O trabalho decente é um dos princípios fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e é definido como trabalho realizado em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade para o trabalhador. No entanto, muitas empresas ainda não possuem essas condições em seus locais de trabalho.
O trabalho decente é fundamental para a construção de negócios responsáveis, se tornando essencial a adoção desta prática pelas empresas. Isso porque trabalhadores que são tratados com dignidade, respeito e justiça tendem a ser mais produtivos, engajados e leais ao empregador. Além disso, uma empresa que se preocupa em fornecer trabalho decente também constrói uma boa reputação, atraindo clientes e investidores que valorizam a responsabilidade social e a sustentabilidade.
Contudo, mesmo diante do clamor atual para proporcionar condições justas, dignas e trabalho decente, muitas empresas ainda mantem um comportamento ultrapassado e indigno de tratamento com seus colaboradores. Diante da perspectiva de busca desenfreada por produtividade e maiores lucros, haja vista um mercado cada vez mais competitivo, não poucas vezes, o empregador permite atitudes hostis em relação ao trabalhador, que muitas vezes é visto como substituível.
Muito comum, por exemplo, o superior hierárquico, na busca desenfreada por produtividade e visando o cumprimento de metas e mesmo a manutenção do próprio cargo ou bonificações, exercer seu poder diretivo sobre a pessoa do trabalhador e não sobre a força de trabalho dele, como seria o correto, gerando o risco de ação direcionada abusiva, que pode, se reiterada, configurar em assédio moral.
O assédio moral que, como indicado, é caracterizado por um comportamento abusivo e repetitivo, abarca ações humilhantes, intimidatórias, discriminatórias entre outras, que afetam a saúde ocupacional dos trabalhadores, causando estresse, ansiedade, depressão, esgotamento e síndrome de burnout.
Não obstante as consequências de ordem psicológica e mesmo físicas, é importante tirar esse debate dos consultórios médicos e psicológicos e ampliá-lo para o conjunto da sociedade, haja vista, por um lado, as adversidades da vítima refletirem no seu seio familiar e social, por outro, o mau exemplo dos agressores possivelmente reverberarem para além dos muros da empresa, junto à cadeia de suprimentos e clientes. É necessário que condutas desumanas por parte do empregador sejam reprimidas de modo que mude a cultura das organizações e, por consequência, seus impactos junto às partes relacionadas, o que inclui a sociedade.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em diversos países desenvolvidos, as estatísticas apontam distúrbios mentais relacionados com o assédio moral no ambiente de trabalho. É o caso da Finlândia, da Alemanha, do Reino Unido, da Suécia e dos Estados Unidos, por exemplo.
No Brasil, a reflexão e o debate sobre o tema, ainda precisa melhorar, conforme aponta matéria veiculada no Jornal Globo em 16/06/20201, também levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC), que mostra que mais da metade dos profissionais brasileiros pratica ou tolera assédio em seu ambiente de trabalho- o estudo, que avaliou 2.435 participantes de 24 empresas privadas do Brasil, revelou que 41% dos respondentes omitiriam eventual assédio, possivelmente em decorrência do receio de retaliação, o que demonstra possível fragilidade dos canais de denúncia implementados pelas empresas.
Prevenir e combater o assédio moral, e promover a saúde ocupacional, são ações essenciais para as empresas que desejam construir um ambiente de trabalho saudável e justo, capaz de garantir o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores, também para as empresas que objetivam reter e atrair talentos, também clientes atentos às práticas organizacionais. Por isso, é necessário que as empresas estejam atentas aos problemas e busquem soluções e parcerias que contribuam para a promoção do trabalho decente e responsável, promovendo relações mais justas e equitativas junto a todos seus públicos.
Muitas iniciativas têm sido desenvolvidas para promover o trabalho decente e combater o assédio moral e a falta de saúde ocupacional em empresas ao redor do mundo.
