O artigo 1.784 do Código Civil prevê que aberta a sucessão, ou seja, com a morte do autor da herança, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
O artigo 1.791 do mesmo diploma legal determina que a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros e, até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. Ou seja, no momento da morte do autor da herança, todos os herdeiros recebem a mesma posse deixada – isso significa, por exemplo, que se o de cujus deixou imóvel sem matrícula, os herdeiros receberam o imóvel nessa mesma condição. É o que determina o artigo 1.206 que prevê que a posse se transmite aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Assim é certo que a posse é transmitida na data da morte do autor da herança e todos os herdeiros, nessa mesma data, herdam a posse deixada pelo autor da herança nas mesmas condições. Verifiquemos o seguinte exemplo: os genitores, já falecidos, possuíam 20 anos de posse em um determinado imóvel; a partir da data da morte dos genitores, todos os herdeiros recebem esses 20 anos de posse.
Trata-se de uma sucessão possessória fundamentada no Código Civil. Primeiramente, no artigo 1.206, que determina que ao sucessor universal transmite-se a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais. Em segundo lugar, no artigo 1.243, que prevê que o possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e com justo título e de boa-fé.
Importante frisar que todos os herdeiros se aproveitam desse tempo de posse adquirido pela sucessão, uma vez que o artigo 1.791 refere-se à herança como um todo unitário. Contudo, ainda que a posse seja resultado de herança, portanto, exercida em condomínio, não há como afastar o ânimo de dono exercido unicamente por um dos condôminos e herdeiro.
O STJ no julgamento do Recurso Especial nº. 1.631.859 de 2018 analisou a possibilidade de usucapião de imóvel de herança ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. Entendeu-se que “é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. Ressalte-se, nesse vértice, a necessidade de a recorrente comprovar não estar na posse do imóvel por mero ato de tolerância de seu irmão”.
O STJ já havia se pronunciado no julgado do Recurso Especial nº 668.131 em 2010 sobre o mesmo tema. Na oportunidade o STJ assim se manifestou: “a jurisprudência já se pacificou no sentido de que o condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, e tenha sido exercida a posse exclusiva, com efetivo animus domini, pelo prazo determinado em lei, e sem qualquer oposição dos demais proprietários”. No voto do Resp, o Ministro Relator Sr. Luis Felipe Salomão citou o doutrinador Pontes de Miranda: “O regime de condomínio, contudo, é posto de lado no momento em que houver de fato a posse exclusiva por parte de um só condômino, que passa a ter a coisa como sua ("pro suo"), com exclusão dos demais, agindo, inclusive, por meio de uma série de atos indicativos de seu animus domini a fim de afastar por completo qualquer ato passível de ser interpretado como ato praticado em nome da coletividade. Isso porque, muito embora a comunhão continue a existir de direito, ela deixou de existir de fato. (Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado, p. 124/128)”.
Ainda no que se refere ao objeto, o entendimento dos tribunais é do cabimento da usucapião entre condôminos no condomínio tradicional, desde que seja o condomínio pro diviso, ou haja posse exclusiva de um condômino sobre a totalidade da coisa comum. Exige-se, em tal caso, que a posse seja inequívoca, manifestada claramente aos demais condôminos, durante todo o lapso temporal exigido em lei. Deve estar evidenciado aos demais comunheiros que o usucapiente não reconhece a soberania alheia ou a concorrência de direitos sobre a coisa comum1
Quando um dos herdeiros quer usucapir todo o imóvel sozinho em prejuízo dos outros herdeiros, a partir de quando se conta o prazo de posse dele? Aqui está a questão. Analisemos a seguinte situação: os genitores possuem a posse de um determinado imóvel por 20 e um dos filhos (logo, herdeiro) reside com eles nesse imóvel (residiu desde o início da posse, portanto, durante os 20 anos). Com o falecimento dos genitores, esse herdeiro pode presumir que já possui o tempo de posse para usucapir todo o imóvel sozinho, uma vez que residiu no local por 20 anos. Todavia, essa interpretação não está correta pois, com a morte dos genitores, todos os herdeiros recebem esse tempo de pose (20 anos) como herança.
Então, para o herdeiro que deseja usucapir o imóvel, a posse dele deve ser contada a partir do momento que passa a exercer a posse por si mesmo de forma exclusiva e com efeito animus domini. Verifica-se, portanto, que o prazo de contagem da posse começa a partir da data da morte do autor da herança.
Segundo o STJ, no julgado do Recurso Especial 1.631.859, a modalidade da usucapião para esse herdeiro usucapir a cota de posse dos outros herdeiros deve ser a extraordinária, sendo, portanto, a forma de usucapião que exige mais tempo de posse (15 anos ou 10 anos de posse do herdeiro que reside no imóvel).
Na usucapião extraordinária dispensa-se o justo título e a boa-fé, portanto, a origem da posse na violência ou clandestinidade, quando findarem, autorizam a usucapião. Necessário, assim, que o requerente possua como seu um imóvel pelo período de 15 (quinze) anos sem interrupção, nem oposição. O prazo necessário de posse será reduzido para 10 (dez) anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Código civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002 / coordenadora Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.129.
Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, Direto das Coisas, São Paulo: Saraiva, 1996.
Orlando Gomes, Direitos Reais, 11ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.
Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Código civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002 / coordenadora Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.129.︎