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ITCMD: valor venal e valor de referência - reflexões sobre a correta aplicação da base de cálculo do imposto.

O presente artigo tem como objetivo trazer, em linhas gerais, uma análise sobre a base de cálculo do Imposto de Transmissão Causa Mortis no Estado de São Paulo, com considerações acerca do valor venal, valor de referência e jurisprudência dominante.

Introdução

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é uma importante fonte de arrecadação para os Estados e o Distrito Federal, sendo devido nas transmissões não onerosas de bens e direitos por herança ou doação. Nesse contexto, a determinação da base de cálculo do ITCMD é um tema relevante e que suscita debates sobre o correto critério a ser adotado. No Estado de São Paulo, uma polêmica surge em relação a essa questão, levando à discussão da legalidade da adoção do "Valor de Referência" para o ITCMD.

A Base de Cálculo do ITCMD

O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece normas gerais em matéria tributária, e uma delas é a definição da base de cálculo do ITCMD, que deve ser o "valor venal dos bens ou direitos transmitidos". O Valor Venal corresponde ao valor de mercado do bem ou direito na data da transmissão e é essencial para a correta tributação, garantindo que o imposto seja calculado de forma justa e proporcional ao valor real dos bens envolvidos.

Do valor Venal

O valor venal do imóvel é o preço que o Poder Público atribui a um determinado imóvel com o propósito de usar este valor como base para o cálculo de determinados impostos e taxas.

Do Valor Venal de Referência

O valor venal de referência é um valor estimado pela prefeitura, na maioria das vezes, expressivamente mais alto do que o valor venal utilizado para cálculo do IPTU. É um valor que é determinado com base em uma pesquisa de mercado e que não há previsão de qual é o período de atualização.

O Valor de Referência como Ponto de Atenção

A questão polêmica se dá em virtude do Decreto Estadual nº 55.002/2009, que introduziu o Valor de Referência como base de cálculo do ITCMD para imóveis no Estado de São Paulo. Essa mudança, realizada por meio de decreto, gerou questionamentos em relação à sua legalidade e constitucionalidade.

A discussão principal gira em torno do princípio da legalidade tributária, estabelecido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal. Esse princípio determina que apenas a lei pode criar ou aumentar tributos, sendo vedado qualquer tipo de tributação sem previsão legal. Ao estabelecer uma base de cálculo diferente da prevista na legislação específica do ITCMD (Lei Estadual nº 10.705/2000), o Decreto nº 55.002/2009 é considerado ilegal e inconstitucional.

No Estado de São Paulo, a lei estadual 10.705/00 estabelece que a base de cálculo do ITCMD relativa aos imóveis urbanos não pode ser inferior ao valor venal utilizado para fins de IPTU.

No entanto, causa surpresa o decreto estadual 55.002/09, que alterou a base de cálculo do ITCMD, determinando que o referido imposto seja calculado com base no "ITBI - valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis", e não mais o valor venal utilizado para fins de IPTU.

A jurisprudência majoritária, porém, entende que a imposição, através de um simples decreto, de um critério diferente daquele estabelecido na lei estadual 10.705/00 (resultando em um aumento no tributo), viola o princípio da estrita legalidade tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Do mesmo modo, o art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) é claro ao afirmar que apenas a lei pode determinar a majoração de tributos.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) Recurso Extraordinário 851.108/SP é clara ao reafirmar a necessidade de estrita obediência ao princípio da legalidade tributária, não permitindo que os Estados legislem de forma supletiva, criando ou aumentando tributos por meio de decretos. Portanto, o Valor de Referência estabelecido pelo decreto estadual não pode prevalecer sobre o Valor Venal para fins de cálculo do ITCMD, vejamos:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo 146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária. Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão causa mortis. Doação. Artigo 155, § 1º, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar. Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem supletivamente na ausência da lei complementar definidora da competência tributária das unidades federativas. 1. Como regra, no campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre direito tributário, o art. 24 da Constituição Federal dispõe caber à União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a competência plena para editar tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Sobrevindo norma geral federal, fica suspensa a eficácia da lei do estado ou do Distrito Federal. Precedentes. 2. Ao tratar do Imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o texto constitucional já fornece certas regras para a definição da competência tributária das unidades federadas (estados e Distrito Federal), determinando basicamente duas regras de competência, de acordo com a natureza dos bens e direitos: é competente a unidade federada em que está situado o bem, se imóvel; é competente a unidade federada onde se processar o inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador, relativamente a bens móveis, títulos e créditos. 3. A combinação do art. 24, I, § 3º, da CF, com o art. 34, § 3º, do ADCT dá amparo constitucional à legislação supletiva dos estados na edição de lei complementar que discipline o ITCMD, até que sobrevenham as normas gerais da União a que se refere o art. 146, III, a, da Constituição Federal. De igual modo, no uso da competência privativa, poderão os estados e o Distrito Federal, por meio de lei ordinária, instituir o ITCMD no âmbito local, dando ensejo à cobrança válida do tributo, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do art. 155. 4. Sobre a regra especial do art. 155, § 1º, III, da Constituição, é importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). 5. Prescinde de lei complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis – e respectivos direitos -, móveis, títulos e créditos no contexto nacional. Já nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto. 6. O art. 4º da Lei paulista nº 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados. 7. Recurso extraordinário não provido. 8. Tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. 9. Modulam-se os efeitos da decisão, atribuindo a eles eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão em questão, ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente.(STF - RE: 851108 SP, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 01/03/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 20/04/2021)

