A inviolabilidade do domicílio é direito fundamental resguardado pela Constituição da República de 1988, disciplinado mais especificamente no artigo 5°, inciso XI. Não sem razão, a casa é local de refúgio e no qual o morador exerce sua autoridade plena, não podendo ocorrer interferências de onde quer que seja.
Regra essa aplicável ao próprio Estado, bem como aos seus agentes. Quero dizer, não pode o poder público violar a intimidade de modo tão aviltante a ponto de interferir no bom convívio domiciliar e romper com a autoridade maior naquele ambiente, aquele que lá reside.
Entretanto, como é de costume ouvir-se no meio jurídico, nenhum direito é absoluto, encontrando limitação em si próprio e em outros direitos. Assim também o é com a inviolabilidade da casa, encontrando exceções na própria constituição. São elas, quando em seu interior, estiver ocorrendo flagrante delito ou desastre, para prestar socorro a quem lá esteja e em caso de haver ordem judicial.
Nos três primeiros casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – qualquer pessoa do povo ou agente policial lá poderá adentrar, com o fim de interromper a ocorrência do delito ou socorrer quem estiver em situação de perigo, podendo ocorrer durante o dia e mesmo durante a noite. Já a quarta possibilidade envolve maiores questões.
O dispositivo ao falar em “determinação judicial” por si só é muito genérico, possibilitando maiores aberturas, o que acaba por fragilizar a sentido de proteção perquirido pelo próprio legislador constitucional. Mas aqui cabe frisar a lei infraconstitucional é quem deve estabelecer os limites ao poder judiciário para a prolação de tais determinações, partindo do preceito que a regra é a inviolabilidade.
Nesse sentido vem o §1° do artigo 240 do Código de Processo Penal trazer casos em que havendo decisão judicial, em sua maioria na ocorrência de ação penal ou investigação, deverá a autoridade policial adentrar o domicílio para cumprir a determinação. É a redação do dispositivo autorizador,
“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.”
Na sequência, o artigo 242 do mesmo código diz que “a busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes”, o que acaba por corroborar nosso entendimento que tais situações ocorrerão na existência de processo ou investigação policial.
Cabe aqui uma ressalva quanto ao disposto no artigo 240. Considerando ser assente que o processo penal tem natureza acusatória, na qual o juiz não produz prova, não me parece adequada a autorização para que o magistrado determine a busca domiciliar, e por consequência a casa seja violada, sem que seja provocado por qualquer das partes, devendo passar ao desuso.
Voltando ao disposto na Constituição Federal, mesmo havendo autorização judicial, para adentrar a residência e cumprir a ordem, deverá estar durante o período diurno. O que não é aplicável nas três primeiras situações.
Ainda que aqui nos atenhamos aos aspectos penais e processuais penais, é de deixar claro que existem casos fora do âmbito penal em que é possível a violação do domicílio, como é o caso da lei 13.301/2016 (lei do mosquito) que autoriza o ingresso forçado para combate ao mosquito transmissor de dengue, Chikungunya e zika, mas que no presente não nos interessa.
Pois bem, é autorizado o agente policial ingressar na casa – no âmbito do direito criminal – mesmo sem a permissão do morador quando:
Estiver ocorrendo um crime em seu interior, independentemente do horário;
Para prestar socorro a quem lá estiver, independente do horário;
Em caso de desastre, sem ressalva de horário; ou
Houver ordem/autorização judicial, nos casos previstos na legislação infraconstitucional, apenas durante o dia.
Cumpre destacar que até pouco tempo a lei não determinava o que seria compreendido como dia ou período diurno, tendo algumas situações estabelecidas apenas pela doutrina e jurisprudência. Entretanto o legislador ao disciplinar os crimes de abuso de autoridade por meio da lei 13.869 de 2019 definiu o que pode ser compreendido como período noturno, isto é, o lapso entre as 21H de um dia e as 05H do outro, podendo inferir a contrario sensu que será tido por dia o período não compreendido neste lapso.
Assim sendo, devemos estar atentos aos casos autorizadores bem como seus requisitos de formalidade. Não sem razão, pois independentemente dos objetivos tidos para a realização da busca domiciliar, por exemplo, em ocorrendo o descumprimento dessas formalidades poderá ser o caso de invalidação do processo por inteiro ou de algum de seus atos.
Portanto, a melhor atitude a ser tomada quando estiverem cumprindo uma ordem judicial na sua residência é você ligar para um advogado. Pois este saberá as atitudes a serem tomadas e identificar eventuais ilegalidades a serem levantadas no processo, em busca do melhor resultado possível para seu caso em concreto.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/situacoes-em-que-o-policial-pode-entrar-em-sua-casa