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Silêncio administrativo:

uma análise dos seus efeitos

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Agenda 02/10/2007 às 00:00

7 EFEITOS FICTOS DO SILÊNCIO DA ADMINISTRAÇÃO

Como se disse, o silêncio administrativo identifica uma situação de inércia da Administração frente ao pleito que lhe é dirigido, descumprindo-se princípios e deveres constitucionalmente tutelados, a exemplo do dever de resposta, corolário do direito de petição conferido aos administrados.

Todavia, ao tempo em que no Direito Privado há uma orientação clara para as hipóteses de silêncio, importando, sob regra geral, em consentimento tácito –ressalvadas as situações para as quais a lei preveja a necessidade de manifestação expressa –, no Direito Público, em que não impera a autonomia da vontade, tal solução não se revela aplicável, de maneira que os significados concedidos ao silêncio carecem ainda de contornos bem definidos.

Assim, avultam de importância os dispositivos legais que tentam atribuir ao silêncio efeitos objetivos, conferindo a tal fato administrativo, por ficção jurídica, uma significação que reduza a insegurança jurídica dos administrados.

No entanto, da mesma forma que não se pode confundir a doença que acomete um organismo, com os remédios que aliviam seus sintomas, não se pode ignorar a distinção entre o fato jurídico da apatia estatal e seus efeitos ficcionalmente constituídos.

Assim, importante não se perder de vista que, quando se refere ao silêncio positivo ou silêncio negativo, a despeito da imprecisão vocabular, está-se, em verdade, cuidando dos efeitos que lhe são legalmente impostos e não, do comportamento ontologicamente viciado do mutismo estatal. Aliás, sabendo-se que o silêncio é a situação de apatia do Estado, ele jamais poderia vir recomendado por dispositivo legal – sendo, antes, repelido pela ordem constitucional – donde se conclui que o que a lei prevê são os efeitos a ele atribuídos.

Entender de modo diverso, aliás, seria confundir-se o mutismo do Estado – fato jurídico administrativo – com os atos que surgem como efeitos atribuídos pela ficção legal ao silêncio. Dessa forma, nos tópicos que seguem, na tentativa de se perseguir maior precisão vocabular, por vezes, em lugar de "silêncio positivo", utilizar-se-á a expressão "efeitos positivos do silêncio", aplicando-a, com as alterações pertinentes, ao "silêncio negativo".

Registramos, ainda, que o presente capítulo se propõe a analisar tão somente os efeitos atribuídos ficcionalmente ao silêncio e não aqueles gerados espontaneamente pela inércia da Administração, tais como os prejuízos advindos para o administrado, ou a responsabilização civil, penal e administrativa do agente público, questões discorridas em capítulos próprios. Em outras palavras, cuidar-se-ão tão-somente dos efeitos atribuídos ao silêncio para remediar suas conseqüências imediatamente provocadas.

Outrossim, a previsão de efeitos ao silêncio da Administração não se consubstancia sanção pela inércia administrativa, sendo, em verdade, mecanismo que se coloca em favor do administrado, tendente a minimizar os prejuízos que lhe seriam provocados pela apatia estatal.

Então, a previsão de efeitos para o silêncio, na medida em que confere ao administrado uma orientação de como ver efetivada sua solicitação – seja através dos efeitos positivos, que, por ficção jurídica, implicam a própria concessão do quanto solicitado, seja por meio dos efeitos negativos, que demovem o administrado da espera angustiante por uma solução que tarda em vir – é um imperativo de segurança jurídica, prestando-se à efetivação da Ordem Constitucional.

No que se refere à operacionalização do "silêncio", todavia, salientamos não nos afinarmos ao quanto sustentado pela doutrina espanhola [54], segundo a qual apenas seria possível a produção dos efeitos fictos do silêncio na hipótese de restar expressamente prevista em lei. Isso porque, seguindo tal construção, deixaríamos de medicar os traumas sofridos pelo administrado com a inércia da Administração, para estender-lhes, também, os males da omissão do legislador infraconstitucional, quando não tenha previsto expressamente qual ficção se aplicar para determinado caso analisado.

