O presente artigo tem como objetivo trazer, em linhas gerais, uma análise sobre a alteração do regime de bens durante o casamento, explorando os aspectos legais envolvidos, bem como as implicações decorrentes da alteração
Introdução
O regime de bens do casamento é uma escolha fundamental que as partes devem fazer antes de oficializarem sua união. No entanto, ao longo do tempo, as circunstâncias podem mudar, e o regime de bens inicialmente escolhido pode não mais se adequar à realidade do casal. Nesses casos, é possível realizar a alteração do regime de bens do casamento. O presente artigo tem como objetivo explorar os aspectos legais envolvidos nesse processo, bem como os efeitos jurídicos decorrentes dessa alteração.
O casamento é um instituto jurídico que implica a união de duas pessoas, com o objetivo de constituir uma família. Um dos aspectos mais importantes a serem decididos pelos futuros cônjuges é o regime de bens a ser adotado durante o casamento. Existem diferentes regimes de bens previstos no Código Civil brasileiro, como a comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação total de bens e participação final nos aquestos. Salientando que caso queiram escolher regime diverso da comunhão parcial de bens, o casal firma o pacto antenupcial, no qual estabelece o regime de bens e condições.
Todavia, é importante destacar que casamento celebrado para maiores de 70 anos enseja a aplicação do regime da separação legal, ou separação obrigatória de bens, não sedo passível nem de escolha, nem de alteração futura.
Dos Regimes de Bens estabelecidos no Código Civil
O Código Civil estabelece quatro espécies de regime de bens:
Comunhão Parcial de Bens: Nesse regime, tudo o que for adquirido após o casamento será propriedade de ambos os cônjuges. No entanto, os bens conquistados antes do casamento permanecerão exclusivamente de propriedade da pessoa que os adquiriu.
Comunhão Universal de Bens: Nesse regime, todos os bens, incluindo os já existentes e os adquiridos após o casamento, são compartilhados igualmente entre o casal, independentemente de quem os adquiriu. Além dos bens, as dívidas também são compartilhadas pelo casal, mesmo que apenas um deles tenha contraído a dívida.
Separação Total de Bens: Nesse regime, todos os bens, adquiridos antes ou depois do casamento, têm caráter individual e pertencem apenas à pessoa que os adquiriu. Cada cônjuge pode administrar seus bens e dívidas de forma independente.
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Participação Final nos Aquestos: Nesse regime, durante o casamento, vigora a separação total de bens, permitindo que cada cônjuge gerencie seu patrimônio e dívidas de maneira independente. No entanto, caso o casamento termine, entra em vigor a comunhão parcial de bens, o que significa que tudo adquirido após o casamento deve ser dividido igualmente entre os cônjuges.
Da alteração do regime de bens
Apesar de o regime de bens ser uma escolha feita antes do casamento, o Código Civil também prevê a possibilidade de alteração desse regime após a união. O Código Civil, em seu artigo 1639, parágrafo 2º, trata sobre o tema:
Art. 1639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
(...)
2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
No entanto, essa alteração não é algo simples de se realizar e está sujeita a certas condições legais, que serão exploradas a seguir.
Das Condições para a alteração do regime de bens
Para que seja possível requerer a alteração do regime de bens do casamento, é necessário preencher alguns requisitos legais. Dentre os principais, destacam-se:
a) Consentimento mútuo: Ambos os íntimos devem concordar com a mudança do regime de bens. Caso haja discordância de um dos cônjuges, a alteração não será possível.
b) Inexistência de prejuízos a terceiros: A alteração não pode prejudicar direitos de terceiros, como credores, por exemplo.
c) Motivação relevante: Os cônjuges devem submeter-se a uma motivação relevante e justificada para a mudança do regime de bens. A simples vontade de modificar o regime não é suficiente.
A partir da leitura do dispositivo legal acima, fica evidente a viabilidade da alteração do regime matrimonial de bens, desde que haja uma autorização judicial solicitada por ambos os cônjuges. Além disso, duas condições impostas pela lei para que essa alteração ocorra são: a apresentação de um motivo justo pelos cônjuges para fazer o pedido e a garantia de que a mudança não prejudicará terceiros ou causará danos a eles.
Portanto, ao apresentar o pedido judicial, é necessário justificar a solicitação e fornecer certidões negativas como prova de que a mudança não tem o objetivo de evitar obrigações ou dívidas, respeitando, no entanto, os direitos de terceiros que possam ser afetados pela alteração.
