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É verdade que o Código de Normas do Rio de Janeiro permite a venda de imóveis sem a outorga uxória quando necessária?

Agenda 08/08/2023 às 16:03

OUTORGA UXÓRIA ou MARITAL é a autorização que deve ser dada por um cônjuge ao outro para a realização/perfectibilização de algum ato definido em Lei. No Código Civil, por exemplo, temos o rol de atos que exigem a "outorga" no artigo 1.647, senão vejamos:

"Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da SEPARAÇÃO ABSOLUTA:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação".

O artigo 1.648 do CCB prevê solução (suprimento judicial) para os casos onde, mesmo quando necessária a autorização, um dos cônjuges sem motivo a denegue ou lhe seja impossível concedê-la. Um caso interessante (e bastante comum) diz respeito à VENDA DE IMÓVEIS. Sendo o casamento celebrado ou não pelo regime da comunhão de bens a outorga será necessária, salvo no caso do regime da SEPARAÇÃO ABSOLUTA (que não se confunde com a SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA do artigo 1.641, recordemos) como reza o referido art. 1.647 em seu caput - todavia, não podemos esquecer que o CCB/2002 deixa claro com o teor do artigo 1.649 que a ausência de outorga uxória ou marital não suprida pelo Juiz (na forma do art. 1.648) torna o ato ANULÁVEL e não NULO (como podia parecer no CCB/1916).

Até então, mesmo vigentes as regras do Código Civil desde 2003, certamente o "interessado" nesse tipo de transação poderia encontrar problemas ao tentar lavrar (e principalmente registrar) ESCRITURAS DE COMPRA E VENDA mesmo casado em regime de comunhão de bens sem a participação do cônjuge (a mulher, muitas vezes, sabemos). Aqui temos um bom exemplo de ATO ANULÁVEL que - como aponta a melhor doutrina e a melhor jurisprudência especializadas - não pode ser recusado nem pelo Tabelionato de Notas nem pelo Registro Público (de imóveis, por exemplo). Ora, o ato anulável convalesce, diferentemente do nulo, como é lição do artigo 169 do mesmo CCB.

O Novo Código de Normas (Provimento CGJ/RJ 87/2022) deixa claro sobre a [perigosa] possibilidade da VENDA DE IMÓVEIS mesmo sem o conhecimento/autorização do cônjuge, englobando aí tanto a LAVRATURA da Escritura de Compra e Venda quanto o seu REGISTRO:

"Art. 329. Para a alienação ou oneração de direitos reais sobre bens imóveis, a AUSÊNCIA DE OUTORGA ou anuência de qualquer natureza, inclusive marital ou uxória, nas hipóteses em que é necessária, NÃO IMPEDE a lavratura e o registro do ato, desde que a circunstância seja nele expressamente mencionada e os interessados se declarem inequivocamente cientes do risco de anulação do negócio jurídico".

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POR FIM, é importante destacar que o prazo decadencial cravado pelo Código Civil é de até DOIS ANOS depois de terminada a sociedade conjugal (ou seja, contados do divórcio, da separação o da morte do cônjuge). Como aponta a acertada jurisprudência do TJSC, exaurido tal prazo já não pode ser anulada a compra e venda feita sem o consentimento do cônjuge (muitas vezes lesado, como mostra a experiência):

"TJSC. Processo 0303494-46.2014.8.24.0038. J. em: 14/09/2017. APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. SENTENÇA QUE RECONHECEU A DECADÊNCIA E EXTINGUIU O PROCESSO NOS TERMOS DO ART. 269, I, DO CPC/73. INCONFORMISMO DO ESPÓLIO DEMANDANTE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CELEBRADA MEDIANTE PROCURAÇÃO IN REM SUAM. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. PRAZO DECADENCIAL DE DOIS ANOS. DEFENDIDA A CONTAGEM A PARTIR DA DATA EM QUE O AUTOR TOMOU CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DO IMÓVEL. TESE REFUTADA. LAPSO DECANDENCIAL CONTADO DESDE A DATA DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL (ÓBITO DO VARÃO). EXEGESE DO ART. 1.649 DO CÓDIGO CIVIL. PROPOSITURA DA AÇÃO QUE ULTRAPASSA O BIÊNIO LEGAL. DECADÊNCIA CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A despeito da imposição inscrita no art. 1.647, inc. I, do Código Civil, atinente à anuência do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta, para que o respectivo consorte possa alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis, a ausência de tal providência não impede que o negócio convalesça se, no biênio que transcorrer a partir do término da sociedade conjugal, seja por morte, separação judicial ou divórcio, aquele que tinha que conceder a vênia conjugal não ingressar com a respectiva ação de anulação do ato jurídico (art. 1.649 do CC)".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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