Considerando as implicações acarretadas pela produção dos efeitos positivos, no entanto, entendemos, neste caso, ser imprescindível a autorização legal expressa, não havendo tal exigência na hipótese dos efeitos negativos que, em harmonia ao que sustenta o professor Celso Luiz Braga de Castro [55], deve ser a regra aplicável quando não houver lei expressa sobre quais efeitos se produzirão diante do mutismo estatal.

Esse, aliás, é o entendimento esposado pela doutrina Argentina, em que "el silencio de la Administración frente a pretensiones que requieran de ella un pronunciamiento concreto, se interpretará como negativa. Sólo ante texto expreso disponiendo lo contrario, podrá otorgársele sentido positivo [56]".

Ainda como questão preambular sobre os efeitos do silêncio da Administração, impõe-se analisar a partir de que momento podem eles ser considerados produzidos. Assim, como se afirmou no capítulo antecedente, necessário ter decorrido "prazo razoável", sem que tenha havido qualquer manifestação da Administração. Todavia, o preenchimento de tal conceito indeterminado – exaustivamente discutido em momento anterior – é questão que exige grande esforço hermenêutico, devendo ser analisado à luz das situações em concreto.

No entanto, apesar de não se poder falar em um intervalo temporal fixo e imutável para o preenchimento da noção de "prazo razoável", a identificação de um marco a partir do qual se possa avaliar, através de decisão devidamente fundamentada, qual o lapso – para mais ou para menos – que se deve aguardar para a obtenção de uma dada solução administrativa, afigura-se medida salutar para a segurança das interações do administrado com a Administração.

Nessa tarefa, registramos estarmos afinados ao entendimento manifestado por Celso Antônio Bandeira de Mello [57], para quem, nas hipóteses de não haver previsão legal específica de prazo para a oferta de resposta pela Administração, deve-se aplicar, subsidiariamente, o lapso de 30 dias previsto na Lei 9.784/99, responsável pela regulação do processo administrativo no âmbito federal. [58]

7.1 EFEITOS POSITIVOS DO SILÊNCIO

Esclarecido que onde a doutrina escreve "silêncio positivo" hão que se interpretar os efeitos ficcionalmente tidos como positivos daquela inércia, passemos a analisá-los.

Para algumas situações, a legislação dispõe que, mantendo-se inerte a Administração por tempo superior ao razoável para ofertar resposta ao pleito do administrado, haverá que se considerar concedido o quanto solicitado, ficando o administrado legitimado a atuar conforme tenha requerido. Tal previsão, no entanto, a despeito de servir a orientar o particular que se encontre diante do mutismo estatal, bem como de estimular que a Administração, entendendo ser o caso de indeferimento da solicitação que lhe foi dirigida, apresse-se a ofertar a resposta expressa, evitando a produção dos efeitos fictos do seu mutismo, traz, por vezes, implicações tormentosas, já que não enseja suficiente certeza jurídica.

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Isso porque, o fato da Administração silenciar não autoriza o administrado a exercer direitos quando não cumpra os requisitos exigíveis para tanto, ou seja, os efeitos do silêncio não serão capazes de conceder aquilo que não esteja autorizado em lei.

Contudo, sabendo-se que as hipóteses em que será necessário invocar-se tal previsão positiva serão justamente aquelas em que o Estado não compareceu para cumprir sua função de examinador do pleito que lhe foi dirigido, restará ao administrado a tarefa unilateral de se avaliar cumpridor ou não dos requisitos autorizadores daquela concessão pelo "silêncio positivo". Dessa forma, como acertadamente observa Royo-Villanova, "la actividad administrativa dejaría de ser obra de la Administración para convertirse en labor de los administrados". [59]

Ademais, a produção dos efeitos positivos do silêncio, além de pressupor a confrontação dos requisitos exibidos pelo administrado, com aqueles exigíveis para o deferimento do seu pedido, não poderá ultrapassar os limites do quanto requerido no pleito não solucionado pela Administração. Assim, só há que se falar em produção dos efeitos positivos do silêncio quando a solicitação for de tal forma nítida que não permita dúvidas acerca do que se pretende obter.

