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A condição jurídica do estrangeiro sob a perspectiva histórica do Direito Internacional

Agenda 09/08/2023 às 13:47

O estrangeiro está no centro das discussões do Direito Internacional Privado. É o elemento de estraneidade que circunda a norma objeto de estudo desse campo jurídico. Desde os pioneiros que iniciaram a especialização da área até os dias de hoje, são os direitos e deveres do forasteiro que fundamentam a forma de abordagem e a escolha da lei aplicável (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Associa-se o início do Direito Internacional Privado, pelo menos da forma moderna como entendemos hoje, com as Grandes Navegações e tomada do continente americano pelos europeus, em detrimento dos moradores originários. Francisco de Vitória, jurista espanhol que viveu entre 1483 e 1546, em suas reflexões sobre os indígenas do continente americano, trouxe ao debate jurídico o que basearia a possibilidade de chegada de estrangeiros em terras alheias. Haveria um direito do europeu sobre o território de outro? Ou um dever do nativo em recepcionar esse estrangeiro? (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Vitória entendia que não haveria um direito do ser humano sobre a propriedade privada de outro, mas que a mobilidade das pessoas pelo mundo estaria baseada no direito de comunicação inerente a todos. Há a necessidade de interação social e isso está entrelaçado a cada nacional e estrangeiro. Também entende que, nas relações sociais, há, ainda, um direito e, por outro lado, um dever de hospitalidade (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Já se tem, nesse momento, as bases da livre circulação de pessoas, notadamente as pessoas físicas, e como o Direito Internacional Privado se ocupou de garantir a legitimidade da mobilidade estrangeira, dando as bases para que outros direitos humanos fossem construídos em caráter universal, sobretudo em relação à igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Para Vitória, esse direito à comunicação, que garantiria inclusive a residência dos estrangeiros no país, somente seria limitado à nocividade que essa entrada do forasteiro pudesse gerar. Em contrapartida, alguém que não cometeu um crime, não deveria ser compelido a sair do território (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Hugo Grócio, jurista neerlandês, que viveu entre 1583 e 1645, desenvolveu o direito à hospitalidade e, por sua vez, à mobilidade internacional, detalhando algumas nuances. Ele entendeu o direito à comunicação como base para garantir o direito de permanecer no país estrangeiro e de sair do próprio país. Contudo, o direito de permanecer no país estrangeiro e de sair de seu próprio país não são absolutos. Há os deveres do nacional em relação à sua nação, que devem ser respeitados, além de restrições que sejam fundamentais ao interesse da sociedade. Há, por outro lado, o direito de passagem inocente, podendo o ser humano atravessar qualquer terra em qualquer nação (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Samuel von Pufendorf, jurista alemão, que viveu entre 1632 a 1694, entendia, como Grócio, que a liberdade de emigração é inerente ao ser humano, submetida a exceções em caso de deveres quanto à sua própria nação. Contudo, quanto à imigração, priorizou a soberania em detrimento à hospitalidade, ainda que entendesse que a admissão de estrangeiros deveria ser incentivada a favor dos interesses do Estado (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Christian von Wolff, filósofo alemão, que viveu entre 1679 e 1754, ratificou a teoria de Pufendorf, reivindicando a soberania estatal para decidir sobre a admissão do estrangeiro em seu território, sendo passível de sanções penais a sua desobediência. Contudo, ressalvou o direito à passagem, que incluída o direito de permanecer no território, de forma inofensiva, em situações justificáveis (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

Emer de Vattel, jurista suíço, viveu entre 1714 e 1767, entendia que o havia uma percepção jurídica da migração em seu aspecto interno e externo. Quanto ao externo, é do Estado a competência para decidir sobre a entrada de estrangeiros em seu território. No interno, o direito à passagem é a regra, tendo em vista o direito de necessidade que deve ser equilibrado com a soberania (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

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O direito de necessidade foi o precursor da atual defesa dos direitos humanos indispensáveis a toda pessoa física, diante dos quais a propriedade privada não pode ser utilizada para restringi-los. Desse modo, o critério de proporcionalidade deve ser analisado caso a caso, para serem verificadas as condições de entrada do estrangeiro no país (CHETAIL, 2016; RAMOS, 2016).