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Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consolidou jurisprudência no sentido de que o ITCMD deve ser apurado com base no Valor Venal dos bens e direitos transmitidos, conforme determinado pela Lei Estadual nº 10.705/2000. A utilização do Valor de Referência, conforme previsto no Decreto Estadual nº 55.002/2009, foi considerada inconstitucional e, portanto, inválida, vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD). Base de cálculo que deve corresponder ao valor venal para fins de cobrança do IPTU. Inteligência do art. 38 do CTN e arts. 9º e 13 da LE nº 10.705/00. Impossibilidade de se majorar tributo por meio da alteração da base de cálculo promovida pelo Decreto nº 55.002/09. Possibilidade, contudo, de o Fisco, por meio de procedimento administrativo e respeitando o contraditório e a ampla defesa, apurar o correto valor, caso não concorde com o valor declarado ou atribuído ao bem. Precedentes. Sentença mantida. Remessa necessária conhecida e não provida, com observação. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1010958-34.2021.8.26.0053; Relator (a): Vera Angrisani; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 28/07/2023; Data de Registro: 28/07/2023)

APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA – Mandado de Segurança – ITCMD – Imóvel – Pretensão ao recolhimento do tributo tomando-se por base de cálculo o valor venal correspondente dos lançamentos de IPTU – Admissibilidade – Decreto que extrapola a reserva legal e ofende o disposto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal e artigo 97, incisos II e IV c.c § 1.º, do Código Tributário Nacional – Base de cálculo que deve corresponder ao valor de mercado, nunca inferior ao IPTU ou ITR, a teor do disposto na Lei Estadual nº 10.705/00 – Possibilidade, contudo, de se franquear ao Fisco o direito de instaurar procedimento administrativo para arbitramento da base de cálculo do imposto a ser recolhido, nos termos do artigo 11 da Lei Estadual nº 10.705/00 – Sentença mantida – Preliminares rejeitadas – Recursos desprovidos. (TJSP;  Apelação / Remessa Necessária 1002552-27.2023.8.26.0482; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Prudente - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/07/2023; Data de Registro: 28/07/2023)

TRIBUTÁRIO – ITCMD – BASE DE CÁLCULO – MANDADO DE SEGURANÇA – Pretensão ao recolhimento do ITCMD tomando-se por base de cálculo o valor venal de lançamento do IPTU, e não do ITBI – Alteração pelo Decreto Estadual nº 55.002/2009 que violou o art. 150, I, da CF e o art. 97, II, IV, e § 1º do CTN – Ofensa ao princípio da estrita legalidade tributária, pois não poderia o Poder Executivo Estadual editar ato infralegal (decreto) com o condão de majorar o tributo em exame, visto que referida prática onera sobremaneira o contribuinte, além de violar os ditames constitucionais atinentes à reserva legal, razão pela qual, no caso em exame, deve ser adotado o valor venal do imóvel de lançamento do IPTU a título de base de cálculo do ITCMD – Possibilidade de o Fisco instaurar procedimento administrativo para verificar se o valor de mercado do bem (Lei Estadual nº 10.705/2000, art. 11), à época da transmissão, era maior ou não que o valor do IPTU, para fins de arbitramento da base de cálculo do tributo – Sentença integralmente mantida – Apelação e remessa necessária desprovidas, com observação. (TJSP; Apelação / Remessa Necessária 1013523-97.2023.8.26.0053; Relator (a): Carlos von Adamek; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 15ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/07/2023; Data de Registro: 27/07/2023)

Considerando a patente ilegalidade e inconstitucionalidade do Decreto nº 55.002/2009, é possível concluir que o cálculo do ITCMD deve ser realizado com base no valor venal dos bens e direitos transmitidos, em conformidade com o disposto no Código Tributário Nacional.

Assim, é imprescindível que a base de cálculo do ITCMD para imóveis urbanos seja o valor venal utilizado para fins de IPTU. Contudo, é importante ressaltar que, se houver discordância por parte do fisco em relação ao valor declarado ou atribuído ao bem, fica assegurado o direito de instaurar um processo administrativo de arbitramento, conforme disposto no art. 11 da lei estadual 10.705/00 e art. 148 do Código Tributário Nacional (CTN)

Essa decisão traz alívio para os contribuintes que se sentiam prejudicados pela majoração indevida do ITCMD em razão da aplicação do Valor de Referência. A correta aplicação do Valor Venal, que se baseia no valor de mercado dos bens, é um importante mecanismo para garantir a justiça fiscal e evitar distorções no cálculo do imposto.

Conclusão

Em síntese, o confronto entre o Valor Venal e o Valor de Referência no cálculo do ITCMD trouxe à tona a importância do princípio da legalidade tributária e da estrita obediência à Constituição Federal. A adoção do Valor de Referência pelo decreto estadual foi considerada inconstitucional, reafirmando a necessidade de respeito à legislação específica e ao devido processo legal na instituição e majoração de tributos. Essa decisão traz segurança jurídica aos contribuintes e reforça a importância de se pautar as decisões fiscais em sólidas bases legais.

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Referências:

https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2000/lei-10705-28.12.2000.html. Acesso em 30/07/2023

https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2009/decreto-55002-09.11.2009.html. Acesso em 30/07/2023

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