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Acesso à justiça e os novos instrumentos de resolução de conflitos

Agenda 02/07/2023 às 12:12

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar, na perspectiva do Direito Civil-Constitucional, a existência de novos métodos – também denominados de rituais – de resolução de conflitos, especificamente, no que se refere à efetivação do direito ao acesso à justiça. A pesquisa terá como finalidade principal analisar os novos meios alternativos de pacificação de litígio – especificamente os institutos da Mediação e Conciliação –, sua abrangência, bem como sua eficiência ao facilitar e ampliar o acesso à justiça na sociedade, possibilitando um maior espaço para que as partes sejam ouvidas e participem de forma ativa e efetiva na construção da melhor solução para os seus próprios conflitos. A metodologia aplicada no presente estudo foi a dedutiva, tendo em vista a realização de pesquisa doutrinária, além da utilização de artigos científicos, livros e legislação nacional vigente. Por fim, através do presente estudo, será possível concluir que o acesso à justiça dever ser tratado como um dos direitos mais básicos e fundamentais da sociedade, devendo ser – cada vez mais – facilitado o seu pleno acesso, através do auxílio dos novos instrumentos alternativos de solução de conflitos.

Palavras-chave: Acesso à Justiça. Meios Alternativos de Resolução de Conflitos. Mediação. Conciliação.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objetivo central analisar os novos métodos alternativos de solução de conflitos que estão ganhando grande destaque no atual cenário jurídico brasileiro, bem como sua abrangência e eficiência no que se refere à efetivação do direito ao acesso à justiça.

De início, cabe ressaltar que o acesso à justiça é direito de todos, conforme disposto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, a resolução de conflitos, através dos métodos alternativos, surge em razão da necessidade de garantia de resultados mais efetivos e céleres às partes envolvidas em determinado litígio.

Ademais, os rituais de pacificação de conflitos podem possibilitar uma maior relação de cidadania entre as partes envolvidas, haja vista a necessidade de diálogo e negociação de seus próprios interesses, tendo em mente que os indivíduos possuem autonomia para discutir e encontrar a melhor solução para os seus próprios impasses.

Portanto, o objeto do presente estudo será a análise do acesso à justiça e os novos instrumentos de resolução de conflitos, onde serão observados os métodos adequados de solução de litígios, especificamente os previstos no Código de Processo Civil, quais sejam: Mediação e a Conciliação, a fim de analisar a estrutura e funcionamento de tais institutos e os seus reflexos na efetivação e ampliação do acesso à justiça para todos.

1 O ACESSO À justiça

Primeiramente, imperioso destacar a definição de acesso à justiça trazida por Mauro Cappelleti e Bryant Garth:

(...) “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado que primeiro deve ser realmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 08)

Os doutrinadores complementam:

O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais “Burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para a sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. (CAPPELLETTI; BRYNT, 1988, p.9)

Importante trazer à baila parte da evolução histórica relativa ao acesso à justiça. Dessa maneira, para uma melhor compreensão do referido assunto, será necessário, primeiramente, traçar uma linha evolutiva para um maior entendimento histórico relativo ao acesso à justiça.

Por longas décadas o poder de definir a existência de um direito e a sua abrangência e aplicação não era exercido pelo Estado. A autotutela era a maneira encontrada pelas partes para resolução de seus conflitos. Dessa forma, as partes conflitantes tinham a incumbência de resolver o seu próprio litígio através dos meios que compreendessem cabíveis.

Com o passar dos tempos, houve o surgimento do instituto da Arbitragem, no qual uma terceira pessoa, eleita pelos denominados Contendores, tornava-se responsável, de forma desinteressada e imparcial, pela resolução dos conflitos existentes à época.

