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Análise sociológica sobre "Não dê esmolas" no contexto psicossocial

Agenda 05/07/2023 às 12:03

"Não dê esmola. Dê oportunidade". 

Em vários lugares do Brasil foram colocadas faixas e placas com intuito de "conscientizar" os cidadãos quanto ao ato caridoso de dar esmolas. O pensamento é:

"Dar esmola não resolve o problema de quem recebe esmola. Geralmente, a esmola serve para comprar drogas (lícitas, como bebidas alcoólicas, e/ou ilícitas, como maconha, crack etc.)."

Também possui:

"Dar esmola não dá condição econômica para, quem recebe, sair de sua condição, geralmente miserável, pois não dá para investir em algo."

Mais:

"Oportunidade. Tirar a pessoa, o "pedinte", das ruas, dar-lhe abrigo, alimentação, corte de cabelo, indumentária, curso profissionalizante e, principalmente, resgatar sua alta estima."

Até aqui, há apelos racionais e persuasivos para não dar esmolas.

SEM O VÉU DE ÍSIS

Quem leu "Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios" de George Orwell? Ser pobre, ou miserável se enquadra em tipos opostos de ideologias sobre miserabilidade. Ser miserável, pela eugenia negativa, é uma condição de fraqueza pessoal diante da própria natureza. Nada cai do céu. Até cai: chuva, granizo, fezes de pássaros, objetos trazidos por furacões, às vezes aviões por falha mecânica. 

Existe o darwinismo social. "Sobrevive os mais fortes".

Juntemos eugenia com darwinismo social. A solução é deixar os "incapacitados", os "fracos" inexistirem pelas suas próprias condições, de "inferioridade".

Drogas. O álcool é largamente usado no orbe. Reduz às funções cerebrais, compromete equilíbrio, percepção. A ingestão de bebida alcoólica é um dos maiores causadores de acidentes de trânsito terrestre no orbe terráqueo -- poderá ser em Marte, futuramente.

Homicídio, estupro, lesão cosporal, acidentes, de trânsito, de trabalho. Enfim, o álcool geralmente está presente. A culpa é do próprio usuário, assim pensam sobre autonomia da vontade. O álcool tem seus benefícios: estereliza; serve para produzir fogo e aquecer em dias de baixa temperatura.

Para quem "mora" mas vias públicas, o álcool, como a bebida alcoólica, serve para "esquecer da vida", "aquecer", que é mito, em dias de frio, "tirar" fome, pois dá ligeira "saciedade". Os mitos.

Não pensem que tais fatos acima são, exclusivamente, para os moradores de rua. Também servem para os não moradores de rua. As publicidades de bebidas alcoólicas seduzem por um "mundo de alegrias e oportunidades": fica fácil o homem sair com mulher, ou vice-versa; ajuda acalmar os tímidos; tem status positivo o tipo de bebida, pelo tipo de marca.

O cidadão que consome essa droga lícita é "bom cidadão", desde que não cometa infração penal. Se consumir e ter cirrose hepática, a culpa é do próprio usuário. Essa "Cosmovisão" é limítrofe. Profissionais como advogados, na área consumerista, sabem muito bem sobre persuasões nas publicidades. No CDC, por exemplo, é garantido o direito de devolução, até o sétimo dia do recebimento do produto, comprado fora do estabelecimento físico. Esse direito é do consumidor. Por quê? Primeiro. Imagens e vídeos podem sofrer manipulações, tratamentos para as cores ficarem frias, quentes, destacar um tipo de cor etc. O ângulo também influencia na perspectiva de quem observa. O som de fundo, as associações do produto com outras imagens ao fundo.

Ao chegar, o produto não é, realmente, o que foi ofertado pelo fornecedor. Pode existir o "comprar por impulso"? Sim. O consumidor pode comprar por impulso. Também pode comprar por impulso numa loja física? Positivo. Então, por que na comprar, por exemplo, on-line, mesmo se comprado por impulso pode o consumidor devolver até o sétimo dia?

