campo do direito penal, pode se desenvolver de maneira retrógrada por fatores que serão demonstrados.

4.2.2 Desenvolvimento Retrógrado no Direito Penal:

O Direito Penal está ligado homogeneamente com a Política Criminal e a eleição de bens jurídicos a serem tutelados, objetivando a repressão e o controle social dos indivíduos e da prática criminal.

O Estado é o detentor do direito/dever de vigiar e punir, contudo, o professor Nader (2020), esclarece que as suas escolhas devem ser orientadas pela política criminal, baseando-se na criminologia, na qual orienta o legislador a incriminar ou descriminar os atos, aplicando a melhor sanção às infrações penais.

Quando o desenvolvimento do direito penal, através de uma política criminal, não observa a criminologia, e o estudo do comportamento humano, objetivando apenas, através da sanção penal criar uma política criminal de controle social de grupos, classes ou culturas marginais, tentando instaurar uma supremacia de valores sobre outros, criminalizando atos, costumes, ou hábitos culturais pelo flagrante preconceito, xenofobismo e racismo contra as minorias sociais, manifesta-se um desenvolvimento retrógrado do direito penal, em razão de inexistir a imprescindibilidade de sua incidência e tutela em situações nas quais não há a violação ao bem jurídico, o que não prestigia o pluralismo social e político.

Assim, viola o Princípio da Finalidade dos atos administrativos, haja vista que o direito penal é a última ratio a ser aplicada, devendo ser observada a necessidade da intervenção estatal.

Toda norma penal que não tutela um bem jurídico, mas prestigia um grupo social em detrimento de outro, deve ser revogada ou suspensa por não possuir finalidade penal em razão de infringir a objetivo da república que é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, o que atenta assim, contra a dignidade da pessoa humana.

Deste modo, a norma que o fizer e adentrar a autonomia privada dos indivíduos, violará o Estado Democrático de Direito, por não observar os limites da intervenção estatal.

Nesse sentindo, o Estado brasileiro, promoveu um verdadeiro controle social através do Código Penal do Império (1890), onde, criminalizava a capoeira.

Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal (BRASIL, 1890, online b).

O animus da norma era marginalizar, criminalizar e reprimir o comportamento de um grupo social desfavorecido.

Já sob os ares republicanos, mas à sombra do Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas, em 1940, outorgava-se o atual Código Penal, em seu texto original, os costumes ganharam um capítulo especial na tutela estatal, onde, crimes sexuais foram englobados nos crimes contra os costumes, o que representou uma hipertrofia penal.

Assim, se tem um desenvolvimento penal retrógrado, quando a lei não prestigia a finalidade, a necessidade e o bem jurídico, sob o aspecto da política criminal e da criminologia, empregando direito penal como subterfúgio para penalizar comportamentos que não agradam à classe dominante, viola o Princípio da Finalidade dos atos administrativos, haja vista que o direito penal é a última ratio a ser aplicada, devendo ser observada a necessidade da intervenção estatal.

4.2.3 Desenvolvimento Progressista no Direito Penal:

Gastón Morin, ao escrever o seu célebre livro “La révolte du droit contre le Code” em 1945, inaugurou a escola do fenômeno da “revolta dos fatos contra os códigos”, com o engajado a promover uma revisão necessária dos conceitos jurídicos, culminando hipótese doutrinária da influência do costume contra legem na validade jurídica das normas.

O ato de evoluir, no campo da ciência penal, não representa a necessária abolição de crimes, mas um desenvolvimento harmônico como os anseios penais da sociedade, o Direito penal progressista, objetiva tutelar os bens jurídicos relevantes para os indivíduos e para a coletividade, estando em consonância com o Princípio da Necessidade da Intervenção Estatal.

Em dado momento histórico, através da aculturação, assimilação, apropriação cultural, mudanças de hábitos ou o surgimento de novos costumes, fará com que um fato passe a ser considerado uma infração ou que um bem jurídico se torne relevante, pelo corpo social, devendo então ser tipificado no direito penal, esse fenômeno ocorre igualmente de maneira inversa, há momentos que a sociedade já não mais considera o fato relevante ou o bem jurídico já não faz jus a tutela penal, na ocorrência desse fenômeno, há a necessidade de o Estado revogar a norma penal se atentando ao devido processo legislativo, sob pena de violar o Princípio da Necessidade.

A exemplo desse fenômeno, no direito brasileiro, cita-se a abolitio criminis das condutas criminosas: adultério, a sedução e o rapto consensual e o fenômeno da novatio legis incriminadora, dos tipos penais: importunação sexual art. 215-A e stalking art. 147 – A, ambos do atual Código Penal.

O que distingue a evolução do direito penal é o seu desenvolvimento correlacionando com a necessidade da intervenção estatal, havendo essa, esse será progressista, na sua ausência, retrógrado.

4.3 O Costume como Fonte do Direito

Retornando à introdução geral do direito, “haveria uma lei natural, imanente ao Direito, pela qual os sistemas jurídicos deixariam a sua forma consuetudinária e se transformariam, progressivamente, em direito codificado” (NADER, 2020, p. 180). O autor se refere aos costumes como fonte primária do direito material e forma de sua manifestação por excelência, o que será abordado no presente artigo, analisando-se os requisitos necessários.