Após, com o surgimento da Teoria da Repartição dos Poderes, consagrada através da obra “Espírito das Leis” de Montesquieu, que definiu os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário e suas limitações mútuas, o Estado passou a aplicar e definir o que seria Direito através da regulamentação das relações sociais e monopolização da jurisdição. (MARINONI; MITIDIERO, 2008, p. 95)

Sobre o referido assunto, segue o magistério de Luiz Fux:

O Estado, como garantidor da paz social, avocou para si a solução monopolizada dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando o âmbito da autotutela. Em consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto. (FUX, 2004, p. 41)

Em razão da monopolização na jurisdição, o Estado tornou-se o responsável em propiciar o acesso à justiça para a sociedade, possibilitando de forma efetiva a juridicidade a todos que a invocassem.

Nesse sentido, explica Luiz Rodrigo Wambier:

Se, por um lado, o Estado avoca para si a função tutelar jurisdicional, por outro lado, em matéria de direitos subjetivos civis, faculta ao interessado (em sentido amplo) a tarefa de provocar (ou invocar) a atividade estatal que, via de regra, remanesce inerte, inativa, até que aquele que tem a necessidade da tutela estatal quanto a isso se manifeste, pedindo expressamente uma decisão a respeito de sua pretensão. (WAMBIER, 2007, p. 37)

Ademais, em razão da obrigatoriedade do Estado oferecer a tutela jurisdicional à sociedade, se deu início à instituição de novos instrumentos que pudessem efetivar, de forma ampla, o acesso à justiça, como por exemplo, a implementação de garantia constitucional do acesso à justiça.

Tal garantia constitucional é resultado de uma longa evolução histórica, além de ser considerada uma grande necessidade social que em razão de sua magnitude restou arrolada entre os direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Magna.

A Constituição Federal de 1988 passou a prever de forma expressa o direito ao acesso à justiça, nos termos do artigo 5º, XXXV, dispondo que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (BRASIL, 1988, on-line).

Ademais, cabe salientar que a Constituição Federal demonstra de forma certeira a ligação do acesso à justiça ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, que dispõe acerca da impossibilidade do Estado de negar soluções a quaisquer conflitos em que algum indivíduo alegue lesão ou ameaça de direito. Dessa maneira, através do direito de ação, todo cidadão poderá postular em juízo qualquer direito lesado ou ameaçado.

A propósito, Kildare Gonçalves Carvalho considera que a garantia constitucional do acesso à justiça “é a inafastabilidade ao acesso ao Judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário.”. (CARVALHO, 2005, p. 460)

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Na mesma linha de raciocínio, Luiz Fux leciona:

O direito de agir, isto é, o de provocar a prestação da tutela jurisdicional é conferido a toda pessoa física ou jurídica diante da lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo e tem sua sede originária [...] na própria Magna Carta. (FUX, 2004, p. 144)

Ademais, Mauro Cappelleti e Brynt Garth afirmam que:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental, o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETI; GARTH, 1988)

O direito ao acesso à justiça é assegurado – também – por meio da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, que prevê em seu artigo 8º:

Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza. (TORRES, 2002, on-line)

Em relação ao objetivo do acesso à justiça, Uadi Lammêgo Bulos escreve:

(...) difundir a mensagem de que todo homem, independente de raça, credo, condição econômica, posição política ou social, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, na defesa de seu patrimônio ou liberdade. (BULOS, 2007, p. 482)

Ainda, necessário destacar que o acesso à justiça tem por objetivo concretizar os direitos garantidos ao cidadão pela ordem jurídica. Nesse aspecto, segue o posicionamento de Wilson Alves de Souza:

Sendo assim, toda vez que houvesse violação a direito ou garantia substancial, não fosse o acesso à justiça, esses direitos e garantias não teriam como ser exercidos. Por outras palavras, o acesso à justiça é, ao mesmo tempo, uma garantia e em si mesmo um direito fundamental; mais do que isso, é o mais importante dos direitos fundamentais e uma garantia máxima, pelo menos quando houver violação a algum direito, porque havendo essa violação, todos os demais direitos fundamentais e os direitos em geral, ficam na dependência do acesso à justiça. (SOUZA, 2011, p. 84)

Ademais, deve ser observado que a garantia constitucional do direito ao acesso à justiça corresponde não só a obrigação do Estado em prestar tutela jurisdicional ao cidadão, mas também o dever do Estado adotar meios que facilitem e viabilizem o pleno acesso à justiça.