Diversas organizações internacionais, como a OIT e a Organização das Nações Unidas (ONU), têm desenvolvido normas e diretrizes para as empresas orientarem suas ações e observarem critérios que inclusive são objeto de pactos governamentais internacionais. Além disso, diversas iniciativas de certificação e premiação, como o Selo Empresa Amiga da Criança e o Prêmio Empresa Pró-Ética, estimulam adoção de critérios sobre a matéria “em troca” dos selos de reconhecimento, os quais, inegáveis, geram valor às marcas aderentes.
Muitas empresas também têm internalizado essas questões em seus princípios de responsabilidade social e adotado medidas para implantá-las em sua cadeia de suprimentos. Muitas empresas têm estabelecido políticas de não tolerância ao assédio moral, realizado treinamentos e campanhas de sensibilização, implementado canais de denúncias e parcerias com organizações da sociedade civil para monitoramento da situação dos trabalhadores em toda a cadeia produtiva.
É possível perceber que as empresas que tratam de modo preventivo quanto ao assédio moral, tendem a ter maiores resultados financeiros, pois existem instrumentos dentro das empresas que poderiam ajudar de alguma forma, no sentido de estar discutindo as condições no trabalho. É necessário que se preparem os gerentes, diretores, supervisores, líderes em geral, para identificarem conflitos interpessoais e resolvê-los de forma preventiva e humanizada.
O sucesso de um empreendimento depende muito dos talentos humanos que compõem o seu quadro de colaboradores, o processo de globalização econômica que vem ocorrendo no Brasil e no mundo pressiona as empresas a serem cada vez mais competitivas no mercado interno e externo. Um dos fatores que pode tornar uma empresa de sucesso é o seu diferencial no atendimento. E para que isto ocorra, a organização deve estar em perfeita harmonia em todos os seus níveis hierárquicos; isso depende diretamente dos seus talentos humanos.
Além disso, as empresas comprometidas com boas práticas culturais, qualidade de gestão e bons princípios éticos, atraem a mão de obra qualificada, considerando que o novo profissional, como apontou pesquisa realizada pela Cia de Talentos, conhece os princípios das organizações e busca aquelas com as os quais se identificam com valores.
Concluímos que um dos grandes desafios para a implementação do trabalho decente nas empresas é a resistência as mudanças, especialmente em relação a hábitos e práticas enraizadas na cultura organizacional. Porém, com a adoção de boas práticas de governança corporativa, como a transparência e a prestação de contas, é possível superar essas barreiras e promover um ambiente de trabalho mais justo e humano.
Portanto, o trabalho decente é uma condição necessária para a construção de negócios responsáveis e sustentáveis. As empresas que valorizam a dignidade e os direitos dos trabalhadores, repudiam qualquer prática de assédio têm maior probabilidade de prosperar e conquistar a confiança de seus clientes, colaboradores e investidores.
Advogada, formada na Universidade Católica de Minas Gerais, com pós-graduação em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Faculdade Arnaldo. Consultora Sênior da FourEthics Consultoria e sócia do escritório de advocacia Ferreira e Lima Assessoria Jurídica, Juliana conta com mais de 12 anos de experiência como advogada in house e de consultoria em GRC nas indústrias da construção civil e química, também no atendimento de holding não financeiras, particularmente nas diligencias pré-investimento e em investigações corporativas..
Autora do Artigo “Compliance Corporativo: A incluso da cláusula anticorrupção nos contratos comerciais”, publicado na Revista Percurso – Volume 1 - Agosto 2022.
2 ALKIMIM, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. 1ª edição (2005). 2ª tiragem. Curitiba: Editora Juruá. 2006.
3 BARRETO, Margarida. Assédio moral: violência psicológica que põe em risco sua vida. Coleção Saúde do Trabalhador, São Paulo: n.6, 2001.
4 __________. Uma jornada de humilhações. 2000. Dissertação (Mestrado) - Departamento Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo.
5 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
7 https://www.ciadetalentos.com.br/blog/match-de-valores-como-encontrar-uma-empresa-que-seja-a-sua-cara/