4.3.1 Requisitos:

Para que o costume seja tido como fonte do direito, necessário observar a existência de dois pressupostos indispensáveis, “[…] um de ordem objetiva ou material (corpus), que expressa o uso continuado, a exterioridade, a percepção tangível de uma conduta humana;” (VENOSA, 2006, p. 122 apud SOARES, 2019, p. 90), logo, deve-se observar se o comportamento adotado é replicado de forma sucessiva pelos indivíduos, de modo duradouro e não um fenômeno transeunte, como, por exemplo, o costume do uso de máscaras em uma pandemia, e o costume da adoção de máscaras nos países asiáticos, e o “[…] outro de ordem subjetiva ou imaterial (animus), que traduz a consciência coletiva da obrigatoriedade jurídica da prática social (opinio iuris vel necessitatis), o que diferencia o costume jurídico de outras práticas reiteradas, como as religiosas ou as morais” (SOARES, 2009, p. 91).

Em harmonia, verifica-se que a aplicação do costume no âmbito do direito, requer o emprego de um comportamento não transeunte, fundado em um dado momento histórico da sociedade no qual a coletividade o toma como essencial e vinculante ao convívio comunitário.

4.3.2 Validade Jurídica da Norma Social:

O ordenamento jurídico brasileiro adotou a Lex scripta, como sua fonte predominante, é o que se aduz da teleologia do art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei n.º 4.657/1942, onde, estabeleceu-se que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” (BRASIL, 1942, online c). Assim, em regra, o direito estabelecido em lei, será aplicado aos casos, mas quando a norma escrita for omissa, há o comando autorizativo para o emprego do costume para subsidiar a omissão da lei.

Não é apenas nesse diploma legal que há a expressa previsão para adoção do costume para a aplicação do direito, à Consolidação do Direito do Trabalho – CLT, em seu art. 8º possibilita a admissão do uso dos costumes, mas, “desde que sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público” (BRASIL, 1943, online d).

O emprego desta fonte também está prevista no Código Comercial, em seu art. 673 e no Código Civil em seus artigos 569, II, 596, 599, 615, 965, I, contudo, advirta-se ao estudioso que no campo do direito penal, a sua aplicação é restrita, “em face do Princípio da Reserva Legal, enunciado por Feuerbach: nullum crimen, nulla poena, sine lege praevia (não há crime, não há pena, sem lei anterior), a norma costumeira não é admitida como fonte” (NADER, 2020, p. 188).

Não obstante, a sua inadmissão no direito penal é em relação à fonte material para a criação de tipos penais, haja vista que só se pode criar um crime, por lei conforme o Princípio da Reserva Legal, assentado no inciso XXXIX do art. 5.º do Magno Texto Constitucional, noutra via, a sua aplicabilidade na área penal é admissível para o estudo e análise da lesividade aos bens jurídicos.

5. DIREITO PENAL E O BEM JURÍDICO

5.1 Conceitos de Bem Jurídico

5.1.1 O bem Jurídico Sob o Prisma Jurídico-Constitucional:

O baluarte constitucional dos direitos representa, por conseguinte, a tutela de valores intrínsecos aos bens jurídicos estimados pela ordem jurídica nacional, o que representa a necessidade da intervenção penal para garantir a efetiva proteção do bem jurídico e da eficácia constitucional, todavia, essa intervenção só é válida aos bens essencialmente relevantes uma vez que deve se prezar por uma intervenção mínima do estado.

Para Walter Sax, “a ordem dos valores constitucionais se tornam a fonte referencial para definir os bens jurídicos” (SAX, 1972, p. 90), contudo, aos bem jurídicos constitucionais que não sejam essenciais, não merecem a tutela penal, em razão de que se deve primar pela mínima intervenção estatal, conforme destaca Busato (2015, p. 52) “assim, a Constituição parece constituir somente uma referência negativa, e ainda assim não absoluta, para a valoração da relevância do bem jurídico a efeitos penais”.

5.1.2 O Bem Jurídico Sob a Ótica Sociológica:

O olhar sociológico é instrumento ímpar para a análise do bem jurídico, devido à abstração do seu conceito jurídico, destarte, deve-se compreender o bem jurídico sob a égide sociológica como a evolução de valores relativos a um objeto ou corpo, material ou imaterial, na qual tem como fastígio o prestígio da coletividade com essencial na ordem das normas do direito e da justiça.

Nesse mesmo diapasão, Roxin (1997) define o bem jurídico de modo abstrato, caracterizando-o como um bem vital, indispensáveis à convivência humana, socialmente reconhecida, no qual se tenha interesse jurídico de manifestação geral, como a unicidade de um conjunto funcional valioso ou que apresente valores institucionais, no qual ostenta a inabalável tutela penal.

Segundo o conceito de Jescheck, tem-se:

Os bens jurídicos são interesses vitais da comunidade aos que o Direito penal outorga sua proteção”,repetindo, em seguida, que “o bem jurídico há de entender-se como um valor abstrato e juridicamente protegido da ordem social, em cuja manutenção a comunidade tem um interesse, e que pode atribuir-se, como titular, à pessoa individual ou à coletividade” (JESCHECK, 1993 apud BUSATO, 2015, p. 53).

