À luz da Constituição Federal de 1988, (CF/88), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem instituir e arrecadar seus próprios tributos, sendo vedado emenda constitucional tendente a reduzir a autonomia política de uns em relação aos outros. Por óbvio que, mediante consenso legal, todos poderão optar pela arrecadação centralizada, assegurando-se, assim, a plena observância da repartição constitucional de competência tributária para institui-los, portanto, sem necessidade de remodelar a Lei mais importante do Brasil para esse fim; cite-se, como exemplo, o regime único de arrecadação de tributos criados por entes tributantes distintos, o Simples Nacional.2
Acrescente-se que a tributação simples, eficiente e justa, que não seja obstáculo imposto pelo próprio Estado ao crescimento econômico da nação, pressupõe a correlata disciplina normativa no plano infraconstitucional, a qual, vale gizar, passa pelo crivo dos nossos parlamentares em cada uma das quatro esferas de governo, acima referidas. Assim, sem se esgueirar desta via que se supõe democrática, poder-se-á implementar infraestrutura básica por todo o território brasileiro - como ferrovias, saneamento e educação de qualidade -, sob o qual expandir-se-ão as raízes de uma sociedade livre, justa e solidária.3
Diante disso, qual seria, de fato, a finalidade de se modificar a Lei das leis? Pretende-se ampliar ainda mais a natureza centrífuga da nossa federação4 com a proporcional dependência, ou seja, diminuição da autonomia política dos Estados, Distrito Federal e Municípios? Se houver a “unificação de impostos sobre o consumo” no âmbito federal, em que termos haverá, para fins de preservação da atual representatividade democrática, a atuação da União em conjunto com os representantes estaduais e municipais, cuja autonomia “política” (possibilidade de criar seus impostos por meio de suas próprias leis) tenha sido reduzida? E no tocante à “destinação”, pode-se deduzir que, com a implementação desta “reforma constitucional”, ter-se-á um considerável aumento da arrecadação de tributos que, a despeito de eventual prejuízo ao crescimento econômico da nação, possibilitará, a depender da política governamental prevalecente, o aumento da estatização e dos respectivos gastos?5 Em qualquer hipótese, os fins justificariam os meios? Se sim, estaríamos ainda mais próximos de um legítimo Estado Democrático de Direito?6
Sem revolver maiores questionamentos intrinsicamente ligados ao tema, vejamos primeiro a proposta de reforma da Lei Maior submetida à apreciação do Congresso Nacional – ao que parece, resultante das modificações que estão sendo feitas pelos parlamentares no texto original dos projetos de emenda constitucional, PECs n. 45 e 110, de 2019. A esse respeito, cumpre ter em conta que o mais recente texto da PEC n. 45/19, pendente de apreciação pelo Senado,7 fora aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, na madrugada do dia 7.6.2023, sexta-feira, por 382 votos a 118, no primeiro turno de votação e, logo em seguida, por 375 votos a 113, no “segundo turno”.8 Até o momento, a principal inovação9 consiste em ampliar – e não apenas centralizar na União -, a competência para tributar o consumo.
Vale lembrar que esta competência, atualmente, encontra-se repartida entre a União (PIS, PIS-Importação, COFINS, COFINS-Importação, IPI e IPI-Importação), os Estados (ICMS), o Distrito Federal (ICMS e ISS) e os Municípios (ISS). Nesses termos, observando-se o respectivo campo constitucional de competência tributária, tributos podem ser instituídos pela União (mediante lei federal aprovada Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República), pelos Estados e Distrito Federal (mediante lei aprovada pela Assembleia parlamentar e sancionada pelo respectivo Governador) e pelos Municípios (mediante lei municipal aprovada pela Câmara dos Vereadores e sancionada pelo Prefeito).
Com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da proposta de reforma tributária em apreço, a competência para tributar o consumo, todavia, pertencerá apenas à União e, a rigor, poderá ser bem mais ampla, de modo a alcançar um maior número de contribuintes. Vejamos, pois, os tributos que, em tese, também estarão compreendidos nas novas siglas: mediante lei complementar da União, poderá ser instituído o (i) Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), para englobar o ICMS e o ISS e a (ii) Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) para substituir o PIS, o PIS-Importação, a COFINS e a COFINS-Importação; mediante lei ordinária federal, o imposto seletivo (IS) sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarro e agrotóxico, com finalidade essencialmente extrafiscal, isto é, de intervenção na esfera privada para fins não meramente arrecadatórios.