Televisão, smartphone, tablet. O consumidor assiste algum vídeo, filme. Há publicidades rápidas com promoções, geralmente "Até acabar nossos estoques", ou seja, compre logo ou não comprará mais. Cores, algum artista, imagens associativas com o produto que ser quer vender. Alguém já presenciou publicidade de carro 0km, bem caro, em comunidades carentes do Brasil? Esquecemos, por alguns breves minutos, os milicianos e narcotraficantes. Não há tais publicidades. E seria antiético. Geralmente, é a realidade brasileira, milhões dependem, para sobreviverem, do assistencialismo, muito benéfico, do Estado. Seria, comparativamente, publicidade, em logradouro público, de bebida alcoólica em frente de colégio, num velório, ou em frente de família morador de rua, sem agasalhos apropriados para o inverno, enquanto os atores da publicidade riem de suas condições: a felicidade deles. Mas a felicidade também de quem se encontra na mesma situação. Pode parecer esdrúxulo por parte deste articulista, contudo, nos anos de 1950, publicidades de cigarros de tabaco tinham crianças, mulheres com "leves tapas nas suas nádegas". Logo, o momento psicossocial permite ou não o tipo de publicidade a ser divulgada. Desse momento psicossocial, o Direito e suas ideologias sobre dignidade humana, e quem é "digno".

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Não dê esmolas. Ocorre que há uma ideia utilitarista para o capitalismo. Quem pode esmola não produz nada de útil para a coletividade, assim está implícito na frase "Não dê esmolas".

Por exemplo. Uma pessoa com indumentária, não parecida com indumentária de "mendigo" -- necessito deste termo para compreensão dos leitores --, numa galeria, num shopping, jamais será importunada pelos vigias, lojistas ou seguranças. O tipo de indumentária -- pelo menos limpa, ou marca conceituada e diferenciados de classe social --, querendo ou não, representa o papel social do indivíduo na sociedade.

Uma pessoa com indumentária, não parecida com indumentária de "mendigo", independente de ser ou não possível consumidor (a), poderá ser consumidor (a). Outra pessoa, com "indumentária de mendigo", jamais terá condição de consumir os produtos ofertados pelos fornecedores. Está no inconsciente coletivo.

Pela Constituição Federal de 1988, por exemplo, um mendigo poderá transitar dentro de shopping, galerias. Poderá sentar numa das cadeiras na praça de alimentação, mesmo que seja para beber água que está no copo em sua mão. O shopping e os consumidores, ou pessoas com indumentárias não de mendigo, não podem impedir o trânsito, andar, sentar, no interior do shopping. Pode o mendigo entrar nas lojas para ver indumentárias que precisa, ainda que não tenha nada no bolso. Proibi-lo, também deve-se proibir os "durões", sem "nenhum tostão" nos bolsos, desde cédula, moeda, cartões etc., com indumentárias de "não mendigo". É o princípio da isonomia.

Depreende-se. A dignidade da pessoa humana está condicionada ao capital, ou seja, com a conformidade do utilitarismo no capitalismo. Só é útil quem deve ser útil para gerar consumo. E quem não gera consumo, através da força de trabalho individual, não tem utilidade. Assim, quem recebe esmola, e não trabalha, somente fica deitado nas calçadas, não gera consumo. O consumo é o consumir, o produzir; é toda cadeia de produção, distribuição etc.

Ninguém é obrigado a ter nenhum documento de identificação pessoal para transitar, a pé, nas vias públicas. As polícias têm outros meios para ter a identificação da pessoa abordada. Princípio da isonomia. Já o tratamento, e há várias vídeos e matérias jornalísticas sobre abordagens polícias, para os abordados: depende do lugar, da aparência física, da indumentária. 

Por exemplo. Dois policiais e um motofrentista. Um dos policiais rasgou o documento de habilitação do motofrentista. Ainda que o motofrentista tivesse cometido infração de trânsito, agente público deve também ter "urbanidade" e, mais ainda, controle emocional e respeito pelo Estado de Direito. Não se trata de "dar flores" para "bandido de fuzil", como foi e ainda é propalado. Razoabilidade e proporcionalidade diante de cada caso concreto. Bom. Ausência de "urbanidade" é gravíssimo problema social, independentemente de classe social, da condição socioeconômica, funcionário público ou não.

"Tornar-se e ser útil" e "não dê esmolas" não é o bem-estar da pessoa, como um "fim e si mesmo"; é ser algo para servir de utilidade para os outros. Pode parecer uma "virtude do coletivismo", não é. É ser um meio para um fim, a felicidade geral, desde o momento que venha a não onerar os outros.