Terradillos (1981) citado por Busato (2015, p. 54) adverte sobre a aplicação do conceito sociológico ao bem jurídico:

Os riscos de criminalização de amplas minorias, e não só de subordinação do indivíduo, são, pois, evidentes, como evidente é a tendência, só controlável acudindo a instâncias alheias ao Direito penal, à transformação deste em mero instrumento de consolidação de uma ordem dada.

Adverte-se assim, sobre o risco de o direito penal criminalizar as minorias e seus costumes, o que transformaria em um instrumento de controle da ordem, subvertendo-se assim, o Princípio do Bem Jurídico.

5.2 A Função do Princípio do Bem Jurídico

A função do Princípio do Nem Jurídico é definida por Molina como “ao Direito Penal incumbe exclusivamente a proteção de bens jurídicos, não a moralização de seus cidadãos nem a melhora ética da sociedade, que interessa a outras instâncias” (MOLINA, 2000, p. 98 apud BUSATO, 2015, p. 57).

5.3 Bem Jurídico e Objeto Material do Delito

Para analisar o tema proposto, faz-se necessário desvencilhar conceitos, em razão disso, para uma compreensão inteligível do estudo apresentado, assim, para que não haja ambiguidade, conceitua-se objeto material do delito, a coisa, ou corpo no qual recairá a conduta delituosa.

5.4. O Princípio da Intervenção Mínima

A ciência penal consagra o Princípio da Intervenção Mínima como instrumento necessário a limitar a atuação estatal, a sua manifestação advém da Declaração dos Direitos do Homem, de 1789, tratado editado após a revolução francesa, no qual, limitou em ser art. 8º a exercício punitivo do Estado, definindo que a lei apenas deveria estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias.

O professor Cleber Masson, em seu estudo sobre a legítima a intervenção, pondera que, a sua incidência será válida penalmente quando “[...] a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do ordenamento jurídico” (MASSON, 2019, p. 42). O que se encontra em consonância com os subprincípios da fragmentariedade e subsidiariedade, que dele decorrem.

Deste modo, o autor sustentar que o direito penal é a última ratio a atuação estatal, na qual, criminalizar-se-ão exclusivamente as condutas insignes que expõem ou lesionam os bens jurídicos, inferindo-se assim ser a tutela penal a manifestação necessária para salvaguardar os bens jurídicos indispensáveis de proteção.

5.5 A Reprovabilidade e a Lesividade

5.5.1 A Reprovabilidade como Pressuposto da Norma:

Sob o prisma sociológico, observa-se que o direito penal se preocupa em reprimir as condutas não recepcionadas pela sociedade. A ética e a moral têm forte atuação neste campo, contudo, a sua incidência deve ser observada sob o prisma da política criminal a fim de evitar o controle social pelo direito penal.

O controle social é visto por Cohen como “recursos de que uma sociedade determinada dispõe para conseguir a submissão de determinados comportamentos de seus membros a um conjunto de regras e princípios reconhecidos e estabelecer suas respostas em caso de transgressão a essas regras e princípios” (COHEN, 1997, p. 15 apud BUSATO, 2015, p. 64).

“O objetivo do desenvolvimento dos sistemas de controle social é o de sustentar a estrutura da própria sociedade, justamente impelindo ao reconhecimento das normas por parte das pessoas, gerando o que se costuma chamar de ‘expectativas contrafáticas’” (HASSEMER, 1989, p. 215 BUSATO, 2015, p. 68).

O direito penal deve ser a última ratio a ser aplicada aos comportamentos socialmente inadequados, ao violar normas de conduta, éticas, morais, religiosas, os indivíduos não devem sofrer a reprimenda penal. A sociologia explica os fenômenos sociais e o desenvolvimento do comportamento humano, ao analisar a reprovabilidade de uma conduta, deve-se considerar a fonte de sua desaprovação pelo núcleo social.

Se a resposta para ao exame em questão for em razão da desabonação do comportamento em virtude da filosofia dos valores morais comportamentais, ficar-se-á manifestado a real natureza jurídica da norma penal, que tem como objetivo o controle social de grupos de indivíduos e comportamentos, penalizando o comportamento desviado.

Contudo, se a resposta para o exame proposto for a rejeição da conduta em razão de violar, ou exterminar direitos naturais e fundamentais individuais ou coletivos, será válida e legítima, a reprimenda penal.

O que se mostra neste tópico não é a lesividade, mas sim a raiz da reprovabilidade da conduta, sendo pertinente informar que há hipóteses de a conduta ser lesiva, mas não merecer tutela penal, como, por exemplo, os atos ilícitos do direito civil, sendo de igual, a hipótese de um ato ser reprovável e não possuir guarida no direito penal por se mero desvio de conduta social.

5.5.1.1 A Teoria da Adequação Social de Hans Welzel:

A teoria da adequação social, foi inaugurada por Hans Welzel, é fundamental para a compreensão do tema objeto do estudo, para este jurista e filósofo alemão, os tipos penais possuem a função de revelar a conduta proibida, destacando ainda que, as condutas selecionadas estão envoltas de um manto social, referindo-se a vida social, mas inadequadas a uma vida social ordeira, o que representa deste modo, a natureza dos tipos penais, que se mostra social e histórica em face das graves violações de ordem social (WELZEL, 2004, p. 84-85).

