ÀS VEZES A MORTE CHEGA ANTES. Dizem que ela não espera. Também tem quem diga que ela só vem na hora certa: nem cedo, nem tarde. Fato é que não são raros (e a gente vê isso aqui todo dia) os casos onde as pessoas transacionam imóveis, quitam o preço da compra e venda e simplesmente falecem sem concretizar o negócio com a entrega da almejada ESCRITURA DEFINITIVA DE COMPRA E VENDA em favor de quem agora é o efetivo dono mas ainda não consta no Cartório como titular.
Sim, a regra aprendida ainda nos primeiros meses de trabalho em Cartório é verdadeira e tem base legal: só é dono quem registra. Essa regra (como já falamos aqui inclusive, admite exceções práticas - como a hipótese da aquisição de imóvel através da Usucapião - que se concretiza independentemente da chancela registral) mas é claro que enquanto não modificado o registro devemos reputar, em prestígio à FÉ PÚBLICA e aos demais princípios basilares do Registro Público, como DONO do imóvel apenas aquele em nome de quem o mesmo estiver constando no Cartório do RGI. A regra cristalina é do art. 1.245 do Código Reale, senão vejamos:
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2 o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel".
Mas efetivamente hoje em dia ainda seria necessário buscar o JUDICIÁRIO para resolver tal questão, especialmente se já temos um Inventário Extrajudicial encerrado, onde um Representante do Espólio com poderes de Inventariante já tenha sido nomeado?
A resposta está na RESOLUÇÃO 35/2007 do CNJ. A referida resolução veio em boa hora, nos idos de 2007 quando então todos os Cartórios Extrajudiciais do Brasil se encontravam agitados com a possibilidade da realização do Inventário Extrajudicial sem qualquer intervenção judicial, sendo que a Lei que deu base a tal possibilidade foi promulgada pelo então presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, subscrita pelo saudoso Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, ainda nos primeiros dias de Janeiro daquele ano. A referida Lei contou com apenas 5 artigos mas promoveu uma drástica mudança (favorável) de cenário na sempre complexa questão da solução de INVENTÁRIOS e PARTILHAS (e também Divórcios e Separações). A Resolução do CNJ foi e ainda é essencial para aparelhar a solução que fica a cargo dos Cartórios Extrajudiciais (principalmente os TABELIONATOS) com assistência obrigatória de ADVOGADOS.
A redação original do artigo 11 da Resolução 35/2007 já permitia expressamente ao interessado que fosse nomeado REPRESENTANTE DO ESPÓLIO, com poderes de inventariante, o cumprimento de OBRIGAÇÕES ATIVAS ou PASSIVAS PENDENTES do Espólio. Em 2022 com o advento da Resolução 452/2022 do CNJ a disposição foi aperfeiçoada com a inclusão de três novos parágrafos, litteris:
"Art. 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 617 do Código de Processo Civil.
§ 1º O meeiro e os herdeiros poderão, em escritura pública anterior à partilha ou à adjudicação, nomear inventariante.
§ 2º O inventariante nomeado nos termos do § 1º poderá representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à conclusão de negócios essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário.
§ 3º A nomeação de inventariante será considerada o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial".
Portanto, resta claro que não haverá necessidade de se buscar o Judiciário para concluir negócios pendentes deixados pelo falecido (como por exemplo a outorga de uma Escritura Definitiva oriunda de uma negociação embasada ou não numa Promessa de Compra e Venda). Bastará, havendo representante do Espólio nomeado em Inventário Extrajudicial, com poderes de inventariante, a lavratura da Escritura definitiva, sem qualquer necessidade de autorização judicial, inclusive.
O Conselho da Magistratura do TJSP em julgado já não tão recente porém plenamente válido reconheceu a desnecessidade de ALVARÁ JUDICIAL para a concretização por Representante do Espólio nomeado em Inventário Extrajudicial da Escritura Definitiva oriunda de obrigações pendentes deixadas por vendedor já falecido. Na ocasião ainda valia a redação anterior (mas já suficiente) do referido artigo 11 da Resolução 35/2007 do CNJ:
"TJSP. CSMSP. APELAÇÃO CÍVEL: 0000228-62.2014.8.26.0073. J. em: 03/03/2015. (...) REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL PROMETIDO À VENDA PELO FALECIDO - EXIGÊNCIA DE ALVARÁ JUDICIAL AUTORIZANDO A OUTORGA - DESNECESSIDADE, EM RAZÃO DA LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA EM QUE SE NOMEOU PESSOA COM PODERES DE INVENTARIANTE PARA CUMPRIR AS OBRIGAÇÕES PENDENTES DO DE CUJUS. (...) Precedentes. (...) 'A intenção do legislador, ao criar a figura do inventário extrajudicial, foi justamente facilitar e agilizar o procedimento de transferência do patrimônio em razão da morte. Todavia, caso o alvará seja exigido para a realização de qualquer ato por parte do representante do espólio escolhido consensualmente no momento da lavratura da escritura de inventário, o escopo de desburocratizar o procedimento não será alcançado (Processo nº 0011976-78.2012.8.26.0100)'. RECURSO PROVIDO".