Nesse aspecto, o artigo 98 do Código de Processo Civil pode ser considerado um exemplo de facilitação ao acesso à justiça, haja vista a possibilidade de toda pessoa, sem condições financeiras suficientes para arcar com as custas processuais e honorários advocatícios, exercer o acesso à justiça através do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. (BRASIL, 2015, on-line)

Contudo, é necessário observar que a garantia de acesso à justiça e o seu acesso facilitado, não são suficientes para garantir e efetivar a busca pela solução de direito lesado ou ameaçado. É necessária uma carga maior de efetividade no que se refere à prestação da tutela jurisdicional, devendo as decisões, o julgamento e o resultado da análise do mérito ser úteis e aptos a produzir efeitos práticos na vida social.

Nesse sentido, Luiz Rodrigues Wambier disserta:

À luz dos valores e das necessidades contemporâneas, entende-se que o direito à prestação jurisdicional (garantido pelo princípio da inafastabilidade do controle judiciário, previsto na Constituição)é o direito a uma proteção efetiva e eficaz, que tanto poderá ser concedida por meio de sentença transitada em julgado, quanto por outro tipo de decisão judicial, desde que apta e capaz de dar rendimento efetivo à norma constitucional. (WAMBIER, 2007, p. 321)

E complementa:

Mas não se trata de apenas assegurar o acesso, o ingresso, no Judiciário. Os mecanismos processuais (i.e., os procedimentos, os meios instrutórios, as eficácias das decisões, os meio executivos) devem ser aptos a propiciar decisões justas, tempestivas e úteis aos jurisdicionados – assegurando-se concretamente os bens jurídicos devidos àquele que tem razão. (WAMBIER, 2007, p.70)

Contudo, o oferecimento de órgãos jurisdicionais estatais não determina a plena efetivação do acesso à justiça. Eis o entendimento de Wilson Alves de Souza:

Nesse ponto, se e é indispensável uma porta de entrada, necessário igualmente é que exista a porta de saída. Por outras palavras, de nada adianta garantir o direito de postulação ao Estado- juiz sem o devido processo em direito, isto é, sem processo provido de garantias processuais, tais como contraditório, ampla defesa, produção de provas obtidas por meios lícitos, ciência dos atos processuais, julgamento em tempo razoável, fundamentação das decisões, julgamento justo eficácia das decisões, etc. (SOUZA, 2011, p. 26)

Portanto, é possível observar que o acesso à justiça além de determinar a igualdade de acesso ao sistema de resolução de litígios sob os augúrios do Estado, tem por objetivo prestar, também, a produção de resultados individuais e sociais de forma justa, concreta e, principalmente, viável. (CAPPELLETI; BRYNT 1988, p. 8)

2 NOVOS INSTRUMENTOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Como visto anteriormente, o acesso à justiça é conceituado, basicamente, ao acesso ao Poder Judiciário. Contudo, existem muitos obstáculos de ordem econômica, social, legal e cultural que dificultam a sua concretização. A fim de romper as barreiras existentes, um novo conceito de acesso à justiça está sendo criado, onde a sociedade e o Estado trabalham juntos para que os conflitos sejam resolvidos através de novos mecanismos de pacificação de litígios e não exclusivamente pela via judicial.

Em relação aos obstáculos enfrentados para a plena efetivação do acesso à justiça, Jasson Ayres Torres escreve:

Uma justiça tardia gera problemas insanáveis, atingindo o âmago da pessoa. Por isso as afirmativas de que não ter acesso ao Poder Judiciário ou tê-lo e não conseguir obter com a presteza desejada a reposição do direito no seu devido lugar e no tempo exigido, representa a própria negação da justiça. É compreensível o fato de muitas pessoas não recorrerem ao Judiciário, pois se toma algo dispendioso, e nem todos têm condições econômico-financeiras para contratar um advogado e suportar o custo de uma demanda. (TORRES, 2005, p. 48-50)

Dessa forma, o acesso à justiça passa a ser compreendido como um conjunto de mecanismos disponíveis para os cidadãos que necessitam solucionar seus conflitos, através da utilização do instrumento adequado para o seu caso concreto, reservando a via judicial como ultima ratio.