Compreende-se a adequação social como um instrumento para revelar a farsa das infrações penais, em razão de representar no âmbito do normal da liberdade de ação social, que lhe serve de base sendo tacitamente assumida pelo tipo penal, assim, para o jurista, as ações socialmente adequadas também estão excluídas das infrações penais, embora ainda possam estar submersas na redação literal na norma incriminadora (WELZEL, 2004, p. 88).

Abordando o tema, o professor Masson (2019, p. 41) destaca que o Princípio da Adequação Social representa no direito uma causa supralegal de excludente de tipicidade, “[…] pela ausência da tipicidade material, não pode ser considerado criminoso o comportamento humano que, embora tipificado em lei, não afrontar o sentimento social de Justiça”.

Para esta teoria, uma conduta manifestamente adequada sob o esquadro social, não deve sofrer a reprimenda penal, tal afirmativa, atribuiria ao referido princípio o condão de revogar tacitamente as normas sob o fundamento do seu desuso e desatualização social, o que não merece prosperar.

Assim, conforme demonstrar-se-á em tópico oportuno, com a data máxima vênia ao autor, a conduta social não revoga ou afasta a incidência da norma, e sim, exclui a lesividade do comportamento humano, afastando a tipicidade material, por ausência de lesão.

5.5.2 A Lesividade ao Bem Jurídico:

A relevância do tema proposto requer análise sob o aspecto da lesividade ou ofensividade ao bem jurídico, em razão de verificar se há a tipicidade material da conduta. Em harmonia com este artigo, cita-se o excerto extraído da obra do eminente autor, Alberto Jorge, no qual, sustenta:

Por isso, a ofensividade é pertinente ao conteúdo material do conceito de delito. É que, quando se diz que o comportamento meramente imoral não pode ser criminalizado, significa dizer que a conduta não comporta qualquer lesividade (dano ou perigo de dano) a bens jurídicos penalmente protegidos.(LIMA, 2012, p. 82).

5.5.2.1 Principio da Ofensividade:

Na ordem jurídica brasileira, tudo emana do texto maior, seja expressa ou tacitamente, como é o caso do Princípio da Ofensividade ou Lesividade, a sua manifestação se depreende a interpretação sistemática do texto constitucional, partindo da premissa da dignidade da pessoa humana, fundamentada no inciso III do art. 1º da CF/88, consubstanciado ainda, no estado democrático de direito e a autonomia da vida privada, assegurada no art. 5º, X, CF/88.

Para Lima, o aludido princípio tem função garantidora, que impossibilita a confecção “[...] do ilícito penal senão quando o fato for ofensivo, lesivo, ou simplesmente perigoso, ao bem jurídico tutelado. Impõe, por isso, ao legislador e ao juiz que só sejam incriminados aqueles comportamentos que lesionem ou ameacem de lesão bens jurídicos alheios” (LIMA, 2012, p.81).

Em consonância com o ensinamento de Francesco Palazzo (1989 apud MASSON, 2019, p. 47):

Em nível legislativo, o princípio da lesividade (ou ofensividade), enquanto dotado de natureza constitucional, deve impedir o legislador de configurar tipos penais que já hajam sido construídos, in abstracto, como fatores indiferentes e preexistentes à norma. Do ponto de vista, pois, do valor e dos interesses sociais, já foram consagrados como inofensivos. Em nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da lesividade deve comportar, para o juiz, o dever de excluir a subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim, concretamente é inofensivo ao bem jurídico específico tutelado pela norma.

5.5.2.2 Os Tipos de Ofensas ao Bem Jurídico

Para compreender a causa de excludente ora pontuada, faz-se necessário o estudo quanto a lesividade aos bens jurídicos, a realizando-se assim, um exame radicular do dano e da ofensa ao bem tutelado pela norma penal, para em momento oportuno analisar a incidência do Princípio da Lesividade Social sobre os bens jurídicos.

5.5.2.2.1 A Ofensa Concreta:

A priori, destaca-se que a lesão ao bem jurídico nesta classificação, não tem relação a sua manifestação no mundo natural ou formal. A ofensa concreta é a alteração no mundo jurídico, resultante da conduta do agente. Para que seja caracterizado, é necessário um resultado, seja a extinção, supressão ou a incapacidade permanente, ou temporária do objeto material, no qual, recai a conduta delituosa ou do titular do direito.

5.5.2.2.2 A Ofensa Presumida ou Abstrata:

A ofensa presumida, abstrata ou de também conhecida como perigo abstrato, tem como fundamento o Princípio da Precaução, não há a necessidade de um resultado, é uma exceção ao Princípio da Ofensividade, sua aplicação é comumente empregada como política criminal para reprimir condutas danosas, de modo abstrato, há uma hipertrofia da conduta, na qual, a norma penal a prestigia em face de uma desvaloração do resultado.

5.5.2.2.3 A Ofensa Corpórea e Incorpórea:

Esta classificação está relacionada à manifestação do resultado da conduta do agente, resultado ela, alteração no mundo natural, manifesta-se a ofensa corpórea típica dos crimes materiais. Caso haja uma alteração apenas no mundo jurídico, revela-se a ofensa incorpórea, peculiar aos crimes formais.