Aqui cabe destacar uma decisão do STJ acerca das justificativas para alteração do regime, nas palavras da Ministra Nancy Andrighi: "Diante desse quadro, a melhor interpretação que se pode conferir ao parágrafo 2º do artigo 1.639 do CC é aquela no sentido de não se exigir dos cônjuges justificativas ou provas exageradas, desconectadas da realidade que emerge dos autos, sobretudo diante do fato de a decisão que concede a modificação do regime de bens operar efeitos ex nunc". Assim, há uma certa flexibilização quanto aos motivos e a desnecessidade inclusive de apresentação da listagem de bens, todavia tem que restar comprovado que não haverá prejuízos à terceiros.(grifo nosso).
Desta feita, os efeitos da mudança de regime de bens só ocorrerão após a autorização judicial, não afetando o patrimônio anterior. Esses efeitos são denominados "ex nunc", ou seja, válidos para o futuro.
Assim, a alteração do regime de bens do casamento só tem efeitos futuros, e, portanto, é perfeitamente possível, se aplicável ao regime original de bens, realizar a partilha imediata dos bens adquiridos antes da concessão da autorização judicial.
Contudo, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.671.422 entendeu possível a aplicação de efeitos “ex tunc”. No referido caso o ministro Raul Araújo, relator do caso, considerou que as partes estavam casadas no regime de separação de bens por vontade própria e, após anos de convivência, optaram pela alteração para o regime de comunhão universal, visando fortalecer a união.
Além disso, o ministro ressaltou que a mudança para a comunhão universal dificilmente prejudicaria terceiros, pois o casamento seria fortalecido com o novo regime, e todos os bens passariam a ser passíveis de penhora por eventuais credores.
O relator defendeu que a retroatividade da alteração deve ser admitida quando beneficia a coletividade, não prejudica terceiros e não causa desequilíbrio.
No caso em questão, um casal buscou a Justiça com o pedido de modificar o regime de bens de separação total para comunhão universal. Eles alegaram que o regime atual não mais atendia aos seus interesses, uma vez que a relação se consolidou e ambos construíram o patrimônio juntos.
Nas instâncias inferiores, decidiu-se que a alteração do regime de bens teria efeito a partir do trânsito em julgado, ou seja, com efeitos "ex nunc".
Diante dessa decisão, o casal recorreu ao STJ, apontando violação do artigo 1.667 do Código Civil e divergência jurisprudencial, argumentando que a modificação do regime de bens deveria produzir efeitos "ex tunc", ou seja, retroagir à data do casamento.
Por isso, foi solicitado o provimento do recurso especial, determinando que o regime da comunhão universal de bens adotado pelas partes retroaja à data do casamento.
Do Procedimento para alteração do regime de bens
Dispõe o Art. 734 do CPC que a mudança do regime de bens, observados os requisitos legais, poderá ser solicitada, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, onde devem ser apresentados os motivos que justificam o pedido de alteração, desde que resguardados os direitos de terceiros, vejamos:
Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.
§ 1º Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.
§ 2º Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.
§ 3º Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.
Assim, conforme determina o Código de Processo Civil, o procedimento para a alteração do regime de bens do casamento é judicial no qual é apresentado um pedido individual ou conjunto com as razões para a mudança, resguardados direitos de terceiros.
O juiz analisará o pedido e verificando a presença dos requisitos, determinará a realização da averbação no registro de casamento, oficializando a mudança do regime de bens.
Das Implicações jurídicas da alteração do regime de bens
A alteração do regime de bens do casamento pode trazer diversas implicações jurídicas não só para os cônjuges, como também para os familiares. Alguns aspectos importantes a serem considerados são:
a) Bens adquiridos anteriormente: Os bens adquiridos antes da alteração do regime de bens permanecem sob o regime anterior. Já os bens adquiridos após a mudança passarão a ser regidos pelo novo regime.
b) Regime da comunhão parcial de bens: Caso os cônjuges optem por alterar o regime para a comunhão parcial de bens, é importante observar que os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento serão considerados comuns ao casal.
c) Direitos sucessórios: A alteração do regime de bens também pode influenciar nos direitos sucessórios dos familiares, ou seja, na forma como os bens serão herdados em caso de falecimento de um dos familiares.
Conclusão
A alteração do regime de bens do casamento é um procedimento legal que requer atenção e responsabilidade por parte dos cônjuges. A decisão de modificar o regime deve ser bem fundamentada e de acordo comum entre ambos.
A possibilidade de alteração do regime de bens é uma ferramenta importante para adequar as relações patrimoniais do casal à sua realidade ao longo do tempo. Contudo, é aconselhável que os cônjuges procurem o auxílio de um advogado especializado em direito de família para orientá-los e garantir que a mudança seja feita de acordo com a legislação vigente e com as necessidades dos mesmos.
Referências
BRASIL. Código Civil. Lei 1046/2002. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 29/07/2023.
BRASIL. Código de Processo Civil Lei 13105/2015. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 29/07/2023
Recurso Especial nº 1.671.422 - Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: julho/2023. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.