Mauro Cappelleti afirma que o acesso à justiça tem por objetivo "analisar e procurar os caminhos para superar as dificuldades ou obstáculos que fazem inacessíveis para tanta gente as liberdades civis e políticas”. (CAPPELLETI, 1994, p. 83)

A esse propósito, Paula Costa e Silva ensina que o acesso à justiça "deixou de ser um direito de acesso ao Direito através do direito de acesso aos tribunais para ser um direito de acesso ao Direito, de preferência sem contato ou sem passagem pelos tribunais". (COSTA E SILVA, 2009, p. 19)

A existência de novos meios consensuais de solução de conflitos possibilita que as partes possuam o controle de resultado através do auxílio de uma terceira pessoa, considerada neutra e que não possui poderes para proferir qualquer decisão vinculativa entre os conflitantes.

Segundo José Luiz de Morais, os novos instrumentos de solução de conflitos:

Revelam a pretensão de que os litígios sejam solucionados a partir da aproximação dos oponentes e da (re)elaboração da situação conflitiva sem a prévia delimitação formal do conteúdo da mesma através da norma jurídica, ou seja: nesse caso, a solução do conflito provém não de uma intermediação externa pela autoridade do Estado-Juiz ou do árbitro que dita a sentença, mas de uma confrontação explícita de pretensões, interesses, dúvidas, perplexidades. etc., que permita às partes, neste processo de troca, ascender a uma solução consensuada, apenas mediada pela figura de um terceiro cujo papel é o de facilitar os intercâmbios, e não o de ditar a resposta (sentença), que vem previamente definida no texto legislado pelo Estado, de cuja aplicação está encarregado o Poder Judiciário, no caso da jurisdição, ou que é definida pelo árbitro a partir das opções originárias dos envolvidos, no caso da arbitragem. (MORAIS, 1999, p. 135)

Ainda, Petrônio Calmon ensina que a busca pelo consenso em casos de conflito é quase sempre o primeiro passo tomado pelas partes conflitantes:

Surgem, então, mecanismos apropriados que visam à obtenção da autocomposição. Às vezes simples, às vezes complexos, às vezes com a só participação dos envolvidos, às vezes com a colaboração de um terceiro imparcial, com o objetivo de incentivar, auxiliar e facilitar o diálogo, visando ao escopo maior de se chegar ao consenso. (CALMON, 2006, p.6)

Ademais, os instrumentos alternativos de resolução de conflitos podem ser considerados procedimentos de natureza consensual que atuam como opção diversa à litigância nos tribunais, através da uma terceira parte, considerada neutra e imparcial. (MORAIS, 1999, p. 135)

Por sua vez, Mauro Capelletti classifica os meios alternativos de resolução de litígios como integrantes da terceira onda do movimento de acesso à justiça. Em sua obra, o ilustre doutrinador elenca alguns motivos que ensejam no crescimento da utilização desses novos mecanismos:

Primeiro, há situações em que a justiça conciliatória (ou coexistencial) é capaz de produzir resultados que, longe de serem de "segunda classe" são melhores, até qualitativamente, do que os resultados do processo contencioso. A melhor ilustração é ministrada pelos casos em que o conflito não passa de um episódio em relação complexa e permanente; aí a justiça conciliatória ou- conforme se lhe poderia chamar- a "justiça reparadora"- tem a possibilidade de preservar a relação, tratando o episódio litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura definitiva daquela; isso, além do fato de que tal procedimento costuma ser mais acessível, mais rápido, e informal, menos dispendioso e os próprios julgadores podem ter melhor conhecimento do ambiente em que o episódio surgiu e mostrar-se mais capazes e mais desejosos de compreender o drama das partes. (CAPELLETTI, 1994, p. 90)

Os novos instrumentos de pacificação de litígio também são caracterizados por proporcionar uma maior inclusão social, visto que as partes envolvidas no conflito tornam-se protagonistas no processo e contribuem para uma maior democratização, possibilitando uma maior autonomia na solução de seus próprios conflitos.