Exemplifiquemos. Se se alterar o texto constitucional para unificar a competência para instituir tributos sobre o consumo, poderá a União “instituir” o IBS – cujo fato gerador compreenderá, em tese, qualquer operação envolvendo bens, serviços e direitos, bem como todas as utilidades destinadas ao consumo – de modo que sua base econômica tende a ser bem mais ampla que aquela que se encontra atualmente repartida entre todos os entes os Estados-membros e Municípios. Frise-se que, na tributação do consumo, quem abastece os cofres públicos é sempre o consumidor final - rico ou pobre -, razão pela qual é denominado “contribuinte de fato”.10 Em tese, o IBS terá as seguintes características:11
caráter nacional, com alíquota formada pela soma das alíquotas federal, estaduais e municipais; Estados e Municípios determinam suas alíquotas por lei.
incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo.
será cobrado em todas as etapas de produção e comercialização.
será não-cumulativo.
contará com mecanismo para devolução dos créditos acumulados pelos exportadores.
será assegurado crédito instantâneo ao imposto pago na aquisição de bens de capital.
incidirá em qualquer operação de importação (para consumo final ou como insumo).
nas operações interestaduais e intermunicipais, pertencerá ao Estado e ao Município de destino.
Acredita-se que a “apuração e arrecadação” do IBS, criado pela União, caberá aos Estados e Distrito Federal. Cogita-se, ainda, assegurar aos referidos entes, no tocante à receita proveniente da arrecadação do IBS (federal), a mesma porcentagem do atual repasse constitucional da receita estadual do ICMS para os Municípios (inc. IV, do art. 158) - de 25%, do montante arrecadado -, porém, com percentuais diferentes, a partir de determinados critérios, por exemplo:12
85%, do montante, no mínimo, proporcionalmente à “população”;
10%, desse montante com base em “indicadores de melhoria” nos resultados de aprendizagem e aumento da equidade, segundo “lei estadual”; e
5%, em montantes iguais para todos os Municípios do Estado.
Em decorrência da ampliação e centralização do poder político da União para tributar esta nova base econômica – cujos possíveis fatos geradores ainda não foram delimitados -, caberá à lei federal criar o “Conselho Federativo” (CF) de gestão do IBS - integrado por representantes dos Estados, Distrito Federal (um para cada Estado e o Distrito Federal) e outros 27 membros que representariam o total de 5.568 Municípios -,13 com a atribuição de editar normas infralegais, em conformidade com a legislação hierarquicamente superior e, de igual modo, uniformizar a interpretação e a aplicação da respectiva legislação referente ao IBS, a ser observada por todos os entes que o integrarem. Referido Conselho disciplinará, no plano infralegal, a arrecadação desse imposto federal, coordenará a atuação integrada na fiscalização e suas decisões serão tomadas por uma instância máxima de deliberação.14
Em breve síntese, este peculiar Conselho Federativo será uma entidade pública federal com regime especial, independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, com a função de realizar a administração compartilhada da receita proveniente da arrecadação do IBS, nos termos a serem estabelecidos pela legislação federal infraconstitucional.15 Saliente-se que o “total” da arrecadação do IBS, em 2026, será “destinado”, em consonância com a legislação referida, ao financiamento da “estrutura” do Conselho Federativo e, eventual excedente, ao fundo de compensação dos “incentivos” do ICMS.16
Com base neste breve relato, poder-se-ia deduzir que a proposta de reforma tributária em apreço tende a modificar a redação original da CF/88, com o objetivo de ampliar o poder político da União para criar tributos que hoje pertencem aos Estados, Distrito Federal e Municípios? Sim, sob a louvável intenção de simplificar e tornar mais eficiente a tributação no Brasil.17 E mais. A nova base econômica poderá compreender, sob um conceito amplo, a noção de bem, mercadoria e serviço, de modo que o IBS poderá incidir em qualquer operação que o tenha por objeto, seja no plano físico ou virtual. Aliás, uma das razões da urgência na aprovação da PEC45/19, é permitir a tributação do consumo sob as novas bases da economia digital, o que, sem dúvida, implicará um considerável aumento da arrecadação.18 A propósito, estipula-se uma receita extra de R$ 172 bilhões de reais, com reflexo nas estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB),19 assim como da inflação, do desemprego e da pobreza, consoante critérios adotados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),20 razão pela qual a aprovação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, que estipula em R$ 486,1 bilhões de reais os incentivos ficais para o próximo ano,21 está sob a dependência da aprovação deste novo Marco Fiscal,22 o qual estabelece um piso para o crescimento do gasto público maior do que a inflação e, cujo êxito, ademais, pressupõe o crescimento econômico do País.23