5.5.2.2.4 O Princípio da Insignificância:

Este princípio advém da máxima do direito romano, de minimis non curat praetor, tem como significado que, não cabe ao direito se debruçar sobre assuntos irrelevantes.

Destaca-se que “O princípio da insignificância, fundamentado em valores de política criminal (aplicação do Direito Penal em sintonia com os anseios da sociedade), destina-se a realizar uma interpretação restritiva da lei penal.” (MASSON, 2019, p. 22), limitando assim, a atuação da intervenção estatal, sua natureza jurídica é a de causa de exclusão de tipicidade, sob a perspectiva do caráter material.

O mesmo autor destaca que para aplicação do referido princípio, há a necessidade de observar os requisitos subjetivos e objetivos, informando que “são quatro os requisitos objetivos exigidos pelo Princípio da Insignificância: (a) mínima ofensividade da conduta; (b) ausência de periculosidade social da ação; (c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (d) inexpressividade da lesão jurídica.” (MASSON, 2019, p. 26), além dos requisitos subjetivos do agente e da vítima.

Percebe-se que estão presentes os requisitos de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica, como tão são requisitos basilares para a exclusão da tipicidade pela manifestação do costume social.

6 O COSTUME COMO CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUDENTE DE TIPICIDADE

Após o breve estudo sobre os elementos indispensáveis para a análise da tipicidade material, conforme elencados nas seções anteriores, adentrar-se-á no estudo do fenômeno jurídico no qual, o costume social, através do Princípio da Desvaloração da Conduta, tem a capacidade de excluir da tipicidade material da conduta na qual, de acordo com o Princípio da Lesividade Social em face não mais existir a presunção de ofensa ao bem jurídico, mas para isso, é indispensável em fase preliminar, distinguir alguns conceitos básicos do conceito de costume, conforme aduzir-se-á a seguir.

6.1 O Costume

Para compreender como esse fenômeno ocorre, é fundamental distinguir quais espécies de costumes são capazes de manifestar a causa supralegal de exclusão da tipicidade.

É pertinente, entretanto, advertir que a classificação da presente obra não está relacionada aos costumes secundum legem: quando o seu emprego se encontra em consonância com os auspícios da lei; os costumes praeter legem: que se referem ao seu emprego subsidiário na ausência de previsão legal e os costumes contra legem: classificados como contrários a ordem da lei, no entanto, empregar-se-á em momentos oportunos as referidas classificações para melhor demonstrar a sua aplicabilidade no plano hipotético e factual.

No momento, objetivando a análise do fenômeno, classificar-se-á o costume em dois grandes grupos, os costumes sociais e os costumes criminosos.

6.1.1 O Costume Social:

O costume social é a prática de ordem moral, ética, social, filosófica ou religiosa, onde, os atos são praticados reiteradas vezes, por médio a longo período de tempo, incorporando-se no âmago do corpo social, de ampla difusão e aceitação, na qual, a conduta não ofende os indivíduos nem a coletividade.

6.1.2 O Costume Criminoso:

Conceitua-se o costume criminoso como o comportamento reiterado relativo a grupos de indivíduos, marginalizados ou não, incorporado a condutas delitivas que ofendem bens jurídicos individuais ou coletivos.

É a ação ou omissão humana esperada em uma infração penal, a exemplo, destaca-se o tráfico de drogas, não se podendo permitir que a prática reiterada de grupos de indivíduos, na comercialização, produção ou armazenamento de drogas seja visto como um costume social de ampla difusão e aceitação pela coletividade, contudo, não se pode negligenciar a sua importância, de valoração negativa, pela sociedade, exemplificando-se assim, um costume criminoso.

Cita-se também como exemplo, o casamento infantil, a corrupção ativa e passiva no âmbito da administração, o estupro corretivo, dentre outros tipos penais que representam um comportamento de indivíduos ou grupos, que reiteradas vezes comendem em função de uma ação esperada pela comunidade nas quais estão inseridos.

6.1.3 Objeto de Estudo:

O objeto no qual debruçar-se-á a apreciação da análise minuciosa, no estudo proposto, será o costume social, conforme o tema do presente artigo sugere. As condutas derivadas de sua incidência, como regra, não devem ser objeto da tutela penal, todavia, o comportamento social está em constante evolução; conforme demonstrado na seção terciaria 4.2.3, há em dado momento histórico na sociedade, no qual a conduta humana passa a ser reprimida pelo direito penal e em outros momentos, inversamente, comportamentos são despenalizados.

Ocorre que no ínterim desse desenvolvimento social, há um período em que o comportamento humano transita entre o pro legem ao contra legem, e vise versa sem que a atividade legiferante o acompanhe.

Quando se tem um comportamento humano, praticado em razão da ordem moral, ética, social, filosófica ou religiosa, em que os atos são praticados reiteradamente pelos indivíduos, por médio a longo período de tempo, incorporando-se no âmago do corpo social, conduto, sua ocorrência viola o texto de lei, tem-se o costume contra legem, no entanto, ao aferir a sua aceitação pelo corpo social, constata-se que a sua natureza jurídica é irrelevante ao direito penal, percebe-se então que, um costume contra legem pode ser distinto de um costume criminoso, nesse último, a conduta delitiva ofende os bens jurídicos individuais ou coletivos.