Isso porque, considerando que os efeitos atribuídos ao silêncio são, nos dizeres de Celso Luiz Braga de Castro, "uma construção terapêutica a combater tal desvio administrativo" [60], não se pode admitir que, através deles, seja concedido mais do que se poderia atingir com uma resolução expressa.

Dessa maneira, faltando qualquer documento instrutório do pedido dirigido à Administração – o que, na hipótese de manifestação expressa do Estado ensejaria o indeferimento da solicitação –, não se poderá ter por concedido o quanto requerido. No entanto, sabendo-se que a tarefa de promover tal avaliação caberá, no "silêncio positivo", ao administrado, é possível que surjam abusos, desvirtuando-se a finalidade terapêutica do instituto e ameaçando-se a segurança jurídica.

Ademais, sabendo-se que a providência discricionária implica a análise do caso concreto para se aferir qual a solução dita "ótima", não se poderão operar os efeitos positivos do silêncio em tais situações. Isso porque, nestes casos, estar-se-ia atribuindo ao administrado mais que a já complexa tarefa de aferir se preenche ou não os requisitos para a concessão do que pleiteia, mas, sim, pretendendo-o capaz de apurar qual solução representa o melhor posicionamento da Administração que, como se afirmou nos capítulos iniciais, há que ser sempre identificada à luz do interesse público. Assim, só é possível falar em efeito positivo do silêncio quando a providência negligenciada pelo administrador seja de caráter vinculado.

Não bastassem as complicações referidas, os efeitos positivos do silêncio acarretam, ainda, a dificuldade de serem documentados, ficando, então, o administrado vulnerável na circunstância de necessitar comprová-los.

Assim, por exemplo, imaginemos a hipótese de, por expressa disposição legal, se entender concedido um alvará para realização de reforma num imóvel, por ter a Administração mantido-se inerte frente a tal pedido. Neste caso, poderia o administrado – autorizado que está pelo "silêncio positivo" – iniciar legitimamente a obra.

No entanto, se um vizinho, sentindo-se incomodado com a empreitada, ou até mesmo a própria Administração, através de um dos órgãos integrantes da sua complexa estrutura, questionar a regularidade da reforma, surge a necessidade do administrado comprovar a legitimidade da sua atuação.

Assim, tratando-se de hipótese em que houve inércia administrativa, não haverá, também, qualquer documento expedido pelo órgão estatal que, em mãos do administrado, seja capaz de combater o questionamento, comprovando de plano a concessão do quanto pleiteado.

Ademais, não poderá o administrado, antecedendo-se a eventual questionamento, buscar o Judiciário para ver declarado o seu direito de atuar em conformidade à ficção positiva do silêncio.

Isso porque, como cediço, dentre as condições da ação, elementos sem os quais uma demanda não pode ser constituída e desenvolvida regularmente, identifica-se o interesse de agir, o qual, por sua vez, divide-se no interesse-adequação e no interesse-necessidade. Assim, no caso em apreço, tendo havido a concessão – pela ficção atribuída ao silêncio – do quanto pleiteado pelo autor, não terá o administrado, antes de haver qualquer resistência ao quanto adquirido através do "silêncio positivo", a necessidade concreta – portanto, interesse – de provocar o Judiciário, já que, como se afirmou, o que pretendia já houvera sido concedido pelos efeitos do mutismo.

Dessa forma, apenas se afigura possível a provocação do Judiciário pelo administrado para ver certificado seu direito, quando este reste ameaçado por algum questionamento, nascendo, então seu interesse de agir. Em outras palavras, ao administrado que, em decorrência do "silêncio positivo", tenha tido seu pleito atendido, faltará interesse para, antes de ameaçada sua posição jurídica, socorrer-se ao judiciário para ver declarado aquilo que já lhe tenha sido concedido por lei – lei que previu os efeitos do silêncio para aquela hipótese específica.