Neste passo, convém retornar à pergunta que não quer calar: se a possibilidade de criar, aumentar, reduzir e extinguir tributos unificados depender apenas da legislação federal a ser aprovada pelo Congresso Nacional, haverá prejuízo para a representatividade democrática nas esferas estadual, distrital e municipal? Como os representantes desses entes, que hoje gozam de um pouco mais de autonomia política, poderão, por exemplo, propor e aprovar mudança no atual modelo constitucional da Zona Franca de Manaus? Qual será o fato gerador constitucionalmente possível dos novos tributos federais? Haverá uma nova repartição constitucional de receita tributária? Como será o processo de transição entre os entes federativos? e para os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas? como será o mecanismo de compensação? A reforma do texto constitucional visa, preponderantemente, a fortalecer o poder de tributar da União, a ser exercido nos termos da vindoura legislação infraconstitucional, ou seja, do subsequente “arcabouço fiscal”? A resposta a essas indagações virá tão-somente com a aprovação da emenda constitucional? Neste caso, só resta aguardar a definição final do texto que resultará da sua promulgação pelo Congresso Nacional?
Tornando ao nosso rumo, a complexidade do vigente “arcabouço fiscal”, a rigor, não é causada pela lei constitucional (CF/88), mas pela legislação infraconstitucional (federal, estadual, distrital e municipal), especialmente porque, apenas para ilustrar, a atuação do funcionário público, sob pena de responsabilidade funcional, há de ser pautada em lei. Ocorre que, com os avanços da tecnologia e, independentemente de ser centralizada ou não a arrecadação no âmbito federal, será cada vez menos necessária a participação humana para a fiscalização e arrecadação de tributos.
Sob essa perspectiva, a opção de investir o dinheiro público na nova tecnologia digital, para fins arrecadatórios, ensejaria, por si só, uma considerável redução de despesas com funcionalismo público e, consequentemente, nos termos da lei (mediante consenso de nossos parlamentares), a diminuição da carga tributária, sem necessidade de reformar a CF/88. Em poucas palavras, a opção por um sistema simples ou complexo – que preserve a autonomia política dos Estados, Distrito Federal e Municípios – deveria resultar, em tese, de uma decisão política, de cunho infraconstitucional e, não, da reforma do texto original da vigente Carta Magna, que já traça diretrizes suficientes para que esse fim possa ser alcançado, mediante a exemplar atuação de nossos representantes. Se fosse fácil, todavia, legislar e gerir a coisa pública condignamente, a maioria dos países que se considera sob o regime democrático de direito teria um sistema tributário simples, eficiente e justo, não o contrário, como sói acontecer.
Relegando-se a um segundo plano este obstáculo, acredita-se que, por meio da imediata aprovação deste novo Marco Fiscal, reduzir-se-á consideravelmente os tradicionais conflitos de competência tributária, além de viabilizar, sem maiores restrições, a tributação das novas bases da economia digital. Cite-se, para exemplificar, o “sapato”.24 Como mercadoria, sua circulação pode ser tributada pelos Estados e Distrito Federal, a título de ICMS (inc. II, do art. 155, da CF/88); atualmente, porém, é possível “dar um download” num projeto de sapato e imprimi-lo na própria impressora 3D; neste caso, configuraria algum serviço tributável pelo ISS, imposto municipal (inc. III, do art. 156, da CF/88)? Se sim, por que os Munícipios e Distrito Federal estariam dispostos a renunciar o poder de tributar esta fonte de arrecadação que a vigente CF/88, lhes garante expressamente? Se não, a União poderia exigir IPI, observando-se o princípio constitucional da seletividade ou, então, fazer uso de sua competência impositiva residual, em benefício dos Estados e do Distrito Federal (inc. I, do art. 154, c/c inc. II, do ar. 157, da CF/88)? Enfim, se aprovada a PEC n. 45/19, essas questões poderão ser pacificadas pela subsequente legislação infraconstitucional? Caberá ao Poder Judiciário a responsabilidade de dar a palavra final em questões que pressupõem o poder de legislar?