Assim, fundamentando-se na Teoria da Adequação Social, proposta pelo jurista Hans Welzel e no Princípio da Lesividade ao Bem Jurídico, conforme será demonstrado em momento oportuno, o costume contra legem em alguns casos, sofre a incidência do Princípio da Desvaloração da Conduta, por não mais haver a lesividade social, princípio este, essencial para legitimidade da tutela estatal, no entanto, alguns requisitos são necessários, conforme aduzir-se-á a seguir:

6.2 O Mister da Adequação Social e a Lesividade ao Bem Jurídico

Compreendido o comportamento humano no qual recai o objeto de estudo, faz-se necessário, após o compilado conceitual apresentado até o presente momento, indicar como surge no direito contemporâneo, a inovação de um fenômeno antropo sociojurídico capaz de elidir a tipicidade da conduta delitiva.

Para isso, é necessária a junção de teorias já abordadas no presente artigo, conectando os aspectos intrínsecos de cada uma, a modo de desenvolver uma teoria conciliadora englobando o costume, através de sua adequação social, observando como isso afetará a integridade de bens jurídicos penalmente tutelados.

Em harmonia com a seção quaternária 5.5.1.1, na qual, demonstrou-se que para a teoria da adequação social, a conduta manifestamente adequada sob o aspecto social, não deve sofrer a reprimenda penal, advertiu-se, porém que, tal afirmativa, atribuiria ao referido princípio o condão de revogar tacitamente as normas sob o fundamento do seu desuso e desatualização social, o que será refutado pela presente artigo.

Debruçando-se agora, sobre a seção secundária 3.2, exteriorizou-se que, no direito penal, há a garantia principiológica de que ninguém será punido por fatos triviais ou morais, devendo o direito penal se voltar para condutas que lesionam os bens jurídicos, esse entendimento advém do Princípio da Lesividade ou nullum crimen sine iniuria, no qual estabelece que não haverá crime se não existir uma violação ou ofensa a um bem jurídico alheio.

A violação e a ofensa ao bem jurídico são de relevância ímpar para a análise do presente estudo, em face da incidência do consagrado Princípio da Intervenção Mínima como instrumento necessário a limitar a atuação estatal, estabelecendo que, o direito penal será a última ratio a atuação estatal, na qual, criminalizar-se-ão exclusivamente as condutas insignes que expõem ou lesionam os bens jurídicos.

Essas teorias convergem, uma vez que, a adequação social, representa, na verdade, sob o aspecto abstrato, uma lesividade social do comportamento humano, e a lesividade reflete uma desvaloração da conduta, que advém da ausência de lesão ao bem jurídico.

Consubstanciando assim, conforme demonstrar-se-á que, o costume social, quando, incorpora na sociedade, um comportamento reprimido pela lei, tornando-o compatível com o convívio social, não causando aos indivíduos, abominação, aversão ou contestação, sendo de ampla difusão e aceitação, não em um grupo de indivíduos, mas por toda a coletividade, a conduta se torna manifestamente adequada sob o aspecto social, o que representa uma violação lesividade social ao bem jurídico, como corolário disso, há a desvaloração da conduta pelo corpo social, o que afasta a ofensa ao bem jurídico.

6.3 O Princípio da Lesividade Social

Para Welzel (2004), as ações socialmente adequadas estão excluídas das infrações penais, embora ainda possam estar submersas na redação literal na norma incriminadora, por estar de acordo com a ordem social da vida, contudo, não especificou como este fenômeno age na ordem jurídica, o que será ventilado no presente momento.

Conforme aludido na seção secundária 3.2, analisou-se a violação ao bem jurídico, dos crimes de lesão presumida e a lesão real, visando demonstrar se as condutas estão em conformidade com a lesividade pretendida para merecerem o baluarte penal.

Revelou-se ao postulante que a ofensa presumida, teria como fundamento o Princípio da Precaução, não há a necessidade de um resultado, é uma exceção ao Princípio da Ofensividade, sua aplicação é comumente empregada como política criminal para reprimir condutas danosas, de modo abstrato, há uma hipertrofia da conduta, na qual, a norma penal a prestigia em face de uma desvaloração do resultado.

Não obstante, a fundamentação do Princípio da Precaução, o que justifica valida e legitima a lesão presumida nos crimes de perigo abstrato, é o Princípio da Lesividade Social.

Este princípio estabelece a presunção de ofensa ao bem jurídico às condutas causadoras da abominação, aversão, pela coletividade, o que as torna insuscetíveis do convívio social, contudo, distingue-se do Princípio da Precaução, por exigir um resultado, a saber, o dano à sociedade.

A ofensa é incorpórea1, mas é real2, por lesar o bem jurídico protegido, entretanto, deve-se saber que há apenas um bem jurídico no qual, este princípio tutela, são os valores sociais, éticos e morais da coletividade, entende-se por oportuno, destacar que o termo coletividade não se refere à maioria, mas o conjunto, no qual, engloba as maiorias e minorias existentes em uma sociedade, assim, primando pelo estado democrático de direito.

Este princípio não resguarda qualquer valor social, ético ou moral, para haver a sua proteção, esses bens subjetivos devem ser relevantes ao direito penal, o que representa assim, uma égide sociológica do bem jurídico subjetivo3.