Outrossim, o maior desenvolvimento da cidadania e da valorização da autonomia é considerado fator qualificador dos novos mecanismos de solução de conflitos, conforme entendimento de Luís Alberto Warat:

O Direito da cidadania e a justiça cidadã são duas ideias novas que surgem no pensamento jurídico transmoderno como formas de humanização do Direito e da justiça, distanciando-se de uma concepção normativa de resolução dos conflitos, que burocratizou o estabelecimento de litígios e desumanizou seus operadores. Humanizar o Direito é reduzir a sua mínima expressão e poder normativo. A tarefa de dar voz à cidadania, principalmente com relação a seus próprios conflitos, é algo que se pode começar a ascender, implementando programas de justiça cidadã, de juizados de cidadania, onde os indivíduos possam sair do silêncio, recuperar a voz. (WARAT, 2001, p. 217-2018)

Os novos instrumentos de resolução de conflitos são considerados pela doutrina como institutos vantajosos para a ampliação do acesso à justiça, através do fornecimento – para a sociedade –, de um processo mais célere, desburocratizado, seguro e com baixo custo, levando em consideração os interesses e os sentimentos das partes envolvidas. (FRADE, 2003, p. 111)

Com efeito, Rodolfo Camargo Mancuso enaltece:

Enquanto os meios alternativos de resolução de conflitos (mediação, conciliação, arbitragem, avaliação neutra de terceiro e suas combinações) revelam atributos atraentes - infonnalidade, celeridade, contldencialidade, perfil prospectivo, tendencial adesão à decisão alcançada -, já o comando judicial, mormente o condenatório, ressente-se de deficiências que o vão desprestigiando aos olhos da população: perfil retrospectivo, reportado a acontecimentos pretéritos, não raro irreversíveis; lentidão, em virtude mesmo do excesso da demanda e do formalismo procedimental; imprevisibilidade, assim quanto à duração do processo como quanto ao seu desfecho final; onerosidade, que desequilibra o custo-benefício. (MANCUSO, 2009, p. 33)

Eugênio Facchini Neto classifica os argumentos favoráveis aos instrumentos alternativos de solução de conflitos em qualitativos e quantitativos:

O argumento de natureza quantitativa é o mais invocado. Segundo ele, a ADR deveria ser incentivada porque é uma maneira mais eficiente de solução das disputas, de menor custo e muito mais rápida. O segundo argumento, "qualitativo", parte de uma abordagem segundo a qual a ADR possibilita uma maior participação das partes no desenvolvimento do processo e permite a elas um maior controle sobre o resultado do processo - afinal, são elas que definem esse resultado. Além disso, sustenta-se que a ADR oferece uma maior possibilidade de reconciliação entre as partes, garantindo uma melhor comunicação entre elas, aumentando assim a probabilidade de manutenção ou recuperação das relações interpessoais. (NETO, 2009, p. 107)

Em nosso atual ordenamento jurídico, especificamente, a partir da implantação do Novo Código de Processo Civil, os institutos da Mediação e Conciliação foram introduzidos como procedimentos preliminares, além de serem considerados como importantes mecanismos para a solução pacífica e rápida de conflitos tanto na esfera judicial, quanto extrajudicial.

Primeiramente, a Conciliação é considerada um instrumento de resolução de conflitos, onde um terceiro, neutro e imparcial, denominado como Conciliador, auxilia as partes através da facilitação do diálogo entre si, a fim de que sejam definidos os interesses e as questões a serem solucionadas, por meio de uma orientação pessoal e direta, buscando um resultado satisfatório para ambas as partes.

Atualmente, a Conciliação é definida como "processo pelo qual o Conciliador tenta fazer que as partes evitem ou desistam da jurisdição". (FIÚZA, 1995, p. 56).