Assim, tem-se que os efeitos positivos atribuídos ao silêncio, a despeito da relevância no combate à nocividade da inércia da Administração, acabam contribuindo para alimentar aquilo a que se propõem extirpar: a insegurança jurídica. Dessa maneira, restarão criadas incertezas, tanto para o administrado, que não dispõe de elemento documental capaz de comprovar de pronto sua condição em relação ao bem da vida solicitado, quanto para a sociedade como um todo, que viverá a incerteza do efetivo preenchimento dos requisitos indispensáveis à concessão que, na prática, acabam sendo aferidos pelo próprio beneficiário.

Ademais, importa-nos registrar que, nas hipóteses da Administração deixar decorrer inerte o prazo razoável para se manifestar e havendo previsão legal do "silêncio positivo" – situação em que se operarão aqueles efeitos fictos –, restará a possibilidade da oferta de resposta expressa, ainda que tardia.

Como se afirmou em capítulos anteriores, não é suficiente que o administrado tenha uma solução a seu pedido - in casu, aquela atribuída por ficção legal. Necessário que, para além de consignar uma decisão, consiga-se apurar qual a motivação da medida adotada. Isso porque, não se pode olvidar que a motivação, longe de ser uma mera exigência formal, representa o próprio conteúdo da liberdade do administrado.

Assim, mesmo quando produzidos os efeitos positivos do silêncio, será possível a resposta expressa tardia da Administração, desde que esta sirva a ratificar os efeitos da inércia. Neste caso, aliás, estar-se-á possibilitando não só ao requerente, mas a todos os administrados cujos interesses sejam harmoniosos ou conflitantes àquela concessão, tomarem ciência dos motivos que a fundamentam.

Sintetizando o quanto afirmamos, oportuna a lição de Ernesto Garnica:

"No habría inconveniente, sino todo lo contrario, em admitir resoluciones espresas tardias confirmatórias de lo obtenido a través de aquella técnica, lo que de hecho evitaria muchos de los defectos prácticos proprios del silencio positivo." [61]

No entanto, não poderá a Administração, com a mesma simplicidade que na hipótese anterior, querer impor uma decisão tardia contrária àquela obtida com o efeito ficto do silêncio. Isso porque, sabendo-se que o "silêncio positivo" implica, por uma ficção, a produção de atos jurídicos declaratórios de direitos dos requerentes, o desfazimento de tais atos apenas poderá ocorrer se, em harmonia ao que seria exigido caso fossem eles expressos, houver elementos bastantes a sua revogação ou anulação.

Além disso, não se pode olvidar a necessidade de serem observadas as vias previstas para tal fim, oportunizando-se, inclusive, o direito de defesa àqueles que venham a ser atingidos pela retirada do ato do mundo jurídico, facultando-lhes até mesmo desafiarem os recursos que se revelarem adequados no caso concreto.

Nesse sentido, prossegue o referido Ernesto Garnica, afirmando que "La Administración, de igual forma a como acontece com os atos expesos, no podrá en el caso de los presuntos desconocerlos o retirarlos sin más del mundo jurídico." [62]

Entender-se de outra forma, aliás, seria a consagração absoluta da insegurança jurídica, transformando os efeitos positivos do silêncio, inicialmente pensados para beneficiar o administrado vítima da inércia administrativa, num trunfo em favor da incúria da Administração.

Saliente-se, oportunamente, que na hipótese da decisão tardia contrariar o quanto concedido fictamente, restará a possibilidade de indenização aos terceiros de boa fé, se a eles advierem danos comprovadamente derivados da emissão daquela decisão.

Ainda no que pertine aos efeitos positivos do silêncio, entendemos possível a sua ocorrência quando, a despeito da Administração ter ofertado resposta tempestiva ao pleito que lhe foi dirigido, o administrado imagine estar diante de uma situação de inércia administrativa, por não ter sido notificado daquela decisão.

Nesse aspecto, no entanto, o que importa não é a escorreita publicação da solução, mas a efetiva possibilidade de ciência dos administrados, de maneira que, como acertadamente afirma Ernesto Garnica "la notificación defectuosa no es equiparable normalmente la falta de resolución a los efectos del silencio administrativo." [63]

Assim, não haverá que se falar em produção dos efeitos do silêncio se, apesar de formalmente defeituosa, a publicação da resposta permitir a extração das suas informações essenciais, tomando, os administrados, ciência inequívoca daquela decisão.