No caso da pandemia e medidas sanitárias de 2020. A "virtude do coletivismo", para obedecer às medidas sanitárias, não é também ter utilidade para os outros e não "ser um fim em si mesmo"?

No caso anterior, é não fazer mal aos outros, pois a individualidade não pode acarretar prejuízos para outras pessoas, não há possibilidade de se invocar autonomia da vontade. Quanto aos motivos de "não dê esmolas", a intenção não é, primordialmente, garantir a dignidade do miserável, mas fazer que não seja "estorvo social".

Já li:

"Cracudos (usuários de "crack") fazem barulhos. Pago os meus impostos. Sou trabalhador. Tenho os meus direitos."

Ocorre que tal uso do direito (ART. 5º, II, da CRFB de 1988 ) também atrai deveres e responsabilidades (ART. 5º, II, da CRFB de 1988 ).

A pessoa que reclama pode ser a mesma que compra ou aluga imóvel para exercer atividade lucrativa. Som alto, além do permito (ART. 5º, II, da CRFB de 1988 ), tanto durante o amanhecer, o entardecer e também à noite e durante a madrugada, não há possibilidade de se pensar "Exceto das 22h às 7h, posso aumentar quantos decibeis quero". É o Estado de Direito. Quando abordada por agentes de fiscalização, o berro "Não sou bandido". Pior é achar que os agentes são "cruéis".

Pior fica quando acende churrasqueira bem perto do muro comum entre proprietários. A fumaça entra na residência do "vizinho encrenqueiro". A função social da propriedade é o uso correto da propriedade, conforme costumes locais e legislações. Costumes não estão "acima da lei".

"Todo mundo escuta som altíssimo, mesmo com lei proibindo. Também tenho "meu direito" de ouvir como quero e quando quero". Não é bem assim.

Se a fumaça é tal que força o outro vizinho, atingido, fechar janelas e portas, e mesmo assim parece que o vizinho está pertíssimo do foco da fumaça, o prejudicado pode invocar o "bom uso da propriedade" (função social da propriedade). Outra. Se há fumaça também há fogo. Pode cair no terreno do vizinho fagulhas e causar incêndio. No terreno atingido há gramado, lona plástica etc.

Não confundir "respeito pela dignidade alheia" com "instrumentalizar dignidade alheia".

 Antes de se pensar em "ajudar" quem necessita de ajuda, a necessidade de prevenção. Movimentos antivacinas criam problemas e terão, futuramente, serem resolvidos. Publicidades envolvendo bebidas alcoólicas como meio para felicidade, conquistar mulheres ou homens para relacionamentos, criam distorções sobre a realidade sobre o consumo, social ou não, de bebida alcoólica. O mesmo para publicidades sobre cigarro de tabaco, ou qualquer outra droga cujas publicidades venham a transmitir sensações, criar comportamentos idealizados fora da realidade da saúde mental e física. O próprio CDC proíbe aos fornecedores de colocarem no mercado substâncias e alimentos que possam acarretar malefícios aos consumidores. Além disso, deve ter informação clara sobre o uso de produtos por parte dos consumidores.

O álcool usado para limpar não deve ser consumidor. Deve constar informações sobre o uso correto, o armazenamento, como proceder em caso de ingestão acidental. 

Uma faca tem o risco inerente: corta. Mas caso a lâmina caia no pé, por defeito no cabo, a má qualidade do produto.

Encerro. Claramente vimos que a vida em sociedade não é tão fácil, muito menos dificílima. Basta querer encontrar soluções. Contudo, soluções não unicamente para alguns, ou mesmo para todos, de forma que todos tenham suas dignidades instrumentalizadas.

O "contrato social" não é perfeito, com também não é a espécie humana. Mudanças, significativas, ocorreram na sociedade brasileira, desde a promulgação da CRFB de 1988. Não há possibilidade de se falar, em sua totalidade, "No meu tempo a vida era melhor". Cada momento história da espécie humana teve seus espinhos e pétalas. E dependeu da localização, das circunstâncias da pessoa. Tirado o "Véu da Ignorância", como dizia John Rawls, a sociedade justa, pela justiça social, é a que respeita e defende os direitos individuais contra qualquer tipo de utilitarismo. Cada qual deve possuir sua individualidade, jamais ser individualista aos problemas sociais.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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