Na última semana as redes sociais foram inundadas com matérias afirmando que conduzir motocicleta utilizando capacetes com sistema de som integrado constitui infração, passível de autuação e pontos no prontuário do condutor. Rapidamente estas matérias se tornaram o centro das discussões entre motociclistas.
O assunto é complexo e merece atenção. O artigo 252, inciso VI do código de trânsito brasileiro (CTB) diz que é infração média, passível de multa, dirigir o veículo utilizando fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular.
Existe um manual de interpretação do código de trânsito para fins de fiscalização, aprovado pelo Conselho Nacional de Trânsito, a fim de evitar que cada agente de trânsito interprete o fato da sua maneira ou entendimento. Nele constam os fatos geradores, mostrando ao agente como e quando deverá autuar e quando não.
O próprio manual vigente diz expressamente que “contempla os procedimentos gerais a serem observados pelas autoridades de trânsito, seus agentes e órgãos de julgamento de 1ª e 2ª instâncias. Está estruturado em fichas de fiscalização, classificadas por código de enquadramento da infração e seu respectivo desdobramento”.
Existem duas fichas para tratar do artigo 252, inciso VI. Uma específica para a tipificação “dirigir o veículo utilizando-se de fones nos ouvidos conectados a aparelhagem sonora” e outra para a “dirigir veículo utilizando-se de telefone celular”. O mesmo artigo contempla ambos os casos.
A ficha referente à utilização de fones enquanto dirige diz claramente quando o agente de trânsito deve autuar: “condutor que transita utilizando fone(s) no(s) ouvido(s), ainda que em imobilização temporária”. Ou seja, mesmo que o veículo esteja parado para desembarque de uma carga ou passageiro, o uso do fone não é permitido.
Na mesma ficha há também as situações em que o agente não deve autuar:
“1. Condutor dirigindo veículo utilizando-se de telefone celular, sem que esteja segurando ou manuseando, ainda que em imobilização temporária, utilizar enquadramento específico: 736- 62, art. 252, VI.
2. Condutor que dirige segurando telefone celular, ainda que em imobilização temporária, utilizar enquadramento específico: 763- 31, art. 252, § único.
3. Condutor dirigindo veículo manuseando o telefone celular, ainda que em imobilização temporária, utilizar enquadramento específico: 763- 32, art. 252, § único.”
Diz, também, que “a utilização de fone(s), ainda que em apenas um dos ouvidos, constitui infração deste dispositivo”. Mostra ainda que é possível o agente autuar sem abordagem. E não há informações complementares no campo específico.
Diante destes normativos, é necessário levar em consideração alguns fatos. Primeiramente o texto legal do código é claro quanto à utilização de fones nos ouvidos, que devem estar conectados a aparelhagem sonora ou de telefone celular. Logo, o uso de fones que estejam desconectados destes aparelhos não caracteriza infração de trânsito.
Em segundo lugar, considerando o texto do código de trânsito, o som instalado no capacete se equipara ao som no interior de um automóvel – que é permitido pela legislação. O capacete que possui som instalado em seu interior não poderia ser confundido com fones inseridos nos ouvidos, que alguns motociclistas usam, inserindo-os em seus ouvidos e depois vestindo o capacete por cima.
Cabe ressaltar que não se discute aqui o fator segurança. É inegável que, para efeitos práticos, o som oriundo de equipamentos instalados na estrutura do capacete se assemelhe aos fones de ouvidos, vedados pela legislação de trânsito – por não permitir que o condutor permaneça atento e ouvindo os sons, inclusive de outros veículos, de buzinas e sirenes de viaturas e de apitos dos agentes, etc. enquanto dirige.
Por mais nobre que seja a intenção, isso não permite que o poder público estenda definições que o Congresso Nacional definiu, a fim de punir condutores que estejam praticando fatos atípicos, ou seja, atos que não se amoldam aos tipificados no código de trânsito, no caso.
Desta forma, é importante que o poder público aperfeiçoe a legislação mãe, no caso o código de trânsito brasileiro, para prever, se esta for a vontade, a possibilidade de autuar condutores de motocicletas que porventura estejam utilizando capacetes que possuem sistema de som em seu interior.
Além disso, é de suma importância também a legislação não permitir que esta autuação possa ser lavrada sem haver abordagem do condutor, como prevê o manual brasileiro de fiscalização de trânsito vigente, afinal existem vários fatores que devem ser verificados antes de se lavrar o auto de infração com a devida segurança jurídica, conforme se demonstrou acima.