Em tempo, considerando as implicações tormentosas advindas do "silêncio positivo", ratificamos o entendimento, já consignado neste mesmo capítulo, de que tal ficção apenas poderá ser operada na hipótese de haver expressa disposição legal. Aliás, atribuir efeito positivo ao silêncio da Administração, quando a lei nada preveja a respeito, seria capaz de gerar situações verdadeiramente aberrantes, indesejáveis, portanto, como integrantes do ordenamento jurídico.

A título de exemplo, enunciamos o caso de Dennis Hope, um americano que, tendo sido vítima da omissão do Estado frente a seu pleito de aquisição da propriedade da lua, entendeu concedido o quanto solicitado, pondo-se a alienar lotes naquele satélite natural. [64] Assim, em entrevista concedida à Rosenildo Gomes Ferreira, da revista Isto É Dinheiro, quando perguntado como alguém poderia se tornar dono do sistema solar, invoca, claramente, a teoria dos efeitos positivos fictos do silêncio, in verbis:

Meu direito é baseado no Tratado Espacial assinado pelos membros da ONU, em 1967. O dispositivo proibiu os países de reclamar a posse de corpos celestes, mas nada disse sobre as pessoas. Enviei carta à ONU e aos governos dos Estados Unidos e da União Soviética contando minha pretensão. Como nada disseram posso dizer que sou o legítimo proprietário das terras. Quem cala consente.

7.2 EFEITOS NEGATIVOS DO SILÊNCIO

Em analogia ao que se definiu como "silêncio positivo", "o silêncio negativo" compreende os efeitos denegatórios que, por ficção, são atribuídos ao mutismo estatal.

Tal instituto assume incomensurável relevância frente os ordenamentos jurídicos em que a esfera judicial se apresenta como instância revisora das manifestações administrativas. É o caso, por exemplo, da jurisdição contencioso-administrativa do Direito Espanhol [65] que, caracterizada pela revisibilidade, exige prévia manifestação da Administração para que se torne possível a apreciação pelo Judiciário de uma questão de cunho originalmente administrativo.

Em tais sistemas, a inadmissão dos efeitos negativos do silêncio implica a absoluta impotência do administrado que, sem uma decisão – ainda que ficta – da instância administrativa, não teria o que ser revisado pela Função Judiciária.

Uma análise do ordenamento jurídico brasileiro, contudo, permite a conclusão de não ter sido homenageando o caráter revisor na nossa jurisdição [66], já que, tendo a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV, afirmado que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", resta consagrada a inafastabilidade da prestação jurisdicional. Assim, não há que se falar em qualquer condicionamento à exaustão da esfera administrativa para se conduzir um pleito ao Judiciário. [67]

Todavia, malgrado a Justiça Brasileira não tenha caráter revisional, o "silêncio negativo" não perde sua utilidade, sendo medida de grande importância prática para o administrado que se depare com a situação de inércia da Administração. Isso porque, como cediço, o exercício da Função Judiciária nos tempos hodiernos, marcado pelo crescente volume de demandas, sem a correspondente implementação de recursos humanos e tecnológicos capazes de acompanhar a necessidade da população – ou de reduzir o descompasso face esta –, é responsável por uma situação de acúmulo de ações aguardando por um deslinde.

Nesse contexto, avulta de importância a possibilidade de que as questões sejam resolvidas em sede administrativa que, além de menos assoberbada que o Judiciário, é dotada de grau de especialização capaz de proporcionar uma solução mais ágil do quanto pleiteado. Ademais, não se pode olvidar que a esfera administrativa merece ser explorada em todo seu potencial, uma vez que, implicando ônus menores aos administrados, representa alternativa às elevadas custas dos feitos judiciais, por vezes responsáveis pelo cerceamento do acesso à Justiça - já que, nem sempre se logra o beneficiamento com a gratuidade, como pretendeu idealisticamente o constituinte.