Nessa toada, Rodrigo Almeida Magalhães afirma:

O terceiro interventor (conciliador) atua como elo de ligação. Sua finalidade é levar as partes ao entendimento, através da identificação de problemas e possíveis soluções. Ele não precisa ser neutro [diferentemente do mediador], ou seja, pode interferir no mérito das questões. O conciliador não decide o conflito, ele pode apenas sugerir decisões; a decisão cabe às partes. (MAGALHÃES, 2008, p.28)

Além disso, há a possibilidade de Conciliação pré-processual prevista pelo Conselho Nacional de Justiça:

Esse procedimento se constitui em um método de prevenção de litígios e funciona como opção alternativa ao ingresso na via judicial, objetivando evitar o alargamento do número de demandas nos foros e a abreviação de tempo na solução das pendências, sendo acessível a qualquer interessado em um sistema simples ao alcance de todos. A principal característica dessa modalidade de conciliação é a promoção de encontros entre os interessados, nos quais um conciliador buscará obter o entendimento e a solução das divergências por meio da composição não adversarial e, pois, ainda antes de deflagrada a ação. (BRASIL, 2010, on-line).

Por sua vez, a Mediação é um instrumento pelo qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, auxilia na facilitação do diálogo entre as partes, a fim de que seja construída – com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o conflito.

Lis Weingärtner observa três questionamentos básicos utilizados na Mediação:

O primeiro é relativo ao conflito que os levou a solicitar a mediação e se o mesmo pode ser objeto da mediação. O segundo sobre o efetivo interesse das partes em se submeter ao processo. E o terceiro, mais relativo ao papel que cabe ao terceiro imparcial e independente, se refere à escolha do mediador para o caso, podendo recair ou não em profissional que os informou sobre o processo, o pré-mediador. Em sendo positivas as respostas a estas questões, deverão avaliar conjuntamente sobre a conveniência de ser utilizada. No âmbito extrajudicial é apresentada, também nesta etapa, a minuta do contrato de prestação do serviço da mediação, em que estará contemplado o modo em que se realizará. É o momento em que nasce a confiança das partes no processo. A prática frequente deste momento prévio auxilia e muito na quebra de paradigmas, bem como no início do “desarmamento” das partes para a administração do conflito. (WEINGÄRTNER, 2009, p. 13)

A mediação é considerada um procedimento multidimensional ou complexo, não tendo como objetivo central o acordo, mas sim a satisfação dos interesses, valores e necessidades das partes, além de ser um mecanismo estruturado, não possuindo prazo estipulado, visto que as partes possuem autonomia para buscar outras soluções que compatibilizem com seus interesses.

Em sentido congênere, Walsir Edson Júnior leciona:

A mediação é um processo informal de resolução de conflitos, em que um terceiro, imparcial e neutro, sem o poder de decisão, assiste às partes, para que a comunicação seja estabelecida e os interesses preservados, visando ao estabelecimento de um acordo. Na verdade, na mediação, as partes são guiadas por um terceiro (mediador) que não influenciará no resultado final. O mediador, sem decidir ou influenciar na decisão das partes, ajuda nas questões essenciais que devem ser resolvidas durante o processo. (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 50).

Em complemento, Juan Carlos Vezzulla expõe:

Técnica de resolução de conflitos não adversarial, que, sem imposições de sentenças ou de laudos e com um profissional devidamente formado, auxilia as partes a acharem seus verdadeiros interesses e a preservá-los num acordo criativo em que as duas partes ganhem. (VEZZULLA, 1998, p. 16).

Por sua vez, Warat considera a Mediação como:

Um procedimento indisciplinado de autocomposição assistida (ou terceirizada) dos vínculos conflitivos com o outro em suas diversas modalidades. Indisciplinado por sua heteroxia já que do mediador se requer a sabedoria necessária para poder se mover, sem a obrigação de defender teorias consagradas, um feudo intelectual ou a ortodoxia de uma capela de classes ou do saber. A autocomposição dos procedimentos de mediação é assistida ou terceirizada, porquanto se requer sempre a presença de um terceiro imparcial, porém implicado, que ajude as partes em seu processo de assumir os riscos de sua auto-decisão transformadora do conflito. (WARAT, 2001, p. 75-76)

