Por Alziro da Motta Santos Filho*
A união estável é legal e constitucionalmente reconhecida no Brasil, desde que seja com o objetivo de constituir família, por meio de uma convivência pública, contínua e duradoura. Do ponto de vista patrimonial, o art. 1.725 do Código Civil estabelece que o seu regime de bens é o da comunhão parcial, aquele em que se partilham entre o casal, os bens adquiridos enquanto perdurar o relacionamento. Porém, as partes podem escolher por outra forma de divisão de seus bens, tais como, separação total, comunhão universal, ou ainda, algo híbrido, como por exemplo: comungarem de certos bens e separarem outros.
A união estável pode ser formalizada por instrumento particular ou por escritura pública, mas ela existe independente disso, podendo ser provada por todas as formas admitidas. Ocorre que, se as partes nada dizem, o regime de bens será o da comunhão parcial. Se quiserem escolher outra forma de participação dos bens em caso de separação ou falecimento de um deles, é necessário formalizar.
Porém, a dinâmica da formação de união estável pode trazer consequências distintas das pretendidas pelas partes. Naturalmente, esses relacionamentos não começam com uma data ou com uma escritura. As relações acontecem gradualmente, e quando se vê, já estão há algum tempo preenchendo os requisitos e vivendo numa união estável. Portanto, não se sabe ao certo quando começou a união estável, até porque um de seus requisitos é o da convivência duradoura. Ocorre que quando se configura o preenchimento desse requisito, a união estável já está em curso. Geralmente, nessa fase e, muitas vezes, com uma família constituída, as partes decidem formalizar a união. É nesse momento que surge o assunto do regime de bens.
Até aqui, tudo bem. No entanto, se o casal escolher um regime de bens diferente do legal, como o da separação total, saibam que dito instrumento só valerá a partir da sua assinatura, não fazendo efeito para os anos que o antecederam, mesmo que as partes assim concordem no momento da lavratura.
Desde 2019, o Supremo Tribunal Judiciário (STJ) tem entendimento firme de que a formalização da união estável, com previsão de regime de bens diferente do legal, só valerá para os bens adquiridos pelas partes depois da escritura ou contrato, e não antes, mesmo que diga expressamente o contrário. Embasa seu entendimento no fato de que seria uma alteração de regime de bens no curso do relacionamento, valendo somente a partir da sua formalização, tal qual ocorre na alteração de regime de bens de um casamento.
Portanto, as partes que compõem uma união estável devem estar cientes de que, a partir do momento em que ela se configura, o regime de bens será o de comunhão parcial, e ele prevalecerá até que haja uma escritura ou contrato firmado entre as partes estabelecendo algo diferente disso. A partir desta data, passará a valer o novo regime. Exemplo: um casal que se uniu em 2005, formalizou a relação em 2015 e estabeleceu o regime de separação de bens, e separou-se em 2023, fará a seguinte partilha: de 2005 a 2015, o que adquiriram será dividido igualmente entre eles, e a partir de 2015, cada um fica com o bem que está em seu nome, mesmo que tenham previsto que a separação total de bens retroagiria ao início do relacionamento - 2005.
Há apenas uma situação em que a retroatividade é permitida: quando as partes decidem pela comunhão universal, ressalvando direitos de terceiros eventualmente interessados. Neste caso, a 4ª. Turma do STJ deu provimento a um recurso especial para autorizar um casal a mudar o regime de separação total para comunhão universal. E a retroatividade, nesse caso, é consequência natural, já que não haveria comunhão universal se fosse limitada no tempo.
Portanto, o STJ entende que tanto na união estável como no casamento, pode ser alterado o regime de bens. Porém, tal mudança só vale a partir dessa alteração. No caso da união estável, ela se inicia sempre pela comunhão parcial, e qualquer formalização diferente do regime legal, prevalecerá a partir de tal data, considerando a exceção acima.
*Alziro da Motta Santos Filho- OAB/PR- 23.217- Sócio fundador do escritório Motta Santos & Vicentini Advocacia Empresarial