A via administrativa, assim, afigura-se de grande contribuição para a satisfação das questões de interesse do administrado, sendo mais econômica e célere. Todavia, estando-se diante de situação marcada pelo mutismo estatal, em que pese estar o administrado autorizado a provocar o Judiciário para ver satisfeita sua pretensão – já que a Jurisdição pátria não se afigura marcada pela revisibilidade –, não poderá interpor recurso administrativo sem que tenha havido uma decisão inaugural.

Dessa forma, a ficta produção dos efeitos negativos do silêncio, malgrado não seja requisito para o ingresso na esfera Judiciária, será imprescindível a que o administrado possa se valer dos benefícios da utilização da via administrativa, repita-se, mais célere, econômica e especializada.

O "silêncio negativo" carrega, então, um caráter eminentemente processual, já que, a despeito de não implicar a concessão de direitos materiais aos requerentes – como acontece no "silêncio positivo" –, serve a abrir as portas da instância processual administrativa subseqüente.

Além disso, ao contrário do que se afirmou quanto ao "silêncio positivo", a produção dos efeitos negativos da inércia estatal não depende da avaliação do preenchimento de quaisquer requisitos ou da suficiente instrução do pedido, já que, não acarretando qualquer declaração de direito – sendo antes sua negação – não requer cuidados tão específicos como os tidos em matéria de "silêncio positivo".

Contudo, da mesma forma que os efeitos positivos da inércia administrativa, o "silêncio negativo" será capaz de provocar abusos, não mais do administrado, que já não terá o papel de analisar o preenchimento de quaisquer requisitos, mas do próprio administrador que, diante de situação em que se imponha a denegação do quanto pleiteado, pode se sentir tentado a manter-se inerte, forçando a produção dos efeitos fictos do mutismo, subtraindo, assim, do administrado, seu direito a uma decisão devidamente fundamentada.

No entanto, será sempre possível a emissão de resposta expressa tardia da Administração, não havendo, em se tratando de "silêncio negativo", as restrições sugeridas quando da análise dos efeitos positivos da apatia estatal. Assim, em matéria de "silêncio negativo", a decisão expressa será sempre desejável, quer quando concessiva do pedido do administrado, hipótese em que resultará desnecessária a utilização dos recursos administrativos ou judiciais pelo requerente, quer quando denegatória, possibilitando a extração dos motivos do comportamento administrativo, permitindo-se a defesa concreta e ampla do administrado.

Ademais, recobrando-se o que se afirmou na introdução deste capítulo, ao inverso do que sucede para o "silêncio positivo", a produção dos efeitos negativos do mutismo estatal prescinde de qualquer autorização legal, sendo medida que deve se operar até mesmo na lacuna legislativa.

Salientamos, todavia, que malgrado entendamos o "silêncio negativo" como regra geral aplicável à inércia administrativa, há situações em que não se afigura possível conferir-se efeitos fictos, quer positivos, quer negativos, à inércia da Administração. Ilustrando tal situação, o professor Celso Castro cita a hipótese de que em uma licitação, cujo resultado não tenha sido declarado, não será possível afirmar qual dos licitantes se afigura vencedor. [68] Em tal circunstância, os efeitos positivos ou negativos atribuídos como remediadores dos prejuízos causados pelo silêncio não se revelam suficientes à solução da questão negligenciada pela Administração.

Por fim, chamamos ainda atenção para a hipótese, também levantada pelo citado professor, da existência de um "silêncio preclusivo, onde o decurso do tempo dispensa pura e simplesmente a prática do ato" [69]. É o que ocorre no direito parlamentar pátrio, em que, deixando uma comissão técnica de opinar sobre dado projeto na oportunidade adequada, este é encaminhado a Plenário, com supressão de instância. Como se observa, em tal hipótese será inteiramente desnecessária a atribuição dos efeitos fictos do silêncio, pelo que a regra que enunciamos também se revelará inaplicável.

Sobre a autora
Ana Carolina Araújo de Souza

bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia, assessora jurídica da Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ana Carolina Araújo. Silêncio administrativo:: uma análise dos seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10482. Acesso em: 24 nov. 2024.

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