Ainda, importante salientar que o instituto da Mediação é previsto pela Lei nº 13.140/2015, que a define como um meio de resolução de conflitos entre particulares, possibilitando a autocomposição de litígios na esfera da administração pública, bem como indicando os seus princípios e diretrizes:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes: VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé. (BRASIL, 2015, on-line)

À conta disso, é possível observar que tanto a Mediação quanto a Conciliação possuem uma terceira pessoa envolvida, contudo, na Mediação, o mediador tem a incumbência de esclarecer às partes que elas mesmas devem buscar a solução de seu conflito. Já na Conciliação, o terceiro, neutro e imparcial, tem a missão de auxiliar, através de sugestões para a melhor resolução do litígio existente.

Cabe observar, também, que o Novo Código de Processo Civil passou a incluir os conciliadores e mediadores judiciais como auxiliares da Justiça, em razão da previsão dos artigos 165 e seguintes, que regulamentam a forma de sua atuação, bem como os princípios que devem ser observados no exercício de suas funções e a remuneração de suas atividades. (BRASIL, 2015, on-line)

Ademais, o Código de Processo Civil dispôs, também, acerca da possibilidade das partes optarem pela realização, ou não, da Audiência de Conciliação ou Mediação – respeitado o prazo previsto pela Nova Lei Processual, estabelecendo aos que optarem pela utilização desse instrumento jurídico toda a regulamentação necessária, visando uma solução mais célere e efetiva para cada caso concreto.

Em suma, é possível verificar que os novos instrumentos de resolução de conflitos buscam estimular a autocomposição e a mudança de postura das partes, incentivando para que a solução amigável do conflito se torne a regra e não a exceção. Nesse sentido, não haverá um ganhador e/ou um perdedor, mas sim uma solução para o que seria mais uma lide.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da presente pesquisa, foi possível analisar que no Brasil, o Judiciário, ao longo dos anos, enfrenta uma grande crise, em razão de o Estado não possuir condições suficientes para cumprir com os resultados relacionados à composição e mantença da paz social. É cediço que a justiça brasileira necessita auxílio para suportar o aumento da demanda, bem como para dar efetividade ao direito do acesso à justiça a todos os cidadãos, sem distinção, como previsto na Constituição Federal de 1988.

Em virtude dos obstáculos anteriormente referidos e relacionados à condição de pobreza e ausência de orientação jurídica às comunidades, alto valor das custas processuais, dificuldade de acesso ao advogado e desconhecimento das novas formas de solução de disputas enfrentadas para a efetivação do acesso à justiça, a sociedade acaba por descrer nos institutos responsáveis pela garantia da justiça.

Ainda, em razão do modelo tradicional de acesso à justiça não estar atendendo às necessidades sociais cada vez maiores e complexas, novos instrumentos de resolução de conflitos surgem como novos rumos a serem trilhados, facultativamente, pelos jurisdicionados que necessitam resolver seus litígios de maneira, muitas vezes, distinta dos moldes contidos no processo civil tradicional,

Portanto, por meio do presente estudo foi possível observar que os benefícios trazidos pelos novos instrumentos de resolução de conflitos devem ser levados em consideração, principalmente no que diz respeito à efetivação do acesso à justiça. Ademais, os novos rituais de pacificação de litígio não estão surgindo para subtrair ou reduzir a competência do Judiciário, pelo contrário, são técnicas que auxiliam, somam e incrementam o trabalho desempenhado pelo Poder Judiciário. Por fim, os novos instrumentos de resolução de conflitos surgem para promover a cidadania, através da plena e efetiva concretização de direitos e, principalmente, o fortalecimento da cultura dos Direitos Humanos, através do acesso à justiça para todos.

REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 2015b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 05 de janeiro de 2020.

______. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Lei da Mediação. Diário Oficial da União, Brasília, 2015c. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Acesso em: 05 de janeiro de 2020.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio De Janeiro: Forense, 2008.

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Sobre a autora
Carolina Alt Silva

Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões. Diretora-Presidente do IBDFAM Núcleo Bagé/RS.

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