Para haver a sua tutela, o bem jurídico deve ser indispensável ao convívio harmônico na sociedade, sua violação, causa temor nos indivíduos, na sociedade e no estado, o que pode colocar em risco a própria ordem jurídica vigente.

O que representa em sentido lato senso, a necessidade de a conduta típica ter que causar dano à sociedade, o que engloba os indivíduos e a coletividade.

6.4 O Princípio da Desvaloração da Conduta

Em uma introdução ao estudo desta seção, remeter-se-á aos ensinamentos do proeminente filósofo Jean-Jacques Rousseau e o seu contrato social, para explicar a relação entre o Estado e a sociedade.

Ao término do século XVIII, a sociedade passava por grandes mudanças de ordem política e social, na França, deflagrou-se a revolução francesa, através dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, pensava-se uma sociedade ideal que fosse capaz de transmitir os princípios da revolução.

Rousseau (2002) sustentava que a natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade deprava-o e torna-o miserável, nesse sentido, surgiu a necessidade de salvaguardar a natureza do homem, a sua liberdade, conjuntamente com a segurança e o aprazimento do contubérnio gregário, neste diapasão, Rousseau idealizou a possibilidade da harmonia dessas duas necessidades, através de um contrato social, no qual, busca o bem-estar nas relações humanas.

Para o filósofo contratualista, no pacto social firmado, a proeminência da vontade popular garantiria o império das aspirações da sociedade e do poderio coletivo, em face da autoridade do Estado.

A liberdade para Rousseau, quanto para esta obra, é fundamental para sustentar o pacto social firmado entre os indivíduos.

O filósofo assim entende “[…] somente a vontade geral tem a possibilidade de dirigir as forças do Estado segundo o fim de sua instituição, isto é, o bem comum; pois, se a oposição dos interesses particulares tomou necessário o estabelecimento das sociedades foi a conciliação desses mesmos interesses que a tornou possível” (ROUSSEAU, 2002, p.36).

Nos estudos sobre as características das constituições, o eminente jurista alemão, Ferdinand Lassalle, harmoniza-se com o pensamento de Rousseau, no sentido da necessidade de a Constituição refletir uma constituição real fundada em fatores e valores que regem a sociedade, assim, deve-se haver uma coerência com os fatores sociais existentes, com as normas assentadas, para o autor, “de nada serve o que se escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos do poder” (LASSALLE, 2002, p.68).

Prega-se assim, a supremacia dos fatores e valores reais do poder em detrimento de normas que apenas possuem validade formal, ou seja, esvaziadas desses fatores. Assim, uma Constituição que não reflete os fatores de uma sociedade, não passaria de uma folha de papel, sem validade, por não refletir os fatores intrínsecos do corpo social.

Demonstra-se assim, o papel dos valores sociais na produção de uma norma constitucional, este fenômeno não é comum apenas ao direito constitucional, mas se amplia a seara penal.

Conforme demonstrado na seção anterior, o Princípio da Lesividade Social representa a necessidade de a conduta típica ter que causar dano à sociedade, em seu sentido Lato, o que engloba os bens jurídicos dos indivíduos e a coletividade.

Em concordância com a seção secundária 4.2, quando, tratou-se da evolução do costume, referiu-se ao seu desenvolvimento progressista no direito penal com a relação com a necessidade da intervenção estatal, no sentido de caso um  fato passasse a ser considerado uma infração ou que um bem jurídico se torne relevante, pelo corpo social, dever-se-ia então, haver a tipificado no direito penal, esse fenômeno ocorreria igualmente de maneira inversa, onde, nos momentos que a sociedade já não mais considerasse o fato relevante ou o bem jurídico já não faz jus a tutela penal, o Estado deveria revogar a norma penal.

Em observância a isso, na busca do fenômeno ora pretendido, revela-se para o direito, o Princípio da Desvaloração da Conduta, este princípio afeta a incidência da lesividade do comportamento humano.

A sociedade, através de seus costumes sociais, faz com que o direito evolua a modo de desenvolver progressivamente, buscando estritamente intervir nos comportamentos penalmente relevantes, a fim de representar os seus fatores reais.

Como já demonstrado, na seção secundária 4.3, o costume é fonte do direito, por excelência, e como tal, exerce forte influência nas normas já positivadas, ao contrário de que Welzel sustentava, o costume não tem a capacidade de afastar a aplicação de uma norma por desuso social.

Todavia, sua influência no direito penal deve ser observada no âmbito da tipicidade material. O comportamento humano socialmente reconhecido e aprovado, como tal, praticado reiteradas vezes, por médio a longo período de tempo, incorporando-se no âmago do corpo social, de ampla difusão e aceitação, na qual, a conduta não ofende os indivíduos nem a coletividade, afasta a tipicidade material da conduta, por ausência de dano.

