Tem-se assente entre a melhor doutrina que o sistema de provas no direito processual penal abarca três vertentes, quais sejam, o da íntima convicção, o da prova tarifada e o do livre convencimento motivado. Todos caminhando como um desenvolvimento do anterior em busca de um processo mais justo e condizente com a realidade dos fatos apresentados em juízo.
Sendo a prova e o meio de prova importante elemento processual para que seja demonstrada e contada a história de fatos ocorridos no passado. Dentre todos os meios de prova, por muito tempo foi dado maior enfoque à confissão, não sem razão, pois é natural compreender-se que havendo manifestação expressa do indivíduo quanto ser dele à autoria dos fatos não haveria que ser mais questionado, restando apenas aplicar-lhe a pena.
Entretanto não cabe ao direito buscar apenas aquilo que ao homem médio lhe parece razoável, mas sim investigar profundamente o que lhe foi posto chegando o mais próximo da verdade dos fatos. Nesse sentido não existe prova maior que outra, sim, existem aquelas que são indispensáveis a depender da natureza do delito, mas uma não tem maior peso que outras. Nos detenhamos na confissão.
Em busca de parâmetros para que confissão seja a mais confiável possível, doutrina e jurisprudência discorrem sobre os requisitos que ela deve apresentar. Como bem ensina o Promotor de Justiça do Rio Grande do Norte Armando Lúcio Ribeiro e sua filha, Amanda Cristina Bezerra Ribeiro, em obra conjunta, qual seja, Anotações de Processo Penal (2022, p. 256), são requisitos à confissão, “intrínsecos: verossimilhança, certeza, clareza, persistência e coincidência; formais: ela deve ser pessoal, expressa, feita perante juiz competente, livre e espontânea e ter o confidente saúde mental”.
Como a confissão trata da manifestação de vontade do infrator levar ao conhecimento do estado o cometimento do delito, esta deve ser livre e espontânea, como bem apontado anteriormente. De modo a envolver tema delicado, mas extremamente importante para um processo justo, que é a tortura nos momentos de abordagem ou interrogatório policial. Não façamos vista grossa, os casos são recorrentes e por vezes, da maior gravidade.
Dentre os diversos tipos de tortura, a lei n° 9.455 de 1997 (lei de tortura) traz em seu artigo 1°, inciso I, alínea “a”, que constitui crime de tortura “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”. Ficando claro que existe aí crime autônomo, isto é, tortura, e a produção de prova ou elemento de informação eivado de vício.
A tortura ocorrida com intuito de obter confissão é facilmente encontrada no dia a dia dos expedientes policiais, realidade triste, mas real. Identificada como meio para obter seja elementos de informação que leve a novos fatos perquiridos pelas autoridades policiais, ou mesmo uma suposta confissão quanto a autoria de determinado delito. Que no último caso, e à primeira vista, é causa de ilegalidade do ato.
Isto porque tanto há vício na vontade de confessar, retirando, portanto, a autonomia do indivíduo, bem como ocorreu a violação de fundamento estabelecido pela CF/88 (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), em seu artigo primeiro, inciso terceiro, qual seja, a dignidade da pessoa humana, expressa no âmbito físico e mental. Passando a confissão a ser ilícita, por violar norma instituída na constituição.
Tendo de ser desentranhada de eventual processo, ou ainda ser causa de nulidade de todos os atos que dela decorreram. Pois, como bem aventado pelo art. 5°, inc. LVI, da CF/88, “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito”. Devendo cada caso ser analisado em concreto, identificado os elementos configuradores da tortura e a aplicabilidade de causas de nulidade da confissão ou mesmo do processo por inteiro.
Mas não só, estando atento ao triste cenário vivenciado no sistema penal brasileiro, é dever do juiz ter consciência dos excessos cometidos para a obtenção de depoimentos por parte do considerado criminoso e seguir o disposto no artigo 197 do Código de Processo Penal, ao afirmar que,
“O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.”
Isto porque a confissão por si só poderá estar maculada por diversos fatores, como por exemplo a própria tortura, o sentimento de dever em acobertar o verdadeiro autor dos fatos e outros que somente o caso concreto poderá apresentar. Sendo certo que é dever do sistema judiciário encontrar os reais autores do fato e puni-los conforme os regramentos da lei, e tão somente.
Nesse sentido, é da maior importância a contratação de um advogado criminalista qualificado e com firmeza de atuação, para ser encontrada a melhor estratégia para o seu processo. Bem como o desenvolvimento de parcerias para a produção de pareceres, em uma verdadeira advocacia colaborativa, tão essencial no meio advocatício.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/tortura-e-confissao