Frise-se, sob o Estado Democrático de Direito e, sob o manto da segurança jurídica, a “eliminação de distorções” no sistema tributário “para possibilitar uma melhor organização da atividade econômica” deve resultar do consenso de nossos representantes parlamentares. Apenas para ilustrar, a vigente Constituição Federal consagra expressamente o princípio da não-cumulatividade como diretriz interpretativa da tributação do consumo, cuja eventual inobservância pela legislação infraconstitucional contribuirá para agravar o problema da crescente oneração de investimentos e exportações que tanto prejudicam o crescimento da economia brasileira. Sob esse prisma, em vez de reformar o texto original da CF/88, melhor seria zelar para que o princípio constitucional da não-cumulatividade pudesse, no plano infraconstitucional, ser observado e aplicado sistematicamente, de modo a reduzir custos do setor produtivo e empresarial, assim como os preços para o consumo final, em benefício do “contribuinte de fato”. Nada obstante, como nos mostra a realidade, a legislação infraconstitucional, sob a influência de diversos fatores, cuida, sem uma diretriz sistêmica, de inúmeros casos pontuais, em todas as áreas, tornando-se cada vez mais complexa, na vã tentativa de conciliar interesses específicos da esfera privada com interesses arrecadatórios de cada pessoa política de direito público.
Não se pode perder de vista ainda, o caráter meramente instrumental do Estado de Direito brasileiro, cuja legitimidade advém da sua capacidade de garantir a livre manifestação da soberania popular, sob as bases de uma tributação simples, eficiente e justa. Nessa esteira, o Brasil é uma República Federativa, cuja organização político-administrativa compreende, atualmente, a União, o Distrito Federal, 26 Estados federados e 5.568 Municípios, cuja estrutura e funcionamento é custeada, em grande parte, por meio da tributação, a qual, vale gizar, incide em todas as bases econômicas possíveis – p. ex., patrimônio, renda e serviço. Saliente-se, por oportuno, que a tributação incide na exploração econômica das riquezas naturais das terras brasileiras, muitas das quais, por opção dos Poderes Constituintes, originário e derivado, ainda estão sob “monopólio estatal”, com a finalidade, no entender da Suprema Corte, de instrumentalizar a atuação do Estado na economia “privada”, cujas regras do jogo, assim como os resultados, são estabelecidos a partir deste monopólio; cite-se, por exemplo, a atividade de exploração do petróleo, do gás natural e de outros hidrocarbonetos fluídos (art. 177, da CF/88).25
É importante ter em conta que, independentemente de se modificar a CF/88, a decisão de tributar ricos e pobres, patrões e empregados (todos, frise-se, “contribuintes de fato”), é reservada aos nossos representantes democraticamente eleitos, pois a criação, aumento, diminuição e extinção de tributos depende da aprovação parlamentar do projeto de lei proposto para esse fim e da sanção do respectivo governante. Em linhas gerais, impende considerar que, para beneficiar os economicamente menos favorecidos, é recomendável tributar menos o setor produtivo e empresarial, pois os custos de produção e da folha salarial refletirão no preço final da mercadoria, produto ou serviço e, consequentemente, no poder aquisitivo do salário do trabalhador, em detrimento da economia como um todo.
No que concerne à possibilidade de redistribuição, aos economicamente mais vulneráveis, de parte do dinheiro público proveniente dos tributos pagos pelos contribuintes, viável por meio do mecanismo de “cashback” em países que já alcançaram a estabilidade socioeconômica, talvez seja ineficaz e até prejudicial naqueles em que o amadurecimento democrático ainda está por ser conquistado, e nos quais poderia ser considerado apenas um chamariz para obter o apoio popular, p.ex., na aprovação de todo um projeto de lei, sem maiores questionamentos. Neste salto olímpico rumo à consecução de um ideal, todos – ricos e pobres - correm o risco de “pagar o pato” pelas eventuais más escolhas e decisões tomadas a toque de caixa pelos expoentes da soberania popular e, como de costume, sem a devida transparência, principalmente quanto ao que pode resultar a longo prazo. Além disso, trata-se apenas de mais uma opção política, dentre tantas outras, pois o “cashback” (cujo mecanismo facilita a redistribuição, aos próprios contribuintes, de parte do dinheiro arrecadado) dependerá não apenas da edição de lei infraconstitucional que a estabeleça e da boa gestão dos cofres públicos.