Este fundamento vem da máxima nullum crimen sine iniuria, consoante demonstrado na seção secundária 3.2., onde, ao estudar a lesividade ao bem jurídico, examinou-se a lesão real e a presumida, no qual, ficou assentado que os crimes de dano concreto ou lesão real, devem necessariamente lesar o bem jurídico protegido, onde, ocorrendo a ação ou uma omissão tipificada como infração penal, caso ela não venha a violar o bem jurídico ou apenas causam um transtorno ao titular do direito, sem provocar um dano factual, a conduta mesmo que formalmente típica, não merecerá prestígio da tutela Penal, por ser irrelevante uma vez que não lesionou o bem por ele tutelado

Na ocorrência de uma conduta ser penalmente desvalorada, no sentido de não causar dano ao bem jurídico tutelado, não se pode haver a reprimenda penal, haja vista que o costume, como fonte do direito, age como norma supralegal, através do Princípio da Desvaloração da Conduta, afastando a lesividade.

A natureza jurídica do Princípio da Desvaloração da Conduta tem como condão, afastar o dano ou a sua presunção ao bem jurídico tutelado, distinguindo-se assim, do princípio da insignificância4, uma vez que, neste último, há uma lesão e, é necessário verificar uma série de requisitos objetivos e subjetivos para a sua incidência no caso em concreto, haja vista existirem limitações de sua aplicação.

Onde se manifesta o Princípio da Desvaloração da Conduta, não há dano, lesão, presunção de lesão ou perigo abstrato que subsista. Este princípio representa uma escolha da sociedade, na qual pactuou para que aquela conduta costumeira, não seja tomada como lesiva.

Não se fala em afastar a aplicação da norma por desuso, pois isso é inadmissível no direito positivo, derroga-se então, a materialidade típica de um comportamento atribuído pela norma, como danoso.

A sociedade, através de seus costumes sociais, recepciona um comportamento contra legem, nesse, não mais incide a lesividade social, por conseguinte, há a manifestação de uma conduta atípica em razão da incidência da desvaloração da conduta agindo como um fenômeno de supralegalidade para a exclusão da tipicidade por ausência de lesão.

6.4.1 Requisitos:

Para que haja a incidência do Princípio da Desvaloração da Conduta, devem-se observar os seguintes requisitos: a) um costume social; b) ausência de lesividade social; c) ausência de ofensa concreta5.

6.5 A Legitimidade do Princípio da Desvaloração da Conduta:

Pertinente se faz citar a célebre frase de Isaac Newton (1675, n.p), escrita em uma carta a Robert Hooke, onde ponderou “se eu vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes”.

Escolas iniciáticas e de pensamento filosófico representam pensamento alicerceador no direito, com essas considerações, destaca-se que o princípio ora estudado, tem como fundamento na máxima do direito romano, nullum crimen sine iniuria, no Princípio do Bem Jurídico6, possuindo suporte na escola do fenômeno da “revolta dos fatos contra os códigos”, inaugurada por Gastón Morin , conjuntamente com a teoria da adequação social proposta por Welzel7 e a escola de pensamento proposta pelo contrato social de Rousseau, e que se encontra em harmonia com a concepção sociológica das normas e os fatores reais do poder idealizada por Ferdinand Lassalle, sua manifestação é uma resposta ao Princípio da Lesividade, em razão da incidência intervenção mínima do estado e do Princípio da Necessidade da intervenção estatal, a modo de evitar um sistema de controle social pela política criminal8.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou através do estudo bibliográfico, explicar a manifestação na ciência do direito, do fenômeno da exclusão de tipicidade material causada pelos costumes sociais. Por intermédio, sustentou-se a existência de dois princípios, que a até o presente momento, não haviam sido estudados ou teorizados por juristas, ou filósofos, buscou a sua validade através de um compêndio de ideias advindas da máxima do direito romano, nullum crimen sine iniuria, possuindo supedâneo nas teorias sustentadas pelos eminentes autores referenciados na obra.

Como corolário dos estudos e teses aqui realizados, espera-se que o postulante atravesse os portais da antessala do conhecimento, adentrando em um universo de ideias e possibilidade das quais ainda não se sabe quais serão. Contudo, espera o autor, a recepção pelos demais membros da ciência jurídica, da hipótese da supralegalidade do Princípio da Desvaloração da Conduta, uma vez que a sua manifestação é pertinente para explicar como a incidência da lesividade dos comportamentos humanos no direito penal.

A GENERAL THEORY OF CRIME: THE PHENOMENON OF SOCIAL CUSTOM AS A SUPRALEGAL CAUSE OF TYPICALITY EXCLUDENT

ABSTRACT

The main theme of this article is the study of the phenomenon of custom, as excluding typicality, the methodology used is in line with the classification criteria of the object under the prism of explanatory research, for the development of this research, the procedure adopted is that of bibliographic research, aiming to explain the manifestation in the science of law, of the phenomenon of exclusion of material typicality caused by social customs. The existence of two principles is sustained, the Principle of Social Lesiveness and the Principle of Devaluation of Conduct, which until now, had not been theorized by jurists, as a result, it sought its validity through a compendium of ideas arising from the maxim of Roman law, nullum crimen sine iniuria, and principle of legal good, having doctrinal support in the school of the phenomenon of the “revolt of facts against codes”, inaugurated by Gastón Morin, together with the theory of social adequacy proposed by Welzel and Rousseau's theory of social contract, through a sociological conception of norms and the real factors of power idealized by Ferdinand Lassalle.

Keywords: Principle of Lesiveness. Social adequacy. Material typicality.

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