No ordenamento jurídico do Brasil, para se entender a definição de estrangeiro enquanto pessoa física, é necessário compreender a questão do nacional e, por exclusão, compreender o forasteiro como não nacional. Há um histórico de disposições ao longo das Constituições em vigor no país, das quais se destacam alguns pontos.

Na Constituição Brasileira de 1824, os brasileiros seriam, entre outros, os nascidos no território que não estivessem na condição de escravizado, além disso os portugueses residentes no país que permaneceram no Brasil na época da Proclamação da Independência.

Por outro lado, na Constituição de 1891, passa a ser brasileiro todo aquele nascido na pátria, bem como os estrangeiros que residiam no Brasil durante a Proclamação da República e, dentro de 6 meses, não manifestaram a intenção de continuar como estrangeiro. Entre outras formas, destaca-se, ainda, a possibilidade de se tornar nacional o estrangeiro residente no país que tivesse, no território, um imóvel, um cônjuge ou filhos e não demonstrasse interesse em continuar como estrangeiro.

Nas Constituições de 1934, de 1937, de 1946, de 1967 e de 1969, foi respeitada a nacionalidade prevista na Constituição de 1891 dos estrangeiros que se tornaram nacionais no dia da Proclamação da República e dos estrangeiros que mantiveram residência, com propriedade, cônjuge ou filhos. Esta forma de nacionalidade foi lida como direito adquirido.

Quanto à Constituição de 1946, passou a prever uma forma especial de naturalização dos portugueses residentes no país, seguida pelas Constituições de 1967, de 1969 e de 1988. Nas Constituições de 1967, de 1969 e de 1988, foram previstas, de forma separada, a forma de atribuição de nacionalidade por natos e por naturalizados. E, na Constituição de 1988, foi prevista forma especial de naturalização a todos os estrangeiros originários de países de língua oficial portuguesa.

O Decreto-lei nº 406, de 4/5/1938, tratava da entrada de estrangeiros no território nacional, vendo a entrada permanente de pessoas com deficiência, limitando, ainda, a entrada de pessoas por motivo de raça, etnia e condição econômica e a formação de núcleos coloniais constituídas por uma única nacionalidade. Por outro lado, era incentivada a celebração de tratados bilaterais para imigração de trabalhadores agrícolas.

O Decreto-lei nº 7.967, de 18/9/1945, dispunha sobre imigração e colonização. A norma expressamente previa que, na admissão dos imigrantes, a regra norteadora seria a de preservar as características europeias da população, no que diz respeito à sua composição étnica. Por outro lado, previa a defesa do trabalhador nacional como princípio basilar na entrada de estrangeiros no país.

No Decreto-lei nº 941, de 13/10/1969, que tratava da condição jurídica do estrangeiro, havia a previsão de que todos estrangeiro residente no Brasil gozaria de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis. A Lei nº 6.815, de 19/8/1980, o Estatuto do Estrangeiro, previa que, na aplicação da norma, seriam consideradas a segurança nacional, a organização institucional, os interesses políticos, sociais, econômicos e culturais e a defesa do trabalhador nacional. Além disso, também previa que a equiparação de todos os direitos dos brasileiros aos estrangeiros residentes.

Atualmente, está em vigor a Lei nº 13.445, de 24/5/2017, que instituiu a Lei de Migração. Nela, foi previsto, como princípio e diretriz, o repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação. Além disso, ao migrante é garantida no território nacional, ainda que não residente, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade de direitos expressamente assentados, como a liberdade e a igualdade.

Referências:

CHETAIL, Vicent. Sovereignty and Migration in the Doctrine of the Law of Nations: An Intellectual History of Hospitality from Vitoria to Vattel. European Journal of International Law, Oxford, v. 27, n. 4, p. 901-922, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1093/ejil/chw059. Acesso em: 2 ago. 2023.

RAMOS, André de Carvalho. Estatuto pessoal no Direito Internacional Privado: evolução e perspectivas no Brasil. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 110, p. 451-470, 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/115502. Acesso em: 2 ago. 2023.


Este trabalho foi apresentado para avaliação da disciplina “Direito Internacional Privado e Globalização”, ministrada pela professora Dra. Eugenia Cristina Nilsen Ribeiro Barza, no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE, no primeiro semestre de 2023.

Sobre a autora
Lorena Ferreira de Araújo

Advogada | Doutoranda e Mestra em Direito Privado | Pós-Graduanda Lato Sensu em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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