Saliente-se, ademais, que as consequências da aprovação da reforma tributária nas finanças públicas e na economia “privada” - a curto, médio e longo prazo – dependerá, a rigor, de diversos fatores, em especial, do “peso da carga tributária sobre o consumo” para os contribuintes, uma vez que este peso oscilará, a cada mandato, em conformidade com a política adotada pelo governo federal, a ser observada pelos demais entes da federação brasileira. Com efeito, a opção pelo aumento da tributação, dentre outros fatores, poderá favorecer a perda da credibilidade do mercado brasileiro de capitais, que é uma das possíveis causas da inflação e da perda do valor aquisitivo da moeda nacional, e, por via de consequência, a diminuição do consumo, a queda no setor produtivo e empresarial e, nessa toada, o aumento do desemprego, da miséria e da violência que, geralmente, abalam as estruturas de qualquer Estado Democrático de Direito. Diante desse cenário hipotético, quais seriam as supostas “travas” consideradas aptas para “impedir” nossos representantes parlamentares de aumentar a carga tributária total sobre o consumo, considerando-se que, até o presente, já foram editadas 128 emendas constitucionais para reformar a CF/88?
Nesse passo, impende reiterar que a transparência na gestão das contas públicas é essencial não apenas para reacender o espírito cívico, como também para assegurar maior credibilidade à moeda brasileira, necessária para afastar o capital especulativo (de curto prazo), atrair o capital seguro (de longo prazo) e, assim, fortalecer as relações econômicas no âmbito interno e internacional, em benefício do empreendedorismo, geração de empregos, melhores salários e redução dos gastos públicos. Note-se que a CF/88, exige transparência na destinação do dinheiro proveniente da arrecadação dos impostos e, não obstante, tem-se a impressão - espera-se, equivocada - de que a grande maioria dos brasileiros sequer tem noções básicas de economia financeira para compreender a origem do dinheiro público arrecadado para que possa, na medida do possível, pagar seus tributos com satisfação ou, sempre que julgar necessário, cobrar de seus governantes a eficiente aplicação desse dinheiro.26
Tornando ao nosso rumo, tudo leva a crer que a reestruturação do atual “federalismo fiscal”, tal como previsto na vigente CF/88, a rigor, é a primeira condição para a implementação do respectivo “arcabouço fiscal” no plano infraconstitucional. Contudo, não cabe, nessas breves linhas, debater qual seria a melhor forma de Estado para o Brasil, se a federativa ou a unitária, nem mesmo esmiuçar o peculiar federalismo fiscal do nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º c/c inc. I, do 4º, do art. 60, da F/88). No entanto, não resta a menor dúvida de que a transparência é condição sine qua non para a proposta de qualquer inovação no ordenamento jurídico e, com maior razão, no texto original da vigente Constituição Federal.
Com base nessas ligeiras observações, cremos que os consumidores - patrões e empregados, abastados e menos abastados, mas todos, sem exceção, na condição de “contribuintes de fato” -, têm interesse em qualquer proposta de reforma tributária “infraconstitucional” tendente a (i) reduzir a complexidade causada pelo excesso de legislação infraconstitucional, (ii) tornar mais transparente a tributação, para que todos possam compreender quem é tributado, como, quando e quanto está sendo tributado, qual é a aplicação, e respectivos resultados, do dinheiro que passa pelos cofres públicos ao sair do bolso do contribuinte; (iii) favorecer a livre iniciativa e assegurar a livre concorrência, em prol da melhor qualidade dos bens e serviços disponibilizados para consumo; e que, observando as diretrizes da vigente “Constituição Cidadã”, também seja tendente a (iv) valorizar o trabalho humano, para que os filhos deste solo possam conquistar com braço forte, sob o sol da liberdade, um novo mundo, de amor e de esperança, digno de se viver!
Aqui chegados, resta confiar que essas breves linhas possam exaurir seu escopo se, de alguma forma, contribuírem para esclarecer a população acerca das questões relevantes que envolvem a proposta de reforma tributária a ser aprovada e promulgada pelos nossos representantes parlamentares – que, neste quadriênio de 2023-26, compõem as duas Casas do Congresso Nacional -, com o firme propósito de remanejar os pilares da Constituição Federal de 1988, no afã de irromper novos e melhores caminhos para o povo brasileiro.27